A razão em questão
A não que se desista da comunicação e entendimento entre os seres humanos e nos reduzamos ao silêncio mútuo ou à guerra, a razão -a racionalidade-, continua a ser o único caminho capaz de conhecimento não-relativo, portanto, universal. Mesmo que no domínio da razão uns sistemas não aceitem as razões de outros como válidas ou rejeitem o próprio critério da racionalidade como garantia de validade das ideias, ainda assim é com razões que refutam esse sistema racional. Logo, mesmo ao criticar ou tentar negar o critério da racionalidade e a sua aspiração à universalidade, fazem-no afirmando a própria racionalidade, pois ao argumentar contra essa racionalidade universalizante, aspiram eles mesmos a que as suas razões sejam universalmente válidas.
Não se segue daí que todo o conhecimento ou comunicação tenham que ser racionais ou universais, ou sequer que devam ser obliterados ou reduzidos a ordens racionais ou científicas, mas no domínio do conhecimento e da comunicação dos sistemas [culturas] uns com os outros, temos de aceitar como prioridade a ordem das razões. A não ser que se desista da comunicação e entendimento entre os seres humanos e nos reduzamos ao silêncio mútuo ou à guerra.
A ordem das razões não é meramente normativa, pois se o fosse não seria possível explicar a eficácia do conhecimento científico no avanço das explicações sobre a natureza e no domínio dos sistemas naturais. [não estou aqui a referir-me a questões de ordem moral sobre se a ciência é usada para fazer mal - essa é outra discussão]
Dois exemplos:
1º - podemos ser a favor de fazer equivaler os direitos dos pais biológicos aos dos pais adoptivos, mas daí não se segue que se anule a diferença entre uns e outros, pois até do ponto de vista da saúde, quando é necessário saber da herança genética da criança para tratar uma doença, é aos pais biológicos que tem que ir buscar-se a resposta. Isso não representa uma diminuição dos direitos dos pais adoptivos, mas apenas o reconhecimento de que não é possível anular os processos naturais através de normas legais. São coisas diferentes, a aceitação e normalização da diversidade, da asserção de não haver diferença entre uma coisa e outra e ser tudo mesmidade. Parece-me que essas confusões são filhas do relativismo actual do conhecimento que pretende estar a lutar contra o que chamam, 'a tirania da razão':
2º - não podemos aceitar a ideia de certas culturas condenarem as raparigas e as mulheres a uma não-vida proibindo-lhes a educação, a liberdade, o trabalho, etc., com o argumento de que é a sua cultura, pois ao argumentarem desse modo estão a querer universalizar esse princípio de não se universalizar a cultura local, ou seja, estão a adoptar o critério da racionalidade universal, que criticam, como fundamento da validade das suas ideias. A partir do momento em que o fazem, têm que aceitar ouvir os argumentos, as razões, contrárias.
(publicado também no blog azul)