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Delito de Opinião

Leão

Pedro Correia, 08.05.25

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Robert Prevost em 2023 com o seu antecessor, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco

 

O cardeal-norte americano Robert Francis Prevost, também com nacionalidade peruana, foi esta tarde eleito pontífice supremo da Igreja Católica. Sucessor de Francisco, falecido a 21 de Abril.

Bastaram dois dias para os 133 cardeais eleitores, reunidos em conclave na Capela Sistina, proporcionarem fumo branco aos 1400 milhões de católicos do mundo.

Prevost será conhecido, a partir de agora, como Leão XIV.

Não podia ter escolhido melhor nome.

Habemus Papam!

Do meu baú (8)

Pedro Correia, 07.05.25

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No inigualável cenário da Capela Sistina, começa hoje o terceiro conclave do século para eleger um Papa. Haverá novidades já amanhã? Não faço previsões. Prefiro revisitar a minha hemeroteca: dela extraio este recorte. «Seis candidatos da América», peça de abertura da página 6 no El País de 7 de Abril de 2005.

João Paulo II falecera cinco dias antes, especulava-se sobre quem seria o seu sucessor. Neste artigo, escrito por Francesc Relea, equaciona-se a hipótese de o Sumo Pontífice vir da América hispânica. Sendo indicados seis nomes: o hondurenho Óscar Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa; o argentino Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires; o brasileiro Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo; o cubano Jaime Ortega, arcebispo de Havana; o colombiano Darío Castrillón, prefeito da Congregação para o Clero na cúria vaticana; e o mexicano Norberto Rivera, arcebispo da Cidade do México.

 

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Sabemos hoje que o trono de Pedro não foi ocupado por nenhum deles nesse Abril de há vinte anos: no dia 19, o conclave elegeria o alemão Josef Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. 

Mas há um toque profético neste artigo, arquivado no meu baú: Bergoglio seria mesmo eleito Papa. Não daquela vez, mas no conclave seguinte, a 13 de Março de 2013.

Foi preciso esperar oito anos para a hipótese se tornar realidade. o argentino Francisco, primeiro chefe da Igreja oriundo do continente americano e do Hemisfério Sul, primeiro pontífice católico não nascido na Europa em mais de 1200 anos.

 

Sobre o jesuíta Bergoglio, Relea escreveu as seguintes linhas:

«Aparece em várias listas [de possíveis Papas]. Estudou Química e é considerado progressista. Teve papel destacado na fracassada tentativa de conseguir um largo entendimento entre amplos sectores da sociedade argentina após a grave crise política, económica e social desencadeada em Dezembro de 2001 que provocou a queda do Governo de Fernando de la Rúa.»

 

Por curiosidade, o que sucedeu aos cinco restantes?

Óscar Maradiaga manteve-se até 2023 à frente da maior diocese das Honduras: é hoje, aos 82 anos, arcebispo emérito e participa no restrito grupo de cardeais que estudam a revisão da constituição apostólica Pastor Bonus, na Cúria Romana.

Cláudio Hummes permaneceu como arcebispo de São Paulo até 2010. Faleceu em 2022, aos 87 anos. 

Jaime Ortega viria a renunciar ao posto máximo da Igreja cubana em 2016, após 35 anos em funções, tendo assumido relevante papel de mediador no restabelecimento das relações diplomáticas entre Havana e Washington, ocorrido em Julho de 2015, durante a administração Obama. Faleceu em 2019, aos 82 anos.

Darío Castrillón - o mais velho deste grupo destacado no El País - renunciou no ano seguinte às funções que desempenhava no Vaticano. Faleceu em 2018, aos 88 anos.

Norberto Rivera cessou funções, a seu pedido, como arcebispo primaz do México em Dezembro de 2017 após 22 anos neste posto. Hoje, com 82 anos, integra a Cúria do Vaticano. 

 

Sairá fumo branco da chaminé da Capela Sistina ainda no decurso desta semana? É esperar para ver. Muitos são chamados, mas só um é escolhido.

Franciscus

Pedro Correia, 27.04.25

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Interior da Basílica de Santa Maria Maior, última morada terrena do Papa

 

Vimo-lo pela última vez faz hoje uma semana, Domingo de Páscoa. Debilitado, enfraquecido, mas com vontade indómita de pronunciar uma última mensagem urbi et orbi, tão inspiradora como a primeira que nos transmitiu mal fora eleito Papa, a 13 de Março de 2013. «Boa noite», afirmara então, mal assomou nesse instante inicial como Pontífice ao balcão da Basílica de São Pedro antes de pedir aos 1400 milhões de católicos que rezassem por ele.

«Boa Páscoa», disse neste dia 20, em cadeira de rodas, à multidão de fiéis que o escutava. Já tão próximo do seu limite físico, pronunciou a palavra que - mais do que qualquer outra - significa a transição da morte para a vida.

 

Repousa desde ontem na Basílica de Santa Maria Maior, no chão de uma nave lateral. Tendo inscrito apenas o seu nome em latim no mármore oriundo da Ligúria, região natal dos seus avós.

«Franciscus».

Ei-lo ali, humilde até ao fim, no termo da sua peregrinação terrena, após os grandes do planeta se despedirem dele numa soalheira manhã em Roma e cerca de meio milhão de pessoas comuns terem acompanhado a urna ao longo do cortejo de seis quilómetros. 

 

Pedra tumular rasa, sem luxo nem ornamentos, para aquele que foi sem dúvida um príncipe da Igreja Católica neste primeiro quartel do século XXI. Quem lhe suceder no trono de Pedro tem um encargo muito pesado: permanecer à altura do legado de Jorge Mario Bergoglio, o bom pastor que veio dos confins do planeta com a missão de unir o mundo. Cumprindo a Parábola dos Talentos, uma das estimulantes lições de vida que podemos colher dos Evangelhos.

Os seus restos mortais moram agora na laje do templo mariano onde nenhum pontífice era sepultado desde Clemente IX, em 1669. O último chefe da Igreja antes dele a escolher como derradeira morada terrena um cenário alternativo à Basílica de São Pedro havia sido o grande Papa Leão XIII, sepultado há 122 anos em São João de Latrão.

 

Ninguém deve invejar a tarefa de quem irá seguir-se, por eleição dos seus pares, no conclave dos cardeais. Terá de prosseguir, sem desfalecimentos, a marcha contra a globalização da indiferença. Por uma igreja sem muralhas, onde «todos possam entrar», na senda deste belo lema que Francisco nos transmitiu.

Acusam-no alguns de se ter desviado da rota. Gente de pouca fé: esta mensagem está inscrita desde o início, na Parábola do Bom Samaritano (Lucas X, 25-37). Pronunciada de viva voz por Jesus no seu apelo de amor ao próximo que nos leva a socorrer os mais necessitados, venham de onde vierem, por imperativo moral. 

«Amarás o teu próximo como a ti mesmo.» Dois mil anos depois, nenhum estribilho ideológico conseguiu ser mais inspirador e luminoso do que este mandamento, pedra angular da civilização. 

Polémica tuga sobre o luto pelo Papa

Pedro Correia, 26.04.25

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Medra uma acesa polémica nas redes digitais em torno dos três dias de luto nacional concedidos pelo Governo para assinalar o falecimento do Papa Francisco, esta manhã sepultado em Roma.

Porquê? Porque Portugal "é um Estado laico". 

Uma daquelas polémicas tipo bolhas de sabão, tão férteis no caldeirão das redes, como a dos jacarandás de uma avenida lisboeta que há um par de semanas sobressaltava outras almas - ou talvez as mesmas. 

 

Acontece que o luto nacional por um líder religioso em nada fere a laicidade do Estado. Muito débil andaria a dita laicidade se assim fosse. Muito menos de uma confissão religiosa claramente maioritária no País (80,2% dos portugueses declaram-se católicos) e que aliás precede a própria fundação da nacionalidade. Ou seja, antes de haver Estado neste território que hoje chamamos Portugal, já existia religião cristã. 

Acresce que a declaração de três dias de luto nacional é prática reiterada, não nasceu agora. Aconteceu há 20 anos, quando faleceu o Papa João Paulo II e o Chefe do Estado português era Jorge Sampaio, que aliás compareceu às exéquias solenes do Pontífice no Vaticano. À data, José Sócrates chefiava o Governo.

Falta sublinhar que, à luz do direito internacional, Francisco era também chefe de um Estado - a Santa Sé. Figura política, não apenas religiosa. 

 

Três dias de luto nacional decretados pelo Estado português mereceram antes, por exemplo, o presidente egípcio Anwar Sadat (1981), Samora Machel (1986), o imperador japonês Hirohito (1989), Nelson Mandela (2013) e a Rainha Isabel II (2022), aliás também chefe da Igreja Anglicana. 

Já o Estado brasileiro, igualmente laico, não fez a coisa por menos: Lula da Silva decretou sete dias de luto nacional pela morte do Papa. E dirigiu-se aos cidadãos do seu país enaltecendo a figura de Francisco em palavras comovidas, além de ter comparecido não apenas no funeral mas no próprio velório do Santo Padre, que contou com a presença de 60 chefes de Estado - 51 presidentes e nove monarcas - e 18 primeiros-ministros. 

O que talvez cale alguns dos críticos cá na terra, muitos deles admiradores incondicionais do socialista Lula. Ou, se calhar, não. As redes equivalem às fornalhas: precisam de ser alimentadas com incessante combustível. Quando não há polémica, qualquer pretexto serve para parir mais uma.

«Sou apenas um passo»

Pedro Correia, 21.04.25

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Ainda ontem, no balcão de São Pedro, o ouvimos desejar «boa Páscoa» aos fiéis da cidade de Roma e ao mundo. Já com a voz muito enfraquecida mas mantendo o ar bondoso que lhe conhecemos desde que, ali mesmo, pronunciou há 12 anos as primeiras palavras como pastor universal da Igreja Católica.

A um marco histórico - a primeira renúncia de um Pontífice máximo em mais de meio milénio - sucedia outro: o primeiro não-europeu em 1200 anos, o primeiro oriundo do continente americano, filho de imigrantes italianos radicados na Argentina. Cardeal de Buenos Aires, vivia num modesto apartamento, deslocava-se em transportes públicos, cozinhava as suas próprias refeições.

Encorajava os jovens a descobrir Cristo entre os pobres.

 

Francisco - que escolheu chamar-se assim em homenagem explícita ao santo de Assis - foi uma extraordinária figura à escala global. Daí a notícia da sua morte, ao início da manhã de hoje, ter mergulhado grande parte do mundo em profunda tristeza. O mundo católico, sim. Mas a dor é partilhada por muita gente de outras confissões e até por pessoas que não professam religião alguma. Ecoando o brado que Francisco soltou em Lisboa, na memorável Jornada Mundial da Juventude, em Agosto de 2023: «Todos, todos, todos!»

A voz de uma Igreja que não exclui. A voz de uma Igreja que não prega no deserto, mas no coração das urbes contemporâneas, atenta aos pecados perpetuados por incontáveis gerações. Como ensina frei Bento Domingues, «uma Igreja só pode ser católica, isto é, universal, quando é uma escola de aprender a servir, sem olhar a quem».

Servir as pessoas, não ideologias, como Francisco acentuou na sua peregrinação de 2017 a Cuba.

 

No próprio dia em que foi eleito, a 13 de Março de 2013, anotei aqui: «Também ele apareceu com ar despojado, fraterno, repassado de fragilidade humana. De braços caídos, sem pedir aplausos, com um sorriso tímido, parecia querer dizer aos mil e trezentos milhões de crentes que o reconhecem a partir de hoje como dirigente espiritual que está disposto a aceitar este imenso desafio que o destino lhe proporciona embora não se sinta verdadeiramente digno dele.»

Nunca perdeu o sorriso tímido, jamais se deslumbrou com as ilusórias luzes do poder terreno. «Sou apenas um passo», insistia em dizer. Sem humildade existencial ninguém é verdadeiro discípulo de Jesus. 

 

Nos doze anos do seu pontificado, revelou-se mais inspirador do que qualquer líder político do nosso tempo. Com a palavra e o exemplo, tornou-se «pároco do mundo», na feliz definição da revista italiana Panorama

«Regressa à Casa do Pai» - terminologia oficial hoje usada na Santa Sé - neste momento em que tanto precisávamos dele, neste momento em que a Igreja tanto necessita de um sucessor à altura do seu legado - o do retorno à pureza da mensagem evangélica, contrariando a volúpia da guerra e a cupidez da plutocracia.

«O mundo de Francisco acabou. O todos, todos, todos deu lugar a um mundo assente no tudo, tudo, tudo», lamentava há menos de um mês Jorge Botelho Moniz num amargurado texto de reflexão no Público.

Deus queira que não.

De coração cheio

Maria Dulce Fernandes, 21.04.25

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Em 2016 tive o privilégio de assistir à missa presidida pelo Papa Francisco, na Basílica de S. Pedro. Durante uma visita a Roma, no dia 17 de Abril bem cedo, fomos conhecer a Praça e a Basílica com o mesmo nome. Era dia de aniversário do meu marido e tínhamos planos para um almoço de comemoração. Dentro da Basílica, fomos abordados pela segurança do Papa e questionados se queríamos sair ou ficar lá dentro por duas horas, com as portas fechadas e assistir à missa. A cerimónia era de ordenação sacerdotal. Ficámos. Não almoçámos. Nunca nos arrependemos. Saímos de coração cheio. 

Reflexão do dia

Pedro Correia, 26.03.25

«O mundo de Francisco acabou. O todos, todos, todos deu lugar a um mundo assente no tudo, tudo, tudo. E, com isso, o mundo das suas encíclicas pereceu. A Evangelii Gaudium ou Alegria do Evangelho (2013) foi substituída pelo populismo religioso e pela politização da religião que só olha com alegria para o Evangelho para desvirtuá-lo e para servir as suas agendas político-religiosas. A Laudato si (2015), sobre o cuidado da casa comum, a ecologia integral e o meio ambiente, foi substituída pelo "drill, baby, drill", pela reabertura das centrais a carvão e pelo reforço da aposta nos combustíveis fósseis. A Fratelli tutti (2020), impulsionadora da fraternidade e amizade social, foi trocada pelas câmaras de eco das redes sociais e pela quase vergonha no emprego das ideias de solidariedade, caridade ou amizade.»

Jorge Botelho Moniz, no Público

Fátima em Agosto, com Francisco

João Pedro Pimenta, 14.08.23

No meio da extraordinário e memorável acontecimento que foram as Jornadas Mundiais da Juventude, que agitaram o país entre fins de Julho e princípios de Agosto (sim, o país: não se esqueça que houve peregrinos em todos os distritos), houve um momento mais fora, literalmente, porque saiu directamente do palco das Jornadas mesmo antes da sua fase final, a vigília e a Missa do Envio. Teve também um público diferente e uma quantidade de gente considerável, mais menos massiva. Falo da ida de Francisco a Fátima, na manhã do dia 5 de Agosto.

E falo porque foi o único momento ligado às jornadas que presenciei. Esperavam-se 500 mil pessoas, mas não terão estado muito mais de 200 mil, talvez porque os peregrinos estavam em Lisboa e juntar Fátima aos supracitados momentos finais das jornadas era quase sobre-humano. Andava-se pois sem o sentimento de sardinha em lata, mas ainda assim não dava para passadas largas.

Logo no início, um ambiente estranho. Atrás dos montes erguia-se uma enorme nuvem de fumo que cobria o sol tímido da manhã, bem apropriada a algumas descrições bíblicas, mas com helicópteros, noticiosos ou de combate a incêndios, a zumbir ao redor. Era o enorme fogo que se arrastava entre Castelo Branco e Proença-a-Nova, a algumas dezenas de quilómetros, cuja base decerto o Papa viu, ele que estava prestes a chegar. Antes, uma coluna de carros desenfreados passou para o ir receber, e vários transeuntes exclamavam "olha o Marcelo!"

Todas as pessoas convergiam para as margens da estrada antes da entrada no santuário, por onde passaria Francisco. Não demorou. A certa altura, as palmas antecederam a passagem do Papa, que surgiu, perfeitamente visível, perante a euforia das pessoas. A sua entrada no recinto seria a conta-gotas, porque parava constantemente para abraçar e benzer mais uma criancinha. Mas chegou enfim à capelinha das Aparições.

A visão quase cortada do Papa. Mas o Sumo Pontífice ficou visível.

Não era uma cerimónia canónica, embora se tivesse rezado um terço. Mas a ida a Fátima tinha sido um desejo expresso de Francisco, que ali se rodeou de pessoas com deficiências várias e de reclusos, entre outros marginalizados da sociedade. Certas partes do terço foram rezadas, a custo mas com fervor, por pessoas com claras deficiências. E depois, o discurso improvisado: de novo a Igreja para todos, a capelinha das Aparições como modelo de Igreja acolhedora, sem portas, como uma mãe que acolhe todos os seus filhos, assim como "Nossa Senhora Apressada" (o mote para as Jornadas). Palavras caras a Francisco e que não cessou de pregar enquanto esteve em Portugal. Depois, despediu-se e saiu para o papamóvel, numa marcha lenta que demorou largos minutos a sair do recinto. Entretanto, já a nuvem negra se tinha dissipado e brilhava o sol quente de Agosto. Pouco depois, o helicóptero que transportava o Papa de volta a Lisboa sobrevoava o santuário, despedindo-se de Fátima.

 

Além das palavras - e da visão em carne e osso - do Papa, o que me ficou foram as multidões, que como já disse, não eram tão grandes como as de Lisboa, e a sua grande diversidade. No geral, eram faixas etárias mais elevadas do que nas Jornadas, embora também com bastante gente mais nova. E acima de tudo, as proveniências. Viam-se muitos espanhóis, de várias regiões, como um grande grupo do País Vasco, e outros da Andaluzia, de Cuenca ou das Astúrias, e alguns até com a tradicional bandeira carlista e os dizeres "viva Cristo-Rey". Também franceses, italianos, coreanos, brasileiros, PALOPs, mexicanos e outras origens mais raras. Um grupo com a bandeira de El Salvador, por exemplo, com um cartaz e pagelas do martirizado Arcebispo Romero, já canonizado. Congoleses que procuravam o santuário, quase ao seu lado. Vietnamitas há muito radicadas nos Estados Unidos. E, surpresa das surpresas, um minúsculo grupo vindo do Irão, católicos assírios, como me disse o bispo, que ostentava uma barba que lembrava aqueles relevos de povos da Antiguidade da Ásia Menor. À margem do epicentro das jornadas, Fátima não deixou de cativar não só o Papa mas também pessoas das paragens mais improváveis que não quiseram deixar de passar ali. 

Pensamento da semana

Pedro Correia, 13.08.23

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Foto: Mário Cruz / Lusa

 

Lisboa ficou irreconhecível na semana que passou. A Jornada Mundial da Juventude - «a mais bem preparada» das quatro que este Papa testemunhou ao vivo, segundo confissão do próprio Francisco - trouxe a Portugal mais de um milhão de jovens oriundos de 151 países. Organização em larga escala e com eficácia máxima da Igreja Católica: nenhuma instituição política ou sindical está hoje em condições de mobilizar nem sequer a décima parte deste número.

Só a missa no novíssimo Parque Tejo congregou cerca de milhão e meio de crentes, enfrentando as elevadas temperaturas que se fizeram sentir na capital. Cifras históricas neste tempo que alguns, enclausurados em borbulhas divorciadas dos factos, proclamam ser de indiferença total perante as religiões.

Quem milita contra este Papa batalha por uma causa perdida. Francisco é hoje, sem dúvida, a figura mais carismática a nível mundial.

Uma espécie de anti-Guterres. O inverso da ONU, inútil como nunca.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

O Peregrino

Maria Dulce Fernandes, 10.08.23

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“Porque é que vais tão cedo? Disseram nas notícias que apenas começavam a cortar os acessos às sete horas”. “Talvez porque eu não acredite muito nesse tipo de informação. Tenho todo um passado de aborrecimentos com agentes da autoridade, que seguem ordens e para quem as declarações pouco valem. Está calor e não me apetece nada mesmo fazer uma caminhada forçada e de depois ter de obrigar as pernas a carregar-me durante mais oito horas. Vou cedo e com calma."

O percurso habitual encontrava-se praticamente igual, apenas riscado em quase toda a extensão por barreiras amarelo canário, mas as estradas estavam perfeitamente transitáveis e não houve qualquer impedimento, muito pelo contrário. Conseguimos fazer o trajecto diário do ponto X ao ponto Y em metade do tempo.

Imersa nos meus pensamentos, reparava pontualmente que aqui, ali e acolá, poderiam ter tido atenção à paisagem urbana. Aquela estrada de beira do Monsanto tinha mato seco e lixo. Fez lembrar aquela história da empregada que varria para debaixo do tapete, mas para pior, pois nem as barreiras amarelo canário escondiam algum desalento na paisagem daquela zona nobre da cidade.

No sítio do costume começava o engaiolar dos acessos, que, tal como previ se iniciaram mais cedo, com a chegada dos transportes que despejavam homens e mulheres de azul às catadupas, vindos de todos os pontos do país. Ainda de portas fechadas, facilitamos o acesso aos WCs, coisa parca na nossa cidade, e ao cafezinho também.

Como habitualmente, ao soar das oito estávamos prontos para enfrentar as turbas, mas não foi assim que aconteceu e sabíamos bem, espectadores activos e passivos que fomos de outras visitas de altíssimos dignitários.

Com as forças da ordem estrategicamente colocadas no tabuleiro das operações, aguardámos a chegada do Peregrino, cuja comitiva motorizada o faria passar mesmo ali à frente.

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Constantemente actualizados pela barragem policial, a contagem decrescente foi acrescida de 10 minutos, mas finalmente o Peregrino chegou sorridente no seu automóvel branco, foi acenando a todos sem pressas, e dirigiu-se ao jardim que tinha  montadas estruturas onde o Peregrino se sentaria para ouvir as confissões dos jovens.

Uma colega pediu para passar para “lá”. O agente, muito simpático, deixou-a ir  mas não chegou longe, como seria de calcular. De qualquer modo, conseguiu gravar para a nossa memória de pessoas simples alguns momentos marcantes. Foi bonito. Foi bom.

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Naquela manhã  chorei. A humildade e simplicidade deste Peregrino sempre me levou à lágrimas. Recordei mais uma vez a manhã de 17 de Abril de 2016 e deixei as lágrimas correr enquanto murmurava baixinho a oração que Jesus nos ensinou.

Neste décimo dia do mês de Agosto, em que passo oficialmente a ser incluída na terceira idade, envio um grande bem haja a quem mudou a mentalidade dos católicos desiludidos, porque somos todos, todos, todos criaturas de Deus.

(Fotos minhas e da Sandra)

Francisco

Sérgio de Almeida Correia, 07.08.23

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(créditos: Miguel A. Lopes/Pool via Reuters)

Embora educado de acordo com os seus valores, e de uma vez, estando de férias em casa de uns tios, me terem posto a ajudar à missa, da qual rapidamente me afastaram depois de ter ido, mais o outro sacristão estival, provar a vinhaça do cura, há muito que me afastei da Igreja Católica Apostólica Romana, da missa dominical e dos seus ritos.

Do clero, em geral, sempre desconfiei, até porque o meu irmão teve a infelicidade, a que eu escapei por ser mais novo e contar com a sua ajuda, de passar por um colégio interno gerido por um louco, acompanhado de outros dementes, que impunham castigos medievais, e eu próprio conheci alguns que me inspiravam tudo menos confiança.

E apesar de algumas vezes, ao longo da vida, me cruzar com um ou outro mais mundano, civilizado e bem disposto que passava lá por casa para tomar chá com a Mélita, a quem até quase ao final da adolescência, e mesmo depois, muito mais tarde e mais velho, acompanhava à missa para ela não ir sozinha, nunca gostei da "padralhada". E do Cerejeira nem é bom falar.

Todavia, não foi isso que me impediu de ir acompanhando a sua vida, de ver como muitos faziam o seu percurso opondo-se à ditadura, mantendo-se firmes na defesa dos verdadeiros valores da instituição que serviam, lutando contra e denunciando as atrocidades do colonialismo; ou de eu próprio voar para Roma mais do que uma vez, de percorrer o Vaticano, de numa ocasião ter ido a Castel Gandolfo, de continuar a entrar nos seus templos espalhados por Itália e pelo mundo, e aí me recolher para, à minha maneira, ir conversando com Ele, até porque a fé não se explica, cada um tem a sua e as pessoas não são todas iguais e dotadas de igual racionalidade. 

Depois, as posições conservadoras do Papado, as ideias ultra-radicais de uns quantos padres, a forma como a Igreja se ia afastando da sociedade, protegendo bandidos ricos e ignorando pobres e desvalidos, ao mesmo tempo que através dos seus membros se envolvia em negociatas pouco recomendáveis, com mafiosos e gente estruturalmente desonesta, e o modo como muitos dos seus se comportavam, tão depressa fazendo de empreiteiros como de ladrões, antes mesmo dos sucessivos escândalos que abalaram as paredes milenares do seu edifício, do Banco Ambrosiano à pedofilia e à protecção durante anos de mentecaptos de batina e de toda a canalhada pedófila, tudo isso contribuiu para olhar para ela não com um mas com os dois pés atrás. Dali nunca vinha coisa boa. Até há pouco.

A ascensão de Francisco, a inteligência e a franqueza com que iniciou o seu caminho, a leitura que fiz da sua encíclica Laudato Si' e de outros textos, as suas sucessivas intervenções, que não se afastando daquela que será a própria lógica da Igreja imprimiram uma marca distintiva de humanidade e de uma maior aproximação ao mundo real e aos problemas do quotidiano, tentando mudar por dentro, firmemente, contra toda a resistência de muitos no seu interior, fizeram-me olhar para ele, enquanto Papa e ocupante do trono de S. Pedro, com outros olhos.  

Verdade seja dita que de alguém que tomou o nome de Francisco pelas razões que logo nos deu a saber, que jogou futebol e gosta de futebol, que se apaixonou e namorou na juventude antes de fazer a sua escolha, que é capaz de apreciar os pequenos prazeres desta vida, e de olhar para os outros como se nunca tivesse saído do mundo, já faziam dele um tipo diferente.

Mas ver como foi capaz de reaproximar a Igreja das pessoas, de que a JMJ de Lisboa constitui inequívoco exemplo, de compreendê-las, de se envolver com todos, devolvendo fraternidade, candura e ternura de onde estas se tinham eclipsado, despojando-se de muita da pompa e da ostentação cultivada pelos seus antecessores, mostrando ao seu rebanho e aos outros, dos mais crentes aos menos crentes, aos agnósticos e aos ateus, que nem tudo está perdido e que há um caminho comum a percorrer com todos, incluindo com os que não acreditam e com os seguidores de outros credos, para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais equilibrado, mais verde e mais inclusivo, fazem dele um homem diferente.

Acompanhando à distância a visita de Francisco – e também alguns excessos do Estado laico e dos seus representantes de ocasião –, vi, não obstante as suas limitações físicas e o natural cansaço, próprios de uma pessoa adoentada e com a sua idade, o seu empenho em chegar a todos, em dar uma imagem diferente da Igreja, em deixar o exemplo, em lançar uma semente que possa frutificar saudável. Como vi a sua aposta num diálogo franco e aberto, sem que isso o obrigue a mudar de convicções, de valores ou de princípios.

Não creio, ainda que quisesse acreditar, que alguma vez mudarei a minha relação com a Igreja e o clero, ou a forma como olho para Deus. Todo o sofrimento que vi, e o que ao longo da vida fui obrigado a acompanhar, não me permitem pensar de outra maneira. Porque há sofrimentos absolutamente inexplicáveis, injustiças inauditas e crimes que nenhum Deus poderoso, se existisse, no seu perfeito juízo permitiria. E não me venham com as vossas justificações, poupem-me à estupidez.

Não obstante, do homem que por momentos está como Papa, daquele que diz, e repete, que a Igreja é de todos – embora eu ainda não consiga alcançar que Igreja será essa, nem quando será de todos –, e que diz aos fiéis que "sejam surfistas do amor", linguagem que sou capaz de entender, só posso dizer que não existe. Este Papa não existe.

Francisco sim. E este parece-me ser, com todos os seus defeitos, nos dias que correm, um tipo absolutamente excepcional.

Quem sabe se por isso, por uma vez, não deverei dar graças a Deus?

Reflexão do dia

Pedro Correia, 05.08.23

«O "todos, todos, todos" gritado por meio milhão de pessoas no Parque Eduardo VII é uma imagem que ficará comigo. Há quem considere isto falta de critério. E, de facto, é. Jesus não tinha qualquer espécie de critério quanto ao amor ao próximo. Está escrito: quem deves amar? Toda a gente. Incluindo quem te esbofeteia. É uma proposta excessiva e humanamente inatingível? Sim, mas o essencial não é atingi-la - é deixarmo-nos guiar por ela. É esforçarmo-nos por colocar o perdão, em vez da vingança, no centro das nossas vidas.

Francisco arrasta multidões, em parte porque são fortíssimas as ressonâncias evangélicas das suas palavras. Depois, claro, há os católicos em geral a quem Francisco muito irrita, e que invadem eucaristias direccionadas para a comunidade LGBT. Estamos tão habituados a uma Igreja prescritiva, que quando alguém diz, como ele, que "o Senhor não aponta o dedo, abre os braços", há logo quem pense que Francisco está a "facilitar". Mas não há nada de fácil nisso. Deixar os imperfeitos à porta é muito mais cómodo do que os acolher em casa.»

 

João Miguel Tavares, no Público

Dá gosto ouvi-lo

Sérgio de Almeida Correia, 04.08.23

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Há momentos de crise que são caóticos, que não sabemos onde estamos, e todos passamos por esses momentos. E uma vida que nunca sentiu o caos é uma vida destilada. Água destilada é uma água sem crises. Não tem sabor a nada, não serve para nada, a não ser para guardar no roupeiro e fechar a porta”.

Em Macau e em Hong Kong ainda não se aperceberam disso. Conseguem ter as crises, beber a água destilada e ainda enriquecer com ela.

Mas tirando isso, está tudo muito certo, Francisco, com excepção de um único ponto a favor da dita: a água destilada é fundamental para manter os charutos em bom estado.

Sem água destilada nos humidificadores aquilo fica tudo seco. Nem a benta os salva.

E aí sim, é o caos.

Em nome do Papa

Pedro Correia, 21.05.23

Este ano, rompendo um hábito antigo, farei férias em Agosto. Quero fugir de Lisboa - já hoje quase intransitável - na altura da grande enchente que se anuncia com a Jornada Mundial da Juventude. 

Procuro o mesmo hotel onde fiquei no Verão passado, à beira-mar, a cerca de 40 km da capital. Com entrada a 29 de Julho.

Ainda há vagas. Mas pedem-me um preço absurdo: cerca do dobro do que paguei em 2022. «Efeito da inflação?», pergunto na recepção, com óbvia ironia.

«Não, é por causa do Papa.»

Questiono-me se Francisco fará ideia desta obscena espiral especulativa praticada em nome dele, que tantos exemplos de frugalidade e desprendimento material nos tem dado. É óbvio que não. 

Alarguei o perímetro: vou distanciar-me ainda mais de Lisboa. A preços do ano passado, também junto ao mar. Já feita a reserva. Fico a ganhar com a troca.

PCP contra o Papa e a favor de Kim

Pedro Correia, 14.03.23

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15 de Março de 2013, voto parlamentar:

«A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, saúda o Estado do Vaticano, a Igreja Católica e todos os que professam a sua fé, pela eleição do novo Sumo Pontífice.»

O PCP recusou votar a favor.

 

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28 de Fevereiro de 2014, voto parlamentar:

«Pela primeira vez, a ONU denunciou crimes contra a humanidade a serem cometidos contra o povo norte-coreano, numa demonstração preocupante e denunciadora da intolerância, da repressão, do ódio e do clima de terror empregues pelo regime de Pyongyang.

A actuação da Coreia do Norte constitui, evidentemente, uma ameaça séria à paz nos limites das suas próprias fronteiras, como representa uma ameaça à segurança regional e internacional. E, por isso, deve merecer uma condenação firme e consensual da comunidade internacional.

Portugal e os povos da Europa têm na tolerância um valor de referência. A demonstração do repúdio e condenação por actos premeditados contra a segurança, a liberdade, a integridade e a dignidade humanas é um imperativo moral constitutivo ou integrante da democracia.

Assim, a Assembleia da República associa-se à Organização das Nações Unidas na condenação dos crimes cometidos pelo regime norte-coreano contra o seu próprio povo e lamenta as vidas perdidas às mãos de um regime autocrático e repressivo.»

O PCP votou contra.