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Delito de Opinião

Malagueño

Sérgio de Almeida Correia, 04.08.25

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“Beleza e Drama”, em inglês apresentada como “Beauty & Drama”, assim se intitula a exposição integrada na 4.ª edição da Bienal Internacional de Macau que está patente ao público no mastodôntico Grand Lisboa Palace, no Cotai, até 26 de Outubro de 2025.

Trata-se de uma mostra de 143 artefactos pessoais, fotografias, gravuras, desenhos, esboços, esquiços, litografias, esculturas, peças de cerâmica, que visam apresentar um tempo diferente e menos conhecido de Pablo Picasso, da sua infância e da sua relação com sua andaluza Málaga natal.

Com curadoria de Mario Virgilio Montañez Arroyo e o apoio do Museo Casa Natal Picasso, da Agencia Pública para la Gestión de la Casa Natal de Pablo Ruiz Picasso y otros Equipamentos Museísticos y Culturales e do Ayuntamiento de Málaga, a exposição está dividida em sete áreas temáticas.

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Começando por nos apresentar a sua genealogia, percorremos imagens da sua meninice, das suas primeiras roupas e sapatos de bebé, datados de 1882, aqueles com os quais começou a andar e ganhou liberdade para descobrir o mundo, e recordam-se os seus primeiros anos na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madrid, adolescência que lhe deu formação no realismo clássico dos grandes mestres. Por aqui acedemos ao conhecimento de detalhes de um mundo desconhecido da maior parte dos seus admiradores, que no entender do curador se mostram fundamentais para compreender a sua obra e evolução.

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“Mulheres”, assim se chama a primeira área temática, presta homenagem às mulheres mais importantes da vida de Picasso, com especial destaque para Françoise Gilot e Jacqueline Roque. Seguem-se “Cerâmicas”, incursão tardia na vida do artista, explorada quando caminhava já para os 70 anos, “Beleza” e “Mitos” – “bons artistas copiam; grandes artistas roubam”. Aqui fica-se a conhecer a sua reinterpretação de narrativas antigas , antes de se chegar à quinta secção, e uma da mais belas, intitulada “Touros”, onde é possível ver fotografias do pintor com alguns dos toureiros que admirava, e uns quantos dos seus fantásticos desenhos de touros, cavalos e picadores, hoje controversos, mas nem por isso menos belos, da festa brava e de todos os seus protagonistas.

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As duas última secções são “Técnica” e “Top Ten”. A primeira revelando-nos as suas experiências na gravura, impressão e recursos a técnicas mistas. “Top Ten” é um conjunto de obras essenciais, no entender do curador, demonstrativas do seu génio artístico, apego à família, à tradição e à sua maneira de estar revolucionária. São elas Figure with a Striped Bodice (1949), Paloma with her doll, Black Background (1952), Painter Picking up his Brush, and Model with Turban (1927-28, provavelmente início de 1930), Cavalier and Horse (1952), Flute Player (1951), Luncheon on the Grass (after Manet) II (1962), The Fauns and Centaurs (1947), The Great Bullfight (1949), Games and Reading (1953) e Bust of Woman with Bodice (Jacqueline in Profile) (1957-58).

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Um dos pontos, que diria alto e polémico, aliás na sequência de uma série da BBC, já com alguns anos, reside no desenho (talvez mais correctamente sketch), da pequena Raymonde, com 13 anos, que Picasso e a sua companheira Fernande Olivier terão pretendido adoptar e acabou devolvida a um orfanato em virtude de se ter descoberto que a pintara nua.

Com um interessante e apropriado recurso à Inteligência Artificial, facultando o acesso a ecrãs interactivos, registo a excelente ideia de se fazer a ligação entre secções com painéis onde se vêem reproduções de edifícios andaluzes, laranjeiras e bancos típicos dos jardins andaluzes, numa atmosfera que permite ao visitante a experiência sensorial de deixar envolver pelos aromas do jasmim, tão típico daquela região espanhola e também da China. Existe um espaço próprio para crianças, bastante conseguido e bem decorado, para aquelas poderem entreter-se e desenhar. E no final quem quiser poderá ainda adquirir reproduções e múltiplos brindes numa pequena loja junto à saída.

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Numa exposição única, original e imprescindível, fica uma nota menos para a dimensão quase minúscula e a fraca iluminação de muitas placas com os detalhes das obras, em especial nalgumas que estão em língua inglesa, e para a total ausência do português, língua oficial de Macau, e do castelhano nessas mesmas placas. Ponto a rever em futuras exposições.

Por fim, seria interessante conhecer os custos desta mostra. É público que as concessionárias de jogo estão obrigadas a múltiplos investimentos nas áreas social, cultural e de espectáculos, mas a nova política de tornar tudo confidencial deixa o público sem conhecer os contratos de concessão, que por natureza e tradição deviam ser públicos, e os valores dos investimentos que estão a ser feitos.

Até para se poder comparar as opções de cada concessionária e os custos relativos dos investimentos.

Porque uma sociedade onde tudo de repente se torna secreto e confidencial, mesmo as coisas mais corriqueiras, que sempre foram públicas e que devem ser do conhecimento público, é uma sociedade doente e de gente doente. E isso nunca é bom para ninguém.

Da arte de furtar

Pedro Correia, 14.09.17

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Há uma diferença entre plágio e roubo. O plagiador "inspira-se" na criação alheia. Por vezes para citá-la de forma explícita, como quando Maurício de Souza põe a inconfundível cara da sua Mônica no corpo da Mona Lisa.

O ladrão apropria-se disso sem prestar vénia nem pedir licença.

 

Os ladrões, por sua vez, dividem-se entre os lamurientos e os restantes.

Os lamurientos são aqueles que, sem o menor vertígio de vergonha, surgem à boca do palco no papel de abusados na expectativa de deixarem de ser apontados a dedo enquanto abusadores. Chegam ao ponto de lamentarem sofrer "danos de imagem" quando surge a notícia de que andaram anos - às vezes décadas - a assaltar propriedade intelectual. Ou a "furtar", para usar o delicado verbo a que algum jornalismo servil recorreu para noticiar a impune pilhagem aos paióis de Tancos.

 

Aqui chegados, cumpre reconhecer o talento de Tony Carreira, que pode invocar Picasso como caução intelectual. Dizia o criador da Guernica que "os bons artistas copiam e os grandes artistas roubam".

Nesta acepção, Carreira é indiscutivelmente um grande artista.

Um grito constante de sofrimento

Alexandre Guerra, 26.04.17

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Recordo, há uns anos, em conversa sobre o Guernica, de alguém me dizer que, para um especialista em pintura ou para um aspirante a pintor, mais do que apreciar aquele famoso quadro, o mais emocionante era ver e estudar os 45 esboços e estudos prévios igualmente expostos nas galerias contíguas. Compreendi a lógica. Muitas vezes, e dependendo sempre da perspectiva de quem vê, o mais importante pode ser o processo técnico e artístico que conduz a um determinado fim.

 

Para um simples admirador de pintura, como é o meu caso, é naturalmente a obra final que mais interessa, porque é lá que a arte e a mensagem atingem a sua plenitude, aquelas que o artista queria transmitir, deixar para a Humanidade. E no caso do Guernica, o que vi há uns anos no Museu Reina Sofia, em Madrid, foi a expressão máxima da violência e da destruição, provocada pelo bombardeamento dos aviões da Alemanha Nazi, aliada de Francisco Franco, sobre a pequena aldeia basca perto de Bilbao, precisamente a 26 de Abril de 1937, em plena Guerra Civil Espanhola. Todo o quadro é um retrato premonitório do horror apocalíptico que se viria viver poucos anos depois na II Guerra Mundial e uma antecipação dos bombardeamentos massivos que seriam levados a cabo pela Luftwaffe. Mais mais do que isso, é um grito constante de sofrimento de uma população indefesa. 

 

Além de toda a componente artística, aquilo que me toca tanto neste quadro é o facto de representar uma reacção imediata do pintor aos acontecimentos, uma espécie de “fotografia” em tela... E, sobretudo, a visão e o sofrimento de Picasso, o seu statement contra a perversidade que o Homem consegue infligir ao seu semelhante.

 

Guernica foi criado como um manifesto pacifista ou anti-guerra (ou pelo menos adquiriu esse estatuto) contra as acções políticas que conduzem a um massacre deliberado de homens, mulheres, crianças e até animais. Infelizmente, hoje, ao olharmos para o quadro de Picasso, sabemos que há sempre alguém, algures no mundo, a gritar de sofrimento por causa das motivações perversas do Homem. E nisso, 80 anos depois do génio ter pintado aquela obra prima, o mundo continua igual.

Doze obras-primas dos museus de França (12)

Sérgio de Almeida Correia, 10.07.14

Um pintor de cabeleira azul segurando a paleta na mão esquerda enquanto o modelo posa. Em rigor, este modelo nunca terá posado, bastando ao pintor a sua proximidade, a sua presença. O modelo era Jacqueline Roque, a última mulher do pintor. Picasso (1881-1973) cruzou-se com aquela com quem viria a casar-se em 1961 por altura do falecimento de Matisse. Quando este morreu Picasso terá dito que dele recebia em testamento os seus modelos, as "odaliscas". Quando casou com Jacqueline o corpo já não tinha a vitalidade e a força da juventude, pelo que o olhar e o pincel do pintor tornam-se nos substitutos da relação carnal. Entre o final de 1962 e 1963 dedicou a Jacqueline uma série de pinturas, entre as quais Le peintre et son modèle dans l'atelier (1963). Nesta fase, Picasso usa pinceladas largas, as cores são mais imprecisas e as formas simplificadas. A este propósito acabaria por confessar um dia: "levei toda a minha vida para saber desenhar como uma criança".