«Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Feliz Ano Novo!»
Os quatro homens e as duas mulheres deslizaram suavemente uns até junto dos outros e abraçaram-se. Um dos americanos mantinha o olhar no painel de instrumentos.
«OK. Já chega. Estamos de volta a 2014.»
«Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Feliz Ano Novo!»
Os dois americanos trocaram um high-five. Os dois russos bateram no ombro um do outro e abraçaram a colega russa. A italiana, mais efusiva, fez questão de abraçar toda a gente.
«OK. Já chega. Estamos de volta a 2014.»
«Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Feliz Ano Novo!»
Excepto por uns quantos sorrisos, ninguém se manifestou. Um dos russos perguntou: «Dá tempo para abrir a garrafa?»
O americano que vigiava o painel abanou a cabeça. «Não. Ainda estamos em 2015 mas não vai durar.»
Ficaram todos em silêncio durante algum tempo.
«OK. Estamos de volta a 2014.»
«Cinco. Quatro. Três. Oh, que se lixe. Feliz Ano Novo.»
Ninguém se mexeu. Ouviu-se uma voz: «Alfa, tudo bem?»
O americano respondeu: «Tudo normal.» Depois acrescentou: «Da próxima vez abrimos a garrafa.»
Passaram alguns minutos. A italiana disse qualquer coisa sobre uma tradição milanesa. A russa comentou que em Vozdvizhenka os costumes eram mais asiáticos do que europeus. Um dos americanos perguntou: «Isso é mesmo ao lado da Coreia do Norte, não é? Como é que eles celebram a passagem do ano?» A russa não sabia. O outro americano disse: «Vêem The Interview na internet.» Os americanos riram, a italiana também.
Instalou-se o silêncio. Apesar do espaço ser exíguo, os três russos formavam um grupo ligeiramente à parte. Nas últimas semanas, os dois homens, pilotos da força aérea, vinham-se perguntando qual a forma adequada de lidar com os americanos, agora que os problemas na Ucrânia haviam levado não apenas a um arrefecimento nas relações entre os dois países como a uma crise económica na Rússia. A colega, engenheira, tendia a contemporizar. Dizia que a política não era para ali chamada.
«OK. Estamos de volta a 2014.»
«Feliz Ano Novo. Acho que podemos abrir a garrafa.»
O outro americano disse: «Mas a passagem ainda não é definitiva.»
Um dos russos disse: «Para a Rússia, é.»
O americano que anunciava as passagens replicou: «Essa é uma posição egoísta. Se era para ser assim, mais valia não nos termos reunido.»
O outro americano resmungou entre dentes: «E ainda faltam cinco meses.»
A italiana tentou contemporizar: «Alora, calma.»
O primeiro americano disse: «Podes falar. Itália também está quase. Aliás, já está.»
A italiana sorriu e levantou os braços, numa celebração irónica. O americano cedeu e deixou escapar um sorriso.
O russo que falara antes disse: «Estamos a demorar demasiado.»
A russa aproveitou: «Pois estamos. Fica para a próxima.»
«дерьмо», resmungou o colega.
O silêncio caiu de novo. A italiana teve a impressão de que passavam horas sem ninguém o voltar a quebrar. Evidentemente, tratava-se apenas de uma sensação.
«OK. Estamos de volta a 2014.»
«2015 outra vez.»
O russo mais impaciente pegou na garrafa.
«Cuidado com a rolha. E não deixes sair champanhe. Parece que no ano passado deu merda.»
A italiana sorriu. «Deve ser giro beber champanhe em suspensão no ar.»
«Pois. O problema é quando atinge os instrumentos.»
Tudo correu bem e o champanhe pareceu suavizar o ambiente - de tal modo que, bastante mais tarde, o americano que anunciava as passagens admitiu: «Raios, distraí-me. Estamos outra vez em 2014.»
Ninguém lhe ligou.
«2015.»
«Oh, cala-te.»
A Estação Espacial Internacional tem a bordo seis astronautas: dois russos, uma russa, dois americanos, uma italiana. Demora 92,74 minutos a dar a volta ao planeta, rodando com uma inclinação orbital de 51,65º. Como o movimento rotacional da Terra é bastante mais lento, na noite de passagem de ano a Estação vai ficando cada vez mais tempo em fusos horários que já se encontram no ano que entra, antes de voltar a fusos ainda no ano que sai. Isto se não me enganei na lógica da coisa. Em qualquer dos casos: Feliz Ano Novo, Happy New Year, Felice Anno Nuovo e С Новым годом.