Os patriarcas (7)
Se há peça jornalística inspiradora e gratificante que pude ler nas últimas semanas, é uma entrevista que hoje o Público divulga dando a palavra a um genuíno sábio: António Marcos Galopim de Carvalho. Geólogo, paleontólogo, escritor, pedagogo, divulgador do conhecimento científico.
O título já diz muito, com esta declaração do entrevistado: «Puseram-me numa prateleira e eu não quis lá ficar.»
Lição de vida, portanto. Num país em que pessoas muito mais jovens que ele se acomodam, desaparecem de circulação, desistem, entram numa espécie de estado vegetativo ainda em vida.
Parabéns à Teresa Firmino, a jornalista que assina esta bela peça - exemplo de jornalismo que cumpre a sua vocação de serviço público. O professor Galopim de Carvalho bem merece este destaque. No dia em que cumpre o seu 90.º aniversário.
Transcrevo, com a devida vénia, outras frases da saborosa conversa de quatro páginas em que este ilustre eborense desfia o novelo das memórias, partilhando-as com a esposa, Maria Isabel Fialho, alentejana como ele:
«No pós-profissional, tenho uma vida bastante feliz, trabalho muito. Continuo a escrever. Estou agarrado ao Facebook e, ao computador, convivo com o mundo inteiro.»
«Agora faço lições por videoconferência, dantes fazia nas escolas presencialmente. Portanto, tenho uma vida cheia. Tenho uma cozinha boa, gosto de cozinhar.»
«Escrever é uma necessidade. Como aquelas pessoas que não podem passar sem correr. Às quatro da manhã, que é quando me levanto, acordo cheio de ideias e cheio de vontade de escrever. Se não me deixassem fazer isto, estava muito infeliz.»
«Os professores da escola pública estão desmotivados, longe da família, a pagar um quarto. São instados à mediocridade. Defendo que devia considerar-se a educação. Tem de se rever toda a política de colocação de professores. Tem de se rever o vencimento dos professores.»
«Eu só sinto a idade a entrar no táxi e a sair do táxi. Estou aqui consigo e julgo que tenho 20 anos, sinceramente. Costumo dizer que mantenho a criança que fui, o adolescente, o homem adulto e o homem idoso que sou. Mantenho isso tudo em mim. A idade está na nossa expressão do olhar, está na nossa maneira de sentir.»
«[No meu aniversário] vou fazer eu o almoço. Posso dizer-lhe o que é o almoço: é um belíssimo ensopado de borrego, como aquele que se faz no Alentejo. Os netos adoram, os filhos adoram e todos nós gostamos.»
Galopim de Carvalho está aposentado há 20 anos. Recebeu inúmeras manifestações de apreço e honrarias. Até tem duas escolas em seu nome - uma em Queluz, outra em Évora. Algo raro num país que só costuma prestar tributo aos mortos. «É muito agradável ter isso em vida», confessa, sem falsas modéstias.
A verdade é que este professor que formou imensos discípulos nunca se adaptou à passividade do sofá de reformado: mantém-se um cidadão atento e activo. De certa forma, constitui um exemplo para todos nós.
Seu admirador de longa data, amigo e colega do seu filho Nuno, deste local de veraneio onde passo uns dias de férias brindo à sua saúde, Professor. Fazendo votos para que o tenhamos cá por bons e felizes anos. Todos temos a ganhar com isso.
António Galopim de Carvalho, nascido a 11 de Agosto de 1931, festeja hoje 90 anos.