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Delito de Opinião

Dignidade

Pedro Correia, 10.01.25

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Ontem acompanhei a transmissão das exéquias fúnebres de Jimmy Carter, falecido a 29 de Dezembro, aos 100 anos. Foi uma exemplar lição de dignidade. Estavam presentes todos os sucessores do 39.º presidente norte-americano ainda vivos - de Bill Clinton até ao actual, Joe Biden. Simbolizando ali, na catedral nacional de Washington, 32 anos ininterruptos de vida política norte-americana.

Mas os momentos mais comoventes vieram de duas vozes além-túmulo: do antigo presidente Gerald Ford (falecido em 2006) e do antigo vice-presidente Walter Mondale (falecido em 2021). Mensagens lidas por filhos de ambos: Steven Ford, primeiro, e Ted Mondale, depois.

Há muito tempo que não via Steven, filho mais novo do republicano Gerald Ford. Creio que desde o filme When Harry Met Sally, em que intervém como actor, num papel importante. Mas lembro-me bem dele e sobretudo da sua irmã Susan, que "conheci" quando ela era uma bela adolescente, sob os holofotes mediáticos. 

Na catedral estava outra figura que me era familiar: Amy, a única filha do falecido presidente (tem três irmãos mais velhos). Muito fotografada naquela década de 70 por ser a primeira criança que vivia nos aposentos presidenciais da Casa Branca desde a administração John Kennedy: tinha apenas nove anos quando Jimmy foi eleito.

Steven partilhou com o auditório pormenores sobre a sólida amizade que o pai e Carter desenvolveram desde a década de 80, já enterrado o forte antagonismo que os levou a enfrentarem-se na campanha eleitoral de 1976, ganha pelo democrata Carter. As diferenças políticas e as clivagens ideológicas passaram para segundo plano. A tal ponto que combinaram ambos fazer o elogio fúnebre um do outro.

Carter cumpriu, chegou agora a vez de Ford pela voz do filho. Amy, ao ouvi-lo, estava visivelmente comovida

 

Notável também o depoimento post mortem de Mondale, vice-presidente dos EUA durante o quadriénio Carter e em 1984 candidato democrata à Casa Branca, derrotado por Ronald Reagan. Ao contrário do que tantas vezes acontece na política, designadamente entre gente do mesmo partido, nunca houve notícia do menor desentendimento entre eles. O que ficou bem evidente no testemunho lido por Ted.

Consciente das lacunas e das imperfeições daqueles anos da parceria com Carter à frente do Executivo norte-americano, Mondale pôde apesar disso proclamar com orgulho pela voz do filho: «We told the truth, we obeyed the law and we kept the peace.» Palavras que hoje servem de lema ao prestigiado Centro Carter.

Dignidade.

 

O patético reverso desta medalha aconteceu ao fim da manhã de hoje, no plenário da Assembleia da República. Quando apenas o grupo parlamentar comunista recusou subscrever um voto de pesar pelo falecimento de Jimmy Carter que o próprio presidente do parlamento propôs.

Gestos como este confirmam como o PCP congelou no tempo. Vive ancorado na Guerra Fria do século XX. Daí o apoio incondicional que devota ao Kremlin: olha hoje para Putin e imagina que é ainda Brejnev quem lá está.

Moçambique: assim se vê a força do PC

jpt, 28.11.24

Eurodeputados portugueses sobre Moçambique

jpt, 27.11.24

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(Maputo, Av. Eduardo Mondlane, Fotografia de Luísa Nhamtumbo/LUSA)
 
 
De Maputo um amigo moçambicano avisa-me que ontem houve uma sessão no Parlamento Europeu, e deixa-me ligação para esta resenha das intervenções dos eurodeputados portugueses. Chama-me também a atenção para a posição do PCP, enfatizando a justeza das eleições de Outubro e atacando a oposição, bem como a "ingerência externa". (o comunicado daquele partido).
 
E nisso, de imediato, lembro-me do Camarada Pimentel, meu pai. Comunista "ortodoxo", sempre implacável com os "desvios de direita", tipo aqueles "eurocomunismos". Militante até à morte - já contei a história mas repito-a: muito doente, tão mirrado, no hospital, eu no fundo da cama, a minha sobrinha - sua neta querida - junto a ele, e antes de sairmos, hora de visita terminada, disse-lhe "avô, hoje estás com muito melhor aspecto, muito rosadinho". E ele, com um fio de voz, murmurou "rosa por fora, mas vermelho por dentro..." Morreu nessa noite, a última coisa que lhe ouvimos foi essa ironia, até cáustica...
 
Cresci a conversar com o Camarada Pimentel. E continuo nisso, num diálogo que me é intelectualmente profíquo. E moralmente penoso, pois ele, preocupando-se, não me desculpa o desarrumo seguido. E agora mesmo, quando - após ter visto vários filmes de hoje, com a polícia atropelar manifestantes com carros de assalto na Eduardo Mondlane, com soldados ruandeses nesta avenida, de cadáveres assassinados pela polícia no meio da rua em Nampula, etc. - lhe disse a posição do "Partido" sobre a situação de Moçambique, ele - como tantas vezes nas últimas décadas - semicerrou os olhos, meneou a cabeça. E lamentou "a falta de quadros no partido".
 
Eu, como já passa do meio-dia, servi-lhe um cálice de rum, carregado de carinho. E a mim também.

Palminhas do PCP à ditadura chinesa

Pedro Correia, 01.10.24

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Xi Jinping, o ditador de Pequim, promete fazer a China «grande outra vez»

 

A República Popular da China é governada desde 1 de Outubro de 1949, com mão de ferro, pelo partido único. 

Imaginemos Portugal ser governado nestes últimos 75 anos pela União Nacional, fundada por Salazar.

Em 1949, precisamente, Salazar governava Portugal. E a UN/ANP geriu o país durante mais 25 anos. Até 1974.

Somados a estes, outro meio século desde o 25 de Abril.

Imaginemos 75 anos de ditadura contínua em Portugal durante todo este tempo.

Pois os chineses continentais suportam a ditadura comunista - hoje comunocapitalista - há precisamente três quartos de século.

 

As frases que se seguem caracterizam a tirania de Pequim, sob o signo da foice e do martelo.

Partidos proibidos.

Eleições proibidas.

Imprensa livre proibida.

Sindicatos livres proibidos.

Greves proibidas.

Manifestações proibidas.

Trabalho escravo autorizado.

Trabalho infantil autorizado.

Liberdades amordaçadas - desde logo em Hong Kong, onde foram traídas as promessas feitas à população do território que em 1997 reverteu do Reino Unido para a soberania de Pequim.

 

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Movimento democrático esmagado em Hong Kong: promessas de liberdade foram traídas

 

Perante tudo isto, como reage o PCP? Bate palminhas ao comunocapitalismo selvagem chinês.

Basta ler o artigo do histórico Albano Nunes publicado na última edição do Avante!, sob o título "No 75.º aniversário da revolução chinesa".

Alguns excertos (com sublinhados meus):

«O PCP tem para Por­tugal a sua pró­pria con­cepção de so­ci­a­lismo, mas pro­cura aprender com a ex­pe­ri­ência de ou­tros par­tidos e é com o maior in­te­resse e es­pí­rito so­li­dário que acom­panha um em­pre­en­di­mento cujo su­cesso é da maior im­por­tância para as forças do pro­gresso so­cial, da paz e do so­ci­a­lismo.»

«"Servir o povo" foi e con­tinua a ser o lema que guiou o PCC à vi­tória no longo per­curso que passou por grandes lutas da classe ope­rária de Xangai, Cantão e ou­tras ci­dades.»

«O que glo­bal­mente ca­rac­te­riza a evo­lução da Re­pú­blica Po­pular da China, mesmo re­co­nhe­cendo de­sa­fios, pro­blemas e con­tra­di­ções que é ne­ces­sário vencer e su­perar, são os seus ex­tra­or­di­ná­rios avanços e re­a­li­za­ções

«Um sis­tema que, pas­sando por di­fe­rentes fases, co­nheceu um ex­tra­or­di­nário de­sen­vol­vi­mento das forças pro­du­tivas e está hoje na di­an­teira em nu­me­rosos ramos ci­en­tí­ficos e tec­no­ló­gicos, o que in­quieta so­bre­ma­neira o im­pe­ri­a­lismo.»

«O PCP acom­panha com o maior in­te­resse e es­pí­rito so­li­dário a acção dos ca­ma­radas chi­neses para a con­cre­ti­zação dos ele­vados ideais da sua re­vo­lução li­ber­ta­dora e a sua con­tri­buição para a causa do pro­gresso so­cial, da paz e do so­ci­a­lismo.»

 

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Brutal repressão durante a "Revolução Cultural" provocou mais de um milhão de mortos

 

Conclusão: os comunistas portugueses adoram ditaduras.

Entoam-lhes hossanas e loas sem a mais remota dúvida, sem o menor sobressalto de consciência.

Está tudo bem, desde que sejam as ditaduras do bando deles.

A verruga cabeluda no nariz da velha, e o sonso

Paulo Sousa, 31.07.24

O Partido Comunista da Venezuela, não sendo o partido de Chaves nem de Maduro, apoiou durante anos o regime chavista e madurista. Após a fraude eleitoral que decorreu no domingo passado, o PCV já veio a público apelar “às forças genuinamente democráticas, populares e patrióticas a unirem forças para defender a vontade do povo venezuelano que foi expressa neste domingo, 28 de Julho, com um clara intenção de mudança política no país”. A declaração completa pode ser lida aqui.

Em contra-mão com a vontade popular estão os regimes facínoras da Rússia, China, Cuba, Síria, Nicarágua, Irão e Coreia do Norte, que já felicitaram o ditador Maduro pela sua “vitória”. Sobre estes não há novidade nem surpresas. O alinhamento do PCP com ditaduras sanguinárias nunca causou nenhum bruaá, mas não deixa de ser curiosa esta fractura entre dois Partidos Comunistas ortodoxos.

Ou até o PC venezuelano já se vendeu ao imperialismo gringo, que ali pretende levar a cabo um "golpe de estado fascista”, ou o PCP é cada vez mais a verruga cabeluda no nariz da velha.

Por cá, assistimos ao sonso do Rui Tavares a tentar formar uma plataforma alargada de esquerda (onde pretende incluir a verruga cabeluda no nariz da velha) para governar o nosso país.

Poderá Tavares privilegiar as suas origens bloquistas e assim defender-se deste eventual incómodo? É possível, mas vamos então ver as vénias e as companhias europeias da recém-eleita Catarina Martins.

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Perante tudo isto, pelo menos no Twitter, Rui Tavares continua em silêncio.

Partido Comunista da Venezuela denuncia fraude eleitoral e repressão em curso

PCP esqueceu-se de ouvir os camaradas de Caracas antes de apoiar Maduro

Pedro Correia, 31.07.24

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Comunicado do Partido Comunista Português de segunda-feira, 29 de Julho:

«As eleições presidenciais na República Bolivariana da Venezuela constituíram uma importante jornada democrática, em que participaram milhões de venezuelanos e cujos resultados reafirmaram o apoio popular ao processo bolivariano. (...)

O PCP saúda a eleição de Nicolás Maduro como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, bem como o conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas que alcançam mais uma importante vitória com esta eleição, derrotando o projecto reaccionário, antidemocrático e de abdicação nacional.»

 

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Comunicado do Partido Comunista da Venezuela de terça-feira, 30 de Julho:

«A Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista da Venezuela (PCV) apela às forças genuinamente democráticas, populares e patrióticas para unirem forças para defender a vontade do povo venezuelano expressa neste domingo, 28 de Julho, com a clara intenção de promover a mudança política no país.

Alertamos a opinião pública internacional: o Governo de Nicolás Maduro, que já despojou o povo venezuelano dos seus direitos sociais e económicos, pretende agora privá-lo dos seus direitos democráticos.

Exigimos à Comissão Nacional Eleitoral a publicação da totalidade das actas de votação - tal como estabelece o regulamento eleitoral - assim como a máxima transparência no apuramento dos resultados. (...)

Neste momento decorrem espontâneas mobilizações populares em diferentes pontos do país. No PCV não apenas apoiamos o clamor de respeito pela vontade popular, mas apelamos também às forças militares e policiais para não reprimirem o povo.»

 

Descubram as diferenças. Não é difícil.

Em Lisboa, o PCP apoia com chocante servilismo o que em Caracas o partido homólogo rejeita com desassombro, na sequência da brutal repressão exercida contra sindicalistas, vários dos quais estão detidos em presídios militares, enquanto outros foram despedidos ou aposentados à força.

Paulo Raimundo esqueceu-se de ouvir os camaradas venezuelanos antes de dobrar a cerviz perante Nicolás Maduro, o caudilho mais corrupto, incompetente e desacreditado da América do Sul.

A bem da nação bolivariana

Pedro Correia, 30.07.24

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Nicolás Américo Thomaz Maduro venceu, por expressiva maioria, a eleição presidencial na Venezuela. Derrotando o candidato da oposição, o antipatriota Edmundo Humberto Delgado González, apoiado por forças estrangeiras que tudo fizeram para conspirar contra o Governo a pretexto do processo eleitoral. Ao ponto do venerando candidato da União Nacional Bolivariana ter alertado para o risco de haver «um banho de sangue» caso o povo votasse de forma errada.

Felizmente as forças armadas, funcionando como guarda pretoriana do regime que em 1999 instituiu um Estado Novo na Venezuela, asseguram a estabilidade institucional, conferidos já os resultados pela Comissão Nacional Eleitoral em estrita obediência às instruções do Governo que a tutela. As actas eleitorais estão salvaguardas em lugar recatado, longe dos olhares indiscretos das forças subversivas que tentam minar a revolução nacional, iniciada na madrugada libertadora de 28 de Maio pelo major-general Hugo Óscar Carmona Chávez, de saudosa memória. 

A bem da nação.

 

ADENDA:

Sua Excelência já recebeu calorosas congratulações de países e partidos amigos. Nomeadamente a República Popular da China, a República Islâmica do Irão, o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e o Partido Comunista Português.

Vão ter o que merecem

Pedro Correia, 07.06.24

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Estes são os dois deputados que o PCP tinha até agora no Parlamento Europeu. Sandra Pereira desde 2019, João Pimenta Lopes desde 2021

Deputados que alinharam com a Rússia na violação da soberania ucraniana - por vezes em coro afinado com a mais rançosa franja extremista da direita

A 1 de Março de 2022, apenas cinco dias após o início da invasão da Ucrânia pela clique moscovita, o Parlamento Europeu aprovou - por esmagadora maioria - um voto de condenação dessa agressão que violentou grosseiramente o direito internacional. Houve 637 votos a favor, 26 abstenções e apenas 13 votos contra. Pereira e Lopes integraram essa minoria absoluta pró-Moscovo.

Como vassalos de Putin, um e outro.

Vão ter - e o partido deles - o que merecem no escrutínio deste domingo. 

Ausentes

Pedro Correia, 03.04.24

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BE e PCP decidiram ontem não comparecer à cerimónia de posse do XXIV Governo Constitucional, no Palácio Nacional da Ajuda.

Esta ausência simultânea dos dois parceiros do PS na defunta geringonça revela muito. Nada abonatório para ambos os partidos, que ocupam hoje apenas nove dos 230 assentos na Assembleia da República.

Falta de estatura institucional, falta de sentido de Estado, falta de espírito democrático, falta de ética republicana.

Legado positivo de António Costa

Pedro Correia, 15.03.24

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Desde que se amigaram com o PS para formar a geringonça, PCP e BE perderam 25 deputados.

Em 2015 tinham 36, somados: 19 bloquistas, 17 comunistas.

Hoje restam-lhes 9 (5 do BE + 4 do PC). Quatro vezes menos.

 

Eis o mais visível legado político da geringonça: praticamente a extinção da esquerda radical.

Neste caso, um legado positivo de António Costa - sou o primeiro a reconhecer.

Estultícia e cinismo

Pedro Correia, 14.03.24

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Não estão ainda apurados os resultados eleitorais das eleições legislativas. Não está formada a nova Assembleia da República. Não está indigitado o novo primeiro-ministro. Não está formado nenhum governo novo. Muito menos se conhece um programa desse governo que ainda não existe.

E no entanto, cego perante todas estas evidências como uma galinha sem cabeça a correr à toa, o PCP apressou-se a anunciar ao País a apresentação de uma moção de rejeição. De quê? Do tal programa inexistente do tal governo ainda por formar liderado pelo tal primeiro-ministro que não foi indigitado enquanto os votos das legislativas continuam a ser contados para designar quatro deputados ainda em falta e quando a nova legislatura não teve início nem sequer tem data marcada para o efeito.

Tanta estultícia só pode ser interpretada como uma tentativa desesperada dos comunistas para se manterem à tona do mapa mediático após terem visto encolher ainda mais o seu grupo parlamentar, perdendo um terço dos escassos deputados eleitos há dois anos. Restam-lhes 1,7% dos lugares no hemiciclo.

Tudo isto complementado com um pormenor de supremo cinismo por parte do Comité Central: enviaram ontem às televisões o maltratado João Ferreira, que em Novembro de 2022 foi posto à margem enquanto Paulo Raimundo era ungido em circuito fechado como secretário-geral do PCP.

Ferreira não serviu para liderar o partido, mas já serve para dar a cara em defesa desta estulta decisão mesmo sem ter assento na Assembleia da República. Como se fosse o néscio de turno lá na sede, forçado a defender o indefensável.

Depois admiram-se de já ninguém votar neles. Prova inequívoca de que o povo é sábio.

Da defesa dos operários à protecção das focas: eis como Costa domou a esquerda

Legislativas 2024 (13)

Pedro Correia, 29.02.24

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Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.

Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?

 

Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.

Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.

 

Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.

Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.

«Atenta às questões dos trabalhadores»

Legislativas 2024 (12)

Pedro Correia, 28.02.24

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Nada mais conveniente, para os partidos com fraquíssima representação parlamentar, do que integrar manifestações alheias para aparecerem na fotografia, fingindo que os poucos afinal são muitos. Consultar a agenda diária de manifestações e colar-se a elas: eis uma forma fácil e expedita de fazer política.

Nestes dias iniciais de campanha eleitoral das legislativas de 2024 o campeão desta chico-espertice tem sido Rui Tavares. No sábado conseguiu aparecer um par de vezes nos telediários integrando-se em duas concentrações populares em Lisboa: uma no Rossio, de repúdio pelos dois anos de agressão da Rússia à Ucrânia; outra na marcha contra o racismo e a xenofobia, na Alameda D. Afonso Henriques. 

Exibiu-se em qualquer dos eventos, transmitindo assim a mensagem subliminar de que toda aquela gente apoia o Livre. 

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A mesma táctica tem vindo a ser seguida por dois outros partidos muito carentes de votos: o PCP e o Bloco de Esquerda.

Aproveitando um protesto dos trabalhadores da empresa multinacional Teleperfomance, também em Lisboa, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua surgiram na primeira fila. Com a certeza de que picariam o ponto nos noticiários da noite.

O secretário-geral do PCP lá se ajeitou com o megafone para debitar banalidades, proclamando-se «solidário» com os trabalhadores. A porta-voz do Bloco nem necessitou de megafone, sem ficar atrás do comunista ali na caça ao voto. 

A diligente repórter da RTP deu uma ajudinha. Dizendo isto: «Porque é ao lado dos trabalhadores que o Bloco quer estar.» Enquanto mostrava a bloquista enxugando uma furtiva lágrima de comoção. E culminou a peça desta forma: «Atenta às questões dos trabalhadores, Mariana Mortágua promete que as condições dignas de trabalho vão estar num entendimento à esquerda pós-eleições.»

Linguagem carregada de tintas épicas: pedia sonorização a condizer. Pena não se terem escutado os acordes d' A Internacional. Até a mim daria vontade de chorar.

Cá está ele

Pedro Correia, 25.02.24

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Ontem à noite participou num debate na CNN Portugal. Com deputados de outros cinco partidos políticos. Sobre uma triste efeméride: o segundo aniversário da agressão russa à Ucrânia, com o seu brutal cortejo de mortos, mutilados, desaparecidos, violações, pilhagens e destruição de todo género. A maior invasão de uma nação europeia por um país vizinho desde a II Guerra Mundial - réplica exacta do que Hitler fez à Polónia em 1939 mal selou o pacto de amizade com Estaline.

Fixem-lhe a cara e o nome: chama-se João Pimenta Lopes, é representante do PCP no Parlamento Europeu. Foi um dos escassos deputados que se puseram ao lado do ditador Putin, recusando condenar a Rússia na eurocâmara. A 1 de Março de 2022 - cinco dias após a invasão, quando os blindados russos se encaminhavam para Kiev e os mísseis de Moscovo matavam dezenas de civis. A resolução foi aprovada por esmagadora maioria: 637 votos favoráveis, 16 abstenções e 13 miseráveis votos vontra - incluindo o de Lopes e da sua camarada Sandra Pereira.

Convém não esquecer. Faltam três meses para as próximas eleições europeias. Quem nos representa em Bruxelas deve ser avaliado - e chumbado - também por isto.

Coitada da Heloísa

Legislativas 2024 (4)

Pedro Correia, 08.02.24

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Luís Montenegro tentou fazer-se representar no debate televisivo com a CDU por Nuno Melo, presidente do CDS, o segundo partido da coligação AD. Paulo Raimundo recusou de imediato a sugestão do social-democrata, acusando-o de fugir à discussão. O secretário-geral do PCP é inflexível: não tolera debater com um "número dois".

Perdeu excelente oportunidade de fazer avançar alguém do PEV, o partido-fantasma que integra a CDU com os comunistas. Coitada da Heloísa Apolónia: ainda não é desta que deixa de ser invisível.

A Terra é plana

Pedro Correia, 05.02.24

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«A CDU tem aqui um resultado que não parece tão mau como as sondagens indicavam. A CDU foi o terceiro partido mais eleito entre estes círculos - Flores, São Jorge e Faial. A CDU é um partido fundamental, com muita importância.»

Carmo Afonso (RTP 3, ontem, às 22.32)

 

(O Partido Comunista Português, uma vez mais, não conseguiu eleger qualquer deputado nos Açores: a última vez que isso aconteceu foi em 2012. Flores, São Jorge e Faial são ilhas, mas não formam nenhum "círculo". A CDU nem sequer é partido, excepto na República Federal da Alemanha)

Andas irreconhecível, PCP

Pedro Correia, 01.02.24

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Nunca tinha visto, mas há sempre uma primeira vez para tudo. O PCP, tão cioso da independência nacional, da soberania, da insubmissão ao imperialismo americano e outros chavões que vai martelando como se os portugueses fossem pregos, surge agora com cartazes políticos escritos em "amaricano". Integrado numa coisa anglófona intitulada "The Left".

Menos mal não ser italófona: assim evita proclamar-se "Sinistra".

Imagino que se trate de publicidade financiada pelo Parlamento Europeu, onde o partido da foice e do martelo ainda mantém dois lugares. Eis a prova do algodão: "European Parliament" - rezam os tais cartazes, também no idioma do império.

Sorrio quando vejo isto. Imaginando que jamais sucederia se Álvaro Cunhal ainda andasse por cá. Logo ele, que combateu com firmeza a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia - actual UE. Os seus sucessores, embora mais frouxos, mantiveram no essencial esta posição: em 2012 o PCP advogou até a realização de um referendo nacional para retirar o nosso país das instituições comunitárias. E em 2020 aplaudiu o Brexit com um entusiasmo polvilhado de redundâncias: «A saída do Reino Unido da União Europeia constitui um acontecimento de grande importância para o povo do Reino Unido», sublinharam os comunistas. No seu programa eleitoral para as legislativas de Março, decalcado dos anteriores, insistem em advogar «uma saída negociada do euro» para «recuperar a soberania monetária».

Tanta conversa sobre soberania, tanto bater no peito à Tarzan sobre independência e tal, tanta rejeição dos ditames de Bruxelas - e afinal ei-los amestrados, exibindo mensagens na língua de Donald Trump, neste 2024 em que Portugal devia celebrar o quinto centenário do nascimento de Camões.

What a shame, PCP. Já não és o que eras. Andas irreconhecível.