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Delito de Opinião

Penso rápido (105)

Pedro Correia, 20.03.24

Volta e meia aparece por aí alguma gente, quase sempre anónima, a clamar contra a "partidocracia". Alegando que o nosso sistema partidário está contaminado por interesses oligárquicos.

Ora a pior oligarquia ocorre nas situações inversas - quando não há partidos. Ou quando existe apenas o partido do ditador, sem democracia representativa. Os opositores estão presos, exilados ou mortos.

Regime oligárquico é o do brutal ditador Putin. Também plutocracia e cleptocracia - tudo em simultâneo. Tomaram os cidadãos russos, vergados ao peso dessa tirania oligárquica, plutocrática e cleptocrática, terem uma "partidocracia" no país deles. Onde o anonimato é imperativo de segurança de quantos arriscam a liberdade e a própria vida, não um luxo de diletantes no conforto da Europa ocidental.

Penso rápido (104)

Pedro Correia, 30.11.23

A direita mais extremista e a esquerda mais extremista, em simultâneo, transformaram o PS no inimigo principal. Tornando-o assim no partido angular, central, do sistema político português.

Não por acaso, no PS venceu sempre a ala capaz de corporizar esse espírito. Desde a apertada vitória de Mário Soares contra Manuel Serra no primeiro congresso do partido, em 1974. António José Seguro perdeu contra António Costa em 2014 porque abriu as primárias a "simpatizantes", já não só militantes - permitindo, portanto, que os futuros geringonços se infiltrassem no processo de decisão. Erro que o fundador do partido nunca cometeria.

A ala mais esquerdista do PS, na vertigem de selar uma coligação (ou até fusão) com o BE e o Livre, persiste em não entender isto. Talvez só aconteça quando já tiver sido atropelada.

Penso rápido (102)

Pedro Correia, 06.06.23

Abstenção em política não é "vontade genuína", mas o seu oposto. É falta de vontade. Ou incapacidade total de escolha.

No limite, em casos quase patológicos, é desejo de supressão da democracia representativa.

 

Ao contrário do que alguns sustentam, seria um paradoxo imprimir em boletins de voto um quadradinho destinado àqueles que não querem ou não podem ou não sabem escolher a melhor ou a menos má das opções.

Na maioria dos casos, fazem-no por mero comodismo.

Por absoluto desinteresse pelo rumo do País.

Por demissão cívica.

 

O tal quadradinho seria precisamente incentivo ou prémio à demissão cívica. Algo inaceitável.

A democracia não deve pecar por excesso de tolerância perante aqueles que a intoleram e anseiam sempre pela chegada de um ditador que "ponha isto na ordem". Sem sequer perceberem que "isto" os inclui a eles também.

Penso rápido (100)

Pedro Correia, 19.07.22

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Lembro-me por vezes dos jornais da minha infância. Quase todos fecharam: O Século, Comércio do Porto, Jornal do Comércio, Diário de LisboaDiário Popular, República, Mundo Desportivo, A Capital. Restam o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e o Expresso. Também revistas como a Flama, o Século Ilustrado e a Vida Mundial já há muito desapareceram das bancas - tal como tantos títulos surgidos após o 25 de Abril, como O JornalO PontoOpçãoJornal Novo, Tempo, O País, O Dia, O Diário, Se7eGrande ReportagemSemanárioO Independente, Já, Euronotícias e 24 Horas, entre vários outros. E já não falo em publicações regionais, incluindo títulos históricos como o Comércio do Funchal ou o Notícias da Amadora.

Não são problemas que digam respeito apenas aos jornalistas. Porque não existe democracia sem imprensa. A progressiva extinção de publicações que funcionaram como testemunhas vivas da História empobrece a sociedade no seu conjunto, tornando o debate político mais vazio de conteúdo e menos sujeito ao indispensável escrutínio que entre nós lançou raízes no tempo do constitucionalismo liberal. É verdade que existem hoje múltiplos espaços de notícia e comentário no universo da Rede, muitos dos quais não sujeitos a qualquer filtro deontológico nem obedecendo sequer às normas do mais elementar bom senso. Mas não conheço nenhuma democracia que subsista sem grupos sólidos de imprensa. E neste aspecto andamos a caminhar perigosamente para trás.

Penso rápido (99)

Pedro Correia, 14.07.22

Há cada vez menos gente capaz de ver um jogo de futebol do princípio ao fim. Por manifesta - e cada vez mais preocupante - incapacidade de concentração. Incapacidade mental e motora.

Apercebo-me, em grau crescente, que entre os mais jovens - mas não só - se troca a visão integral do jogo, mesmo da equipa de que se dizem adeptos, pelo resumo de três minutos já servido para esse efeito nas redes e nas televisões.

Isto verifica-se ao vivo, no próprio estádio. Enquanto o jogo decorre, ali à nossa frente, uma parcela cada vez maior de "espectadores" passa o tempo a mirar o teclado do dispositivo móvel. Preferindo olhar em vez de ver. Preferindo olhar em segunda mão. Como se a imagem electrónica fosse mais verdadeira do que a imagem real.

Penso rápido (98)

Pedro Correia, 26.11.20

Demasiadas pessoas passam um ano sem ler um livro, seja de que género for. Há gente que se gaba até de nunca ter aberto um livro desde os bancos escolares. Há indivíduos que nunca folheiam sequer uma revista, excepto nas salas de espera dos consultórios médicos. Muitos eleitores presumem andar informados e esclarecidos passando ao lado de conteúdos certificados pela deontologia jornalística: preferem imaginar o que se passa espreitando tuítes da trincheira mais próxima, vídeos acéfalos na Rede ou o primeiro boato que lhes é remetido através de compinchas no WhatsApp. 

Alguém que jamais trocaria o cirurgião pelo curandeiro, o hotel pela pensão manhosa ou o produto de qualidade pela quinquilharia do chinês prefere "informar-se" recorrendo às versões digitais da intriguista do prédio, do bisbilhoteiro do bairro ou do tasqueiro fala-barato.

Quando se fala na degradação da cidadania, não podemos culpar só os políticos. Há que começar a apontar o dedo a quem anda desinformado e ainda se orgulha disso.

Penso rápido (97)

Pedro Correia, 12.08.20

O PCP resiste como "muralha d'aço" a esta enorme contradição: em território português, defende a "justa luta" dos trabalhadores. Nos países onde vigoram as ditaduras dos partidos-irmãos, de Cuba à Coreia, passando pela China, defende os regimes tirânicos, que esmagam os trabalhadores.

Enquanto mantiver esta duplicidade jamais poderá ser levado a sério, por mais generosos que sejam muitos dos seus militantes, genuinamente apostados em construir uma sociedade mais justa.

Penso rápido (96)

Pedro Correia, 27.02.20

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A última mulher que figurou na posição dominante da hierarquia do Estado português foi a Rainha D. Maria II, falecida em 1853.

Mais de cem anos de república, com a sua retórica igualitária, revelaram-se incapazes de gerar o que já havia ocorrido na nossa monarquia setecentista e oitocentista: uma mulher no principal plano de representação simbólica e no principal posto de responsabilidade política.

Penso rápido (95)

Pedro Correia, 12.02.20

 

Tenho imensa dificuldade em reflectir sobre política usando termos geométricos que me parecem cada vez mais anacrónicos.

O debate "esquerda/direita" reduz a política à dimensão do futebol. Infelizmente, Rui Rio parece prisioneiro deste discurso.

 

O PSD tem um problema central desde Outubro de 2015: necessita de novas parcerias estratégicas para voltar a ser um partido de poder a nível nacional - e até a nível autárquico, relativamente às principais cidades.

O principal desafio da liderança que emerge do congresso de Viana é este: o de construir uma alternativa de poder aos socialistas. Trata-se de um dilema que tem vindo a atravessar as principais famílias políticas europeias, cada qual na sua esfera de influência.

Não por acaso, vemos o impensável: a CDU da chanceler Angela Merkel viabilizar o candidato da Alternativa para a Alemanha no Estado da Turíngia.

Não por acaso, vemos o PSOE em Espanha abraçar o Podemos, repudiando um legado de quatro décadas, edificado por Felipe González desde o congresso extraordinário dos socialistas em 1979.

Não por acaso também, vemos conservadores e verdes formar coligação na Áustria - surpreendendo tudo e todos ao romperem as clássicas barreiras ideológicas entre ambas as formações.

 

Os extremos crescem por essa Europa fora. Veja-se o Vox, já terceiro maior partido espanhol.

Portugal dificilmente será excepção.

Isto força toda uma reconfiguração de alianças nos tabuleiros políticos à margem dos moldes tradicionais. Quando escuto um político dizer hoje que é impossível o eleitorado expandir-se do centro para os extremos, questiono-me se esse político conhecerá bem o chão que pisa.

Penso rápido (94)

Pedro Correia, 13.08.19

Os sintomas são iniludíveis: rumores transformados em factos, diz-que-disse alastrando como vírus ou bactéria, a lenda impressa em vez do facto. Traições, facadas nas costas, hipocrisia a rodos - um estendal de miséria humana. Sempre os melhores fins a justificar os piores meios.

Punir antes de condenar, condenar antes de julgar, julgar antes de acusar, ouvir apenas uma das partes: a negação do que deve ser a justiça. É quanto basta para erguer novos pelourinhos em nome de excelentes causas pervertidas até aos limites da abjecção.

Quem aplaude a caça às bruxas contra Woody Allen, por exemplo, é marioneta pronta a servir de pasto a qualquer totalitarismo.

Hoje, em grande parte do mundo ocidental, há menos liberdade e menos democracia do que existia entre as décadas de 70 e 90. Estamos cercados de novos tabus e proibições de todo o género em nome de dogmas identitários. Como o recente caso da interdição total de cartoons no New York Times - que costumava ser um dos faróis mundiais da liberdade de imprensa - bem demonstra.

Todos de bico calado, para evitar anátemas dos diáconos da correcção política que policiam palavras, gestos e comportamentos. Chamem-lhe o que quiserem para disfarçar, mas isto não é mais do que a ressurreição dos velhos censores. Com a agravante de estes agora nem terem a frontalidade de se assumirem como tal.

Penso rápido (92)

Pedro Correia, 06.07.19

Não sei se vos acontece. Tenho instalado no computador um sistema que alerta para eventuais erros ortográficos, putativas falhas de sintaxe e supostos lapsos de pontuação. Com sublinhados a vermelho (alguém um dia me explicará por que motivo o vermelho representa a cor do interdito).

Quase nunca reparo neste mecanismo. Felizmente não precisei de computador algum para saber escrever: fiz toda a minha aprendizagem à moda antiga, com métodos atávicos, recebendo a sabedoria não de infalíveis máquinas mas de falíveis seres humanos.

Hoje, porém, fixei as advertências que o aparelho sinalizou: três, uma por parágrafo. Mandando-me riscar as palavras "teclagem", "apagão" e "hemeroteca". Não fiz caso, claro. Mas fiquei a pensar nestes imperativos nada subtis das novas censuras. Que nos mandam uniformizar a escrita, limpando-a de neologismos, suprimindo a criatividade. É o "novo normal", como se diz em português macarrónico, traduzido à letra do jargão tecnocrático americano. Ilude-se por completo quem pensar que censura era só a outra.

Penso rápido (91)

Pedro Correia, 10.04.19

David Cameron cometeu um suicídio político ao convocar irresponsavelmente, em 2016, o referendo junto dos britânicos sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Não por acaso, nem Margaret Thatcher nem Tony Blair alguma vez tomaram iniciativa semelhante.
Cameron procurava firmar o poder interno, minado pela corrente eurofóbica do seu Partido Conservador. Enganou-se redondamente: revelou-se um péssimo aprendiz político. Perdeu o referendo, ficou isolado. Do partido, dos parceiros europeus, dos eleitores. Saiu pela porta mais baixa deixando o país sob ameaça de fragmentação e a sociedade britânica dividida como nunca.

Três anos depois, o Reino Unido não conseguiu recompor-se do choque do Brexit, que permanece em ponto morto, sem solução à vista. "União desunida" é o que podemos hoje chamar à extinta Grã-Bretanha. Escoceses, irlandeses do norte e londrinos querem fazer parte da UE, ingleses não-londrinos e galeses não. 
Eis um bom exemplo do que seria o conjunto da Europa se não existisse UE: todos e cada um a puxar pelo seu lado. A única consequência positiva do Brexit foi ter gerado um pacto firme entre os 27 parceiros das instituições comunitárias: nem um só país quebrou a unidade, ninguém mais imitou o triste exemplo britânico. 

Às vezes os povos e os os países precisam destas vacinas. 

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Penso rápido (90)

Pedro Correia, 21.05.18

Os novos censores usam as "redes sociais" como pelourinhos. E já há governos tornados censores usando as "redes sociais" como alibi.
Esses que andam a levantar os novos pelourinhos ainda não perceberam a perversidade da coisa. Alguns acabarão também pendurados neles. Novos Dantons, novos Robespierres: a criatura acabará por ganhar autonomia, virando-se contra os criadores. Seguindo o exemplo da guilhotina, sua feroz mana mais velha.

Penso rápido (89)

Pedro Correia, 13.03.18

Até que ponto os textos se tornam impessoais ao perdermos o rasto da sua carpintaria?
O que seria do nosso entendimento da obra de um Eça ou de um Pessoa, por exemplo, sem o acesso aos manuscritos de cada um, nomeadamente às cartas que escreveram?
Li há tempos que as crianças finlandesas deixaram de ter noções elementares de caligrafia. Nas escolas, só aprendem a escrever com letras de imprensa - ou de computador. A moda vai pegar, não tenho dúvida.

Acontece que a nossa capacidade de interpretar textos antigos diminui drasticamente com estas novas tendências pedagógicas, de duvidoso mérito. E também a possibilidade de desvendarmos personalidades alheias, na medida em que a caligrafia diz muito do que somos. Ou do que éramos.

Penso rápido (88)

Pedro Correia, 06.03.18

Em democracia, votar é um direito. A abstenção é uma opção legítima, embora vários sistemas eleitorais contemplem o voto obrigatório.
A verdade é que sem voto não existe democracia. E sem democracia existe ditadura. Pondo as coisas de outra maneira: se forem cada vez menos a votar, a democracia deixa de ser a expressão da vontade da maioria para se tornar a expressão de uma minoria cada vez mais minoritária.
Por isso é que aqueles que não exercem o direito de voto acabam, na prática, por endossar o voto em outros. Que, sendo cada vez menos, mandam paradoxalmente cada vez mais.

Penso rápido (87)

Pedro Correia, 08.12.17

O ano jornalístico, por cá, começou com um Congresso de Jornalistas. O primeiro do século XXI, o primeiro em 19 anos.

Nada de relevante se avançou nesse congresso. Nem sequer uma tímida proposta de auto-regulação da classe, constituída em Ordem de Jornalistas (com um quarto de século de atraso), como devia ser regra em todas as profissões alicerçadas num código deontológico.

O resultado está à vista. Nova vaga de proletarização dos quadros, novas ondas de despedimentos, novos encerramentos de títulos - alguns muito prestigiados. Há dias, segundo me informaram, o director de um dos principais jornais recebeu instruções da administração para organizar uma lista de despedimentos.

Mais uma, a somar a tantas outras. Enquanto os jornalistas que restam no activo, salvo honrosas excepções, vão escrevendo em circuito cada vez mais fechado, mergulhados nas bolhas do twitter e do facebook, formatando aí o seu imaginário social e extraindo dessas fontes as principais "notícias". Verdadeiras ou falsas, tanto faz.

Com essa tendência, impulsionada por chefias inaptas, cavam ainda mais fundo a sepultura de uma profissão que é essencial à democracia. Porque não há escolhas esclarecidas sem um jornalismo vigilante, prestigiado e competente. Precisamente aquele que mais falta nestes dias tão precários.