Sintra celebra este ano o 25º aniversário da atribuição do estatuto de Património Mundial da UNESCO. Uma classificação que se deveu à importância da “paisagem cultural” da vila histórica e da sua serra, com toda a “mancha verde” e monumentos que por lá se escondem. “Devo apenas observar que a vila de Cintra na Estremadura, é talvez a mais bela do mundo”, disse um dia Lord Byron numa carta redigida a um amigo durante a sua estada em Sintra, em Julho de 1809. Para quem conhece Sintra, a sua Serra e todos os seus recantos, não pode ver nestas palavras qualquer exagero. Por isso, as suas especificidades culturais e naturais foram reconhecidas pela UNESCO no final do século XX.
Mas o que neste ano deveria ser um momento de festa e de celebração para qualquer munícipe, dá lugar à indignação e à revolta perante as atrocidades que se têm cometido nos últimos anos na gestão do património da Vila e da Serra. As responsabilidades maiores só podem ser atribuídas à Câmara Municipal de Sintra liderada por Basílio Horta, um político desprovido de qualquer sensibilidade ambiental e cultural. Mas, sejamos francos, historicamente, Sintra foi sempre muito mal tratada pelos seus Executivos camarários. Não estamos a falar apenas da área circunscrita ao centro histórico e à Serra, já que o Concelho de Sintra era na sua grande maioria composto por uma vasta área arborizada e rural, onde se incluíam quintas de enorme valor cultural e histórico, que se prolongava até ao limite do Concelho com a Amadora. Tudo isso foi delapidado brutalmente nos últimos 30 anos. Ao mesmo tempo que se urbanizava de forma selvagem e desgovernada, a Vila de Sintra e a sua Serra foram sendo cercadas pelo betão, com custos ambientais e culturais irreparáveis.
Verdade seja dita que nunca houve um edil sintrense com “visão” para perceber a pérola que tinha em mãos. Pelo contrário, não só não perceberam, como os vários dirigentes locais que foram passando por Sintra ao longo dos anos não se coibiram de validar projectos e construções que atentavam de morte o património cultural e natural do Concelho. A lista das atrocidades é imensa e os seus responsáveis políticos vão da esquerda à direita, com a conivência de técnicos e entidades que, supostamente, teriam como função primeira acautelar os interesses do município.
Numa lógica de responsabilidades partilhadas, a empresa Parques de Sintra-Monte da Lua não pode ser ilibada. Se é verdade que, como disse Paulo Ferrero num artigo recente no PÚBLICO, “o seu trabalho tem sido bastante bom no que toca ao património edificado (o arbóreo já será outra discussão), que tem restaurado, divulgado e reaberto ao público”, é igualmente evidente que toda a sua política de gestão dos últimos anos tem entrado num desvario completo, focando-se exclusivamente na obtenção de lucro através das receitas das entradas, comprometendo zonas naturais de valor inegável (basta ver o site daquela empresa e facilmente se percebe que há uma única orientação para a vertente comercial).
O caso da Peninha, notado há dias, é o mais recente “negócio”. As máquinas já estão a operar na clareira de terra que dá acesso ao santuário. Pelo que se percebe das obras, a ideia é empedrar aquele espaço natural para que turistas ali possam aceder sem que sejam incomodados pelo pó. Daí à colocação de um quiosque, passando pela cobrança de entradas até ao miradouro, será um instante. E com isso virão as inevitáveis hordas de gente. Dirão os responsáveis daquela empresa que tudo é feito em nome do progresso, para ficar “arranjadinho” e “bonitinho” e com isso “atrair” mais turistas, logo, mais receitas. É uma lógica que parece fazer sentido na óptica dos seus ideólogos, mas o elementar bom senso de qualquer munícipe ou amante de natureza vê neste gesto um acto contraproducente, uma autêntica profanação de uma zona que lá ia resistindo à massificação de carros e pessoas, onde conservava alguma autenticidade natural. Qual é então a visão de sustentabilidade a médio a longa prazo por parte da empresa Parques de Sintra-Monte da Lua? A resposta a esta pergunta é óbvia para qualquer sintrense ou verdadeiro entusiasta da natureza no seu estado mais autêntico: não existe.
Os responsáveis que lideram estas entidades assim como os desígnios camarários em Sintra têm uma certa dificuldade em compreender que nem tudo precisa do tal progresso nem do facilitismo no acesso ao turismo de massas. Cada vez mais, em matéria de sustentabilidade ambiental e social, o progresso passa pela preservação e conservação e nada mais. Nem sempre tem que haver exploração comercial ou turística. É aí que reside o segredo. Há que encontrar um equilíbrio entre as necessidades económicas e sociais de um Concelho e a exploração dos seus recursos. Mas em Sintra esse equação nunca foi feita e a dinâmica de gestão (ou ausência dela) foi de desbaste acentuado do tecido patrimonial, natural e social (a vila histórica de Sintra tem cada de vez menos habitantes).
Nos anos mais recentes – não escapando infelizmente a uma tendência generalizada –, a revolução do turismo na Vila de Sintra foi avassaladora, com poucos ganhos substanciais para a comunidade. Pelo contrário. A Vila e a Serra de Sintra têm vindo a deteriorar-se naquilo que é a sua essência. Transformou-se num circo de turismo massificado, um destino caótico em moldes terceiro-mundistas, com os operadores turísticos sedentos de “apanhar” logo pela manhã as centenas de turistas que são despejados pelos comboios que vêm do Rossio até à estação de Sintra. É um espectáculo diário deplorável e que Paulo Ferrero também alude no seu artigo.
Tudo isto vai acontecendo com a conivência do poder político local, onde a hipocrisia e a falta de sensibilidade ambiental imperam. Sintra e a sua Serra deveriam ser um santuário “verde” a proteger a todo o custo. Porém, são uma “presa” fácil das irresponsabilidades e incompetências de quem gere a coisa pública. Como é possível que as coisas tenham chegado a este ponto? Como é que um presidente de Câmara pode apregoar princípios da sustentabilidade ambiental e depois conviver pacificamente com práticas que merecem cada vez mais o repúdio de qualquer cidadão minimamente consciente? Como é possível que ainda se permita a circulação de tuk tuks a gasolina no meio da Vila e da Serra, quando até em Lisboa já há muito que deixaram operar (só eléctricos)? São viaturas altamente poluentes e ruidosas que circulam livremente perante a indiferença de Basílio Horta.
Como é possível que Basílio Horta promova alterações de trânsito, sem qualquer nexo, ignorando a Polícia Municipal e a GNR? Alterações que vieram colocar uma pressão de tráfego nunca vista na zona que vai da “Rampa da Pena” aos Capuchos. Basta ver carros estacionados ao longo dessa estrada, muitas vezes obstruindo a entrada de estradões de terra, numa zona que até há bem pouco tempo gozava de uma certa tranquilidade. As mudanças de Basílio Horta tornaram os “quatro caminhos” dos Capuchos mais movimentados que muitos cruzamentos em Lisboa.
Como é possível que não haja a coragem para reduzir ao máximo todo o trânsito na Serra e na Vila, criando-se mais parques nas zonas circundantes da Portela e apostando nos “shuttles” pequenos e médios? Como é possível permitir a circulação de viaturas turísticas de dois andares nas estreitas estradas da Serra? Como é possível que a Câmara de Sintra ainda permita atentados como o da Casa da Gandarinha?
Basílio Horta é um líder obsoleto nas ideias, nas propostas, nas abordagens e nos paradigmas. É de outro tempo, onde tudo valia, sem que houvesse qualquer tipo de preocupação ou sensibilidade com a comunidade social e natural que nos rodeia. Mas o pior é que os Parques de Sintra-Monte da Lua parecem acompanhar alguns destes males, porque não parecem ter percebido que o factor da sustentabilidade não está na massificação do turismo, mas sim na preservação da autenticidade do património natural da Vila e da Serra. Acima de tudo, Basílio Horta e os Parques de Sintra-Monte da Lua deviam estar focados na defesa dos interesses do território e dos seus munícipes. E isso, seguramente, já se precebeu que não estão.
As alterações de trânsito da Câmara de Sintra acabaram com a tranquilidade no cruzamento dos Capuchos, bem no coração da Serra.
Além do trânsito constante, o cruzamento dos Capuchos transformou-se num parque de estacionamento e num "posto" turístico caótico.
Entre o "verde" da Serra, a terra ainda resiste no caminho de acesso à Peninha, mas por pouco tempo.
As máquinas já trabalham na clareira de acesso à Peninha, para ficar tudo "arranjadinho" de modo a facilitar os passeios dos turistas.
Lá em cima na Peninha, ainda há tranquilidade, mas o piso já foi cimentado. E muito mais virá.
Na estrada que liga a "Rampa da Pena" aos Capuchos, calma até há bem pouco tempo, o caos instalou-se.
Os carros vão parando ao longo da estrada sem qualquer tipo de preocupação.
Sem qualquer preocupação, os carros bloqueiam acessos a estradões, impossibilitando a passagem de uma viatura de bombeiros.
Uma zona da Serra sempre tranquila deu agora lugar ao turismo de massas.
Carros e mais carros no meio da Serra, porque não há visão para limitar a sua circulação.
Este cenário de "invasão" automobilística é recente. É consequência da política desastrosa da Câmara de Sintra.
Nota: As fotografias foram tiradas no passado sábado, 29 de Fevereiro, de manhã.