PEC
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Enquanto largos sectores do Partido Socialista continuarem a achar que "o PEC IV teria evitado o resgate", o PS faz parte do problema, e não da solução.
... ou esta foi a primeira vez em que um PEC serviu para qualquer coisa?
Em tempos não muito distantes, o papel de apocaliptólogo do regime foi exercido, em regime de quase exclusividade, por Henrique Medina Carreira. Diga-se, em abono da verdade, que desempenhou essa função com abnegada convicção, linguagem colorida e dois ou três gráficos de aspecto manhoso. As suas aparições pontuais tinham na populaça ululante o mesmo efeito que a exibição da mulher barbuda provocava nos apreciadores de espectáculos de saltimbancos. A mensagem de Medina Carreira atraía as atenções sobretudo pela deformidade que representava face à perfeição do Portugal socrático e cor-de-rosa. O pagode ria-se, levava as coisas à conta de pantomina, abrigava-se dos perdigotos do Professor e, uns minutos depois de iniciada a entrevista, cumpria o dever cívico de votar em José Sócrates. Nas últimas horas, todavia, o monopólio de Medina Carreira chegou ao fim. Os membros de um Executivo que já completou seis anos de uma governação sem erros e repleta de leais e eficientes serviços à Nação ameaçam-nos agora com as pragas do Egipto em versão piorada: dizem-nos que até os gafanhotos vão morrer. O Dr. Mário Soares proclama-se angustiado. E o Dr. Sampaio, que nos prometia as delícias de além do défice, despenteia-se para nos afirmar que não existe vida sem PEC. É curioso. Estes apocaliptólogos de recente conversão eram, em geral, inveterados optimistas há não muitas luas atrás. O entusiasmo é o mesmo. A diferença é que no lugar do oásis vêem agora um buraco. Pena é que uma parte destes novos profetas da desgraça tenha empurrado o país para um caminho em que o abismo ficou à distância de um PEC. E que a outra parte tenha andado entretida a cantar o solidó.
Já pouco falta para ser anunciado um PEC por trimestre. Caramba, a nossa memória é curta, mas José Sócrates pensará que é assim tão curtinha para ensaiar ciclicamente o mesmo número? Já chega, irra!
Nada que não me tivesse passado ontem de manhã pela cabeça e até o comentei com quem me estava à mão, mas depois calei-me com medo de estar a passar-me. Só fiquei satisfeito à noite, quando ouvi António Lobo Xavier dizê-lo: reduzir os salários não é cortar na despesa, mas sim criar mais um imposto sobre os vencimentos. Pois se estes estão necessariamente orçamentados, retê-los no todo ou em parte é retirá-los a quem tem como certo recebê-los faseadamente, o que significa que são cobrados como receita. E mais nada, que qualquer outro entendimento é uma treta.
— Temos medidas focadas no corte da despesa e é nessas medidas que temos de concentrar a nossa atenção» – disse Teixeira dos Santos.
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Lembram-se daquela piada sobre o casal alentejano cuja mulher começara a usar baton?
— Atão porque é que nã ficas? – insistia o marido.
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— Atão porque é que nã concentram?
Soaram as doze badaladas da meia-noite, muda a posição oficial do maior partido da oposição sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento. O PSD de ontem viabilizou o documento - em nome do interesse nacional. O PSD de hoje, ganhe Passos Coelho ou ganhe Paulo Rangel, já não viabilizaria o PEC - também em nome do interesse nacional. Ainda há quem se admire por este partido ter passado 12 dos últimos 15 anos na oposição.
À hora a que escrevo, já todos conhecemos com clareza as posições que os partidos parlamentares tomarão esta tarde na votação da resolução sobre o PEC. Todos menos um. O do costume.
O PS, naturalmente, vota a favor. CDS, PCP e Bloco de Esquerda anunciaram oportunamente que votarão contra. A incógnita, uma vez mais, parte do PSD: o grupo parlamentar social-democrata permanece reunido, sem linha definida, como se não soubesse bem se há-de assumir-se enfim como um verdadeiro partido da oposição ou continuar a ser a muleta do Governo. Uma imagem perfeita do desnorte desta direcção cessante, encabeçada por Manuela Ferreira Leite, que atende mais aos anseios de Belém do que aos interesses do partido. Daí o inaceitável tornar-se inevitável.
Muitos deputados estão naturalmente divididos entre a obediência àquela que será apenas durante mais umas horas a "líder" social-democrata e a sintonia com o futuro líder, a eleger amanhã. Passos Coelho e Paulo Rangel - ao menos eles - já deixaram claro que se opõem ao PEC e que o partido deve ser consequente com esta conclusão, votando contra. Só Aguiar-Branco, na linha de Ferreira Leite, defende a abstenção.
Se a tese que prevalecer for esta última, que permitirá viabilizar um documento que viola o programa do Governo, merece críticas de destacados socialistas e o próprio partido laranja considera lesivo dos interesses nacionais, estaremos perante uma fraude política que descredibilizará ainda mais o PSD. Hoje, com a "líder" cessante, a abstenção; amanhã, com um novo líder, um voto contra que já não chega a tempo.
Ninguém no País entenderá uma posição destas. Salvo talvez o Presidente da República, que quer evitar a todo o custo uma crise política que perturbe a doce sonolência do Palácio de Belém.
ADENDA às 15.45 - A fraude política consumou-se. Manuela Ferreira Leite demonstra o que vale até ao último dia do seu mandato à frente do PSD.
Ler também:
- Da credibilidade. Do Francisco Almeida Leite, no Albergue Espanhol.
- PSD é Fitch. De Manuel Castelo-Branco, no 31 da Armada.
- PSD suicida-se. De Gabriel Silva, no Blasfémias.
- Seppuku político. Do António de Almeida, no Direito de Opinião.
- O triste fim de Manuela Ferreira Leite. De Alexandre Homem Cristo, n' O Cachimbo de Magritte.
... support your Government and get PEC. Here.
Manuel Alegre, dando voz ao que pensam muitos portugueses, deixa clara a sua oposição ao Pacto de Estabilidade e Crescimento divulgado pelo Governo: "Não há constrangimentos de Bruxelas que justifiquem a privatização da REN e dos CTT." Mário Soares, por uma vez de acordo com Alegre, exclama: "Não compreendo como é que se vai privatizar os CTT e uma empresa bandeira como é a TAP, ou outras companhias." Ana Gomes também não esconde a sua oposição à proposta governamental: "Quero juntar a minha voz à daqueles que não compreendem que se contemple a privatização de empresas que trabalham em sectores de interesse estratégico ou de interesse geral. Estou a falar de empresas como a REN, os CTT, a GALP. Do meu ponto de vista, é errado que o Estado prescinda da posição que deve aí ter." João Cravinho deixa um sério aviso: "O PS entrou numa deriva à direita da qual vai ser muito difícil regressar sem que haja grandes alterações na direcção.”
O visado nestas duras palavras é José Sócrates, que em entrevista ao Jornal de Notícias continua a falar como se não fosse primeiro-ministro há cinco anos nem tivesse violado uma só promessa eleitoral. Fala de um país que só existe na cabeça dele, ignorando as críticas que já fervem no seu próprio partido. Confunde a crítica política com "insultos e malidecência". Alude a "campanhas negras", imitando o pior de Santana Lopes. Continua sem esclarecer as inúmeras questões em que se foi enredando ao longo do seu mandato. Fala com a arrogância de sempre aos jornalistas que cumprem o dever de lhe fazer perguntas. Alude com inaceitável sobranceria ao Parlamento, como se não fosse politicamente responsável perante os deputados. Continua a defender o inenarrável Rui Pedro Soares, deixando por explicar como deixou o boy socialista invocar o seu nome no abortado negócio entre a PT e a Prisa para a aquisição da TVI.
Enfim, mais do mesmo. Por maiores que sejam os sinais do seu iminente naufrágio político, o primeiro-ministro continua a viver no mundo do faz-de-conta, confundindo a opinião dos yes men que ainda o rodeiam com o pensamento dos portugueses. O pior é que o PS vai naufragando com ele, como muitos socialistas já se aperceberam. Muito pior ainda: também o País está em risco de se afundar. O último a aperceber-se disso é Sócrates. "Uso a minha inteligência emocional para ignorar tanta coisa que se escreve e se diz", declara ao JN, numa frase extremamente reveladora.
Nós - ao contrário dele - vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar.
Uma dúvida, enquanto o Governo se desfaz e divulga um Plano de Estabilidade e Crescimento que, entre habilidades com as palavras, nítida e claramente aumenta a carga fiscal. Nem com todo o spin do mundo o Governo conseguiria esconder o óbvio: a sua clara ausência de rumo e a total deriva.
... nacional, ou é mais do mesmo?