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Delito de Opinião

A insuportável birra do derrotado

«Até breve» não, Pedro Nuno Santos: até nunca

Pedro Correia, 29.05.25

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Conduziu o PS à maior derrota de sempre, vendo o seu partido ultrapassado pelo Chega. Movido pelo ódio a Luís Montenegro, apostou tudo em derrubar o primeiro-ministro invocando o chamado "caso Spinumviva", que os portugueses olimpicamente ignoraram. Fez orelhas moucas aos avisados conselhos que os membros do seu próprio núcleo duro lhe deram para não precipitar o país em eleições antecipadas que ninguém desejava e que auguravam o pior para os socialistas.

Depois de perder 900 mil votos, 20 pontos percentuais e mais de metade dos deputados em duas eleições para a Assembleia  da República em anos sucessivos (o PS tinha 120 deputados em 2022, baixou para 78 em 2024 e só tem 58 agora), depois de ver a AD liderada por Montenegro ultrapassar em assentos no hemiciclo todos os partidos da esquerda, confirma-se desde ontem, com o apuramento dos votos da emigração: os socialistas foram ultrapassados pelo Chega, sendo relegados para um inédito terceiro posto na hierarquia parlamentar.

Nunca antes tinha acontecido - nem com Mário Soares, nem com Vítor Constâncio, nem com Jorge Sampaio, nem com António Guterres, nem com Ferro Rodrigues, nem com José Sócrates, nem com António José Seguro, nem com António Costa.

 

E no entanto como reagiu Pedro Nuno Santos na noite eleitoral, confrontado com esta hecatombe? Como insuportável menino birrento e mimado. Sem um mea culpa, sem o reconhecimento de um erro, sem admitir que falhou em toda a linha, conduzindo o partido para uma espécie de beco sem saída.

Enredou-se em patéticos auto-elogios. Incapaz sequer de pronunciar a palavra derrota.

 

Parecia vogar num universo paralelo, escutando apenas hossanas de vassalos e os solos de violino dos aduladores (incluindo vários jornalistas) que o elegeram como campeão dos debates eleitorais nas legislativas em que fracassou. Esta análise detalhada do Pedro Santos Guerreiro não deixa lugar a dúvidas: há uma discrepância cada vez maior, em Portugal, entre quem vota e quem comenta nas televisões

Vale a pena lembrar aqui, para memória futura, as palavras de Pedro Nuno Santos. Estava tão fora da realidade, na noite de 18 de Maio, que quase parecia ter sido ele a sair vitorioso destas eleições.

Recordo-as nos parágrafos que se seguem.

 

«Honrei a história do partido.»

«Tenho muito orgulho no trabalho que fizemos.»

«Foi uma campanha alegre, entusiasmada, com a participação dum partido que estava unido, a apoiar-me.»

«Nós não provocámos estas eleições. Fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance.»

«Luís Montenegro não tem a idoneidade necessária para o cargo de primeiro-ministro e as eleições não alteraram esta realidade.»

«[Montenegro] lidera um governo que falhou a vários níveis no último ano.»

«Eu nunca poderia ser suporte deste Governo. Acho que o PS também não deveria apoiar alguém que não soube separar a política dos seus negócios.»

«Como disse Mário Soares, só é vencido quem desiste de lutar - e eu não desisti de lutar. Até breve e obrigado a todos.»

 

Em suma, levou com um piano de cauda em cima da cabeça e mesmo assim parece não ter aprendido nada. Merece, portanto, o que lhe aconteceu. Espero ao menos que no PS tenham aprendido com este fracasso.

Se assim for, terão de começar logo por isto: até breve, não. Até nunca.

Pensamento da semana

Pedro Correia, 25.05.25

Dez anos depois, podemos concluir: a geringonça foi um péssimo negócio para o conjunto da esquerda portuguesa. Primeiro a esquerda radical ficou reduzida à expressão mais ínfima, vítima da hegemonia socialista. Agora é o próprio PS a afundar-se a pique, conduzido em navegação errática pelo mais incompetente secretário-geral da história do partido. O círculo fecha-se. É quase irónico lembrar hoje que António José Seguro foi apunhalado por António Costa em 2014 após vencer a eleição europeia com 31,1%. «Poucochinho», dizia então o actual presidente do Conselho Europeu. Desta vez não há punhais na sede do partido. Por ser desnecessário: Pedro Nuno Santos, derrotado nato, optou pelo haraquíri. Faz recuar o PS aos 23,4%, com o pior resultado em 40 anos, e sai de cena. Quem vier depois que trate de colar os cacos.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

PS há dois meses: prenúncio do pesadelo

Pedro Correia, 22.05.25

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É fácil, demasiado fácil, fazer o totobola à segunda-feira. Sorrio ao ver alguns sábios surgidos por aí com certezas adquiridas sobre a eleição parlamentar de 18 de Maio - depois de ela ter acontecido. 

Ainda com um sorriso, lembro as notas que aqui deixei em tempo útil sobre o comportamento errático de Pedro Nuno Santos, líder sem talento nem capacidade para segurar o leme do PS. Foi a 25 de Março, na sequência imediata da eleição regional na Madeira - outra estrondosa derrota do efémero caudilho socialista.

Permitam-me a autocitação nos parágrafos que se seguem. Dois meses decorridos, creio vir muito a propósito.

 

Escrevi isto:

«A 18 de Maio a maioria dos eleitores portugueses penalizará os partidos que a 11 de Março chumbaram a moção de confiança apresentada pelo Governo na Assembleia da República.

Por motivos diversos que passo a resumir.

Sentem mais dinheiro de salários e pensões no bolso, foram aliviados na carga fiscal, viram 17 carreiras da administração pública requalificadas e valorizadas - professores, militares, diplomatas, polícias, bombeiros, médicos, enfermeiros, guardas prisionais, oficiais de justiça... Mas também encaram com maus olhos o derrube de um Executivo que estava apenas há onze meses em funções, sem conseguir provar o que verdadeiramente vale, e já desistiram de deslindar o enredo da Spinumviva, variante da telenovelização mexicana do famigerado "caso das gémeas", agitada pelo Chega, com a comunicação social atrás, para no fim dar em nada. Serviu apenas para este partido, no tom boçalóide que o caracteriza, urrar contra o Presidente da República, a quem chama «traidor à pátria», enquanto hoje berra contra o «corrupto» Luís Montenegro.»

 

E mais isto:

«Para o triunfo eleitoral, Pedro Nuno Santos dispõe de via mais estreita do que Montenegro. Votou demasiadas vezes ao lado de André Ventura na AR. Teve um desempenho controverso e contestável como ministro - em questões tão diversas como a indemnização a uma ex-administradora da TAP e a localização do aeroporto. E tem sido incapaz de evitar fracturas no seu partido, como ficou patente nas recentes críticas de Fernando Medina e Pedro Siza Vieira ao voto do PS na moção de confiança.

Talvez mais tarde se diga que a eleição na Madeira funcionou como prenúncio. Não tardaremos a saber.»

 

Prefiro assim. Pronunciar-me antes, com os cenários todos em aberto. «Prever» o que já aconteceu não tem a menor graça.

Uma sugestão ao BE

Paulo Sousa, 17.04.25

O Bloco de Esquerda, que para tudo procura culpados, para lhes apontar o dedo, para denunciar a sua perfídia e para, nunca esqueçamos, para exibir a sua própria virtude, pode desde ontem acrescentar um novo grupo como alvo do seu desprezo e até do seu ódio. Quando o assunto forem os elevados preços dos imóveis, para além dos vistos Gold, pode também acrescentar o efeito "filhinhos dos papás".

Noites de pesadelo para Pedro Nuno

Pedro Correia, 25.03.25

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Foto: Tiago Petinga / Lusa

 

Estão a ser noites de pesadelo para Pedro Nuno Santos. O Partido Socialista acaba de recuar na eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira - ao ponto de ter deixado de ser a principal força da oposição no arquipélago, cedendo lugar ao Juntos Pelo Povo, de cariz regionalista e localista. Miguel Albuquerque, no poder há dez anos, reforça a votação, fica a meros 300 votos da maioria absoluta e poderá facilmente formar governo, bastando-lhe para tal o deputado único agora eleito pelo CDS.

«Uma desgraça para o PS», conclui sem rodeios o antigo deputado e antigo dirigente socialista Ascenso Simões, pronunciando-se sobre este desfecho.

Surpresa? Só para quem estiver muito distraído. Já sucedera algo idêntico nos Açores, onde a oposição andou a brincar aos chumbos de orçamentos e às moções de censura até a paciência dos eleitores se esgotar, ampliando a confiança no PSD.

Ilações para o escrutínio a nível nacional que irá seguir-se daqui a menos de dois meses?

Vejo algumas, se me permitem contrariar o dogma de que nada autoriza semelhante comparação.

 

Creio, em primeiro lugar, que a 18 de Maio a maioria dos eleitores portugueses penalizará os partidos que a 11 de Março chumbaram a moção de confiança apresentada pelo Governo na Assembleia da República.

Por motivos diversos que passo a resumir.

Sentem mais dinheiro de salários e pensões no bolso, foram aliviados na carga fiscal, viram 17 carreiras da administração pública requalificadas e valorizadas - professores, militares, diplomatas, polícias, bombeiros, médicos, enfermeiros, guardas prisionais, oficiais de justiça... Mas também encaram com maus olhos o derrube de um Executivo que estava apenas há onze meses em funções, sem conseguir provar o que verdadeiramente vale, e já desistiram de deslindar o enredo da Spinumviva, variante da telenovelização mexicana do famigerado "caso das gémeas", agitada pelo Chega, com a comunicação social atrás, para no fim dar em nada. Serviu apenas para este partido, no tom boçalóide que o caracteriza, urrar contra o Presidente da República, a quem chama «traidor à pátria», enquanto hoje berra contra o «corrupto» Luís Montenegro.

Andámos um ano às voltas com o triste folhetim das gémeas. É natural que as pessoas não queiram outro, recusando ficar à mercê dos caprichos histriónicos do doutor Ventura.

 

Os portugueses votaram a 10 de Março de 2024 para que os partidos encontrassem uma solução governativa sólida, não para os forçarem a voltar às urnas tão cedo. Estão cansados de jogos políticos, tacticismos de curto prazo e "entradas a pés juntos", como se diz no futebol.. Quem mais suscitar isso acabará por ser penalizado em grau maior. Quem revela responsabilidade será recompensado. Daí eu prever uma descida acentuada do Chega e uma subida expressiva da Iniciativa Liberal. 

Para o triunfo eleitoral, Pedro Nuno Santos dispõe de via mais estreita do que Montenegro. Votou demasiadas vezes ao lado de André Ventura na AR. Teve um desempenho controverso e contestável como ministro - em questões tão diversas como a indemnização a uma ex-administradora da TAP e a localização do aeroporto. E tem sido incapaz de evitar fracturas no seu partido, como ficou patente nas recentes críticas de Fernando Medina e Pedro Siza Vieira ao voto do PS na moção de confiança.

Talvez mais tarde se diga que a eleição na Madeira funcionou como prenúncio. Não tardaremos a saber.

A Cultura Portuguesa

jpt, 01.02.25

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Fruto do surto de imigrantes e da desestruturação do serviços estatais de controlo fronteiriço - os anos de governação de Costa foram de pungente incompetência, e não só nesta matéria - mas também eco dessa problemática na Europa, grassa por cá uma atrapalhada discussão sobre a imigração. Os repugnantes fascistas alardeam, sem pudor e assertivos, a sua boçalidade. Os esquerdalhos bolçam, convictos, alimentando-os. Ali ao "Bloco Central" o secretário-geral do PS inflectiu agora um pouco o seu discurso, no rumo do bom senso, o que chocou muitos dos seus cúmplices. Mas logo os do PSD, em vez de acolherem essa via acusam-no de "eleitoralismo", mostrando-se epígonos da infecunda tralha que fez do PSD o PSD, restringidos não aos respectivos umbigos mas sim aos seus imundos prepúcios. É o estertor do regime, prisioneiro de gente capim.
 
Santos terá dito que aos imigrantes cumpre adaptarem-se à "cultura portuguesa". Logo à "esquerda" se insurgiram. Por exemplo, a socratista Ana Catarina Mendes - que foi deputada por Setúbal (pobre concelho), ministra e agora vai como eurodeputada - terá posto a mão na anca e dito que não sabia o que isso era. Uma jovem autarca bloquista, Escaja, foi a um desses programas ao laréu clamar que "a cultura portuguesa é uma merda". É notório que a nenhuma destes - e de vários outros - socratistas ou esquerdistas passa pela cabeça a simplérrima distinção entre "adaptar" e "adoptar". E isto nem lhes é demagogia, são mesmo apenas esta miséria! E entretanto, presumo que lá para outras bandas, os mithás ribeiros deste rincão preparem romarias à espada de Afonso Henriques, entoando "São Jorge", para comprovarem a existência da tal "cultura" daquela que dizem "Nação", para sublinharem o seu imbecil apreço pelo Estado Novo. Sem rebuço, estamos entregues aos bípedes...
 
O que é estranho é que há não muito tempo no país esse assunto era muito abordado. Eduardo Lourenço disse qualquer coisa como "temos um excesso de identidade" (escrevo de cor, não consultando livros), e ele próprio - no seu elíptico ensaísmo - discorreu sobre isso, a equação cultura/identidade, Alfredo Margarido deu curta mas decisiva canelada nas asneiras do senso comum, João Leal mostrou-nos os rumos intelectuais dos seus construtores, Carlos Leone também, as pessoas entusiasmaram-se e compraram milhares (e louvaram) de exemplares do vácuo "Portugal, o medo de existir" de José Gil, alguns sociólogos e antropólogos escreveram sobre as mundividências rurais e suas transições para o urbano. Talvez XXI não tenha trazido muito de novo sobre isso, não sei, não é o meu ofício nem meu interesse crucial, não leio nem procuro mais sobre o assunto.
 
Mas quando o espaço público se enche de atoardas sobre uma putativamente inexistente "cultura nacional" muito lamento a inexistência de "intelectuais públicos" antropólogos - se não falam agora falarão quando? - que apartem os sentidos de "cultura", e ensinem (é o termo) a operacionalizá-los e, mais do que tudo, a entender o que é uma fluidez estruturante. Até porque nos arriscamos não só ao predomínio desta incúria intelectual como ao alardear da superficialidade convencida - há algum tempo caí do sofá quando vi o ar erudito de Paulo Portas a recomendar na tv o "O Crisântemo e a Espada" (1946) de Ruth Benedict, como se fosse a porta para entender o Japão actual, a sua "cultura nacional", uma coisa pungente independentemente da magnitude da autora, mulher do seu tempo, intelectual do seu tempo, livro do seu tempo... Pois não há mesmo antropólogos "intelectuais públicos" portugueses - o único que o poderia ser, dotado da densidade e gravitas para isso, legitimamente isentou-se do rumo, calcorreia a sua via. Estamos assim, e repito-me, entregues aos bípedes...
 
É fim do mês, estico os restos do rancho. Almocei massa com atum, este refogado com malaguetas. Ao tabuleiro, diante da televisão. Liguei para o Filmin, recomendável canal-cinemateca e de barata subscrição. Comecei o Lawrence da Arábia, que não vejo há mais de uma década. "Só o começo", prometi-me, no afã de regressar às minhas gratuitas inutilidades. Mas o filme é grandioso, e maravilhosa a subtil explicitude de O'Toole, fui-me deixando ficar, (re)descobrindo tudo aquilo, encantado. Dei comigo a dizer-me "que pobres, coitados, são os admiradores do Tarantino"...
 
E depois, um bom bocado depois, exultei. Parei e tirei esta fotografia, pois ali está a súmula de tudo isto. O'Toole e Omar Sharif atravessam uma terrível rota do deserto, um dos soldados de Sharif caiu do camelo durante a noite, o seu chefe recusa-se a recuar para o salvar, no fatalismo do que aquele era seu destino ("estava escrito"). O'Toole (Lawrence) insurge-se, vai sozinho salvar o "naufragado". Quando regressa, após inclemente travessia, Sharif, aliviado, passa-lhe o seu (precioso) cantil. E Lawrence (O'Toole) - essa peculiar figura do Império, do "Ocidente", retratado num filme típico mas passível de múltiplas leituras - responde-lhe "Nada está escrito", clamando, ainda ali trôpego, o primado da indeterminação, essa construção histórica e conflitual de uma civilização específica. Cultura.
 
E se eu tivesse a dimensão de um "intelectual público" faria deste fotograma a demonstração da mediocridade destes ignorantes demagogos. Mas sei que não o sou, sigo sapateiro sem rabecão. Por isso, acabrunhado, apago a televisão. Saio e vou beber uma cerveja com uma belíssima amiga, minha "mana". Depois tartamudeio comezinho com vizinhos. E sigo para tasquinhar um bom queijo com outra bela amiga. E com eles, mas muito mais com elas, afasto a tristeza de viver neste país de... bípedes. E de com estes, apesar deles, partilhar a "cultura portuguesa".
 
*****
 
Adenda: Quando lamento a mudez da antropologia (disciplina onde abundam esganiçados "activistas" e um ou outro degenerado socratista) tenho razão. Vejo agora de manhã que o historiador Rui Ramos disse ontem no Observador o necessário (estou grato a quem me ofereceu o acesso ao artigo) - "ai, o Rui Ramos é de direita", guincharão em falsete vários daqueles a quem o Estado, pouco mas certo, paga para ensinar as novas gerações de intelectuais!... Ramos, que é um intelectual público, nisso criticável e legível, deixou o artigo aqui
 
Como é importante e o texto não é de acesso livre roubo extracto, longo: "Pedro Nuno Santos a reconhecer que a política de portas escancaradas à imigração do governo de António Costa estava errada. (...) Para os últimos abencerragens de uma esquerda woke que ontem se julgava o futuro e hoje descobre que é o passado, tudo isto é uma rendição à “extrema-direita”. Se é rendição, temos de reconhecer que os partidos de governo dos regimes ocidentais não cederam sem luta. Durante anos, fizeram da imigração descontrolada um tabu. Mencioná-la já era “racismo”. No fim, nenhuma censura bastou para calar sociedades desequilibradas pelo afluxo súbito, caótico e ilegal de milhões de estrangeiros.
 
As sociedades ocidentais foram sujeitas à mais extraordinária de todas as experiências. As necessidades de mão-de-obra barata são reais. Mas tentou-se satisfazê-las abolindo as fronteiras. Nações antigas viram-se sob a ameaça de serem reduzidas a uma espécie de aeroportos internacionais, por onde as pessoas passassem sem nada mais terem em comum do que o acatamento de certas regras. Mas o fundamento das democracias liberais ou do Estado social não é simplesmente a obediência à lei, mas a comunhão de valores a que chamamos “nação”. As nações não são dados naturais: são o resultado da história, de séculos de conflito e compromisso. Na sua origem, não está qualquer homogeneidade, mas uma pluralidade que, sem desaparecer, chegou a um sentimento de solidariedade e destino comum que faz pessoas muito diferentes identificarem-se entre si. É a nação que explica que possamos ser diversos sem cairmos sempre em guerras civis. É um património que subjaz a quase tudo o que é precioso no Ocidente: a liberdade, a igualdade, a coesão social, o pluralismo. É a isso que chamamos “segurança”, que não é apenas a contenção da criminalidade, mas o sentimento de estarmos em casa.
 
Nada disto tem a ver com a cor da pele, dos olhos ou dos cabelos ou com origens geográficas, nem com todas as religiões ou ideologias. É uma questão de valores comuns. O problema das migrações descontroladas não é só a chegada de pessoas que não partilham tais valores, mas a proposta woke, que pareceu dominar os regimes ocidentais, de que não deveríamos pedir nem esperar adesão ou sequer respeito por esses valores. Foi o projecto woke, inspirado pelo ódio da extrema-esquerda ao Ocidente, que acima de tudo criou insegurança. O resto são tremendas dificuldades logísticas, que agravaram a falta de habitação e o colapso dos serviços públicos. O caos migratório não é compatível com qualquer integração. Através da imigração nestas condições, aquilo que a oligarquia fez foi reconstituir a massa de trabalhadores pobres e pouco qualificados (...)".

Pedro Nuno Santos vira a casaca

Pedro Correia, 24.01.25

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«Os imigrantes têm de respeitar a [nossa] cultura e [o nosso] modo de vida.»

«O respeito pelas mulheres é fundamental na sociedade contemporânea e deve ser um valor partilhado por todas as pessoas que querem viver e trabalhar em Portugal.»

«Deve haver um esforço muito determinado em garantir que quem trabalha e vive em Portugal saiba falar português.»

«Quem procura Portugal para viver e trabalhar, obviamente, percebe, ou tem de perceber, que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada.»

«A justiça deve ser implacável contra o crime e os criminosos, sejam eles de que origem forem.»

«Precisamos, de uma vez por todas, de falar sobre a imigração de forma descomplexada, exigente, rigorosa, como infelizmente não se tem feito.»

«Não devemos tratar da mesma forma alguém que entrou legal e alguém que entrou ilegal.»

«O País não se preparou para a entrada intensa de trabalhadores estrangeiros.»

«Esse instrumento [manifestação de interesse] tinha efeitos negativos, porque, na realidade, não podemos ignorar que tinha um efeito de chamada.»

 

Pedro Nuno Santos, hoje, em entrevista ao Expresso. Com discurso muito semelhante ao de Luís Montenegro, que ele criticara há pouco mais de um mês no parlamento

Percebeu tarde, mas ainda a tempo

Pedro Correia, 18.10.24

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Confirma-se o que aqui escrevi a 6 de Outubro: ele estava mesmo cercado. Ao ponto de ter engolido a vontade inicial de rebentar com a legislatura iniciada há seis meses, virar o tabuleiro e precipitar o País em novas legislativas antecipadas - as terceiras em três anos. Acompanhado por escassa parcela do núcleo dirigente, a que sonha com uma "frente de esquerda": Alexandra Leitão, Isabel Moreira, Marina Gonçalves, Maria Begonha, João Torres, João Paulo Rebelo e Tiago Barbosa Ribeiro. 

Prevaleceu o bom senso na noite de ontem. O homem que «odeia que se diga que é impulsivo mas é mesmo impulsivo» rendeu-se à evidência: vai viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 apresentado pelo executivo da Aliança Democrática.

Para o efeito, teve de tomar nota do que diziam muitos socialistas com opinião oposta à dele nesta matéria. Incluindo deputados e muitos autarcas. Paciência: vida de líder político é mesmo assim.

Recordo - por ordem alfabética - os nomes que enumerei no meu postal de ontem, publicado várias horas antes do anúncio feito ao País pelo secretário-geral do PS: Adalberto Campos Fernandes, Álvaro Beleza, António Correia de Campos, António Costa, António Costa Silva, Augusto Santos Silva, Eduardo Marçal Grilo, Fernando Medina, Francisco Assis, João Leão, José António Vieira da Silva, José Luís CarneiroLuísa SalgueiroPedro Adão e Silva, Pedro Ribeiro, Pedro Siza Vieira, Ricardo Leão e Sérgio Sousa Pinto.

Fez Pedro Nuno Santos bem em recuar. Talvez assim evite tornar-se num novo Vítor Constâncio. O primeiro durou pouco no poder interno do PS e saiu sem deixar saudades.

Toma nota, Pedro Nuno

Pedro Correia, 17.10.24

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«Aquilo que é normal nas oposições é não inviabilizarem à partida a existência de um Orçamento, mas predisporem-se a que o Orçamento possa ser viabilizado sem que isso seja entendido como um apoio ao Governo.»

António Costa, ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do PS

 

«Só faço votos para que nas questões que exigem entendimento, até porque exigem maioria no Parlamento, os dois maiores partidos possam negociar, conversar e chegar a entendimentos.»

Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República

 

«É importante para o País que o Orçamento do Estado seja aprovado.»

Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia do PS

 

«Acredito até ao fim que vai prevalecer o bom senso e que vamos ter Orçamento.»

António Costa Silva, ex-ministro da Economia do PS

 

«O PS deve aprovar o OE 2025. Não obterá nada de palpável em termos políticos. Também nada terá a perder, mas ganha o respeito que os portugueses mais sensatos estão desejosos de ver na política.»

Eduardo Marçal Grilo, ex-ministro da Educação do PS

 

«Não é nada expectável algo diferente do que a aprovação deste Orçamento. Não seria compreensível para ninguém que houvesse agora um bloqueio.»

José António Vieira da Silva, ex-ministro do Trabalho do PS

 

«Não me parece que haja grande margem de manobra para recusar o Orçamento. Não será fácil nem popular que o PS recuse o Orçamento.»

António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde do PS

 

«Não me parece que uma crise política, em Novembro, vá favorecer o PS.»

Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde do PS

 

«O ideal para o País é ter um Orçamento do Estado aprovado.»

João Leão, ex-ministro das Finanças do PS

 

«Estamos num bom caminho no sentido da viabilização do Orçamento do Estado para o próximo ano. Estão reunidas as condições para que esse caminho se faça.»

Fernando Medina, ex-ministro das Finanças do PS

 

«Espero que este processo culmine com a viabilização do Orçamento do Estado. O país não quer eleições, ninguém quer eleições.»

José Luís Carneiro, deputado e ex-ministro da Administração Interna do PS

 

«Desejo que o princípio do compromisso prevaleça e seja possível um entendimento entre os dois maiores partidos. E que na base desse entendimento se permita a aprovação do Orçamento do Estado.»

Francisco Assis, eurodeputado e ex-líder parlamentar do PS

 

«É cada vez mais difícil politicamente [para o PS] construir uma narrativa para travar a aprovação do Orçamento.»

Sérgio Sousa Pinto, deputado e membro da Comissão Política Nacional do PS


«Temos investimentos dependentes do Orçamento do Estado. Não me parece, sobretudo para o País, que fosse conveniente haver uma dissolução da Assembleia da República.»

Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, além de membro da Comissão Política Nacional do PS

 

«Há espaço para negociar sem radicalismos o Orçamento do Estado.»

Ricardo Leão, presidente da Câmara Municipal de Loures e presidente da Federação do PS-Lisboa

 

«É importante, obviamente, ter um Orçamento do Estado aprovado.»

Pedro Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Almeirim e presidente da Associação Nacional dos Autarcas do PS

 

«O PS deve viabilizar o Orçamento por uma questão de democracia.»

Álvaro Beleza, membro da Comissão Política do PS e ex-mandatário nacional da candidatura de Pedro Nuno Santos

 

«Imaginem se o PS, em lugar de andar a caminhar para um beco político sem saída, se dedicasse a fazer oposição ao Governo.»

Pedro Adão e Silva, ex-ministro da Cultura

Estás cercado, Pedro Nuno

Pedro Correia, 06.10.24

A purga

Pedro Correia, 28.05.24

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Pedro Marques

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M.ª Manuel Leitão Marques

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Pedro Silva Pereira

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Margarida Marques

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Isabel Santos

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Sara Cerdas

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Carlos Zorrinho

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Isabel Estrada Carvalhais

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João Albuquerque

Estes são os nove deputados do PS no Parlamento Europeu. Nenhum deles continuará por lá. Todos serão "repatriados" por decisão de Pedro Nuno Santos, que fez uma razia inapelável na lista do partido.

Nunca se tinha visto nada assim nas fileiras socialistas: chumbo a cem por cento. Na opinião do líder, não se aproveitou nem um. Dá que pensar.

Terceira derrota consecutiva

Pedro Correia, 27.05.24

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Talvez Pedro Nuno Santos seja um indivíduo com azar. Talvez seja mau-olhado que lhe lançou António Costa, que está longe - muito longe - de ser um dos seus melhores amigos. Talvez seja péssima escolha de candidatos. Talvez sejam as agruras do destino. Talvez haja por ali bastante incompetência.

O facto é este: desde que o actual secretário-geral do PS iniciou funções, a 16 de Dezembro, os socialistas já sofreram três derrotas eleitorais.

A 4 de Fevereiro, nas regionais dos Açores: primeira derrota no arquipélago desde 1996, perdendo dois deputados. Nem o crescimento do Chega os favoreceu.

A 10 de Março, nas legislativas antecipadas convocadas pelo Presidente da República: perdeu para a Aliança Democrática, embora por escassa margem, recuando 13 pontos percentuais. Em Janeiro de 2022 tinha vencido com maioria absoluta: ficou sem 40 deputados em menos de dois anos.

Ontem, nas regionais da Madeira, também antecipadas: manteve 11 deputados na Assembleia Legislativa, incapaz de potenciar o desgaste sofrido pelo PSD, que desta vez concorreu sozinho e com o seu líder, Miguel Albuquerque, indiciado por corrupção. O PS continuará arredado do poder insular.

Três desaires nas urnas em menos de seis meses. É possível que seja mesmo azar, nada mais do que isso. 

O novo Vítor Constâncio

Pedro Correia, 22.03.24

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Fez bem Pedro Nuno Santos em reconhecer de imediato a derrota, na noite de 10 de Março, antes de os votos estarem contados na íntegra. Foi um arguto lance de antecipação. A contabilidade definitiva torna ainda mais catastrófica a prestação do PS nestas legislativas: tem o pior desempenho eleitoral em 37 anos - desde as eleições de 1987, quando o partido era liderado por Vítor Constâncio.

Péssimo auspício para o mandato ainda muito recente do secretário-geral, ter descido tão baixo.

O fracasso avoluma-se pelo contraste com o escrutínio anterior, em que o PS saíra das urnas com maioria absoluta e 120 dos 230 deputados. Concretamente, os socialistas recuam 13,4 pontos percentuais (de 41,4% para 28%) e perdem mais de um terço dos assentos parlamentares (42, tendo agora apenas 78).

Em números absolutos, o cenário é ainda mais desanimador para os socialistas: viram fugir quase meio milhão de votos - concretamente 489.423, quando há dois anos haviam contabilizado 2.301.887. E apenas 10% dos seus eleitores têm menos de 35 anos.

 

Não é só um desaire de Santos, longe disso. O maior derrotado chama-se António Costa: os portugueses ajuízaram de forma muito negativa o péssimo legado do governo "absoluto" do homem que em 2014 decidiu derrubar António José Seguro por considerar "poucochinho" o triunfo eleitoral do PS nas europeias desse ano - com 31,5%, enquanto a coligação PSD-CDS se quedou nos 27,7%.

Assim se completa um ciclo político no Largo do Rato e em São Bento. Se era "poucochinho" antes de Costa, mais pequenino ficou depois dele. À escala de um Constâncio, precisamente. 

Ninguém pode invejar a tarefa de Pedro Nuno Santos. Sem ironia, desejo-lhe boa sorte.

Até parece que o PS vem da oposição

Legislativas 2024 (19)

Pedro Correia, 07.03.24

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Quem tivesse chegado agora dos antípodas e espreitasse a campanha para as legislativas de domingo sem fazer a menor ideia do que aconteceu na última década da política portuguesa, jamais imaginaria que o PS está no governo desde 2015. É raro o dia que passa sem um anúncio de Pedro Nuno Santos sobre novas medidas que se diz disposto a aplicar caso saia vencedor.

Versão actualizada do célebre "bacalhau a pataco" da I República.

Esta semana, por exemplo, já ouvimos o secretário-geral socialista declarar que tenciona «acabar com todas as propinas nas universidades» e «reduzir os horários de trabalho» para garantir às pessoas maior conciliação com a vida familiar. Semanas atrás, prometera acabar com as portagens em pelo menos cinco auto-estradas: A4, A22, A23, A24 e A25. Um pouco antes, saíra em defesa da recuperação integral do tempo de serviço dos professores - medida contra a qual votou enquanto deputado.

Temas idílicos, ao jeito de solo de violino bem apropriado aos púlpitos da campanha nesta época de caça ao voto. Mas com um senão: são anunciados por alguém que exerceu funções governativas em sete dos mais recentes oito anos. Pedro Nuno Santos e o seu partido - que governou desde 2022 com maioria absoluta - tiveram condições de sobra para pôr em prática tudo isto e muito mais.

Só apetece perguntar por que motivo o não fizeram.

A peixeirada

Legislativas 2024 (9)

Pedro Correia, 21.02.24

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- Não está preparado para governar o país.

- Estou preparadíssimo. 

- Mas não parece! Não parece... desculpe lá que lhe diga. Não parece.

(...)

- Falhou! Você diz que faz, mas não faz.

- Ai faço, faço! Você é que não sabe o que é fazer, não sabe o que é governar.

- Sei, sei. 

- Não sabe. Nunca governou! Nem num gabinete esteve. Não sabe a dificuldade de tomar decisões, de avançar. Isso não sabe. 

- O Pedro Nuno Santos é que esteve mal como ministro. O que fará como primeiro-ministro...

- Não, não estive. Tenho resultados para apresentar!

- Esteve muito mal. Habitação, infraestruturas, o aeroporto... O nosso plano fiscal não é nenhuma aventura...

- É aventura, é! Irresponsabilidade mesmo. Nunca vai conseguir cumprir.

- ... incremento económico. O PS tem uma voracidade fiscal completa, nunca está satisfeito...

- Qual voracidade? Qual voracidade?

- ... foram e são hoje um bloqueio ao crescimento económico...

- Qual bloqueio? O investimento estrangeiro é hoje 70% do PIB.

- ... os nossos profissionais estão a procurar oportunidades no estrangeiro porque não têm aqui o rendimento... Estamos a perder na competição com os países que concorrem connosco.

- Estamos a crescer mais! Somos o país que cresceu mais.

 

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(...)

- Ó Pedro Nuno Santos, olhe, estou muito melhor preparado do que o Pedro Nuno Santos, muito melhor preparado.

- Está, está... 

- Fale verdade! Fale verdade!

- Não se viu hoje, não se viu hoje. Hoje falhou. Hoje correu mal. Hoje não correu bem, não é? Hoje não correu bem.

- Fale verdade, fale verdade, não crie falsas expectativas. Quero cumprir os meus compromissos, tudo o contrário do que o senhor e os seus colegas de governo fizeram nos últimos...

(...)

- Oiça! Está nervoso?

- Não estou nada nervoso!

- Então oiça, não me interrompa. 

- Não insista na mentira.

- Oiça! Quer ouvir ou não? É que não é mentira, não é mentira.