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Delito de Opinião

Celibato - culpado, ou não?

Cristina Torrão, 12.03.23

Mal rebentou o escândalo da Igreja Católica, em relação aos abusos sexuais de crianças e jovens, logo se apontou o celibato como a causa de todo o mal. Considerei um disparate. O celibato, por si só, não faz de ninguém pedófilo. Há muitos pedófilos casados, com filhos, que não deixam de abusar de crianças, a maior parte das vezes, usando as que têm em casa.

No entanto, depois de alguma reflexão, considero de facto ser indirectamente responsável. A instituição Igreja Católica sempre foi apetecível para homens que não tinham tendências sexuais consideradas normais pela sociedade. Antigamente, havia preconceito em relação a homens que não levavam uma vida como deles era esperado: andar atrás de mulheres, casar, ter filhos. Quantos não teriam decidido tornar-se padres, a fim de acabarem de ser assunto de falatório e, com sorte, poderem dar asas às suas preferências sexuais?

Este era igualmente o caso dos homossexuais, noutros tempos, metidos no mesmo saco das "taras pecaminosas". Felizmente, a homossexualidade deixou de ser crime (não sei se na maior parte, mas em muitos países), desde, claro, que seja praticada de livre vontade, entre adultos. Calculo, ou espero, que isto evite, hoje em dia, muitos homossexuais sem vocação de se fazerem padres. Mesmo protegidos pela "sua" Igreja, eles levavam uma vida clandestina, propensa a comportamentos menos desejáveis (como sempre acontece, quando nos empurram para a marginalidade).

Mas isso seria assunto para um outro postal. O que me levou a escrever este foram os predadores sexuais, que sempre existiram e ainda existem: pedófilos, violadores, etc. Para esses, a vida eclesiástica é ainda apetecível: sabem que podem dar largas às suas práticas e ficarem impunes. Por isso, apesar de não estar directamente relacionado com o celibato, está-o por vias travessas.

O celibato pode bem continuar a existir, mas devia ser voluntário.

 

Nota: sem querer menorizar a gravidade da pedofilia, não esqueçamos que muitos padres usam o seu poder de manipulação, criando dependência espiritual, para violar e abusar de mulheres adultas, freiras ou outras, o que também devia ser alvo de investigação. Quantos podres esconde ainda a Igreja?

 

Do nojo

João Campos, 11.10.22

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Para que conste: um único caso de abuso sexual de menores em qualquer instituição é mais do que suficiente para se considerar um número "particularmente elevado". 400 casos (número provisório) só em Portugal, independentemente do intervalo temporal em questão, é uma aberração absoluta, um crime imperdoável da Igreja Católica.

Sabia-se desde aquela chegada nocturna a Pedrógão em Junho de 2017 que seria impossível Marcelo acabar o mandato - qualquer mandato - com um mínimo de dignidade, mas as declarações de hoje demonstram de uma vez por todas que não está à altura do cargo. É simplesmente nojento. 

O Bispo Linda

jpt, 06.10.22

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Estas declarações do bispo do Porto, Linda (um tipo que, pelos vistos, não faz jus ao nome), são absolutamente execráveis. Deste Linda só conhecia a alarvidade que botara há alguns anos quando, a propósito de um sanguinolento atentado em França, veio acusar os europeus "desrespeitadores" da religião de serem a causa do terrorismo islâmico. Mas agora o tipo vai mais longe, bastante mais longe, na ignomínia...
 
O que de abjecto diz o melífluo bispo é incomportável - mentiras, comparações falsárias (o energúmeno chega a comparar violação de menores a assédio sexual a jogadoras de futebol). E, ainda pior do que tudo, desculpas literais à enorme escumalha clériga: "não podemos julgar os actos do passado com os valores de hoje", atreve-se o bispo, como se seviciar rapazinhos (às vezes também rapariguinhas mas os padres tendem, sabemos, a serem invertidos, porventura por isso aprenderem nos seminários, tal como o sotaque ciciado) fosse uma coisa aceitável nos finais de XX e agora não. Filho de uma dema, este Linda, está visto.
 
Mas há algo evidente: ter um bispo como este, ainda para mais no contexto actual, conspurca toda a gente da igreja católica. Desde logo aqueloutro bispo, Ornelas, de Leiria, que vem em socorro do colega ceceante, alvitrando ter este tido apenas um "lapso de linguagem", outro da mesma laia, é evidente. E também o de Lisboa, esse Prémio Pessoa que é mobilizador de vocações de exorcistas, ele próprio agora atrapalhado com os silêncios que são, sem dúvida, efectiva cumplicidade. Mas não só a hierarquia. Todos os da igreja, crentes praticantes - deixemo-nos de rodeios, eu nem baptizado sou, à igreja só fui a festas e finais de vida, e mesmo assim, nesta distância toda, desde jovem que ouço alusões a histórias de padres sequiosos de rapazinhos. E se assim é não as ouviram e ouvem os crentes praticantes, das beatas que levam netos e sobrinhos-netos ao colo dos curas, aos doutores de missa ao domingo, partido político cristão e que julgam que os padrecas só enrabam os putos pobres?
 
Deixemo-nos de coisas: se há alguma "ideologia de género" vigente é mesmo esta, a de se pensar que os padres são um "género" específico, com características próprias, direitos particulares e sob leis "inclusivas". Tem sido assim. E continua assim, algo comprovado pela mísera tralha de bispos portugueses vigentes. Exorcizem-nos. E exorcizem os crentes que os têm aceitado, uma cáfila de gente que nem a rebanho ascende.
 
(E como vem a propósito lembro uma dos meus primeiros postais de blog, em inícios de 2004, dedicado a um destes panascas, que conheci em Moçambique: é este "Numa Missão").

Credibilidade

Cristina Torrão, 13.02.22

«Readquirimos a nossa credibilidade, quando examinamos a nossa consciência, mostramos sinais de arrependimento sincero, admitimos os nossos erros e tentamos compensar o mal por nós causado. Estes são os quatro elementos que validam uma confissão. Há anos que me ocupa a questão, porque exigimos tudo isto dos outros, mas não o aplicamos a nós próprios enquanto Igreja»*.

Hans Zollner, padre jesuita alemão, teólogo e psicólogo, professor na Universidade Gregoriana, presidente do Centro de Protecção de Menores, em entrevista ao Jornal Católico da diocese de Hildesheim, depois da reacção do papa emérito Bento XVI ao relatório sobre abusos sexuais na diocese de Munique/Freising (edição nr. 5, 6 de fevereiro de 2022).

*Tradução livre, de minha autoria