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Delito de Opinião

Petróleo mal-cheiroso

José Meireles Graça, 21.09.22

Inflação é a subida generalizada de preços e há empresas (as que não sofrem decréscimo de procura por causa dos aumentos e não são obrigadas a erodir margens) que veem os seus lucros aumentar. Destas, as energéticas (petróleo, gás, carvão e refinaria) dão nas vistas porque vendem bens que são de origem suspeita e conseguem fazer os seus lucros crescer para lá do simples efeito mecânico da inflação. Isto é, juntam culpa ao pecado que o lucro, salvo prova em contrário que (segundo Jerónimo e o economista Eugénio Rosa) nunca foi produzida, é.

A senhora Leyen e a União Europeia não têm dúvidas: é necessário um imposto excepcional, com critérios a definir, para permitir que os lucros extraordinários, que foram obtidos com a punção a todos os clientes pela via dos preços mais altos do que deviam ser, sejam redistribuídos não por quem os pagou mas pelos mais pobres do espectro dos consumidores.

Os critérios do imposto extraordinário serão, por exemplo, um terço do acréscimo de lucros sobre a média dos últimos três anos, quando aquele a exceda em mais de 20%; as receitas pertencem a cada Estado; e de que forma é que a evolução da taxa de inflação (não) será tida em conta nestes cálculos fica por conta de artigos dos próceres da Academia, que demonstrarão, se forem de esquerda, que a cobrança deveria ser muito maior, e, se forem de direita, menor.

Em Portugal semelhante imposto já existe, tendo entrado em vigor em 2014 e sido renovado sucessivamente desde então. Tentar saber, todavia, qual é a respectiva taxa, é exercício só acessível a especialistas, além de inútil, porque aparentemente não incide directamente sobre resultados, convindo ainda não esquecer o próprio IRC nem derramas, para não falar do regime do cálculo do lucro tributável, que é em si uma ciência cujos meandros são mais intrincados do que as leis que regem o comportamento das partículas no interior dos átomos.

De resto, discutir taxas de IRC em Portugal é exercício para ingénuos, interesseiros e ignorantes, que o campo de minas que é a legislação fiscal leva a que, muitas vezes, a taxa de imposto real seja superior à que se propagandeia. Parece, e é, estranho, mas isto decorre de o plano de contabilidade e as suas regras imperativas não terem, como deviam, o propósito de traduzir a situação real das empresas e o seu lucro efectivo, mas antes o de aumentar por todas as formas a porção que o Estado abocanha.

Para o público as empresas têm despesas e receitas e o lucro é a diferença entre esses dois agregados. Mas não é assim por causa do mecanismo das amortizações, das dívidas incobráveis ou tardiamente pagas, das contribuições autónomas, do IVA e de inúmeros outros – os fluxos financeiros não são a mesma coisa que a conta de exploração. Não vou dar aqui um curso de contabilidade para totós, mas acreditará o leitor que uma taxa efectiva de IRC de 86% é possível? É – já me aconteceu porque as despesas que originaram o agravamento eram do tipo que o legislador (que no âmbito fiscal é invariavelmente um patife esquerdista que trata os contribuintes como se também o fossem) considera não necessárias para a actividade.

A primeira dúvida que ocorre é esta: De onde vem a legitimidade da União Europeia, e da senhora Leyen, para criar impostos, num pano de fundo em que, como sucede no momento com a Hungria, já se permite dar ou não dar fundos consoante o Estado que os recebe encaixa ou não encaixa no modelo de aluno bem-comportado? E logo a senhora Leyen, que é alemã, portanto originária do país que criou, para si e outros, boa parte dos problemas, por ter exportado para a Rússia a poluição. À boleia de uma propaganda acéfala a favor das energias alternativas, que não o são no actual estádio de desenvolvimento científico e tecnológico, uma verdade inconveniente.

Mas há mais:

O suposto carácter excepcional do imposto tenderá, como acontece com todos os impostos excepcionais, a evoluir para permanente e mais exigente porque as empresas se adaptarão, com tempo, lançando mão de artifícios tendentes a desnatar proveitos, e a trituradora insaciável de recursos que o Estado é habituar-se-á ao suplemento;

As empresas deste tipo não tencionam fazer haraquíri e contam-se entre os grandes investidores nas energias em odor de santidade. Pense-se o que se pensar sobre os reais malefícios dos combustíveis fósseis, e as limitações dos corrupios no alto dos montes e das outras energias limpas, bem como os inconvenientes do transporte privado movido a electricidade, a pressão da opinião pública é demasiado grande e logo há mercado para tecnologias que não são ainda realmente competitivas. Esse mercado veem-no os jornalistas, que vendem tragédias anunciadas porque a tranquilidade não vende, os políticos oportunistas, com perdão da redundância, porque engenheirar o futuro dá votos, gurus da idioteira universal como Guterres, cientistas que avaliam os danos que o progresso causa nisto e naquilo da sua especialidade, mas não avaliam os que as mudanças que preconizam implicam porque não sabem nem querem saber, toda a esquerda porque é amante das bandeiras da bondade e parte da direita porque aprecia o consenso. As empresas, claro, não andam a dormir, e este novo imposto, desgraçadamente, ajuda a que tenham menos recursos para investir naquelas coisas que as pessoas que o defendem acham que elas deviam defender;

Os cidadãos são iguais perante a lei. Seria bizarro que, agora que os bancos já recomeçam a pagar juros pelos depósitos (mecanismo que a inflação veio restaurar e que aliás só foi suspenso por se ter inventado que os recursos não vêm do aforro mas de decisões de um comité de economistas e políticos pagos a peso de ouro para serem guardiães da abundância milagrosa), houvesse juros a taxas menores quanto mais se depositasse. Pois bem: este novo imposto quer dizer que quem, em vez de depositar, comprou acções destas empresas, se esqueceu do risco Estado: este é que decide quais são as empresas boas, e aberta a porta dos lucros excessivos é apenas uma questão de tempo até que a pesada mão do Fisco e da justiça vá atrás das outras, que não são energéticas mas calhem estar a ganhar rios, ou até mesmo regatos, de dinheiro – um escândalo;

A União Europeia alterou há tempos o seu modelo de relacionamento com a China, que é agora vista com alguma desconfiança, senão mal disfarçada inveja, porque cresce muito e parece ganhar em todos os tabuleiros e a Europa não. A mesma China que concorda sorridentemente com todas as medidas que o Ocidente toma para, em nome do ambiente, do futuro verde e da concórdia universal, pear a sua economia, enquanto a deles vai em roda livre.

Não é certo que a medida venha a ser aprovada, e não é impossível que, se for, venha com tantas condicionantes que sirva para alguns discursos moralistas empolgantes, alguma prosa ditirâmbica da comunicação social cegueta e alguma satisfação do cidadão europeu que vai tomar café no seu Tesla, mas para pouca receita. Entre nós, as empresas do sector, com a característica cobardia do empresariado português, já vão dizendo que “estão dispostas a falar”.

A ver se se dá um jeitinho. Eleitor aldrabado é eleitor contente, e empresário moderno aprecia o diálogo com o poder muito e a concorrência pouco.

Indústria segura e pouco poluente

Cristina Torrão, 16.11.20

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Há meses, publiquei aqui um texto sobre a minha experiência com a Ebike, ressalvando que tinha conhecimento de que uma bateria de lítio implica trabalho em condições de escravidão e não está livre de emissões de CO2, tanto na fabricação, como nos carregamentos. Acrescentava, no entanto, que, neste nosso mundo globalizado, é praticamente impossível evitar esses dois factores, sendo, para mim, importante tentar poluir o menos possível.

Em resposta a um qualquer comentário, eu perguntava-me se a indústria petrolífera implicaria trabalho infantil e/ou escravo. O comentador André Miguel respondeu categoricamente que não, acrescentando que este tipo de indústria pouco poluía. Disse ser das indústrias «mais avançadas tecnologicamente, das mais seguras, exigentes e menos poluentes (o que polui é o uso dos produtos extraídos, não a extracção em si)».

Não tendo conhecimento de causa, calei-me. E esqueci. Mas, pelos vistos, isto ficou-me guardado num qualquer canto do cérebro, pois, ao ler uma certa passagem deste livro, vencedor do Man Booker Prize 2019, lembrei-me, de repente, das afirmações desse comentador.

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Passo a citar, das páginas 171 a 173:

«Ela própria ainda se lembra de como a sua mamacinho a levou de Opolo, no delta do rio Níger

foi depois de Moses, o seu papá, morrer numa explosão quando estava a refinar crude

fervia os barris ali nos pântanos, tudo muito malfeito, os barris todos muito colados uns aos outros e destapados e a chama logo ali

todo aquele crude tão próximo do fogo era perigoso

e todos eles estavam cientes disso, mas de que outra forma podiam sobreviver naquele lugar desolado onde as petrolíferas procuram petróleo a milhares de metros de profundidade com as suas sondas, para depois o sugarem com as suas gigantescas torres de extracção, enchendo milhões e milhões de barris para fornecerem o precioso combustível ao resto do planeta

enquanto o lugar onde nasce esse mesmo combustível vai apodrecendo

(…)

fugiram das refinarias e das chamas alaranjadas do gás que ardiam 24 horas por dia, e fizeram centenas de quilómetros a pé pelo matagal húmido

fugiram dos gases tóxicos que envenenavam o ar, havia que respirar com cuidado, porque encher os pulmões era morrer aos poucos

fugiram das chuvas ácidas que tornavam a água imbebível

fugiram dos derrames de petróleo que envenenavam as colheitas, da pescaria doente nas enseadas de águas pastosas, dos cestos que emergiam das águas com o peixe envolto numa gelatina escura e pegajosa

caranguejo, lavagante, lagosta - tudo morre

peixe-espada, bagre, corvina - tudo morre

barracuda, sável, pampo - tudo morre»

Esperem pela pancada.

Luís Menezes Leitão, 18.12.14

 

Tudo o que se está a passar hoje estava há muito previsto num livro de Samuel Huntington de 1996, denominado O Choque das Civilizações. Nessa obra, o autor denunciava já a força do Ressurgimento Islâmico como nova realidade geopolítica, considerava que existiam várias civilizações no mundo, lideradas cada uma pelo seu Estado dominante, e assegurava que a III Guerra Mundial se iniciaria por um Estado dominante não respeitar a esfera de influência de outro. Curiosamente o Autor previa que a guerra se iniciaria por os Estados Unidos não quererem aceitar a pertença de Taiwan à esfera de influência chinesa. Mas nesse ponto enganou-se: a guerra inicia-se pela subtracção da Ucrânia à esfera de influência russa.

 

Uma das armas dessa guerra que agora está a ser utilizada é a queda do preço do petróleo. Como é óbvio, em face da lei da oferta e da procura, face à actual procura de petróleo, a queda do preço só é possível com um brutal aumento da oferta do produto no mercado. Foi precisamente o que se passou, com a Arábia Saudita a encharcar o mercado de petróleo. Pode parecer um gesto contraproducente para um país produtor, mas numa guerra vale tudo, e relação saudita com os EUA vale mais que uma baixa do preço do petróleo.

 

É evidente que a força económica de países como a Rússia depende de petróleo alto, até porque têm custos de extracção muito mais elevados do que os países do golfo. São assim profundamente afectados e até pode ocorrer o colapso total da economia russa. Pareceria assim que foi uma arma de guerra eficaz. Só que há um problema: os russos têm uma história longa e estão habituados a sofrer em guerras. Entregaram Moscovo em chamas a Napoleão, obrigando-o a recuar, e sofreram vinte milhões de mortos para resistir a Hitler. Não me parece por isso que Putin apareça com a corda ao pescoço a pedir perdão ao Ocidente e a devolver a Crimeia à Ucrânia. Mais facilmente é capaz de se lembrar de carregar no botão, que muita gente parece esquecida de que ainda funciona.

 

Mas a verdade é que nem precisa de o fazer. Toda a gente sabe que o petróleo é um bem finito e já se atingiu o pico da exploração petrolífera. Por isso, desça o que descer agora, o preço do petróleo só pode subir no futuro. É só uma questão de saber aguentar e os russos são um povo que já demonstrou que suporta o que for preciso em defesa da sua pátria.

 

Só que no entretanto vai haver danos colaterais que até podem atingir Portugal. Se a Rússia é afectada com a queda do preço do petróleo, mais afectada é Angola onde o petróleo representa 66% do PIB e 98% das exportações. Já se fala na imediata entrada  de Angola em recessão.  Ora, a crise em Portugal só não foi pior devido ao investimento angolano nos últimos tempos. Uma recessão em Angola terá efeitos dramáticos para o nosso país.

 

Desengane-se por isso quem neste momento se congratula com os resultados desta guerra geoeconómica. Já não estamos nos anos 40 em que Portugal podia assistir do camarote a uma guerra na Europa sem nela se envolver ou ser por ela afectado. Hoje em dia, esperem pela pancada.

Uma ideia genial!

Luís Menezes Leitão, 23.01.12

 

De facto, o que a União Europeia neste momento realmente precisava era de um embargo petrolífero ao Irão. No mesmo dia em que Christine Lagarde avisa a União Europeia para ter cuidado, pois a crise do euro pode significar uma nova Grande Depressão, nada melhor para apimentar ainda mais a coisa que criar um novo choque petrolífero, fazendo o preço dos combustíveis disparar ainda mais. E como a Espanha e a Itália estão em risco de precisar de uma ajuda externa que ninguém lhes pode dar, não há melhor que retirar-lhes desde já o acesso ao seu tradicional fornecedor de petróleo, forçando-as a procurar alternativas seguramente mais caras. Não sei quem foi o autor da ideia, mas ela merece desde já o prémio do disparate do ano ou, se calhar, do século.