Mariúpol, a nova Guernica
«Ao pintar a Guernica, Picasso mostrava-nos também o horror em Mariúpol.»
Juan Claudio de Ramón, no El Mundo. Em sintonia com o que escrevi aqui a 6 de Março.
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«Ao pintar a Guernica, Picasso mostrava-nos também o horror em Mariúpol.»
Juan Claudio de Ramón, no El Mundo. Em sintonia com o que escrevi aqui a 6 de Março.
Há uma diferença entre plágio e roubo. O plagiador "inspira-se" na criação alheia. Por vezes para citá-la de forma explícita, como quando Maurício de Souza põe a inconfundível cara da sua Mônica no corpo da Mona Lisa.
O ladrão apropria-se disso sem prestar vénia nem pedir licença.
Os ladrões, por sua vez, dividem-se entre os lamurientos e os restantes.
Os lamurientos são aqueles que, sem o menor vertígio de vergonha, surgem à boca do palco no papel de abusados na expectativa de deixarem de ser apontados a dedo enquanto abusadores. Chegam ao ponto de lamentarem sofrer "danos de imagem" quando surge a notícia de que andaram anos - às vezes décadas - a assaltar propriedade intelectual. Ou a "furtar", para usar o delicado verbo a que algum jornalismo servil recorreu para noticiar a impune pilhagem aos paióis de Tancos.
Aqui chegados, cumpre reconhecer o talento de Tony Carreira, que pode invocar Picasso como caução intelectual. Dizia o criador da Guernica que "os bons artistas copiam e os grandes artistas roubam".
Nesta acepção, Carreira é indiscutivelmente um grande artista.
Recordo, há uns anos, em conversa sobre o Guernica, de alguém me dizer que, para um especialista em pintura ou para um aspirante a pintor, mais do que apreciar aquele famoso quadro, o mais emocionante era ver e estudar os 45 esboços e estudos prévios igualmente expostos nas galerias contíguas. Compreendi a lógica. Muitas vezes, e dependendo sempre da perspectiva de quem vê, o mais importante pode ser o processo técnico e artístico que conduz a um determinado fim.
Para um simples admirador de pintura, como é o meu caso, é naturalmente a obra final que mais interessa, porque é lá que a arte e a mensagem atingem a sua plenitude, aquelas que o artista queria transmitir, deixar para a Humanidade. E no caso do Guernica, o que vi há uns anos no Museu Reina Sofia, em Madrid, foi a expressão máxima da violência e da destruição, provocada pelo bombardeamento dos aviões da Alemanha Nazi, aliada de Francisco Franco, sobre a pequena aldeia basca perto de Bilbao, precisamente a 26 de Abril de 1937, em plena Guerra Civil Espanhola. Todo o quadro é um retrato premonitório do horror apocalíptico que se viria viver poucos anos depois na II Guerra Mundial e uma antecipação dos bombardeamentos massivos que seriam levados a cabo pela Luftwaffe. Mais mais do que isso, é um grito constante de sofrimento de uma população indefesa.
Além de toda a componente artística, aquilo que me toca tanto neste quadro é o facto de representar uma reacção imediata do pintor aos acontecimentos, uma espécie de “fotografia” em tela... E, sobretudo, a visão e o sofrimento de Picasso, o seu statement contra a perversidade que o Homem consegue infligir ao seu semelhante.
Guernica foi criado como um manifesto pacifista ou anti-guerra (ou pelo menos adquiriu esse estatuto) contra as acções políticas que conduzem a um massacre deliberado de homens, mulheres, crianças e até animais. Infelizmente, hoje, ao olharmos para o quadro de Picasso, sabemos que há sempre alguém, algures no mundo, a gritar de sofrimento por causa das motivações perversas do Homem. E nisso, 80 anos depois do génio ter pintado aquela obra prima, o mundo continua igual.
Um pintor de cabeleira azul segurando a paleta na mão esquerda enquanto o modelo posa. Em rigor, este modelo nunca terá posado, bastando ao pintor a sua proximidade, a sua presença. O modelo era Jacqueline Roque, a última mulher do pintor. Picasso (1881-1973) cruzou-se com aquela com quem viria a casar-se em 1961 por altura do falecimento de Matisse. Quando este morreu Picasso terá dito que dele recebia em testamento os seus modelos, as "odaliscas". Quando casou com Jacqueline o corpo já não tinha a vitalidade e a força da juventude, pelo que o olhar e o pincel do pintor tornam-se nos substitutos da relação carnal. Entre o final de 1962 e 1963 dedicou a Jacqueline uma série de pinturas, entre as quais Le peintre et son modèle dans l'atelier (1963). Nesta fase, Picasso usa pinceladas largas, as cores são mais imprecisas e as formas simplificadas. A este propósito acabaria por confessar um dia: "levei toda a minha vida para saber desenhar como uma criança".