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Delito de Opinião

A natureza não se manipula

Teresa Ribeiro, 02.06.22

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Falta-nos humildade para aceitar que podemos manipular tudo, até aquilo a que chamamos realidade, mas não a natureza. Pelo menos não tanto quanto desejaríamos. É por isso que continua a adoecer gravemente e a morrer gente de Covid, apesar de termos decretado que a vida pode voltar ao que era.

Percebo a necessidade de retomar as actividades económicas dentro de padrões próximos da normalidade e uma vez que evoluímos ou estamos a evoluir para uma situação de endemia, a opção de regressar à vida de sempre é compreensível. Mas o que não entendo é que apesar das notícias que agora nos chegam timidamente através dos media, nada se faça para levar as pessoas a respeitar as poucas regras de segurança sanitária que se mantiveram. Nos transportes públicos, onde é obrigatório o uso de máscara, o laxismo aumenta de dia para dia, perante a indiferença das autoridades. E haverá certamente outras situações que estão a contribuir para que esta nuvem negra se alastre, mais uma vez.

A notícia é de hoje: em relação ao período homólogo do ano passado, o número de mortes por Covid aumentou... 18 vezes! 

Tira a máscara, põe a máscara

Pedro Correia, 13.05.22

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O Governo, ansioso por dar enfim uma boa notícia aos portugueses, decretou um novo "Dia da Libertação" da pandemia, após um ensaio falhado, por ocasião das eleições autárquicas. Desta vez a quatro dias da celebração do 25 de Abril, o que se adequava à efeméride. E a reboque do que decidira na véspera o Executivo espanhol: fim aos testes gratuitos, fim ao uso obrigatório das máscaras em espaços fechados excepto em casos muito excepcionais, fim à exigência de preenchimento de formulários aos milhares de estrangeiros que diariamente entram no País. 

Agiu assim incumprindo a própria meta que estabelecera. O termo das restrições ocorreu quando havia 28,8 óbitos por milhão de habitantes oficialmente registados como vítimas de covid-19 - e não 20, como fora antes fixado.

Entretanto já se fala em sexta vaga da pandemia. O famigerado "índice de transmissibilidade" situa-se agora nos 1,17. Nas últimas 24 horas registaram-se 26 mortes atribuídas ao coronavírus e 25 mil novas infecções confirmadas. Portugal é o único país da Europa com tendência crescente de novos contágios e novos óbitos. Enquanto aumenta a pressão nas urgências hospitalares na sequência da decisão do Governo de pôr fim aos testes gratuitos nas farmácias. 

 

Enfim, nova sucessão de trapalhadas.

Agora já se fala na reposição dos testes gratuitos, na antecipação da quarta dose da vacina para pessoas acima dos 60 anos e até se equaciona o regresso ao uso obrigatório de máscaras na generalidade dos espaços fechados. 

Voltamos ao mesmo: legisla-se ao sabor dos ventos dominantes, sem bases científicas irrefutáveis a fundamentar cada medida, talvez por falta de consenso entre os especialistas, deixando os cidadãos entregues ao seu próprio critério. Nenhum protocolo de segurança sanitária foi definido para as empresas, nomeadamente as que têm atendimento ao público e proporcionam escassas condições de arejamento, não faltando procedimentos diferentes até dentro do mesmo ramo.

 

Põe a máscara, tira a máscara? Cada um por si, Deus vela por todos. O Governo, nem por isso. Afinal já nos garantiram tudo e o seu contrário, passando do oito ao oitenta, e vice-versa. Desde a «falsa sensação de segurança» proporcionada pelas máscaras até à sua utilização obrigatória ao ar livre, mesmo nas situações mais absurdas. Com o Supremo Hipocondríaco da Nação em manifesto excesso de zelo, passando o tempo todo na praia de cara tapada. 

Populismo para vários gostos, com e sem máscara. E desorientação geral, à espera do que se decidir em Espanha. Enfim, nada de novo.

Ainda sobre o 48.º aniversário

Paulo Sousa, 27.04.22

Há muitos anos que não se celebrava um aniversário da Revolução que derrubou a ditadura do Estado Novo, num enquadramento tão propício a apreciarmos os valores democráticos. E não me refiro apenas à guerra em curso.

A liberdade a que este dia de há 48 anos abriu a porta foi celebrada com as cerimónias protocolares habituais, mas, talvez sem o destaque merecido, foi celebrada também pelo fim da obrigatoriedade do uso da máscara.

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Imagem DN

Nestes cerca de dois anos que passaram, as máscaras impostas pela pandemia, que agora parece recuar, além de terem escondido indiscriminadamente lábios e sorrisos, perturbaram a forma como comunicamos, atrasaram a aprendizagem da fala aos mais novos, fizeram que muitas crianças não se recordem dos sorrisos das suas educadoras, impediram que reconhecêssemos amigos com que nos cruzámos, atrapalharam e reduziram a quantidade dos beijos dados pelos amantes e alteraram a forma como nos cumprimentamos.

É claro que também ocultaram os dentes cariados e falhos dos mais humildes, proporcionaram-nos uma desculpa para podermos ignorar pessoas que não queríamos realmente cumprimentar e até, talvez apenas, ajudaram-nos a entender melhor o que é o mau hálito.

Como animais de hábitos que somos desenvolvemos alertas visuais sempre que num espaço público víamos alguém sem o devido resguardo facial. Agora, e desde este Abril de 2022 já estamos a desenvolver o alerta contrário.

As máscaras não vão desaparecer instantaneamente, não serão proibidas, nem mesmo aos que insistem em usá-la abaixo do queixo, mas o seu uso passará a depender do entendimento de cada um. E isso é uma excelente forma de celebrar a liberdade.

Vivemos em sociedade e aceitamos as regras como moeda de troca pelos incontáveis benefícios de a ela pertencer. Diferentes regimes definem de forma diversa o ponto de equilíbrio entre o que deve ser decidido pela polis ou pelo indivíduo, e cada um de nós terá também diferentes entendimentos dessa relação.

O debate sobre o seu uso foi acalorado e não irá terminar de imediato. Foi interessante para procurarmos novos argumentos e novos critérios para definirmos essa mesma fronteira entre o nós e os outros. Não há uma resposta nem um critério único. Antes de Abril, antes do Abril de há 48 anos, haveria certamente um critério único, inequívoco e inquestionável. Depois desse Abril, foi definido um critério, foram cometidos erros (claro, somos governados por palermas) mas podemos manifestar a nossa discordância. Afirmar que somos governados por palermas, além de ser verdade, é também uma forma de celebrar Abril. E de cara destapada.

O Estado das coisas

Zélia Parreira, 12.01.22

A 24 de Dezembro um dos meus filhos fez um teste rápido,  em casa, cujo resultado era duvidoso. Em menos de 2 horas, graças ao contacto imediato com o médico de família, já tinha realizado teste PCR na Área de Doenças Respiratórias e um teste antigénio na farmácia local, que confirmou a positividade à covid19 e reportou ao SNS. Em consequência dessa notificação, o SNS contactou o paciente, por mensagem de telemóvel,  pedindo que identificasse, no portal do SNS, as pessoas que se encontrassem na mesma habitação. Assim fizemos e fomos todos identificados.


Família fechada em casa, cuidados preventivos para os restantes membros da família, acompanhamento quotidiano do médico de família. Pensei "isto está muito bem organizado!".


No primeiro dia útil seguinte (27 de Dezembro) avisei a minha entidade patronal. O mesmo fizeram os meus filhos. Comprometemo-nos a enviar o comprovativo da necessidade de isolamento profiláctico logo que ele nos fosse facultado.

Perante a total inoperância da linha SNS24 durante vários dias (só conseguimos contactar a 1 de Janeiro) e corroborando os esforços do meu médico de família,  contactei a Unidade de Saúde Pública, por email e por telefone, no dia 29 de Dezembro. Desde aí,  insisti e insisti. Zero resposta. Zero declarações.

Sou funcionária pública. Tenho 5 dias úteis para apresentar a justificação da ausência ao trabalho, sob pena de me serem aplicadas sanções que podem ir até à expulsão da função pública. Nesta data, já lá vão 13 dias úteis.

Felizmente, tive o cuidado de pedir para ficar em teletrabalho enquanto estava em isolamento profiláctico. Fi-lo por uma circunstância muito simples: porque podia. Nem todos têm esta sorte e para esses, que tiverem passado por esta situação, tratou-se efectivamente de uma ausência injustificada ao trabalho.

Ainda assim,  o pedido de teletrabalho teve como fundamento a necessidade de isolamento imposta pela saúde pública, mas que a saúde pública se recusa a atestar. Ou seja, neste momento, pode dizer-se que prestei falsas declarações porque não consigo fazer prova do fundamento que aleguei.

Eu sei que houve muitos casos nas últimas semanas,  mas estamos a falar de uma unidade de saúde local. Quantos casos terá havido aqui, diariamente, para impedir a emissão dos respectivos atestados?

Da «libertação» à depressão

Pedro Correia, 22.12.21

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A 20 de Julho, numa espiral de propaganda já a pensar nas autárquicas de 26 de Setembro, o Governo começou a anunciar um suposto "dia da libertação total" da covid-19, logo ecoado pela imprensa afim. 

A 29 de Julho, o primeiro-ministro especificava: seriam introduzidas «três fases para a próxima fase de libertação da sociedade e da economia, de modo progressivo e gradual». A escolha das palavras não era inocente.

Nesse dia jornais como o Expresso imprimiram aquilo que António Costa mais queria ler: «Libertação total marcada para Outubro.»

 

Parece ter sido há uma eternidade.

Que «libertação», afinal?

Ontem, na sua enésima conferência de imprensa a propósito do coronavírus, António Costa anunciou um novo pacote de severas medidas restritivas. Num certo sentido, foi mais longe que nunca. Agora vai ao ponto de recomendar-nos que usemos máscaras dentro de casa e partilhemos a ceia natalícia devidamente distanciados, com as janelas todas abertas. E deixa o aviso: «Que ninguém deixe de fazer pelo menos um daqueles autotestes antes da consoada e do almoço de Natal.»

 

Hei-de rever no dicionário o conceito de «libertação». 

Quase apostava que nada tem a ver com este clima de depressão em que voltamos a mergulhar.

Realidade paralela

Cristina Torrão, 16.12.21

Como é do conhecimento geral, a pandemia, na Alemanha, bateu todos os recordes neste Outono. Felizmente, a situação vai melhorando. Mas há grandes diferenças regionais. Enquanto a incidência (número de casos por 100.000 habitantes, no espaço de uma semana) nos estados do Sul e do Leste chegou a atingir valores de mais de 2.500 casos, no Norte, raramente passou dos 200 (está, digamos, ao nível da situação portuguesa). Haverá uma razão para tal? Bem, a grande diferença é a percentagem de vacinados e o número de negacionistas e/ou opositores das medidas de restrição. Apesar de a eficácia das vacinas não ser tão grande como pensávamos, não há como negar as evidências: no Norte, onde a percentagem de vacinados se aproxima da portuguesa, a situação tem estado controlada (felizmente, onde vivo); no Sul e no Leste, há concelhos com menos de 60% de vacinados.

O problema atinge extremos no Leste, principalmente, nos estados da Saxónia e da Turíngia (antiga RDA). As unidades de cuidados intensivos atingiram a ruptura, coisa que não se pensava ser possível, neste país, tendo sido necessário transferir doentes para os hospitais do Norte. Mas não nos iludamos: os negacionistas recusam-se a ver o óbvio, como se vivessem numa realidade paralela. E muitos deles tornam-se perigosos.

Ontem, a Polícia Judiciária da Saxónia fez buscas em vários apartamentos de Dresden, depois de ter sido detectado, no Telegram-messenger, um complô para assassinar o Ministro-Presidente daquele estado, Michael Kretschmer (da CDU, o partido da Merkel). Um homem foi preso, mas há mais quatro suspeitos, três homens e uma mulher, com idades entre os 32 e os 64 anos.

Uma história surreal tem-se vindo a passar em Königs Wusterhausen, uma pequena cidade a sudeste de Berlim: um homem, que matou a tiro a mulher e três filhas pequenas, suicidando-se de seguida, é festejado como mártir pelo grupo a que pertencia, criado no Telegram-messenger e intitulado Freiheitsboten Königs Wusterhausen - qualquer coisa como: “os mensageiros da liberdade Königs Wusterhausen”. Depois da tragédia, foi postada, nesse grupo, uma fotografia da casa da família, com as palavras: “ele era um amigo, assim como a sua mulher”. Na verdade, Devid R., o assassino suicida, falsificava certificados de vacinação e o patrão da esposa começou a desconfiar dessas actividades. Numa carta de despedida, Devid R. esclarece que assim agiu com medo de ser preso e de ficar sem as filhas. Passada semana e meia, um grupo de cerca de mil pessoas fez uma marcha pela cidade, festejando o seu mártir e apelando à rebelião contra as medidas sanitárias.

O caso mais surreal, até agora, deu-se, porém, na Áustria, país também conhecido pela sua baixa percentagem de vacinados e pelos movimentos negacionistas. Um grande mentor destes movimentos, Johann Biacsics, que não estava vacinado, deu entrada, no início de Novembro, num hospital de Viena, com dificuldades respiratórias e baixo teor de oxigénio no sangue. Os testes Covid deram positivo. Biacsics foi alertado para o seu estado grave, mas recusou o tratamento hospitalar, alegando que, se o seu problema era apenas a Covid, continuaria a tratar-se em casa com a administração, por via endovenosa, de uma infusão contendo dióxido de cloro, um “familiar” da lixívia!

Johann Biacsics acabou por morrer alguns dias depois, a 10 de Novembro. E que pensam disto os seus colegas de partido (o movimento está organizado num partido)? Pensam que Johann Biacsics foi envenenado, por ser uma ameaça à estratégia anti-Covid do governo! O seu próprio filho não hesita em afirmar: “Oficialmente, o meu pai consta da estatística de mortes por Covid. Mas eu sei que foi outra a causa”.

Sim, estamos cheios de pandemia e de restrições. Admito que algumas destas não façam sentido. Mas de nada adianta refugiarmo-nos numa realidade paralela.

Esta gente ensandeceu de vez

Pedro Correia, 26.11.21

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Andaram a vangloriar-se que Portugal era um dos países do mundo com maior taxa de vacinação. De facto, ocupamos a quinta posição, com cerca de 88% da população vacinada. Durante todo este tempo aludiam à vacina como panaceia seguríssima contra a pandemia. Mas preparam-se para voltar a fechar e paralisar tudo: o primeiro passo foi ontem anunciado pelo Governo. Decretando novas restrições nos acessos a restaurantes, recintos desportivos, bares e ginásios. Recuperando o uso compulsivo de máscaras em locais de trabalho e todos os espaços fechados. Anunciando que para assistir a espectáculos ou concertos não basta afinal exibir o certificado de vacinação que dantes tanto enalteciam: há que fazer testes à covid-19. Quem não os fizer, fica à porta.

Voltamos à bolha, voltamos à redoma. 

Dizem que procedem assim porque lá fora, noutros países europeus, as infecções voltaram a alastrar a ritmo acelerado. Apontam os exemplos da Áustria ou da Holanda - omitindo que nestes países a taxa de vacinação é muito inferior à nossa: 69% no primeiro caso, 72% no segundo.

Agora lembraram-se de começar a vacinar as crianças a partir dos 5 anos, contrariando tudo quanto tinham garantido anteriormente. E já andam histéricos, recomendando sérias restrições ao convívio familiar nas quadras festivas de Dezembro. Como se afinal não fizesse qualquer diferença os portugueses estarem vacinados.

Terão concluído enfim que as vacinas não nos imunizam? Caramba, nada alimenta tanto o "negacionismo" como esta conclusão.

 

Uma das figuras que mais vezes aparecem nos ecrãs televisivos em defesa aberta de novas restrições é o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, que esta noite fez uma extraordinária sugestão na recém-surgida CNN Portugal: todas as pessoas devem passar a fazer testes imediatamente antes e depois de qualquer convívio familiar «para despistar os falsos negativos». Garante que os testes são «bastante acessíveis em termos financeiros», esquecendo-se de especificar quanto este estapafúrdio conselho deverá pesar na bolsa de cada português

Entretanto, o monotema da pandemia inunda de novo os espaços informativos. Como se nada mais acontecesse. Como se não houvesse uma infinidade de outras doenças a ameaçarem seriamente a vida dos portugueses. Estas doenças voltam a tornar-se clandestinas: é tabu falar delas. Mas vão matando mais que nunca.

Oiço-os, com infinita paciência, e começo a chegar a uma perturbante conclusão: esta gente ensandeceu de vez.

Mulher com Altifalante

jpt, 13.09.21

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(Mulher com Altifalante, Escola de Vermeer, c. 2010-2020)

Sobre estes anti-vacinas já aqui botei o que me é suficiente, resmungando a histeria ignorante que os imobiliza, seja nisto do Covid-19 seja nas restantes doenças. E  muito me indignei quando antes do processo de vacinação surgiram alguns patetas a propagandearem contra a participação nesse passo sanitário - a primeira pessoa que vi nesse disparate foi Maria José Morgado na tv. Mas, mesmo considerando estes anti-vacinas um coro de coirões, entendo que é muito diferente discutir a vacinação da população em geral ou a das crianças, o que não significa que acredite eu que a Pfizer e congéneres sejam os Herodes actuais.
 
Dito isto, leio muita gente muito ofendida porque 30 ou 40 desses maluquinhos anti-vacinas, em estado de histeria aguda, foram ontem à porta do restaurante onde comia Ferro Rodrigues. E ali se fartaram de emitir perdigotos e de gritar impropérios, com altifalante ou a plenos pulmões, ao actual Presidente da A.R.
 
 
 
(Pedro Passos Coelho, protestos na Feira do Livro em 2012)
 
Face a isso as pessoas "bem-pensantes" ofendem-se, clamam a inadmissibilidade desta "arruada", dos insultos e da agressividade. E a partir dela reafirmam o perigo iminente do fascismo. Porventura detectam a insidiosa mão do prof. Ventura. E presumo que até reconhecerão o espírito de Steve Bannon, conluiado com o de Farage, já para não falar do halo magiar, e mais demónios que haja.
 
Enfim, eu lembro-me destes agora ofendidos a saudarem outras pequenas arruadas "espontâneas", dos seus perdigotos e insultos, perfeitamente descabidos. Como esta, na simpática Feira do Livro lisboeta. Nesses momentos os tais aos quais agora doem os joanetes encontravam virtuosas aquelas acções genuinamente populares, denotativas do sentir das boas e sofridas gentes. E já nem falo de ver centenas ou milhares de manifestantes carregarem sobre a Assembleia da República, em pancadaria com a polícia ali convocada para defender a sede da democracia. Com as gentes da "esquerda" saudando o vigor e rigor democráticos que brotavam daquelas "acções populares".
 
Ou seja, toda esta hipócrita incoerência dos patetas que por andam a clamar a inadmissibilidade de se incomodar o presidente da AR é muito mais grave do uma velha gorda aos gritos num alto-falante. Ou então tudo se resume a ser virtuosa a gritaria contra o PSD (o Demónio) e malévola a contra o PS (o Espírito Santo). 

Uma enorme contradição

Pedro Correia, 24.08.21

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Parece-me haver aqui uma enorme contradição. Mais uma. O Governo mantém fortíssimas restrições à presença de público nas bancadas dos estádios - onde só um terço dos lugares podem ser preenchidos - enquanto decretou a partir de ontem o fim dos limites da lotação dos transportes públicos, que voltam a andar à pinha após ano e meio de drástica contenção. 

Tenho dificuldade em descortinar um fio de lógica entre duas medidas tão díspares. Será mais provável alguém - mesmo exibindo certificado digital à entrada - ser contagiado com Covid-19 num espectáculo desportivo do que se for entalado entre dezenas de pessoas num transporte público onde ninguém pergunta a ninguém se já tomou vacinas?

Enfim, a meu ver isto apenas confirma o preconceito do Executivo relativamente ao desporto. Nada a que não estejamos habituados.

Madre superiora e a castidade sanitária

Pedro Correia, 20.08.21

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Um país inteiro fechado, a nível nacional, por ali ter sido detectado um só caso do novo coronavírus em seis meses. Eis a Nova Zelândia actual - espécie de cruzamento do Admirável Mundo Novo de Huxley com o domínio do Rei Ubu. Hoje coutada da senhora Jacinda Ardern, que as bempensâncias de turno tanto enaltecem pela suposta visão estratégica e pela presumível estatura de estadista. 

Parece decisão de madre superiora. Como uma noviça pecou, Madre Jacinda - suprema guardiã da castidade sanitária - ordena que todas as freiras fiquem de castigo lá no convento.

Faça o que fizer, tem hossanas garantidos, Deus seja louvado por tão virtuosa senhora.

 

Governar à vista: é assim que se faz

Pedro Correia, 02.08.21

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António Costa, na quinta-feira à tarde: bares e discotecas permanecerão encerrados até Outubro.

Reacção de donos de bares e discotecas: «É uma sentença de morte.»

Governo, na quinta-feira à noite: afinal os bares podem reabrir, com regras idênticas às dos restaurantes.

Governo, no sábado: afinal as discotecas podem reabrir, mas sem pista de dança.

Os 25 mais infectados

Pedro Correia, 02.08.21

Cinco meses depois, trago aqui novamente o quadro detalhado da evolução do novo coronavírus no planeta, com base em mais de duas dezenas de fontes consultadas e confrontadas - desde logo, a Organização Mundial de Saúde. Quando à escala global existem agora mais de 4,2 milhões de mortos e 199 milhões de infectados por Covid-19, oficialmente reconhecidos. 

Um registo que me leva a ordenar os países com registo oficial de infecções da seguinte maneira, excluindo micro-estados e nações com menos de um milhão de habitantes:

 

República Checa: 155.976 casos por milhão de habitantes

Barém: 152.512

Eslovénia: 124.696

Uruguai 109.365

Holanda: 108.747

Suécia: 108.194

Argentina: 108.006

EUA: 107.311

Geórgia: 106.054

Lituânia: 105.558

Estónia: 100.764

Panamá: 99.284

Bélgica: 96.591

PORTUGAL: 95.522

Espanha: 95.074

Israel: 93.885

França: 93.643

Brasil: 92.991

Colômbia: 92.977

Koweit: 91.695

Croácia: 89.203

Reino Unido: 86.137

Hungria: 84.026

Chile: 83.809

Sérvia: 83.021

 

Notas a destacar, em comparação com a estatística anterior:

A pandemia continua centrada na Europa, mas revela alguma tendência para rumar em força ao continente americano. Como se comprova pelo facto de países como Uruguai, Argentina, Colômbia e Chile - que não figuravam no quadro anterior - se encontrarem agora entre os 25 mais infectados por Covid-19 à escala mundial. Impressionante, a escalada do coronavírus no Uruguai, agora o quarto nesta tabela. Embora seja um país que nunca é referido nas notícias que circulam em Portugal.

A República Checa mantém-se no topo, com números preocupantes. Mas a vizinha Eslováquia abandona o quadro dos 25 países com maior registo de infecções. Tal como aconteceu com a Suíça e a Áustria, também no continente europeu. Além de Catar, Líbano e Arménia.

Nos cinco mais figuram este mês o Barém (subida de oitavo para segundo) e a Holanda (era 13.º, encontrando-se agora no quinto posto). Também sobem a Suécia (de nono para sexto), a Estónia (de 16.º para 11.º), França (de 19.º para 17.º) e Brasil (de 25.º para 18.º). A Eslovénia - país que neste semestre assume a presidência do Conselho da UE - sobe do terceiro ao segundo posto.

Os EUA descem cinco lugares, abandonando o pódio. Também a baixar, de forma ainda mais acentuada, está o Reino Unido: em Março era o 15.º país com maior número de infecções por milhão de habitantes, agora é o 22.º.

Tendência de descida igualmente para Portugal: estávamos em Março num nada honroso quinto posto, descemos entretanto para a 14.ª posição. Ainda assim, figuramos em oitavo lugar entre os 27 Estados membros da União Europeia. Tendo a Espanha imediatamente abaixo.

Em termos comparativos, à mesma escala, Portugal regista o dobro dos infectados por Covid-19 existente em países como Grécia, Albânia e Tunísia. Triplicamos os números da Malásia e República Dominicana. Registamos quatro vezes mais casos do que Índia e Islândia. E dez vezes mais infectados do que a Tailândia e Timor-Leste.

 

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Deixo também novamente o registo da relação entre o número de óbitos confirmados e a população de cada país, por milhão de habitantes, destacando os 20 países com mais mortos:

 

Peru: 5867

Hungria: 3117

Bósnia-Herzegovina: 2973

República Checa: 2831

Bulgária: 2643

Brasil: 2598

Colômbia: 2346

Argentina: 2316

Eslováquia: 2296

Bélgica: 2168

Eslovénia: 2130

Itália: 2122

Paraguai: 2073

Croácia: 2026

Polónia: 1991

Reino Unido: 1980

EUA: 1889

México: 1848

Chile: 1841

Roménia:1795

Equador: 1764

Espanha: 1742

Uruguai: 1710

França: 1710

PORTUGAL: 1709

 

Também na relação entre óbitos por Covid-19 e número de habitantes é claro o predomínio do Velho Continente. Entre os 25 países com mais mortos, em termos proporcionais, quinze estão na Europa. A novidade é a ascensão do Peru ao primeiro lugar, ocupado em Março pela República Checa - agora em quarto. Uma subida impressionante: há cinco meses o Peru figurava na 14.ª posição.

Tendência ascendente igualmente para Hungria (estava em quinto, agora em segundo), Bósnia-Herzegovina (de sétimo para terceiro) e sobretudo para o Brasil, que sobe do 19.º ao sexto lugar. 

Inversamente, baixam a Bélgica - que em Fevereiro figurava na primeira posição desta lista nada invejável. Agora desce para o décimo posto. Acompanham-na nesta tendência descendente Itália (de sexto para 12.º), México (de 13.º para 18.º) e França (de 16.º para 24.º). 

Três países justificam menção especial. Desde logo os EUA, que em Fevereiro eram o terceiro país do mundo com mais mortos por milhão de habitantes, em Março desceram para 13.º e agora estão em 18.º Mas também o Reino Unido (baixa de quarto para 16.º nos últimos cinco meses) e Espanha (estava em nono em Fevereiro, desceu para 11.º em Março e surge hoje na 22.ª posição).

Melhor ainda estão países como Suíça, Suécia e Holanda: há meio ano integravam a lista dos 14 com mais óbitos em termos proporcionais e agora não se incluem sequer nos 25 primeiros.

Tendência inversa revelam Colômbia, Argentina, Paraguai, Polónia, Chile, Roménia e Equador, ausentes há cinco meses do grupo com 20 mais óbitos.

Portugal, felizmente, prossegue a rota descendente após um período muito preocupante. Ausentes em Outubro da lista dos primeiros 30, regressámos em Novembro, na 28.ª posição, e em Fevereiro e Março estávamos em oitavo. Agora encerramos o rol dos 25 primeiros.

Nenhum país de África ou Ásia consta deste quadro.

Ainda existe oposição neste país?

Pedro Correia, 10.07.21

Três semanas depois, justamente confrontado com acusações de violação dos direitos constitucionais vindas dos mais diversos sectores, o Governo apressou-se a deixar cair a absurda "cerca sanitária" à Área Metropolitana de Lisboa, com recolher obrigatório e proibição de circulação entre concelhos - prontamente denunciada aqui - que visava deter a chamada "variante delta" entretanto espalhada em todo o País e até já dominante na Europa.  

Agora, com a ministra Mariana Vieira da Silva novamente transformada em mensageira de más notícias (António Costa nunca está presente nestes momentos complicados), o Governo faz pior ainda: transforma cada proprietário de restaurante e cada gerente de hotel em polícia e agente de saúde pública. Isto na "época alta" do pobre turismo que nos resta. Totalmente inaceitável.

Neste contexto, o que faz o PSD? Defende as liberdades ameaçadas? Não: apresenta uma proposta de revisão constitucional. Totalmente alheado da realidade, como se vivesse no país das maravilhas.

O colaboracionismo de Rui Rio com o Executivo socialista deixou de ser apenas danoso para o partido. Ameaça tornar-se danoso para a democracia em Portugal.

Mau demais

Paulo Sousa, 05.07.21

Vivemos tempos de espíritos agitados. Costuma dizer-se que é nas horas difíceis que se conhecem as pessoas e o mesmo se pode aplicar ao Estado, não fosse ele uma expressão do colectivo.

Bem sabemos que somos governados por gente que, à excepção de uns poucos, procura protagonismo e benefícios próprios. A selecção que fazemos no acesso aos lugares de responsabilidade não se baseia na competência nem na capacidade de decidir bem nas horas difíceis. Por isso demasiados deles, que nem para tempos das vacas gordas serviriam, andam agora em roda livre. Isto, não é válido apenas para os nossos governantes, pois em representação das instituições estão também pessoas com uma noção distorcida da autoridade.

No passado dia 18 de Junho, cumprindo uma ordem do Tribunal, a GNR retirou de sua casa uma criança de 12 anos. Sob ameaça de arrombamento, a mãe foi forçada a abrir a porta à polícia. A criança foi levada assim, à força, e entregue à sua avó paterna. O motivo de tudo isto prende-se com a recusa da menor em usar máscara na escola, alegando não se ter conseguido adaptar a ela e argumentando problemas de saúde. Perante isso, a mãe solicitou sem sucesso o ensino doméstico. Não entendi se a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens acompanhou o processo, nem se deveria pronunciar-se, mas a decisão foi soberana e foi exemplarmente cumprida.

Isto aconteceu no país em que a Valentina, mesmo estando sinalizada como criança de risco, acabou por ser assassinada. Desta vez, a prontidão e o afinco com que esta desumanidade foi perpetrada, teve como justificação o combate à pandemia.

O assunto teria merecido um acompanhamento mediático que não teve, e também por isso, esta brutalidade própria das ditaduras deve ficar registada na nossa memória para que um dia olhemos para trás e nos recordemos do sobressalto que é viver num país com instituições sem a noção da proporcionalidade.

Sair à rua dá cadeia: cheira a ditadura

Pedro Correia, 05.07.21

O Governo já veio ameaçar com medidas repressivas. Incluindo cadeia. Em causa está o crime de desobediência, com moldura penal de prisão até um ano ou 120 dias de multa. Neste caso agravado em um terço - podendo passar a um ano e quatro meses de prisão ou 160 dias de multa a quem circule pelas ruas confinadas sem proclamação do estado de emergência em 45 concelhos do País. Abrangendo toda a Área Metropolitana de Lisboa e a cidade do Porto, o que afecta quase quatro milhões de portugueses.

É curioso: a pretexto do corona, este Governo já libertou mais de dois mil presos. Agora, também a pretexto do corona, ameaça prender uns largos milhares. Só por se atreverem a sair de casa após as 23 horas.

Constitucionalistas como Jorge Miranda, Teresa Violante e Paulo Otero alertam: estas medidas de séria limitação de liberdades fundamentais, impondo "cercas sanitárias" e recolher obrigatório à revelia do escrutínio do Parlamento e apenas a coberto da Lei de Bases da Protecção Civl, estão feridas de ilegalidade. Lesando a lei das leis: a Constituição da República. Algo próprio de ditaduras.

«Tomaram-se medidas discricionárias e perigosas, aplicaram-se critérios contraditórios a eventos idênticos, gerou-se uma confusão que desautorizou o Estado e aumentou a distância entre governantes e governados» , escreveu o filósofo José Gil na última edição do Expresso. Concluindo, sem hesitação: «A pandemia em Portugal está a minar o espíríto da democracia.»

Convém recordar aos mais esquecidos o que estipula o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição portuguesa: «A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.»

António Costa, amparado pelo coro dos comentadores amigos, encolhe os ombros e não quer saber. Só lhe interessa verificar se o PS mantém uma liderança confortável nas próximas sondagens.

 

ADENDA. Por uma vez, totalmente de acordo com o PCP: o recolher obrigatório «é próprio de um estado de excepção»,  estamos num cenário de grave lesão de direitos e liberdades.