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Delito de Opinião

Nada muda para que tudo mude

Pedro Correia, 28.11.21

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Foto: José Coelho / Lusa

 

Na noite em que desperdiça a enésima oportunidade de pugnar pela unidade do PSD optando por disparar contra dirigentes distritais e concelhios após novo triunfo tangencial para a presidência do partido em eleições internas que não desejou nem convocou, Rui Rio abriu uma garrafa de champanhe. É caso para isso, na óptica de quem nele apostou. Os laranjinhas estão mais perto de concretizarem o desígnio que o líder vem acalentando há quatro anos: regressar ao poder, agora de braço dado com o PS. António Costa é potencial aliado, não adversário - daí as palavras cautelosas que Rio sempre utiliza quando alude ao primeiro-ministro. O mesmo que durante estes quatro anos o desprezou com desdém olímpico.

O PSD é partido com vocação para o exercício do poder - e este impulso prevalece sobre qualquer outro, como demonstra o escrutínio de ontem, em que participaram 36 mil militantes, com o presidente em funções a vencer por uma diferença de 1700 votos. Teve 52%, contra os 48% de Paulo Rangel. Em Janeiro de 2018 vencera Santana Lopes com 54%. Em Janeiro de 2020 vencera Luís Montenegro com 53%. Agora diminui um pouco mais a margem do triunfo, parecendo satisfeito por liderar meio partido. Quem o conhece bem diz que só assim se sente «picado» - e apenas picado salta com espírito guerreiro para o recinto de luta.

O homem que em 2008 não se sentiu suficientemente «picado» para concorrer à liderança social-democrata no auge do poder socrático e em 2019 perdeu por larga margem as legislativas contra o PS de Costa vai certamente guardar outra garrafa de champanhe - desta vez para celebrar nas eleições de 30 de Janeiro a nível nacional. Pode ser que vença, mesmo saindo derrotado. 

Rangel foi perdendo firmeza e segurança à medida que se escoavam as escassas semanas de campanha contra um adversário que sempre recusou enfrentá-lo cara-a-cara e classificava esta pugna interna de «balbúrdia»«tempo perdido». Tanto quanto me recordo, foi a primeira vez que algo semelhante sucedeu no PSD: um líder rejeitar o debate com um companheiro de partido. Talvez aqui tenha funcionado a lógica adoptada há um ano pelo grupo parlamentar social-democrata quando tomou a iniciativa de propor o fim dos debates quinzenais no parlamento com o primeiro-ministro: havia que «deixá-lo trabalhar».

Não se abre novo ciclo: vai prosseguir o anterior. Nada muda para que tudo mude - era este o lema de Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina. Um homem que se desligava das paixões terrenas contemplando os astros. Questiono-me em quem votaria se vivesse neste Portugal de 2021.

Rio Strikes Again

jpt, 21.11.21

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Ontem almocei uma magnífico cozido à portuguesa, emanado das mãos de mago de um grande amigo. Éramos seis à mesa. Acoplados à prolongada e cuidada mastigação vários assuntos vieram à baila, alguns deles relevantes para todos nós, alguns outros nem tanto. Apesar da máscula companhia não foram abordadas "questões de saias", de negócios ou de futebóis. Mas apesar da vigência desses implícitos critérios  convivenciais aflorou-se um pouco a outra questão sempre aziaga, isso da coisa pública, tendo sido abordada a actual necrose da geringonça e os paliativos que urgem. E nesse âmbito, ainda que à mesa inexistissem militantes ou até meros eleitores do PSD, urdiram-se argumentos sobre a actual contenda social-democrata e proferiram-se preferências sobre os assuntos internos daquela agremiação.

E nisso ouvi algumas vozes, nada esquerdistas, defendendo, ainda que com pouco ênfase, a preferência pela continuidade de Rio. Pois homem sério e decidido, e com o património pessoal de ter presidido à câmara do Porto com sucesso. Sobre a matéria nada ajuizei, não só porque me sinto excêntrico ao debate mas, acima de tudo, devido à já referida excelência do repasto, que muito monopolizava a minha atenção - acompanhado de um adequado tinto "Cara a Cara", robusto o q.b. para este tipo de comezaina e suave o necessário no seu custo.

Hoje à noite, após a derrota do United diante do Ranieri, da grande vitória tangencial, conseguida in extremis, da Inglaterra sobre os Springboks, e enquanto via pela primeira - e decerto que última - vez o pastelão insuportável "Blade Runner 2049", jantei uma feijoada de coelho caseira, daquelas de trás da orelha, coadjuvada por um não muito excitante tinto "Guarda Rios" - o qual, verdade seja dita, se justifica por se apresentar ao consumidor sob um preço que o torna apetecível. Após esta labuta recolhi aos aposentos para o sono do justo, antecedido por uma breve excursão pelos jornais desportivos, em azáfama de fim-de-semana.

E é neste entretanto, na diagonal sobre a imprensa, que reparo ter o presidente do PSD - o qual há dias anunciara não realizar campanha para as eleições internas do seu partido - lançado mais esta farpa ao seu competidor. Ou seja, anunciou ao país que o seu concorrente almeja o poder para distribuir postos estatais pelos amigalhaços e apoiantes. E também, como é óbvio, explicita-nos que o seu partido tem imensas dinâmicas que querem o mesmo, tanto que catapultaram este seu concorrente, prenhe dos tais ímpios desígnios, como hipótese viável para presidente do PSD.

Dou uma gargalhada, adio o leito, sirvo-me de um dedal do "Queen Margot", boto o postal. Apenas para avisar os meus convivas do repasto da véspera. Pode Rio ter as características e o passado que lhe reconhecem. Mas, aqui entre nós, que ninguém nos ouve, vai agora sem qualquer tino. Pois isto não é coisa que um  homem na sua posição possa dizer de um correligionário concorrente. Mesmo que seja verdade...

Rio & Rangel

jpt, 11.11.21

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Está o PSD em compita interna, a menos de 3 meses de eleições legislativas. Talvez não seja o melhor momento para tal iniciativa, mas dever-se-á às ondas de choque provocadas pela derrota dos partidos de esquerda nas recentes autárquicas e à imposição (apressada?) do presidente da República. A decisão sobre o próximo presidente do PSD compete aos seus militantes mas, como é óbvio, acaba por nos interessar a todos, se acreditarmos - como será normal - que algo influenciará os próximos resultados eleitorais e a próxima configuração de poder governamental. Já o botei aqui, independentemente das virtudes políticas (e pessoais) que Rui Rio tenha não encontro, nem no círculo dos meus conhecimentos nem no amplexo imprensa/redes sociais, locutores que exprimam entusiasmo pela sua actuação. Algo que não será razão suficiente para nele descrer - até porque depende exclusivamente deste meu pessoal ponto de (tomada) de vista - mas que será um pouco descoroçoante para quem espere uma "vaga de fundo" eleitoral. Enfim, para mim - que nem sequer votei PSD nas últimas legislativas - parece-me que ao longo destes anos Rio não conseguiu afirmar-se individualmente como líder de uma alternativa à governação de António Costa, nem terá conseguido catapultar o seu partido como alternativa colectiva - quem são as actuais figuras gradas daquele partido, que políticas sectoriais ali se defende, que documentos (abrangentes e súmulas) têm publicado, que "seminários/colóquios/congressos" temáticos têm desenvolvido, etc? Com que forças sociais (também ditos "grupos de pressão") têm abertamente debatido? Que reformas propõem, que status quo entendem inamovível? Em suma, que projecto substantivo para o país defendem (para além do "patois" para cabeçalhos de imprensa) que justifique a mudança governativa, para além daquilo que o eleitor comum possa presumir, na sua desinformada candura? Dito isto, também sobre Rangel não se pode dizer que se saiba muito mais - para além da já referida presumível expectativa assente nos historiais dos partidos. É certo que não lidera um partido há um punhado de anos, como Rio, e que há quase uma década está algo afastado da política interna, dado o seu cargo de eurodeputado, o que justificará muito mais do que em Rio o desconhecer-se-lhe tanto um discurso individual abrangente como a inexistência de um trabalho de coordenação (e até de liderança) de uma colectiva reflexão sobre o país. Para mais, e no meu caso, não tenho acompanhado a sua carreira política - como referi notei-o com atenção apenas há cerca de um ano e meio quando teve um conjunto de declarações e acções parlamentares muito pertinentes e aquilatadas sobre o conflito no Cabo Delgado, em Moçambique.

Botei este longo intróito para justificar o meu cenho franzido, e algo distraído, diante da actual situação do maior partido da oposição. Atitude que nem será de espantar, dado não ser nem militante, nem simpatizante nem mesmo eleitor habitual do PSD (partido no qual votei em 1999. E no qual teria votado em 2001, 2009 e 2011 se não fosse então epígono do actual presidente da República, inscrito numa cidade e residindo numa outra, no meu caso bem longínqua, cerca de 11 000 kms). Espero apenas que possam os militantes do PSD escolher o melhor possível para a participação optimizada desse grande partido democrático no processo político português, ainda para mais quando se anuncia uma crise económica internacional, que talvez venha a depauperar o nosso algo distraído país.

Nesse sentido fico estupefacto quando leio as recentes declarações de Rio. Anunciara há dois ou três dias que não fará campanha interna na corrida eleitoral do partido. E agora, julgo que ontem, a apenas dois meses e meio das eleições legislativas, afirma ao país que o seu opositor Rangel "não está preparado para ser primeiro-ministro", algo que num partido com aspirações governamentais é um evidente "depois de mim, o dilúvio". Para além de contradizerem completamente o tal anúncio de inexistência de campanha interna que Rio fez na véspera, estas declarações feitas num partido da dimensão do PSD são letais, demonstram uma total falta de solidariedade interna, de conjugação partidária. E vêm do seu próprio presidente! Diante de uma coisa destas, do minar do caminho do próprio partido, não consigo perceber como é que haverá militantes do PSD que se conjuguem com Rio, tão "despreparado para ser presidente de partido" assim se mostra. Mas também o digo, diante disto, destas declarações entre gente que se conhece, e muito, não percebo como é que nós, eleitores comuns fora dos partidos, poderemos confiar em tais gentes, embrenhados em tal forma de fazer política. Como confiar em Rangel se o seu próprio presidente dele diz isto? Enfim, se Rio assim, tão rasteiro, e se Rangel assim tão "impreparado", o melhor é mesmo elegermos deputados de outros partidos... Está aí um cardápio à disposição, a cada um como cada qual...

Novo rumo

Pedro Correia, 15.10.21

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«É absolutamente incompreensível que a liderança actual do PSD tenha, em conivência com o PS, abolido os debates quinzenais [com o primeiro-ministro no parlamento] e os tenha substituído por modalidades suaves, doces, muito espaçadas no tempo e muitas vezes sem a comparência do primeiro-ministro. Tratou-se de um erro enorme. Para a república, para a saúde da democracia, para o parlamento, para o PSD. Assim que tomar posse como líder do PSD comprometo-me, como primeira medida, a propor na Assembleia [da República] o regresso imediato dos debates quinzenais.»

Assim falou Paulo Rangel, há pouco, na apresentação formal da sua candidatura às eleições directas para a presidência do PSD, marcadas para 4 de Dezembro. Toca numa questão muito mais que simbólica: é essencial para o saudável desempenho do principal partido da oposição num sistema democrático.

A lenta agonia de Rui Rio, como dirigente máximo dos sociais-democratas, começou no dia em que tomou a iniciativa de pôr fim aos debates quinzenais a pretexto de «deixar o primeiro-ministro trabalhar» - como se lhe competisse ser moço-de-fretes de António Costa. Um penoso ciclo prestes a chegar ao fim.

 

Leitura complementar: Mais um frete de Rui Rio a Costa.

The Russians Are Coming

jpt, 23.09.21

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The Russians Are Coming (1966) foi uma bela paródia sobre o temor, paranóia até, com o "perigo soviético". Uma era em que se augurava a omnipresente infiltração russa, em que todas as desgraças ou mesmo meros engasganços se explicavam pelos pérfidos efeitos da conspiração comunista. E também em que todas as medidas menos populares ou "canónicas" se justificavam pela sua afirmada utilidade na necessária oposição a tais ameaças.

Nestes últimos tempos muito me tenho lembrado deste filme. O "fascismo" vem sendo apregoado como "aqui mesmo ao virar da esquina" - convém lembrar as declarações da então nova deputada Moreira logo no dia das eleições legislativas, clamando contra o perigo eminente e iminente desse "fascismo", na figura do então último deputado eleito, o prof. Ventura. Pois este veio servir como "inimigo útil" para afirmação desse movimento - o qual agora finalmente realizou a sua vocação, coligando-se com o PS. E desde então - mesmo que a extrema-direita ocidental tenha regredido, com o apagão progressivo de Farage, Bannon, Trump, etc., já para não falar da afinal normalidade democrática dos conservadores britânicos, do sossego nos redutos ditos "Padania", bem como na Flandres e na "Neerlândia" como agora teremos que dizer - esse tal "fascismo", o perigo da "extrema-direita radical" continua a ser brandida como justificativo da configuração actual. O espantalho ficou mais viçoso com o bom resultado do prof. Ventura nas eleições presidenciais, muito devido ao fraco cardápio de candidaturas e ao voto de protesto à direita e centro contra o evidente conúbio entre Sousa e o PS na defesa das metástases nepotistas do regime.

 

José Magalhães, o javardo

jpt, 07.09.21

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Como é sabido Paulo Rangel - estando a ser alvo de uma campanha na imprensa com alusões à sua vida privada - enunciou publicamente a sua homossexualidade. À esquerda criticam-no. Acusam-no de duas coisas: de preparar uma recandidatura à presidência do seu partido. E de não ter participado há uma década na luta por alteração legislativa favorecedora de aspirações do movimento homossexual, como tal não tendo cumprido preceitos considerados necessários à dita "identidade". Sonantes nisso são vários membros da "identidade" socratista, esses que na referida época tudo faziam para defender o poder PS das acusações da evidente roubalheira que acontecia, o enorme ataque às instituições democráticas e seus gigantescos efeitos nas finanças públicas e na economia nacional. Essa gente - entre a qual muito soa o velho eixo do blog "Jugular" e seus sequazes - tem essa "incoerência" e "hipocrisia". Pois dizem-se de "identidade" democrática mas foram (e decerto que o são) cúmplices ou coniventes com a corrupção, integrando a evidente "identidade" ladroagem. Ou seja, em termos de "coerência" com os preceitos de alguma identidade é caso para sobre eles clamar agora "dizem os rotos ao nu". E é lamentável que gente dessa laia seja presença habitual como "comentadores" na imprensa estatal e ocupe postos públicos de incidência política.

Ainda mais denotativo do ambiente intelectual dessa abjecta mole é a reacção às inaceitáveis declarações de ontem do deputado socialista José Magalhães. Autor da recente Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital foi então basto criticado. Mas logo sufragado pela imprensa do Estado, através de um inenarrável servilismo da apresentadora Cautela, em programa em horário nobre, que culminou com ela roçando-se no veterano político. Mas mais o defenderam e, entre outros apoios, recordo que no muito activo mural de FB de um ex-bloguista surgiu o deputado Sérgio Sousa Pinto - antigo inventor do mote "causas fracturantes" e mudo durante a década de paixão socratista mas que, por estuporada amnésia colectiva, se tornou agora o xuxu do centro-direita porque faz algumas "críticas" ao PS - afirmando-o "grande deputado", elevando-o acima das fundamentadíssimas críticas a uma lei excessiva. Nesse fluxo Magalhães, e a sua iniciativa legislativa, saiu reforçado aos olhos da plácida opinião pública. 

Pouco depois o deputado solidarizou-se com um autarca do PCP que propunha o espancamento dos militantes e simpatizantes do PSD do seu concelho. E aconselhou, explicitamente, o uso de armas para esse efeito. A amálgama de identitaristas calou-se diante do despautério. E agora Magalhães atinge o "grau zero", fazendo insinuações sobre a vida sexual de Paulo Rangel, atingindo - que me lembre - o ponto mais baixo da refrega política em Portugal. De novo se calam os identitaristas, paladinos do movimento homossexual. Silêncio também nas lideranças do PS: nem o seu presidente, nem o seu líder parlamentar, nem o seu secretário-geral falam, distanciando-se desse modus operandi político. Nem a sua secretária-geral adjunta, de quem até por razões pessoais se poderia esperar mais atenção a este tipo de argumentação. Pois é - ou foi - casada com Paulo Pedroso, também ele em tempos alvo de acusações por práticas sexuais. Já agora também este ex-ministro socialista, ainda que tendo sido lesto a criticar Rangel pela sua ausência na luta pelos "direitos dos homossexuais" não encontrou vagar ou motivo para se distanciar da aleivosia de Magalhães. Como também o presidente da Assembleia da República não o fez, nem o grupo de eurodeputados do PS. Nada, o silêncio total das estruturas partidárias do PS diante desta execrável atitude José Magalhães. O javardo. No fundo mostrando que eles partilham, de facto, uma identidade: esse javardismo.

Certo, haverá quem diga que muitos se calam por receio da influência maçónica de Magalhães. É possível. Serão então javardos medrosos.

Termino  com uma proposta para os tempos de lazer. Vejam (ou revejam) a série "Billions". Poderão perceber melhor este javardismo. E constatar que, por si só, não tem grande sucesso.

A propósito de Paulo Rangel

jpt, 06.09.21

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Desde há cerca de um ano que aprendi a ter algum apreço pelo eurodeputado Paulo Rangel. Pois considero que no Parlamento Europeu teve posições muito ponderadas relativamente à situação do Cabo Delgado (e sobre isso aqui botei). Terão sido algo tardias. Mas o que é certo que os outros agentes políticos meus compatriotas (e não só) não foram mais céleres. Nem tão eficientes.

Enfim, por outras razões desde há algum tempo Rangel foi alvo de ataques soezes. Na imprensa instituída e nesta imprensa popular que são as "redes sociais". Senti-me solidário com o político, não só pela crença na necessidade de manter a distinção entre o "público" e o "privado". Mas também por um empatia enfatizada, dado que partilho algumas das características biográficas de Rangel que então foram propaladas. E aviltadas. E digo-o sem qualquer "drunk pride", mas apenas assumindo que também já me aconteceu perder a capacidade de traçar azimutes.

Rangel veio agora confirmar algumas dessas suas características. Imediatamente lhe soam em cima os urros de trabalhadores intelectuais - leio um feixe de sociólogos, historiadores, antropólogos, políticos, etc. - e letrados (pois dispõem bem as letras, mesmo no gutural twiterismo) que o acusam de hipocrisia. E assim consideram um homem "como ele" hipócrita pois, dizem-no, tem "ambições". Algo que qualquer bom católico do Antigo Regime (não do "anterior" mas do "Antigo", sublinho) considerará um pecado... pois violando a ordem natural das coisas, a ordenação divina. E nisso dizem-no também "incoerente", dado não partilhar as opiniões políticas que esses intelectuais/letrados têm. As quais consideram obrigatórias para determinadas "espécies".

De facto, essas pessoas - alguns conhecidos académicos, políticos, no activo ou retirados, jornalistas - reagem a la Fernando Rosas, quando veio gozar o político do CDS que "assumiu" (esse termo semanticamente tétrico) alguns traços da sua personalidade. Todos eles, repito, apoucam, repudiam, até insultam, a "incoerência", a "hipocrisia" de Rangel.

Enfim, pouco haverá para dizer. Apenas que é preciso ser mesmo muito ordinário para um tipo se dizer de esquerda e apoiar um bandalho que denuncia os activistas pró-palestianos à Embaixada de Israel. E depois vir - como se nada fosse - clamar contra a hipocrisia e a incoerência alheia. Sobre este tipo de gente quando eu era jovem usava-se um expressão: "dão o cu e cinco tostões". Para proteger o partido que lhes dá acesso aos tais "cinco tostões". E não têm pingo de vergonha.

Cheers!

Paulo Sousa, 20.07.21

A expressão “tornou-se viral” transmite ao mesmo tempo imensidão e efemeridade. O seu significado é em si mesmo uma contradição. É como a explosão de uma bola de fogo pirotécnico, que no exacto instante em que a tentamos memorizar, já desapareceu.

A vida nas redes sociais é assim. Quem por lá passa, ou por lá vive, sabe bem o que isso é.

Num dos últimos vídeos que arrebatou as atenções e abriu novas escalas nos gráficos de visualizações, aparece Paulo Rangel a caminhar a desoras, pelas ruas de Bruxelas, visivelmente embriagado.

Logo no primeiro instante imaginei que se tratasse duma daquelas preciosidades que alguns políticos guardam para “deslargar” quando entenderem ser o momento certo. No tipo de combate político em que debater ideias dá trabalho, e em muito poucos adversários têm amigos generosos que perdem o conto a quanto já “emprestaram”, este tipo de imagens podem ser consideradas como uma poupança para usar em tempos difíceis.

Quase nos habituamos a que perante a suspeita de má conduta a reacção fosse de indignação, não faltando de imediato a teoria da cabala.

Mas Rangel mostrou ser diferente. Não tentou desmentir, nem negar. Simplesmente assumiu o facto dizendo:

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Vi reacções de várias figuras, nem todas próximas do campo político de Rangel, que reconheceram que a sua resposta mostrou humanidade e que tinha virado a má onda contra quem achou que o estava a atacar. Não sabendo se o ataque terá sido originário do campo adversário ou tendo vindo do inimigo, o facto é que a sua reacção foi genuína e mostrou que ainda há quem possa trazer política à política.

Os mais atentos terão identificado que a diferença que referi, entre adversários e inimigos, resulta de uma distinção que Churchill terá feito entre os membros do partido contrário – os adversários – e os do seu próprio partido – os inimigos. Essa é a natureza da política e quem lá está sabe as regras do jogo.

E estando a falar de políticos, de “glórias, terrores e aventuras” e de bebidas alcoólicas, o honorável W. Churchill tinha de vir à baila.

Por isso, em memória dos políticos que não tratam os cidadãos como crianças, nem querem serem líderes morais da sociedade, partilho aqui uma receita médica que terá sido prescrita ao próprio durante uma visita aos E.U.A. em 1932, ou seja, durante a vigência da Lei Seca.

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Cheers!! 

Um artigo de Paulo Rangel sobre Cabo Delgado

jpt, 19.11.20

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O eurodeputado Paulo Rangel publicou anteontem no jornal "Público" o artigo "Cabo Delgado, Moçambique  - black lives matter!" julgo que já é de acesso livre (eu estou a consegui-lo). Não concordo com todo o seu teor mas o meu desconforto é por assuntos secundários: 1) não gosto do título pois funciona, de facto, como um remoque aos apoiantes do movimento nele aludido. E não é o momento de provocar "ruídos" entre quem se possa congregar nesta verdadeira causa, em torno do Cabo Delgado; 2) deixa entender que o conflito é entre muçulmanos e cristãos, o que é um reducionismo, tanto daquele universo social como das dinâmicas do conflito.
 
Ainda assim é um texto relevante naquilo que é o mais relevante, a convocatória da atenção activa sobre tudo o que se passa no Cabo Delgado. Até porque, como muito bem diz Rangel, neste momento "A actuação do governo português é tíbia e decepcionante. Limita-se a declarações, quase extorquidas a ferros, do ministro dos Negócios Estrangeiros. Fala no papel da CPLP, mas ninguém ouve falar dela. Em Bruxelas, é tal a timidez dos esforços de Portugal, que ninguém diria que está em jogo a vida de centenas de milhares de cidadãos de um país irmão." E mais: "Nem só o nosso Governo decepciona; também a esfera pública e a sociedade civil desiludem. Diante de crimes tão ominosos, como é explicável este silêncio brando, esta letargia conformada e conformista?"

Paulo Rangel no Parlamento Europeu sobre Moçambique

jpt, 18.09.20

Tem estado bem Paulo Rangel, e o PSD, no acompanhamento desde há meses no Parlamento Europeu da situação em Moçambique relativa à guerra no Cabo Delgado. E fez ontem uma boa intervenção, adequada àquela instituição, fundamentada e ponderada.

Deixo também aqui a Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de setembro de 2020, sobre a Situação Humanitária em Moçambique (2020/2784(RSP) [basta aceder: Resolução PE Moçambique.pdf], que sistematiza a preocupação com a situação militar e humanitária e explicita a inadmissibilidade das gravíssimas violações de direitos humanos consagrados nas convenções internacionais (convém sublinhar isto, pois vou lendo gente em Moçambique defendendo que em guerra, em particular com estes "insurgentes", vale tudo ...).

Realço a pertinência do ponto Z. desta Resolução: "Considerando que, apesar da brutalidade e da perda terrível de vidas, a situação em Cabo Delgado não conseguiu atrair a atenção internacional, o que significa que se perdeu tempo precioso para resolver o problema mais cedo".

Mas não deixo de notar e muito lamentar o clamoroso erro, do ponto Z. 22. "Recorda que a população de Moçambique, tanto da fé cristã como muçulmana, vive há muito em coexistência pacífica e manifesta convicção de que este modelo de tolerância e de solidariedade prevalecerá ...". Um reducionismo inadmissível, pois é mais do que exigível que políticos e seus assessores percebam um pouco mais sobre as realidade sobre as quais elaboram. Mera questão de cultura. 

(Lateralmente: ao ver esta intervenção interrogo-me sobre a imagem que o Parlamento Europeu transmite para o seu eleitorado. Ou seja, sobre a total cegueira e surdez face aos efeitos das dimensões representacionais dos órgãos políticos. Pois, e se é certo que o funcionamento do Parlamento Europeu não presume que a sala esteja cheia, dado que há múltiplas tarefas dos deputados, assistir a uma comunicação relevante - e esta é-o particularmente - feita numa sala vazia constrói a imagem de um parlamento relapso. 

E se é para falar nas dinâmicas de representação, da imagem que os políticos dão às populações do seu comportamento e o das suas instituições, alguém poderia dizer ao deputado luxemburguês Charles Goerens que é simbolicamente letal, sendo ele o único atrás de um colega de bancada que aborda uma situação dramática, estar, sossegadamente, esparramado na cadeira, só lhe faltando coçar a micose. Um verdadeiro "morcon", como se dirá em francês ...)

Contra o código genético do PSD

Pedro Correia, 01.08.19

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Outros tempos: Santana, Ferreira Leite, Durão e Rio (Dezembro de 2001)

 

Durão Barroso venceu o congresso de Viseu em 2000, contra Pedro Santana Lopes e Luís Marques Mendes - um congresso muito dividido e disputado. O passo seguinte era unir o PSD, estendendo pontes para os dois derrotados. Foi o que Durão fez, com um balanço largamente positivo: Santana avançou como candidato do partido à Câmara de Lisboa, que venceu em Dezembro de 2001, e Mendes encabeçou a lista eleitoral laranja pelo distrito de Aveiro às legislativas de Março de 2002, ganhas pelos sociais-democratas. A mensagem de unidade interna dada por Durão Barroso favoreceu assim o PSD em dois combates eleitorais.

 

Pedro Passos Coelho venceu a eleição interna no partido em Março de 2010, derrotando por larga margem as candidaturas adversárias protagonizadas por Paulo Rangel e José Pedro Aguiar-Branco. O seu primeiro gesto, mal ascendeu à presidência dos sociais-democratas, foi apaziguar as hostes adversárias, convidando os antagonistas da véspera para os órgãos nacionais. Assim, a convite dele, Rangel encabeçou a lista ao Conselho Nacional do PSD e Aguiar-Branco presidiu à comissão formada para rever o programa do partido. No ano seguinte, com Passos na liderança não só do partido mas já também do Governo, o segundo assumiu o cargo de ministro da Defesa enquanto o primeiro se manteve como deputado europeu, recandidatando-se em 2014 com o apoio expresso de quem o derrotara quatro anos antes.

 

Nesses tempos de progressão eleitoral e política do partido laranja tudo decorreu desta forma. Agora, com outra liderança e outras cabeças a definir a estratégia para as legislativas de 6 de Outubro, todos os sinais vão no sentido oposto: fragmentar em vez de unir, congregar fiéis em vez de estimular o pluralismo interno que faz parte do código genético do partido fundado por Francisco Sá Carneiro. Como se este PSD de Rui Rio mimetizasse os velhos movimentos da extrema-esquerda, que iam purgando dirigentes e militantes em nome da pureza ideológica e da estrita obediência à voz de comando.

Estamos em plena contagem decrescente: faltam 66 dias para conhecermos o resultado de tão brilhante estratégia.

Rangel, Assis e Rousseau

Alexandre Guerra, 01.03.19

É insólito ver alguém sair “em defesa de Jean-Jacques Rousseau” mais de trezentos anos após a sua morte, mas foi precisamente isso que fez Francisco Assis, em mais um estimulante exercício intelectual na sua habitual coluna de opinião no jornal Público. Na verdade, o artigo de Assis é uma crítica filosófica a formulações expressas por Paulo Rangel numa entrevista e texto de opinião, ambos publicadas no mesmo jornal. Um confronto no campo das ideias políticas, daqueles que só engrandecem os seus protagonistas e enriquecem os leitores. No centro da discussão, o conceito de “regra da maioria” (Rangel) ou da “vontade geral” (Assis) no âmbito da definição daquilo que são as “democracias iliberais”.

Na entrevista dada ao Público a 24 de Fevereiro, Rangel diz: “Os defensores da chamada democracia iliberal, são a favor da vontade da maioria e defendem que a vontade da maioria deve prevalecer sobre tudo. Neste sentido são quase rousseaunianos.”

Dois dias depois, em artigo de opinião no mesmo jornal, escreve: “Chama-se ‘democracia’, porque à maneira de Rousseau, tem como único critério válido, a regra da maioria (e nisto se distingue dos regimes marxistas-leninistas). Apoda-se de ‘iliberal’, porque visa a eliminação progressiva da independência judicial e da liberdade de imprensa. Esse ‘iliberalismo’ traduz-se ainda em políticas sociais assistencialistas, que reforçam o controlo do Estado ou de grupos oligárquicos e, por essa via, facilitam maiorias eleitorais sucessivas.”

Na réplica, Assis defende o seguinte na sua coluna de 28 de Fevereiro: “Rousseau nunca defendeu tal coisa. Preconizou mesmo uma tese absolutamente contrária à que Paulo Rangel lhe atribui. […] A confusão surge em torno do conceito de ‘vontade geral’. Contrariamente ao que alguns autores posteriores e um certo senso comum procuraram fazer crer, o conceito de ‘vontade geral’ não se identifica com o conceito da ‘vontade de todos’, e muito menos com o conceito de ‘vontade da maioria’. Para Rousseau, a soberania popular é inalienável e indivisível, expressão absoluta da livre vontade do povo.”

Analisando-se estas duas posições, parece manifestamente redutora a afirmação de Rangel, quando diz que “a democracia à maneira de Rousseau tem como o único critério válido, a regra da maioria”. De todo. Rousseau foi, talvez juntamente com Voltaire, um dos grandes iluministas e, jamais, teria uma lógica tão simplista na sua ideia de democracia. Efectivamente, sendo um homem crente no progresso da Humanidade, a maioria seria apenas um elemento funcional na construção de uma sociedade (provavelmente utópica), dentro de um quadro mais complexo e abrangente. Aliás, se a questão se prendesse apenas com o factor da maioria, porque razão Rousseau foi tão crítico da democracia britânica, podendo ela acolher essas maiorias? Porque no pensamento de Rousseau, o mais importante não era a maioria, mas sim o tipo de maioria e como se chegava a ela.

Assis não é claro neste ponto, mas estará mais perto daquilo que corresponde ao pensamento de Rousseau, identificando as falhas no pensamento de Rangel, escusando-se, no entanto, a ir mais longe, nomeadamente, naquilo que está inerente à ideia rousseauniana de sociedade: ou seja, assente numa vontade colectiva, que é expressa através de uma democracia directa e que conduziria à soberania popular. Ora, este processo pressupõe a alienação voluntária dos direitos de cada um a favor da tal vontade colectiva e da soberania popular. Note-se, uma alienação voluntária.

E é precisamente aqui que se pode fazer a maior crítica a Rangel e que, curiosamente, Assis não identifica. A associação que é feita entre o conceito de “democracia iliberal” e o pensamento rousseauniano parece ter pouca solidez. Na verdade, o que Rangel escreve contém em si uma contradição, com uma das ideias-chave do pensamento do iluminista suíço: o contrato social de Rousseau é um acto voluntário em prol de toda a comunidade e que tem como fim a sua realização e satisfação. O que isto quer dizer? A maioria emana de um acto voluntário e livre dos cidadãos e não de um voto condicionado, directa ou indirectamente, como acontece nas chamadas “democracias iliberais”.

Sobre o tema das "democracias iliberais", ver "O dilema da Democracia" de Alexandre Guerra (Público, 30 de Setembro de 2018)

O cerco aperta-se.

Luís Menezes Leitão, 31.03.16

Escrevi aqui que Passos Coelho estava a deixar o PSD ficar absolutamente cercado, quer pelos partidos da maioria governamental, quer pelo CDS, quer até pelo próprio Presidente da República. Na verdade, Marcelo não perde uma oportunidade para desancar Passos e apoiar Costa. Aliás, Marcelo e Costa até parecem o Senhor Feliz e o Senhor Contente da rábula criada por Nicolau Breyner. Hoje estou convencido de que o (para mim na altura) incompreensível apoio de António Costa a Sampaio da Nóvoa não visava outra coisa que não permitir a eleição de Marcelo, como veio a ocorrer. E Marcelo tem-se mostrado extremamente agradecido, nunca vacilando no apoio ao actual governo. 

 

Passos Coelho, pelo contrário, parece o Senhor Triste, todos os dias suspirando de saudade pelos tempos em que chefiava o governo e só falando desses tempos. Ainda ontem, no debate quinzenal, foi patético vê-lo pedir a António Costa que avaliasse as reformas que o governo anterior fez, parecendo completamente focado no passado e ignorando os combates do presente, que são duríssimos e onde não se pode fraquejar.

 

Só que até ontem faltava mais um elemento na equação: o surgimento da oposição interna. Essa oposição surgiu agora, com uma entrevista de Rui Rio, logo seguida de outra entrevista de Paulo Rangel. Ambos alinham pelo mesmo diapasão, dizendo em primeiro lugar o óbvio: que a oposição que Passos Coelho está a fazer ao governo está a ser muito frouxa e que o PSD precisa de uma renovação profunda, como aliás o CDS fez agora. O que é curioso, no entanto, é que não assumam desde já o objectivo (para todos evidente) de conquistar a liderança, dizendo Rui Rio que nem sequer se vai dar ao trabalho de ir ao congresso e Paulo Rangel que se sente muito bem no Parlamento Europeu.

 

Estamos assim perante o calculismo típico dos políticos portugueses em que António Costa fez escola. O objectivo daqueles dois é fritar Passos Coelho em lume brando durante dois anos ou mais, para depois lhe dar o golpe mortal nas vésperas das eleições. A Passos Coelho estaria assim reservado o papel de ser o António José Seguro do PSD, que irá de vitória em vitória partidária esmagadora — mesmo com 95% — até à derrota final, no momento em que o D. Sebastião há muito aguardado surgirá numa manhã de nevoeiro, para depois disputar as eleições sem o peso dos anos na oposição.

 

Confesso que me irritam profundamente estes esquemas de calculismo político. Era mais que altura de os partidos acabarem com isto. Mas é manifesto que é isso que vai suceder.

Que confiança merece um político destes?

Sérgio de Almeida Correia, 31.08.15

Monos

Sérgio de Almeida Correia, 19.05.14

Paulo Rangel, cabeça-de-lista da coligação PSD/CDS-PP às eleições europeias, sendo um homem bem formado, sério, culto e inteligente, na hora das pré-campanhas e campanhas eleitorais perde facilmente o estribo. Quando abre a boca em campanha revela a sua face desconhecida e tudo serve para ganhar votos. Numa das suas tiradas de antologia, em Almada, há pouco mais de um mês, em 10 de Abril pp., disse impante que a lista de candidatos do PS era formada pelos "rostos do despesismo" de Guterres e Sócrates. Acrescentou que as políticas dos antecessores do excelso e impoluto Passos Coelho tinham conduzido o País à bancarrota, mas injustamente não incluiu nesse número aquela espécie de executivo, inspiradora de séries do tipo "morangos com açucar", da dupla maravilha Barroso/Santana Lopes. Rangel lamentou-se que tivesse recaído sobre o seu partido e o parceiro de coligação o ónus de rectificarem esse despesismo. Eu também lamento. O problema é que Rangel e os seus pares quando dizem estas coisas riem muito, em especial os meninos das jotas. Riem e batem palmas com o ar mais ignorante e glutão que se adeqúe ao momento.

Pois bem, esta manhã, ao ler o Público deparo com uma desenvolvida notícia, de página inteira (a 18), pela qual eu e os portugueses ficámos agora a saber que o comboio entre o Porto e Vigo transporta 26 passageiros por dia, e que em nove meses acumula prejuízos de 1,2 milhões de euros. Em Agosto de 2013, mês de maior procura, teve uma média de 57 passageiros. A taxa de ocupação de cada automotora é de 12%, sim, leram bem, doze por cento, e o serviço - de acumulação de prejuízos, creio - foi criado por decisão conjunta dos governos do Sr. Coelho e do Sr. Rajoy. Gente séria, portanto, que procedeu à sua inauguração em Julho de 2013. Um marco da retoma em pleno consulado da troika

O presidente da CP, numa manifestação extrema de solidariedade para com quem deu tudo o que tinha, e o que não tinha, ao governo do Sr. Coelho, diz que a criação do serviço se deveu a um "impulso" do ex-ministro da Economia do Governo PSD/CDS-PP.

Enfim, para quem, como aquele rapazola que queria responsabilizar criminalmente os responsáveis dos anteriores governos, esta será uma boa oportunidade para começar a pedir já responsabilidades. A começar pelo Sr. Coelho dos discursos em Quarteira, no "calçadão".

Em primeiro lugar, no lugar dele, eu começaria por pedir os estudos económicos e de mercado que suportaram a decisão. Sim de mercado, porque nestas coisas, tal como na Saúde e na Educação, o mercado é que deve mandar. Depois, aproveitaria a embalagem para lhe perguntar como é que numa altura de tantos cortes em serviços essenciais, depois de aumentar impostos, diminuir funcionários públicos, alargar horários de trabalho e de acusar os antecessores de despesismo e irrealismo, o Sr. Coelho se dá ao luxo de derreter tantos milhões num serviço ferroviário que transporta 26 passageiros por dia! Melhor só me lembro mesmo daquela coisa que o bom do Isaltino fez em Oeiras e que chega a circular sem nenhum passageiro. Ou dos resultados de empresas por onde alguns andaram aos 40 anos a fazer o estágio para "estadistas".

Não sei a quem é que Paulo Rangel e os meninos da JSD irão imputar os custos deste serviço da linha Porto-Vigo, que pelos vistos agora ninguém tem coragem (ou melhor, tomates, num vernáculo que os leitores me perdoarão mas todos entendem) de encerrar já.

O descalabro que a linha Porto-Vigo evidencia é que, uma vez mais, o problema não é só político. É um problema de gestão, é certo, mas mais de decência. Ou de falta dela, por parte de quem, desde os tempos do cavaquismo, inaugurou este ciclo que teima em persistir. A qualidade de quem decide, de quem acusa e de quem gere, vem ao de cima nestes momentos. Qualquer que seja o partido em questão.

Não sei se Rangel será agora capaz, como uma pessoa decente faria, de criticar com a mesma veemência esta situação e de acusar o seu primeiro-ministro de despesismo e de irresponsabilidade. Ou se Nuno Melo proporá uma comissão parlamentar de inquérito, daquelas que a actual maioria estimula sob o impulso da JSD para deslustrarem a actividade parlamentar e desqualificarem os seus próprios deputados. 

Os custos deste descalabro da linha Porto-Vigo são ainda mais graves porque desencadeados numa altura de imposição de profundos sacrifícios e de cortes em áreas sensíveis. Conjugados com um aumento brutal de impostos e uma política de cortes destinada a alimentar lobbies e camarilhas produzidas pelas desregulação dos mercados, devem ser imputados, e já, a quem ainda está na cadeira do poder e já se conhecem os resultados.

A responsabilização, tal como a justiça, deve ser rigorosa e feita em tempo útil. Imputar os louros por mais este feito aos mesmos de sempre parecer-me-ia excessivo. Está na hora de começar a medalhar quem em tão pouco tempo e perante condições tão adversas já produz rebentos desta dimensão. Bastaram nove meses para se ver a excelência da gestão, da preparação e, já agora, do "impulso". Agora imaginem o que seria se não estivéssemos sob a tutela da troika. Falar não custa, pois não, Dr. Rangel?

Vale tudo

Sérgio de Almeida Correia, 06.03.14

Mas isto é sério? E se o Francisco Assis lhe respondesse na mesma moeda, "twitando"? É assim que se deve tratar a política? É assim que se debatem ideias e se apresentam projectos?

Espero que o gajo não esteja a pirar com o convívio e que tudo não tenha passado de um mau momento. Para vender na feira da ladra também é preciso aprender primeiro algumas coisas antes de se estender o pano. Nem todos os eleitores são mentecaptos.

A agência nacional para a emigração

Luís Menezes Leitão, 21.12.11

 

Esta história do convite à emigração fez surgir uma competição entre os políticos para ver qual deles diz mais disparates. Mas neste momento quem ganha o prémio é seguramente Paulo Rangel com a sua proposta de criação de uma agência nacional para a emigração. Neste país infelizmente tudo serve de pretexto para criar novas instituições absolutamente inúteis, que só servem para aumentar a despesa pública. Há dificuldades de controlo das finanças públicas? Cria-se um Conselho para as Finanças Públicas. Celebrou-se um memorando com a troika? É obviamente necessário criar uma estrutura para acompanhamento do memorando. O Primeiro-Ministro apelou à emigração? Óptimo pretexto para se criar desde já uma agência para facilitar a emigração.

 

Estou mesmo a imaginar como irá funcionar esta agência. Paulo Rangel, com a sua experiência de emigrante no Parlamento Europeu, é a pessoa ideal para assumir as funções de Presidente. Depois é necessário arranjar instalações condignas no centro de Lisboa. A seguir será preciso contratar cem funcionários em ordem a que a agência possa atender a todos os pedidos dos que querem emigrar. Como essa estimativa deve provavelmente ser insuficiente, o número deverá ser rapidamente elevado para mil, com delegações em todo o território, pois a emigração pode fazer-se por qualquer fronteira. Se se verificar que os portugueses emigram sem darem cavaco à agência, é necessário contratar uma agência de publicidade para a tornar conhecida. Há vários slogans que essa agência de publicidade poderá criar, tais como: "Antes de deixar a nossa nação, visite a agência para a emigração" ou "não dê o salto para Argel sem falar com o Rangel".

 

Com este potencial de crescimento, a agência será mais um sorvedouro de dinheiros públicos, só contribuindo para aumentar o défice e provavelmente os portugueses continuarão a emigrar sem lhe ligar nenhuma. Mas ninguém depois se atreverá a extingui-la. Afinal de contas foram criados mil postos de trabalho na função pública que não se podem extinguir. E a agência até é capaz de fazer um balanço muito positivo, referindo o enorme sucesso que constituiu a sua criação: afinal houve mil portugueses que deixaram de emigrar. 

Passos Coelho: prós e contras

Pedro Correia, 08.04.10

 

Paulo Marcelo, n' O Cachimbo de Magritte, já tinha reconhecido mérito ao novo líder do PSD: "Passos Coelho deu sinais positivos, no discurso de vitória, ao convidar os seus adversários para os órgãos nacionais do partido." Manuel Pinheiro também: "A manutenção de António Capucho no Conselho de Estado foi um bom sinal. Cá estaremos para acompanhar o resto." Mas alguns colegas de blogue nem perante a vitória esmagadora do sucessor de Manuela Ferreira Leite reconheceram as evidências. Fernando Martins, por exemplo, não tardou a escrever "líder" entre aspas, equiparando a nova etapa na vida dos sociais-democratas a uma "borrasca". Pedro Picoito, ainda antes de o novo presidente laranja entrar em funções, apressa-se a denunciar a "inércia de Passos Coelho quanto ao património de liberdade, ao debate democrático e à livre expressão". E esclarece, como se alguém tivesse dúvidas: "Não olhem para mim. Votei Rangel."

Tendo votado em Paulo Rangel, tal como alguns dos seus colegas de blogue, questiono-me se Pedro Picoito se congratula com a decisão, já assumida por Rangel, de aceitar encabeçar a lista ao Conselho Nacional do PSD patrocinada por Passos Coelho, que convidou outro dos derrotados, Aguiar-Branco, para presidir à comissão que vai rever o programa do partido. Confirmam-se as boas expectativas de Paulo Marcelo e Manuel Pinheiro: Passos quer congregar os militantes, começando pelos que estiveram contra ele - precisamente ao contrário do que Manuela Ferreira Leite fez, com os resultados que bem sabemos. Não por acaso, Pacheco Pereira, que foi um dos conselheiros mais próximos de Ferreira Leite, assina uma prosa apologética da líder que saiu sem mencionar sequer o nome do líder que entrou, o que é a modalidade actualizada, mais sofisticada e soft, de virar as setas do partido para baixo. Já Maria João Marques, livre dos constrangimentos de ser deputada, escreve sem papas na língua n' O Insurgente: "Não há como negar: o passismo é uma coisa funesta." Nem outra coisa seria de esperar de quem considera que "o aparelhismo e o caciquismo foram fundamentais para a vitória" de Passos Coelho, com 61% dos votos.

A boa notícia para José Sócrates é que a oposição interna a Passos Coelho começa já a marcar terreno em certos blogues - ainda antes de o novo líder entrar formalmente em funções. A má notícia, para o PS e para esta oposição interna, é que Paulo Rangel e José Pedro Aguiar-Branco recusam patrocinar facções, optando por colaborar com Passos Coelho. Puro bom senso, à luz dos interesses imediatos do PSD: o contrário seria retomar a marcha lenta mas cada vez mais alucinante do partido para o suicídio.

A liderança de Passos arrisca-se a ser um mero intervalo de curta ou longa duração nesta marcha. Mas, de momento, não existe alternativa, como Rangel e Aguiar-Branco bem perceberam. Mais tarde se verá quem tem razão: eles ou os bloguistas que já andam aí de espada desembainhada em nome de uma direita que nunca se confundiu nem jamais se confundirá com o PSD.