(Martin Divisek/EPA/EFE)
Em 16 de Setembro pp., a comunicação social deu conta da aprovação pelo Parlamento Europeu de uma resolução sobre a nova estratégia União Europeia-China.
A referida resolução tece um conjunto de considerandos visando a actuação recente da RPC, com especial referência ao que se passa nas Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau. Aí se recomenda que o Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) e o Conselho "elaborem uma estratégia UE China mais assertiva, abrangente e coerente que una todos os Estados Membros e defina as relações com a China no interesse da UE no seu conjunto”.
Para o Parlamento Europeu, a defesa dos nossos valores e da promoção de uma "ordem multilateral assente em regras” deverá ser fundamental, acrescentando-se que sendo a China “um parceiro de cooperação e de negociação para a UE, mas também um concorrente económico e um rival sistémico num número crescente de domínios”, tal “estratégia precisa de ter em conta a natureza multifacetada da relação da UE com a China” e assentar em seis pilares, a saber:
1) Diálogo aberto e cooperação;
2) Empenho reforçado em relação aos valores universais, às normas internacionais e aos direitos humanos;
3) Análise e identificação dos riscos, das vulnerabilidades e dos desafios;
4) Estabelecimento de parcerias com parceiros que partilhem as mesmas ideias;
5) Fomento da autonomia estratégica aberta, inclusive nas relações comerciais e de investimento;
6) Defesa e promoção dos principais interesses e valores europeus mediante a transformação da UE num interveniente geopolítico mais eficaz.
Numa primeira leitura, aparentemente, não há lá nada que se afigure inadequado aos objectivos da União Europeia e de Portugal.
Depois, no desenvolvimento desse primeiro enunciado verifica-se que há referências aos direitos humanos, aproveitando-se para se instar “a China a autorizar um inquérito independente e transparente sobre as origens e propagação do vírus SARS‑COV‑2”; convidam-se “os Estados Membros da UE a acompanharem melhor o impacto da interferência do Governo chinês na liberdade académica” e condena-se com “a maior veemência possível as sanções infundadas e arbitrárias impostas pelas autoridades chinesas”, não se deixando de sublinhar que “a apreciação e o processo de ratificação do Acordo Global de Investimento UE China não poderão começar até que sejam levantadas as sanções chinesas contra deputados ao Parlamento Europeu e instituições da UE”.
Há, igualmente, todo um conjunto de outras apreciações sobre múltiplos assuntos, destacando-se, em especial, a condenação às violações das Declarações Sino-Britânica de 1984 e Luso-Chinesa de 1987, quanto ao futuro, respectivamente, de Hong Kong e Macau.
A resolução é extensa e mereceu imediato repúdio por parte das autoridades chinesas, o que não será de admirar tendo presente a forma como a RPC encara o direito internacional, as relações entre Estados soberanos e os mecanismos de cooperação internacional, os quais só são importantes, digo eu, quando sirvam os seus próprios interesses e de acordo com a leitura que em cada momento seja feita pelas suas autoridades.
É isso que explica, por exemplo, que a RPC rejeite sistematicamente quaisquer críticas que lhe sejam feitas pela comunidade internacional, alegando sempre que se tratam de intromissões nos seus assuntos internos.
Mas, ao mesmo tempo, não faltam as manifestações de solidariedade com os regimes venezuelano, sírio, cubano ou norte-coreano de cada vez que estes são objecto de condenação internacional; como se essas manifestações de solidariedade não fossem elas próprias interferências nos assuntos internos de terceiros estados. Apoiar política, militar e economicamente regimes opressores também é uma forma de interferência nos assuntos internos de outros países.
De igual modo, é essa postura dúbia e interesseira que justificou a recepção em Xangai de uma delegação taliban de alto nível, cerca de um mês antes da queda de Cabul, sabendo-se que esse movimento representava a oposição interna daquele que era ainda ao tempo o governo legítimo do Afeganistão. Não obstante, até agora, a RPC não reconheceu oficialmente o novo governo islâmico afegão, embora tenha dado sinais de poder vir a fazê-lo em breve.
Todavia, esse posicionamento, podendo ser criticável, não nos diz directamente respeito. Bem ao contrário do que acontece com a actuação dos deputados portugueses no Parlamento Europeu. E quanto a estes, no que à aludida resolução diz respeito, nem todos estiveram de acordo com o seu teor.
O resultado da votação revelou que a resolução, em cuja versão final tiveram papel destacado os deputados Isabel dos Santos e Pedro Marques, foi aprovada com 571 votos a favor, 61 contra e 40 abstenções. Quanto a este ponto o que aqui deverá ser a todos os títulos salientado é que os únicos portugueses que votaram contra a resolução foram dois deputados do PCP: Sandra Pereira e José Pimenta Lopes.
Conhecendo-se as posições passadas do PCP, de inequívoco apoio aos regimes ditatoriais e às violações de direitos humanos cometidas na Venezuela, em Cuba, na Coreia do Norte, na Síria ou na Rússia, do mesmo modo que ontem subscreviam os atentados aos direitos humanos na União Soviética, em Angola, na Etiópia ou nos defuntos países do Leste europeu, deverá ser registada a firmeza e coerência desses dois parlamentares comunistas portugueses no Parlamento Europeu.
A deles, é verdade, mas também a de todos aqueles ao lado de quem os comunistas portugueses votaram. Entre esses inclui-se um grupo de parlamentares da extrema-direita europeia onde pontuam os representantes alemães da Alternative für Deutschland, do Rassemblement Nationale de Marine Le Pen, dos nacionalistas flamengos do Vlaams Belang, dos extremistas checos e do PVV holandês.
Aos comunistas portugueses não chegava absterem-se na votação dessa resolução para tentarem passar despercebidos. Para o PCP era importante mostrar que votavam ao lado da extrema-direita europeia. Em defesa dos interesses de grupo e das negociatas que à sombra dos atropelos aos direitos humanos, e a pretexto do combate ideológico, se vão cometendo por esse mundo fora.
Para um partido que se reclama campeão do antifascismo, das “conquistas de Abril” e “dos direitos dos trabalhadores”, não deixa de ser significativo que quando estão em causa os direitos humanos e as liberdades se predisponha a votar ao lado dos radicais da extrema-direita europeia. Nem a Lega per Salvini, antiga Lega Nord, se atreveu a tanto, já que Adinolfi Matteo, Baldassarre, Bizzotto e os outros votaram a favor da resolução.
Felizmente, coerência é coisa que aos comunistas portugueses não falta. E amigos ao lado de quem possam votar também não.
É bom lembrá-lo neste momento quando se está à porta de mais um acto eleitoral e os extremos se tocam.