Alina nasceu e cresceu em Lugansk. Tinha dois anos quando se deu o colapso da URSS e por isso, ela e um quinto dos seus concidadãos residentes, sempre se conheceram como ucranianos. Em casa dos seus pais falava-se russo, mas desde que ela sempre a língua ucraniana na perfeição.
Formou-se em Direito e em 2013 casou-se com o Nikolay que é programador informático. A formação académica dos dois permitiu-lhes um bom emprego e um rendimento regular algo acima da média. Daí até terem uma casa e um carro foi quase um instante, e à frente deles tinham um futuro abundante em planos.
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Foto do casamento de Alina e Nicolay
Tal como Alina, a maioria dos habitantes da região do Donbass sempre usaram o russo como língua principal. Segundo o que me relatou, esse foi apenas o motivo usado por Moscovo para dividir os ucranianos e desencadear a violência que se seguiu.
Na Primavera de 2014 surgiram no Donbass agitadores empunhando armas fornecidas pela Rússia. Começaram a criar distúrbios, a ameaçar a população e rapidamente impuseram as suas regras baseadas apenas na força das armas que exibiam. Ameaçaram toda a gente e impuseram um recolher obrigatório. As detenções arbitrárias foram outra das faces do fim da ordem legal.
Após várias semanas de instabilidade, em Junho a situação tornou-se insustentável. A casa de Alina e de Nikolay foi atingida nos combates e ainda a recomeçaram a reconstruir, mas a evolução dos acontecimentos era tudo menos animadora e acabaram por decidir deixar tudo para trás e procurar o futuro noutras paragens.
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A casa de Alina e Nicolay antes de abandonarem definitivamente Lugansk
Para recomeçar uma nova vida, escolheram Dnipro, cidade que Alina descreve como maravilhosa e onde deu à luz o seu filho Oleg.
Alina com o pequeno Oleg em Dnipro. A ponte é visível ao fundo.
Os dois anos de pausa para maternidade levaram a que se fosse afastando da sua carreira na advocacia.
Passado esse período, já em 2018, Alina e de Nikolay voltaram a mudar-se, desta vez para Kyiv onde se juntaram ao resto da família, que assim os poderia ajudar a tomar conta do pequeno Oleg.
Nesta nova base Alina, após vários incentivos de amigos e familiares, juntou um gosto antigo pela confecção de pastelaria e, juntamente com uns amigos de Donbass, abriram uma pastelaria cheia de coloridos cupcakes, macarons, bolos de todos os formatos e feitios.
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A pastelaria localizava-se em Kyiv, perto de uma estação de metro. O sucesso dá muito trabalho e nesta nova fase, já com uma criança para criar, com uma nova casa para pagar e com o negócio exigir-lhe a dedicação que todos os negócios exigem, o esforço que Alina colocou em todas estas tarefas foi enorme. Tudo parecia ganhar um novo caminho.
O local que escolheram para viver ficava nas periferias da capital, em Gostomel. Os últimos acabamentos só ficaram prontos no início do passado mês de Fevereiro.
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O apartamento de Alina e Nicolay no início de Fevereiro de 2022
Os sogros acabaram por ser seus vizinhos uma vez que se mudaram também para Bucha.
Desde o início do inverno passado que as notícias sobre as manobras militares russas ao redor da Ucrânia não auguravam nada bom.
A 24 de Fevereiro Alina, Nikolay e Oleg foram acordados pelo som das explosões. As notícias confirmaram o pior. A Rússia tinha iniciado a invasão à Ucrânia.
A 1 de Março, Alina e o seu filho Oleg, agora com seis anos, deixaram Kyiv e aproximaram-se da fronteira da Roménia. Através de amigos ucranianos que vivem em Portugal, tomou conhecimento da nossa Missão e rapidamente passou a fazer parte da nossa “lista de compras”. No dia 15 de Março entraram na Roménia pela fronteira de Siret e pouco depois passaram a ser hóspedes da nossa caravana.
Nikolay ficou para trás. Enquanto especialista informático foi integrado nas unidades ucranianas de ciberdefesa.
Pelas redes sociais Alina recebe dolorosas actualizações da evolução da situação.
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Exterior dos apartamentos em Bucha onde viviam os sogros de Alina. Oleg brincava nestes escorregas quando os ia visitar.
Após duas semanas passadas nos abrigos do bloco de apartamento, os sogros de Alina conseguiram sair de Bucha, antes mesmo de sofrerem os tormentos dos que ali ficaram e tiveram de enfrentar as tropas russas.
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Estado actual da escola de Oleg em Gostomel.
Alina, ao longo das mensagens que fomos trocando em inglês, disse que esta vai ser a terceira vez que irá recomeçar a desenhar sua vida a partir de uma folha em branco. Perante a destruição do seu país e as baixas sofridas pelo seu povo, o seu recomeço parece ser a coisa mais fácil da vida.
Termina dizendo que a verdade é que os cidadãos da Ucrânia nunca se desentenderam mesmo falando línguas diferentes. Enquando russofona afirma que nunca os falantes de nenhuma das duas línguas oprimiram os demais.
“The russian speaking people was never oppressed in Ukraine, even after 2014. I know it on my own skin. That’s why I’m sure that the language problem is contrived.”
A Alina está em Portugal e já está trabalhar há duas semanas. O Oleg regressou à escola na passada segunda-feira. Desejo-lhes a melhor sorte do mundo.
De forma a respeitar a privacidade, os nomes apresentados são fictícios.