Colónia e o Carnaval
(E-Mail a uma velha amiga escrita de rajada na noite de quinta-feira passada)
Cheguei hoje de Colónia. Fui ontem, para uma feira e conferência. Colónia no Carnaval é algo louca. É uma cidade em si estranha, tem um sabor das velhas cidades portuárias, com bêbados, prostitutas e prostitutos e emigrantes e cheia de humanidade, no sentido de seres humanos, com todas as virtudes e defeitos que daí chegam. No Carnaval fica engalanada. Verdade, não cheguei na semana do Carnaval, mas na Alemanha e especialmente na Renânia do Norte Westfalia o Carnaval começa na quinta feira e prolonga-se enquanto há cerveja o que em Colónia, na terra da Kölsch, é mesmo muito tempo. Fiquei num Hotel da cadeia Accor e isso notava-se na generalidade, mas mesmo em tais sítios franchisados se notava a influência da cidade, na venda de senhas para a bebida, no stand a vender entrada para as festas da cidade, na mesinha de onde se ia vendendo a cerveja na festa dessa noite - ontem, quarta feira - no bar do hotel e que por uma noite se transformou de aguadeiro de hotel de viajante profissional para se transformar em festa do bar de direito ou das matemáticas, que até a mesa fazia lembrar as nossas dos convívios. As pessoas passavam vestidas, algumas mascaradas de alguma coisa, bombeiros, polícias, soldados, putas, enfermeiras, sei lá o quê, outras pessoas apenas punham uns fatos coloridos com as cores da festa, com uns galões a indicarem serem algum príncipe da festa local ou do grupo específico a que perte cem, com uns chapéus a fazerem lembrar aquelas boinas de sargento da GNR em pequeno ou aqueles chapéus que se faziam dobrando uma folha de papel e que noutras circunstâncias serviam de barco de papel mas sem a outra parte no centro. Estas pessoas também gostam de se adornar com penas coloridas, azuis, amarelo, vermelhas. E outras pessoas ainda não se mascaram de nada, apenas pegam nas roupas mais coloridas que tenham e que não combinem e vai tudo junto, talvez com o colete de visibilidade do carro para compor o conjunto e umas coisas pintadas nas bochechas. Tudo anda pela rua e a sensação é a de irem sempre a caminho de alguma festa, de algum ajuntamento. Fora a cor parecem ir simplesmente juntas, sem grande barulho, sem grande agitação. Não há cervejas ou outras bebidas nas mãos, curiosamente, mas o cheiro a charro é muito óbvio, provavelmente comprado uns dias antes em viagem específica à Holanda para os ir buscar e esperar escapar ao controlo da polícia alemã na fronteira que não gosta desta importação, mas só esta, que de fruta ou vegetais já não se importam. Ontem à noite fui jantar a um daqueles restaurantes feitos a partir de uma cervejaria local. Comida típica destes sítios, com as carnes, as salsichas, as couves, em sauerkraut ou couve roxa, mais as batatas em forma de fritada com cebola e muito molho em cima de tudo, mais umas saladas assim assim e mal escorridas com a água a passar para o resto do prato. Sentaram-me numa mesa para 8 inicialmente ao lado de um casal que ainda não o era, ou seja, um homem e uma mulher nos seus vinte e muitos, claramente a tentar descobrir o que o outro poderia ser, com as discussões sobre aquilo que gostam ou não na comida e com a trapalhice na voz, palavras e gestos que vem de quem ainda não sabe bem como se comportar, especialmente ele. Quase lhe disse com ternura que ela estava para já interessada nele e que escusava de meter os pés pelas mãos mas provavelmente só lhe fazia pior e além disso faz parte da dança, sem vermos as figuras de urso dos outros como saberemos aquilo que queremos neles, como saberá ela o que tem que fazer para o melhorar, para o fazer crescer. Os homens sem as mulheres não crescem, somos crianças eternas, mesmo com elas somos crianças, cheias de importância e de sentido de valor, que os atribuímos nos mesmos uns aos outros, claro está, mas continuamos e continuaremos a ser crianças, mesmo quando aprendemos a ser mulheres (sim, mulheres). Mas claro está que não disse nada, só me ri para dentro e apreciei o espectáculo ouvindo de soslaio e desejando-lhes um bom jantar e uma boa noite quando acabei - muito depressa porque estava com sono e queria ir-me deitar - e saí para voltar ao hotel. O caminho entre o hotel e o restaurante reflectia também o carácter da cidade, de Colónia, Köln, com ruas escuras, meio sujas e pouco recomendáveis, onde salões de beleza, bares e restaurantes obviamente de escalão elevado, conviviam lado a lado ou uns metros adiante de salões de massagens tailandeses, salões de tatuagem e sex shops gay com anúncios de sexo e filmes.
Todo um microcosmos numa caminhada que não durou mais que 10 minutos para cada lado. Hoje de manhã a sala de pequeno almoço estava mais ou menos normal, excepto os mascarados a beber cerveja nas travessas com buracos para fazer caber os copos que iam bebendo e recolocando depois de vazios. Na cervejaria restaurante era o mesmo. O empregado ia trazendo a cerveja, não havia pergunta sobre qual, era sim cerveja ou não cerveja e se sim ele ia adicionando marcas no encosto para saber quantas tínhamos bebido, havias de gostar. No hotel depois quando fui sair e entregar a chave lá estavam as mesmas pessoas do dia anterior, mas desta vez mascaradas. A miúda que me atendeu estava mascarada de pirata e ficava engraçada com o estilo que tinha. Não cabia naquele cenário de hotel de cadeia, mas para isso também não cabia a instalação para a festa dessa noite e onde já ia bombando a música de carnaval de algum palco onde tinha já começado a celebração e de onde iam fazendo transmissão ao vivo e que eles tinham nos ecrãs do bar do hotel juntamente com a música. Na feira havia também alguns sinais, nalguns stands de empresas alemãs algumas pessoas tinham cedido à tentação de levar uns adereços, nada de extremo que somos alemães e isto é um ambiente profissional e mais logo sim posso ir emborcar-me à grande mas agora não posso exagerar, o que para mim tudo bem, não gosto de Carnaval. Mas era engraçado ver. No final do dia voltei. A estação cheia de mascarados, algumas grades de cerveja já se viam e o comboio já tinha música de festa em alguns lados. Aachen também festeja em grande por isso havia quem se preparar-se para festa por lá mas vamos ser sinceros, ir de Colónia para Aachen para o Carnaval era o mesmo que ir de Roma para Pisa na semana santa.
Agora estou aqui, prestes a ir dormir e quis partilhar contigo. E só me vem um pensamento: estou velho.