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Delito de Opinião

A clareza habitual

Paulo Sousa, 24.03.21

Com a Páscoa à porta, o governo antecipou-se e preparou um conjunto de regras claras para que tudo seja mais fácil de controlar.

 

A circulação entre concelhos continuará interdita. “A Páscoa não é um momento de deslocações e de encontro, mas, pelo contrário, mais um momento de recolhimento”, clarificou António Costa.

- Então é possível ir ao estrangeiro?

- Sim, ao estrangeiro é possível ir! Claro, é a Páscoa!

- Mas como é possível ir ao estrangeiro sem sair do concelho?

- Talvez isso seja só para quem viva nos concelhos junto à fronteira. Pode-se sair, mas só em deslocação ao estrangeiro. Talvez seja isso que o PM queria dizer.

- Mas a fronteira com Espanha estará encerrada até dia 5 de Abril.

- Sim, mas Espanha é a excepção à regra que permite viajar até ao estrangeiro.

- Ah ok! Mas então como é que podemos ir ao estrangeiro se não podemos ir a Espanha?

- Eh pá! A proibição de deslocações para fora do território continental foi levantada, seja por via rodoviária, ferroviária, aérea, fluvial ou marítima.

- Ah, ok! Então se é permitido deslocar-me por via fluvial posso ir até onde?

- A Espanha já sabemos que não é permitido ir.

- E então de avião posso ir ao estrangeiro, desde que não seja a Espanha?

- Claro! Até está bem visto.

- Mas se eu não posso circular entre concelhos como é que posso apanhar um avião?

- Então para ir do Palácio de São Bento até ao aeroporto, é lá preciso por acaso sair do concelho, ou quê? Tu com as tuas perguntas gostas é de complicar, pá!

O país numa imagem

Paulo Sousa, 16.03.21

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O que no olhar de um controleiro poderia ser um acto de desobediência civil, será apenas um mero “quero lá saber”.

O acto de desobediência civil encerra uma vertente de desafio à autoridade, enquanto que num “quero lá saber” existe apenas um misto de apatia e de indiferença. O “quero lá saber” revela um desencontro de sintonia entre o emissor e o receptor, neste caso a autoridade e o cidadão. É como se falassem línguas diferentes, pelo que não é desobediência mas apenas desacerto.

Como o sol finalmente abriu, como a pedra está morna, e estando morna ainda será mais agradável do que o ripado do banco, então o “quero lá saber” é a melhor forma de responder ao impulso do repouso, enquanto se descansam os anos e se observa quem passa. Quero lá saber!

Uma viagem ao outro lado

Paulo Sousa, 26.02.21

Hoje fiz uma viagem ao mundo das substâncias proibidas. Andava realmente necessitado de uma trip à antiga.

Para não me comprometer nem ao dealer a quem recorri, usei palavras codificadas.

- Orientas aí uma castanha? Ia bem com um cilindro mágico...

O tipo, com um ar mal estimado, olhou-me de cima a baixo, e com maus modos grunhiu:

- Sabes bem que não há material!

- Como é que não há? Tens o tapete no último degrau, meu! Eu conheço o sinal.

- Qual sinal, crxxxxlo? - Quase que ladrou. Anda tudo nervoso.

- Eu conheço o sinal. Sou amigo do gajo que espetou um prego no pé. - Tinham-me garantido que dizer isto era suficiente. Pelo encarquilhar e insuflar da máscara deu para ver que ele estava quase a hiperventilar.

- Mostra o papel!

Meio a tremer e já com grossas gotas de transpiração a correr pela testa mostrei-lhe a nota. Fui novamente avaliado com desprezo.

- Então querias uma castanha e um cilindro? Um speedball, hãa?

- Ya! - pareceu-me uma resposta que um entendido daria.

- Não há garrafas de água. Ficas-te com uma bica e não digas que vais daqui.

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