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Delito de Opinião

A entrevista

José Meireles Graça, 09.07.24

Pessoas com um deficiente sentido da arquitectura constitucional do regime democrático, que são quase todas, concentram-se no que a PGR disse na entrevista, e não no facto singelo de a ter dado.

Mas esse é o busílis. Porque o Parlamento “convidou” a PGR e a senhora optou por adiar e ir mazé à televisão dirigir-se directamente ao país.

Tivesse a senhora Procuradora-Geral o hábito de falar frequentemente e poder-se-ia dizer que era mais uma entrevista, tão anódina como as outras. Mas não: que me lembre foi a primeira à televisão, anunciada com a relevância e significado que realmente teve.

O significado é este: O Ministério Público não deve explicações ao Parlamento mas preferentemente à comunicação social – no formato e no momento que entenda.

Sucede que nem a comunicação social representa o Povo nem o Ministério Público, ainda que seja titular da acção penal, tem as prerrogativas do poder judicial, ao qual não pertence. O que significa que, ao destratar o Parlamento, o que está a fazer é lisonjear não o povo mas a populaça.

Isto é tão grave, e tão denunciador da cultura corporativa do MP, que o “mais alto magistrado da Nação”, na consagrada e oca expressão, a deveria ter chamado e dito: A Senhora até pode ir à televisão antes de ao Parlamento mas, se insistir, fá-lo-á na qualidade de ex-PGR. E se o Presidente para tanto não tem poderes (não sei, e não me dou ao trabalho de escabichar) deveria usar da sua autoridade e dar também ele uma entrevista, explicando os rudimentos do papel que, constitucional e legalmente, tem aquela magistratura.

É certo que a opinião pública respeita bastante quem tem por missão perseguir criminosos, e menos os eleitos para legislar, dos quais suspeita generalizadamente, e mais ainda quando são governantes.

Mas há aqui um equívoco: A dignidade do Parlamento não é apenas a soma da dignidade de cada um dos deputados porque o órgão é o único, além do PR (e das câmaras municipais e parlamentos regionais, mas que não detêm poderes de soberania) que resulta de uma escolha directa do eleitorado, o que não se modifica quer a sua composição seja assim ou assado. Aqui ao leme sou mais do que eu, disse o Poeta.

Quase metade do eleitorado não se dá normalmente ao trabalho de votar, exercendo o direito de não dizer coisa alguma. Isto é assim porque os eleitores abstencionistas constatam que um voto isolado (o de cada um deles) não influenciaria nada, infeliz circunstância que lhes fere a vaidade; e porque muitos acham que “isto” não tem conserto porque a sociedade que desejariam não é a que o eleitorado subscreve.

Há várias alternativas à democracia, tantas quantos os tipos de ditadura. E portanto os cépticos estão disponíveis, mais do que os outros, para acreditar em poderes isentos da podridão da luta partidária, como se as paixões que nos afligem a todos poupassem um grupo, imune a elas por definição. Divina, no caso, porque derivada de escolha popular é que não é.

Ora ora, exageros retóricos: onde estão os poderes do MP se certas decisões, nomeadamente as privadoras de liberdade, têm de ser convalidadas por juízes de instrução, e as acusações apreciadas em tribunal por juízes na verdadeira acepção da palavra?

Estão nas consequências e nos prazos: Quando se aceita pacificamente que as prisões preventivas excedam o prazo legal sem um estremecimento de indignação, ou quando o julgamento venha a desaguar em absolvição por falta de provas sem que haja penalização de carreiras por inépcia acusatória; quando, debaixo do chapéu das necessidades de investigação, se escutam personalidades anos a fio (porque, se não são desonestos, o que é facto é que o parecem, e depois às tantas até têm substâncias ilícitas em casa); quando vazam para a opinião pública factos alegados que por si destroem reputações sem que num prazo razoável daí decorram acusações das quais os visados se possam defender no lugar indicado, que é o tribunal; ou quando se influenciam decisivamente processos eleitorais com base em suspeitas que deviam estar confinadas ao âmbito da investigação (como o célebre parágrafo do comunicado desta senhora PGR): do que estamos a falar é de uma corporação que se julga no direito de escavacar reputações em nome dos vagares do seu modo de funcionamento, opaco por necessidade e inimputável porque lho consentem.

Consentem porquê? Por cobardia e oportunismo. Cobardia do poder político perante uma opinião pública que interpretará toda a limitação dos poderes do MP como cedência aos interesses ocultos de quem detém o poder de falsear a concorrência e de se enriquecer ilegitimamente, caminho que favoreceria fatalmente o tribuno Ventura, campeão, na sua shinning armour, da tese de que é melhor grelhar uns inocentes do que deixar criminosos à solta, com isso trazendo a Justiça para a rua e os tascos.

E oportunismo de não poucos corifeus do espaço mais lúcido do espectro político, que calha ser o meu, que constatando que quem está ao lume são sobretudo próceres do poder que temos tido, isto é, socialistas, e cegos pela aversão a tais espécimes, acreditam que é uma ideia razoável aceitar o exercício de poderes demasiado latos por uma categoria de empregados do Estado às qual se concedem poderes majestáticos. Sem curar de que em todos os meandros, opiniões, declarações e posições há sempre um ausente, que é o cidadão anónimo que por uma razão ou outra se vê envolvido com o MP. O qual, se assim trata quem pode, e tem bons advogados, e apoiantes e detractores na comunicação social e nas redes, o que não fará a quem não tenha nada disso?

E então, a entrevista? Tivesse a Senhora Procuradora-Geral já ido ao Parlamento, como deveria, e lá dito as mesmas coisas que disse na tv, e com gosto me dedicaria a desmontar os raciocínios capciosos, a irrefragável sobranceria e a desnoção do que deveria ser o seu papel.

Dispenso-me porém dessa corveia: já me basta explicar porque esteve onde não devia, sem que me obrigue a perorar sobre as suficiências com que preopinou.

Responda quem souber

José Meireles Graça, 16.02.20

Um dos assuntos na última Circulatura do Quadrado era o Parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre a dependência hierárquica dos magistrados do Ministério Público.

Contra a orientação do Parecer (74 páginas! – no ministério público há pouco que fazer) temos, de um lado, o Sindicato dos Magistrados, os indignados das redes sociais, que são legião, o José da Porta da Loja (meu consultor involuntário, entre alguns outros, em assuntos de Justiça), os inimigos de Costa (virulentos, a maior parte, chegando a detestar a peça quase tanto como eu) e, creio, opinantes públicos especializados em assuntos de corrupção, a cavalo na luta contra a qual esperam conseguir a notoriedade que mais razão nenhuma lhes poderia dar, como Ana Gomes e Paulo Morais. Nuno Garoupa, também especialista nestas coisas, será igualmente, suponho, de incluir neste grupo, porque censura asperamente a impunidade do crime de colarinho branco e é, parece-me, admirador do sistema penal americano – que Deus Nosso Senhor lhe perdoe.

Do lado contrário estão aqueles três senhores da Circulatura, com a reserva de entenderem que os despachos do superior hierárquico devem sempre figurar no processo, e está por exemplo um velho prócere da opinião como José Miguel Júdice, como está, suponho, a generalidade dos advogados.

Aviemos primeiro a história da confidencialidade dos despachos hierárquicos. O simples facto de se defender o secretismo em matéria de investigação e acusação da prática de crimes, fora do âmbito do segredo de Justiça, para lhes modificar o sentido, anular, aprofundar, alterar o enquadramento, e tudo sem que os atingidos, e no futuro a opinião pública, possam sequer saber quem é a personalidade concreta que os atinge ou beneficia e suas motivações, é uma manifestação intolerável de espírito inquisitorial que desqualifica, só por si, quem assinou o tal Parecer e a Procuradora-Geral que lhe deu seguimento. Resta porém que não faltam países em que o ministério público é organizado hierarquicamente, sem que ninguém rasgue as vestes pela falta de independência dos magistrados, que apenas se considera essencial para o caso dos juízes, pelo que o detalhe absurdo (e denunciador) da confidencialidade, só por si, não chega para mandar às malvas a interferência hierárquica.

E tiremos do caminho também as sábias interpretações jurídicas sobre o que dizem na matéria a Constituição e as leis ordinárias, porque há interpretações para todos os gostos e porque, no que toca àquelas, podem sempre fazer-se outras – o Estado democrático-intervencionista caracteriza-se, precisamente, pela sua condição de diarreia crónica legislativa.

Os pareceres e as opiniões reflectem sobretudo, na matéria, os interesses políticos de quem os faz – o cidadão comum faz bem em guiar-se pela sua cabeça. Mas aviso já: Desenganem-se aquelas pessoas, decerto numerosas, que esperam conhecer a minha opinião para formar a delas. Não sei o que hei-de pensar porque, de um lado e outro da barricada, há muito boas razões para as coisas serem assim e para serem assado. Que razões são essas?

Se queres conhecer o vilão põe-lhe uma vara na mão, diz o povo, e diz bem. Alertava há dias o referido Júdice, na televisão, que um magistrado do ministério público pode impunemente destruir a vida de qualquer cidadão, acusando-o de qualquer coisa. Pode: uma acusação inconsistente não é anulada se o tribunal absolver porque o percurso até chegar à sentença, admitindo que o visado tenha meios para se defender, se arrasta por tempo suficiente para aniquilar as perspectivas de carreira de quem quer que precise de boa imagem na opinião pública, e até mesmo não precisando, para não falar dos efeitos deletérios para a saúde do consumo de benzodiazepinas. Há alguma garantia de que os magistrados do ministério público, depositários de imenso poder não sindicado, nascem com um par de asas nas costas, e não são escravos das mesmas pulsões, ódios, malquerenças, invejas, preconceitos, ambições, vaidades que afectam os seus concidadãos? Há apenas uma, a consciência jurídica, que por formação têm – se acreditasse que isso chega quem tinha asas nas costas era eu.

Ninguém, salvo algum fanático socialista, tem hoje dúvidas sérias sobre a culpabilidade de Sócrates – demasiadas incongruências se conhecem na sua estratégia de defesa, demasiado transparente é a contradição entre o seu estilo de vida e os seus rendimentos. Mas o ordenamento jurídico-penal, e bem, impõe que a prova produzida em tribunal seja muito mais exigente do que a que requer a opinião pública. Como se explica que, depois de quase um ano preso para não perturbar a investigação (passou da cadeia de Évora para prisão domiciliária em Setembro de 2015), e de seis sobre o início do processo, não haja ainda julgamento? De uma só maneira: pela incompetência da dupla Carlos Alexandre/ Rosário Teixeira, uma espécie de heróis para as redes sociais: o pé-ré-pé-pé da falta de meios, da complexidade da investigação, e dos excessos garantísticos do nosso processo penal, são desculpas de mau pagador porque os meios são sempre insuficientes, o garantismo, se diminuído, combate efectivamente o crime mas presumivelmente aumenta também os erros judiciários, e a complexidade justificava a concentração nos crimes mais fáceis de provar, não num monstro varre-tudo de mais de quatro mil páginas. E as condições em que se desenrolaria a investigação já eram, ou deveriam ser, sabidas aquando da detenção.

Pergunta-se: Se Rosário Teixeira cumprisse ordens as coisas correriam melhor ou pior? Depende de o poder do dia ser ou não socialista, e da personalidade concreta do PGR: Sócrates foi defendido muito para além do razoável por boa parte dos socialistas que hoje estão no poder, que aliás só lhe viraram as costas na vigésima-quinta hora; e ninguém ignora que, fosse Pinto Monteiro o PGR, as hipóteses de Sócrates ainda andar por aí politicamente talvez não fossem zero (o que, aliás, possivelmente, não teria sido, num certo sentido, pior para o país – descontadas as vigarices Sócrates era menos mau do que Costa).

Joana Marques Vidal fez a diferença. Mas há alguma coisa de errado num sistema criminal que tão fortemente depende da personalidade concreta de quem o encabeça, o que pode ser um argumento que milite a favor da independência dos magistrados do ministério público.

Excepto se nos lembrarmos que o mesmo jogo político, e os imponderáveis da personalidade que calha ser nomeada, também estão presentes no seio da magistratura independente porque são cidadãos com as suas, legítimas, simpatias partidárias e até clubistas. Com a agravante da falta de visibilidade – alguém sabe alguma coisa do pobre diabo que o magistrado de esquerda justiceira persegue por causa de imaginários crimes porque não lhe vai com a fronha, lhe abomina as opiniões de fascista, ou simplesmente porque tem o coração ou os interesses do lado de quem se diz prejudicado ou ofendido?

Depois, a malta dos reflexos condicionados, que é quase toda, hoje está contra a hierarquização porque o poder é socialista e portanto suspeita (eu também) que tudo isto são manobras para pôr aldrabões socialistas, dos quais sempre houve uma pletora, ao abrigo de chatices. Mas a coisa pode funcionar ao contrário: Matteo Salvini vai ser julgado pelo crime de não querer ver a Itália invadida por emigrantes clandestinos, não obstante o magistrado titular do processo, achar, e bem, que não houve crime nenhum.

Em que ficamos? A populaça não quer inocentes na cadeia, mas quer que os culpados sejam exemplarmente punidos (selvaticamente, de preferência, o código penal popular é muito parecido com o de Hamurabi), acha que os ricos, salvo prova em contrário, são ladrões e os políticos desprezíveis e corruptos, e sobre a justiça tem uma opinião menos do que lisonjeira: é lenta, cara e ineficaz.

Lá isso é. E, para que não seja, conviria que as pessoas, de preferência as de fora do sistema e com exclusão dos reformadores académicos que se propõem importar modelos, como se as plantas vicejassem em terrenos para que não estão adaptadas, dissessem o que lhes convenha, e que funcione menos mal qualquer que seja o poder, o grande do governo e dos outros órgãos do Estado, o da opinião publicada, e o dos pequenos, que também há muitos e ninguém conhece.

Comigo não contem, já disse; responda quem souber.

A diferença entre "legítimo" e "asséptico"

Diogo Noivo, 24.09.18

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No plano jurídico, nada impedia a recondução da Procuradora Geral da República. Logo, a decisão tomada foi estritamente política, o que é legítimo, mas não é asséptico. O simples facto de não se ter sondado a disponibilidade de Joana Marques Vidal para um segundo mandato deixa claro – para quem tenha dúvidas – que a sua não recondução obedeceu a um racional político.

Sem surpresa, José Sócrates e muitos dos que comeram à sua mesa entre 2005 e 2011 rejubilaram e aproveitaram a ocasião para lançar farpas aos adversários políticos. É legítimo, mas não é asséptico.

Tudo isto acontece por vontade do Governo com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República. Mais uma vez, é legítimo, mas não é asséptico.

Esperemos que a nova Procuradora Geral permaneça na senda de uma Justiça cega, que não olha a cargos ou influências, no combate à corrupção, ao tráfico de influências e aos demais crimes que fragilizam a qualidade da democracia. Já que a origem do novo status quo não é asséptica, que o seja a Justiça. Uma coisa é certa: o mérito da nova Procuradora no desempenho das suas funções jamais será um argumento válido para a sua recondução. Les jeux sont faits.

A não recondução da PGR.

Luís Menezes Leitão, 20.09.18

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Nunca achei bem que se fizesse uma questão nacional em torno da recondução da PGR, mas também sempre me pareceu que a solução natural seria a sua recondução, face ao brilhante trabalho que desenvolveu. Comecei a ter dúvidas quando, conhecendo Marcelo, vi a primeira página do Expresso, o que me pareceu ser uma manobra de diversão, o que o desmentido de Marcelo só confirmou. A questão é que a procuradora estava a ter demasiado protagonismo e isso Costa não perdoa e Marcelo muito menos. Ou muito me engano ou a nova PGR vai ter um total "low profile". Como convém ao actual poder político.

Um travão contra o populismo

Pedro Correia, 28.06.18

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 Joana Marques Vidal com a ministra da Justiça, Francisca Van Dunen

 

O Governo anda cheio de vontade de afastar a procuradora-geral da República que mais resultados obteve no combate ao chamado crime de colarinho branco desde o 25 de Abril. A tal ponto que logo no início do ano a ministra da Justiça, certamente com conhecimento e autorização de António Costa, se apressou a mostrar-lhe a porta de saída - ainda por cima cometendo a deselegância de o fazer numa entrevista a um órgão de informação, a TSF.

Joana Marques Vidal respondeu não com palavras mas com resultados. Que estão à vista de todos. Ontem, por exemplo, com a chamada Operação Tutti Frutti, que investiga adjudicações superiores a um milhão de euros a militantes do PSD por parte de juntas de freguesia de Lisboa que estão ou estiveram controladas por este partido. Uma investigação que também abrange o PS - a tal ponto que os gabinetes dos vereadores Duarte Cordeiro, Manuel Salgado e do próprio presidente da Câmara, Fernando Medina, também estão na mira da Judiciária.

O combate às práticas criminosas na política é decisivo para travar os movimentos populistas anti-sistema que proliferam pela Europa e não tardarão a chegar aqui. Porque nada como a corrupção mina tanto a credibilidade das instituições políticas. Mais um motivo para o Presidente da República reconfirmar Joana Marques Vidal no final do Verão, quando o mandato dela se abeirar do fim. Convém lembrar que neste processo de recondução ou exoneração da procuradora-geral da República a palavra decisiva será sempre a do Chefe do Estado - como, de resto, estipula a Constituição portuguesa.

Os estados de alma do Governo importam pouco.

Quase a bater no fundo

Pedro Correia, 30.04.18

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Ao saber-se - ou presumir-se, com base em forte indícios, aliás alimentados com o chocante silêncio do visado - que o antigo Dono Disto Tudo indicou, como figurante no Conselho de Ministros, alguém do seu redil que foi alimentando com choruda prebenda mensal, estamos a um passo de ver a III República bater no fundo. Não é preciso muito mais para fazer cair um regime, já desacreditado por ver um antigo primeiro-ministro, vários gestores de topo e o banqueiro mais influente da nação conduzidos em fila indiana ao banco dos réus.

Felizmente a justiça funciona em Portugal: ela é, neste momento, o principal dique contra o aparecimento de movimentos extremistas e populistas semelhantes aos que proliferam por essa Europa fora e acabarão por desembocar neste cantinho ocidental do continente.

Mais um motivo para que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reconduza Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República. Seria arrepiante imaginá-la neste momento a dar lugar a alguém com um perfil idêntico ao de quem a antecedeu neste cargo, que só é prestigiante para quem realmente o sabe prestigiar.

A não recondução da Procuradora-Geral da República.

Luís Menezes Leitão, 09.01.18

Não se pense que foi uma trapalhada este anúncio da Ministra da Justiça de não recondução de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República, com posterior desmentido por António Costa, a dizer que a decisão ainda não estava tomada. O que houve foi um ensaio para testar antecipadamente a reacção pública à substituição da PGR, seguida provisoriamente de uma retirada estratégica, quando se viu qual era essa reacção. António Costa não é Santana Lopes e nunca correrá com a PGR de forma precipitada e com estrondo, como Santana Lopes fez com Marcelo Rebelo de Sousa. Irá preparando calmamente o terreno para o efeito, com sucessivos avanços e recuos, até chegar à machadada final. Não foi Lenine que disse que às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois passos em frente?

Trapalhadas de 2018 (1)

Pedro Correia, 09.01.18

«A Constituição prevê um mandato longo e um mandato único [para o procurador-geral da República]. Portanto, na perspectiva da análise jurídica que faço, há um mandato único e um mandato longo.»

Francisca Van Dunen, esta manhã, em entrevista à TSF, deixando implícito que o Governo não tenciona reconduzir Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da República a nove meses do fim do seu mandato

 

«A senhora ministra da Justiça, hoje, numa entrevista a uma rádio, quando foi questionada sobre a questão, deu a sua opinião – aliás esclarecendo que era a sua opinião jurídica. O Governo nunca apreciou a questão enquanto tal. (…) É absolutamente prematuro. Não vou assumir aqui, em nome do Governo, uma posição que o Governo não analisou.»

António Costa, esta tarde, falando sobre o mesmo tema no debate quinzenal na Assembleia da República, desautorizando a ministra da Justiça

A decisão é correcta, a atitude é lamentável

Rui Rocha, 24.10.11

 

O ministro da Administração Interna e o secretário de Estado das Comunidades anunciaram que prescindem do subsídio de alojamento que tinham reclamado. Recorde-se, a este propósito, que ambos são proprietários de habitação na região de Lisboa, embora a sua residência permanente se situe a mais de 100km da capital. Ao longo dos últimos dias, a questão tinha-se deslocado da esfera da legalidade para a da ética. A atribuição do subsídio é legal, disse-se, porque existem pareceres da Procuradoria-Geral da República que assim o entendem. Ora, esta é uma posição juridicamente criticável. O decreto-lei 72/80 teve manifestamente a intenção de apoiar os governantes apenas nos casos em que existe um acréscimo de despesas. E isso é coisa que não acontece quando o destinatário do subsídio já tem uma habitação nas imediações do local em que vai exercer funções. O que é incompreensível é que a Procuradoria-Geral omita, nos seus pareceres, a análise da intenção do legislador e se fique pela interpretação da letra da lei. Não sou de intrigas, mas tal facto abre o flanco a versões que justifiquem essa análise jurídica rudimentar com algum interesse que os senhores magistrados possam ter no recebimento de subsídios com a mesma natureza. Isto dito, e para lá da discussão jurídica, tornou-se evidente que o recebimento do subsídio por parte de Miguel Macedo e José Cesário carecia de qualquer fundamento ético. Ainda mais numa altura em que se exigem sacrifícios brutais à generalidade dos portugueses. Por isso, embora o resultado final seja o correcto, a forma como um e outro se pronunciaram sobre o assunto é lamentável. O ministro e o secretário de Estado não fizeram qualquer favor aos portugueses. Fizeram o favor a eles próprios, tardiamente e com ares de arrogância, de não se condenarem a uma posição eticamente reprovável e legalmente muito duvidosa. Deviam, por isso, apresentar-se aos cidadãos muito mais satisfeitos e aliviados. Disse-se, e bem, que está na hora de mudar. É sempre bom começar pela atitude. E, já agora, aproveitar a embalagem para revogar ou rever leis que consagram privilégios que são, por estes dias, absolutamente injustificados.

 

* na fotografia, José Cesário em campanha eleitoral

Cinco anos perdidos

Rui Rocha, 09.10.11

 

O actual Procurador Geral da República completa hoje mais um ano de mandato. A principal atribuição do cargo é promover a defesa da legalidade democrática. Cinco anos depois, pode afirmar-se que Pinto Monteiro não cumpriu os aspectos essenciais da missão que lhe foi confiada. A vaidade pessoal que nunca conseguiu disfarçar é inversamente proporcional à eficácia que demonstrou no exercício das suas funções. O seu nome ficará associado a um período em que a investigação criminal se constituiu como roda da engrenagem política. A tesoura da justiça empunhada por Pinto Monteiro mostrou-se afiada quando se tratou de recortar peças processuais, mas nunca deixou de ser rombuda quando foi necessário defender os aspectos essenciais do Estado de Direito Democrático. Com Pinto Monteiro em funções, o segredo de justiça foi sistematicamente violado e os casos que verdadeiramente testaram os fundamentos da justiça portuguesa (aqueles que envolveram personagens próximas do poder), acabaram invariavelmente arquivados, prescritos ou em águas de bacalhau, mais das vezes por insuficiências técnicas da acusação. Em determinada altura, Pinto Monteiro queixou-se dos seus poderes, comparando-os aos da Rainha de Inglaterra. O problema, todavia, está menos na dimensão ou profundidade dos poderes e mais na forma como eles foram exercidos. Da justiça espera-se que seja cega. Mas, isso não significa que, ao nível da investigação, mantenha os olhos fechados.

Madeira: a história por contar

João Carvalho, 24.09.11

Sobre as afirmações sem nexo proferidas diariamente pelo chefe do executivo madeirense, umas comicieiras outras nem isso, está tudo mais do que dito. Nesta fase, parece-me bem mais interessante o que ainda está por dizer e que todos, genérica e aparentemente, andam a evitar. Refiro-me à iniciativa do procurador-geral da República, centrada (tanto quanto deu para entender) no apuramento de uma possível omissão de dados sobre a política orçamental e o endividamento da Madeira. Vejamos.

 

Desde logo, é indispensável que os grupos parlamentares da Assembleia Legislativa da Madeira tomem posição sobre esses temas, não sendo razoável sequer supor que isso possa ter-lhes sido ocultado. Alguém admite assim do pé para a mão que lhes tenha passado tudo ao lado ano após ano?

 

Depois, a Madeira possui serviços da República que não têm apenas a competência — mas a obrigação — de velar pelo cumprimento das políticas adoptadas pela administração pública e de zelar pelos interesses do país e da região no que respeita à condução dessas mesmas políticas regionais. Portanto, faz sentido perguntar pelos pareceres e cabimentação orçamental das despesas que o Ministério Público na Madeira necessariamente visou, tal como faz sentido perguntar pelos relatórios anuais elaborados pelo Tribunal de Contas na Madeira sobre a justeza das mesmíssimas despesas.

 

É da maior relevância, pois, que as delegações regionais do Ministério Público e do Tribunal de Contas (ambas serviços da República) não fiquem à margem da iniciativa do procurador-geral da República. Se este quisesse investigar o que anunciou sem ouvir as (eventuais) intervenções dos deputados madeirenses sobre orçamento e endividamento e, ainda por cima, desperdiçasse a recolha de dados da delegação do seu Ministério Público e da delegação do Tribunal de Contas na Madeira, então é que a fotografia ia ficar mal de escura.

 

Para já, a história está apenas à espera de ser bem contada. Aguardemos, porque tudo isto tresanda a facilitismo. Ou incompetência. Ou qualquer coisa assim parecida. E se fosse? Já imaginaram?

Elogio à Fada do Lar

Rui Rocha, 04.01.11

A vida doméstica beneficia muito com a presença de uma Fada do Lar. É muito importante que esta saiba varrer. Para debaixo do tapete. Que aspire. Quaisquer turbulências. Que limpe o pó e a sujidade entranhada: Pronto e já está. Que trate da roupa suja. Sobretudo da delicada. Lavar, enxaguar e, em sendo o caso, branquear. Que mude as camas. Em que alguns não se querem deitar. Que cuide das crianças. Logo desde o berço onde repousam nas Fronhas do Nascimento. Que saiba fazer grandes e pequenos arranjos (arranjinhos). Que se ajeite com as tesouras com a mesma destreza que aqui imputam ao Senhor Procurador. E que nunca se descosa. É como digo: uma Fada do Lar é um grande auxílio à governação. De uma casa familiar.

Um prodígio de coerência

Pedro Correia, 09.08.10

Como diria o Grande Chefe, o mundo muda imenso numa semana. A 26 de Julho, esse grande vulto do socialismo português que dá pelo nome de Vitalino Canas declarava peremptoriamente ter "dúvidas" sobre a necessidade de um novo processo de revisão constitucional. Dúvidas já dissipadas, ao que parece. A 3 de Agosto, o mesmíssimo Vitalino Canas veio a público defender "alterações" à lei fundamental destinadas a conceder mais poderes ao procurador-geral da República. O que houve de permeio? A entrevista de Pinto Monteiro ao Diário de Notícias. Um prodígio de coerência, como se vê.

No país dos juízes excelentíssimos

Pedro Correia, 07.08.10

Crise? Qual crise? O caso Casa Pia pode voltar à estaca zero. O empresário Domingos Névoa foi absolvido pelo Tribunal da Relação, levando o advogado Ricardo Sá Fernandes a desabafar: "Não vale a pena combater a corrupção." Sucedem-se as condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O procurador-geral da República e o sindicato dos magistrados do Ministérios Público estão em guerra aberta. Pinto Monteiro queixa-se de ter apenas os poderes da Rainha de Inglaterra (excepto o poder de dissolver o Parlamento). Os magistrados titulares do caso Freeport alegam não ter recolhido o depoimento do primeiro-ministro por falta de tempo, algo impensável noutro país da União Europeia. Cândida Almeida, coordenadora do Departamento de Investigação e Acção Penal, critica os investigadores da Polícia Judiciária e é criticada pela associação sindical dos investigadores criminais.

Parece que há crise. E grave. E com um carácter inédito em 36 anos de regime democrático. O que dará razão a estas palavras muito severas de Mário Soares: "A Justiça, em demasiados casos, não funciona, nomeadamente quando envolve políticos mediáticos ou desportistas igualmente mediáticos."

Mas as aparências iludem. Afinal, 97% dos juízes foram avaliados, nos últimos cinco anos, com classificação de bom ou muito bom. Percebe-se agora o profundo silêncio do Presidente da República, que se mantém a banhos, ignorando olimpicamente o tema e os brados de protesto da eurodeputada socialista Ana Gomes, para quem já está em causa o regular funcionamento das instituições.

O calor aperta e convida ao ripanço. No país dos juízes excelentíssimos, o melhor que a esfinge de Belém tem a fazer é dar mais um mergulho nas cálidas ondas do mar. A Rainha de Inglaterra não faria melhor.

O arquivador-geral da República

Pedro Correia, 18.02.10

O procurador-geral da República inaugurou um procedimento que ficará a marcar-lhe o mandato: após meses de silêncio, decidiu divulgar hoje nas páginas de um jornal os fundamentos do mais polémico despacho que proferiu na sua carreira. Um ponto favorável a Pinto Monteiro, que assim demonstra ter consideração pela imprensa (neste caso, apenas um título da nossa imprensa, mas admito que tenha consideração pelos restantes que neste caso entendeu excluir). Tudo o resto é desfavorável. A generalidade dos cidadãos, excepto aqueles que assinaram um pacto de devoção eterna ao actual primeiro-ministro, só pode ficar perplexa ao verificar que o procurador-geral não detectou indícios de actos lesivos do Estado de Direito na conduta de um administrador-executivo da PT nomeado pelo Governo através da golden share que dispõe naquela empresa. Como se essa golden share existisse para mandatar o referido administrador a funcionar como mediador para a compra de uma estação de TV incómoda para o Executivo do partido a que pertence, e como tal apontada a dedo três meses antes, num congresso partidário, pelo primeiro-ministro.

Como acentuava o desembargador Rui Rangel, presidente da Associação de Juízes pela Cidadania, a propósito da intervenção do procurador-geral da República neste caso, "no Processo Penal de um país civilizado vigoram o princípio da legalidade e as regras da transparência, e por muito menos matéria já se abriram inquéritos”.

É isto que Pinto Monteiro tarda em esclarecer. Mas há-de fazê-lo, pressionado pelos factos. E sou até capaz de apostar que não será nas páginas de um jornal.