O Peregrino
“Porque é que vais tão cedo? Disseram nas notícias que apenas começavam a cortar os acessos às sete horas”. “Talvez porque eu não acredite muito nesse tipo de informação. Tenho todo um passado de aborrecimentos com agentes da autoridade, que seguem ordens e para quem as declarações pouco valem. Está calor e não me apetece nada mesmo fazer uma caminhada forçada e de depois ter de obrigar as pernas a carregar-me durante mais oito horas. Vou cedo e com calma."
O percurso habitual encontrava-se praticamente igual, apenas riscado em quase toda a extensão por barreiras amarelo canário, mas as estradas estavam perfeitamente transitáveis e não houve qualquer impedimento, muito pelo contrário. Conseguimos fazer o trajecto diário do ponto X ao ponto Y em metade do tempo.
Imersa nos meus pensamentos, reparava pontualmente que aqui, ali e acolá, poderiam ter tido atenção à paisagem urbana. Aquela estrada de beira do Monsanto tinha mato seco e lixo. Fez lembrar aquela história da empregada que varria para debaixo do tapete, mas para pior, pois nem as barreiras amarelo canário escondiam algum desalento na paisagem daquela zona nobre da cidade.
No sítio do costume começava o engaiolar dos acessos, que, tal como previ se iniciaram mais cedo, com a chegada dos transportes que despejavam homens e mulheres de azul às catadupas, vindos de todos os pontos do país. Ainda de portas fechadas, facilitamos o acesso aos WCs, coisa parca na nossa cidade, e ao cafezinho também.
Como habitualmente, ao soar das oito estávamos prontos para enfrentar as turbas, mas não foi assim que aconteceu e sabíamos bem, espectadores activos e passivos que fomos de outras visitas de altíssimos dignitários.
Com as forças da ordem estrategicamente colocadas no tabuleiro das operações, aguardámos a chegada do Peregrino, cuja comitiva motorizada o faria passar mesmo ali à frente.
Constantemente actualizados pela barragem policial, a contagem decrescente foi acrescida de 10 minutos, mas finalmente o Peregrino chegou sorridente no seu automóvel branco, foi acenando a todos sem pressas, e dirigiu-se ao jardim que tinha montadas estruturas onde o Peregrino se sentaria para ouvir as confissões dos jovens.
Uma colega pediu para passar para “lá”. O agente, muito simpático, deixou-a ir mas não chegou longe, como seria de calcular. De qualquer modo, conseguiu gravar para a nossa memória de pessoas simples alguns momentos marcantes. Foi bonito. Foi bom.
Naquela manhã chorei. A humildade e simplicidade deste Peregrino sempre me levou à lágrimas. Recordei mais uma vez a manhã de 17 de Abril de 2016 e deixei as lágrimas correr enquanto murmurava baixinho a oração que Jesus nos ensinou.
Neste décimo dia do mês de Agosto, em que passo oficialmente a ser incluída na terceira idade, envio um grande bem haja a quem mudou a mentalidade dos católicos desiludidos, porque somos todos, todos, todos criaturas de Deus.
(Fotos minhas e da Sandra)