Leituras ao domingo
OS FILISTEUS
“O nome deste povo vencido ficou associado a um ostensivo desprezo pelas artes, por razões que desconheço. O que sei é que existem imensos filisteus nesse sentido comum. E não são proletários nem analfabetos: são burgueses licenciados, com bons empregos, boa situação económica e atitudes socialmente elitistas. Eles no entanto fazem questão de “não ler bons livros nem ver bons filmes”. Ou seja: fazem questão de anunciar isso aos outros, com grande orgulho.
[…] Cada um lê e ouve e compra o que quer (ou o que pode) e ninguém tem nada com isso. Não me passa pela cabeça achar que um tipo «culto» é mais recomendável que um tipo «inculto». O que me faz impressão não é o filistinismo: é o orgulho dos filisteus. Acho ridículo que alguém se considere acima dos outros porque é «culto». Mas também não percebo esses tipos que proclamam, ufanos, a sua incultura. […].
Eu creio que esta gente faz das fraquezas forças. Goza com o que não conhece, ataca o que não entende, mas há nisso uma fragilidade quase tocante. As pessoas sentem uma inferioridade (sem sentido) que transformam em superioridade (igualmente sem sentido). Às vezes pressinto uma secreta vontade de outros hábitos culturais, mais exigentes, mas é uma vontade logo reprimida, como se fosse o surgimento incómodo de desejos homossexuais num homem casado. Tenho por isso alguma piedade dos filisteus”.
Pedro Mexia (2008), Nada de Melancolia, Lisboa: Tinta-da-China, p. 55-56.