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Delito de Opinião

Sinónimos de dinheiro

Pedro Correia, 05.09.24

Creio que nenhuma outra palavra tem tantos sinónimos na língua portuguesa como dinheiro. Sinónimos cultos, populares, de jargão profissional, de regionalismos ou coloquialismos diversos. 

Deixo o desafio aos leitores. Para que escrevam aqui os primeiros cinco sinónimos que lhes ocorrerem. Pelo mesmo só cinco de cada vez, não para despejarem listas de vinte ou trinta palavras copiadas de dicionários digitais.

A lista virá depois. Feita por nós próprios.

Novilíngua

Pedro Correia, 28.06.24

apropriação cultural   elefante na sala   pacto de agressão   grande capital   banho de multidão   tecido produtivo   processo de empobrecimento   instrumentos de dominação  minoria étnica  acto eleitoral  novo ciclo  valores de abril  fadiga fiscal  segundo resgate  tratado orçamental   política de direita   capitalismo selvagem   dívida soberana   lucros colossais   défice democrático  responsabilidade orçamental  assento parlamentar  programa cautelar  direitos reprodutivos  alargamento a leste   estado social   fundos europeus   ganhos de produtividade   crescimento zero   valor acrescentado   factor produtivo   alternativa de esquerda   bloco central   processo decisório   interesses dos trabalhadores   economia paralela   emergência financeira   estado da arte   procedimento concursal   arco da governação   novos desafios   parceiros sociais   direitos adquiridos  terceira via  faixa etária  almofada orçamental  crescimento sustentável  paraíso fiscal  indispensável clarificação  socialismo científico  causas fracturantes  heteropatriarcado tóxico   tarefa hercúlea   fonte próxima   novo paradigma   reforma estrutural   zona de conforto  democracia iliberal   janela de oportunidade   murro na mesa   a todos e a todas

Arranca, arranca, arranca, arranca

Pedro Correia, 28.03.24

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Dois títulos da primeira página do caderno de economia do Expresso, de 15 de Março.

Este jornal ignora verbos comuns como iniciar e começar.

Só sabe "arrancar". Nada mais.

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O mesmo parece acontecer com a SIC, outro órgão do grupo Impresa. Eis duas notícias difundidas neste canal na passada segunda-feira. Os editores parecem desconhecer outros vocábulos: "arrancar" serve para tudo.

Sonharão por lá com amputações, mutilações, decapitações? Ignoro.

Sei, isso sim, que a compressão lexical galopa, cada vez mais veloz.

Ou arranca, para mantermos o registo monovocabular destes conspícuos títulos jornalísticos.

Pensamento da semana

Pedro Correia, 24.09.23

 

Tudo chega ao fim: o Verão também. Aliás, se virmos bem, em termos mediáticos o Verão já terminou há vários anos. Passou a ser designado como «onda de calor» - designação da moda. Três palavras em vez de uma para significar o mesmo. Complicar tornou-se lema dominante no discurso jornalístico. Nada refrescante, convenhamos.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Arrancar - não sabem dizer outra coisa

Pedro Correia, 15.08.23

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De repente, palavras claras, genuínas e consagradas da nossa bela língua portuguesa parecem ter desaparecido do mapa.

 

Já mencionei noutro lado o ominipresente colocar, que por influência brasileira mandou borda fora o mais simples e directo verbo pôr. Como se estivesse amaldiçoado.

Uma praga também denunciada pelo escritor e linguista Manuel Monteiro no seu livro O Mundo Pelos Olhos da Língua (Objectiva, 2022), aqui recomendado. Em que reproduz várias frases que se tornaram ridículas desde que esta absurda tendência foi sendo imposta:

- «Não colocar os pés, obrigado.»

- «Colocaram as nossas vidas em perigo.»

- «As pessoas que comem peixe grelhado e depois colocam dois litros de azeite.»

- «Secretário-geral da ONU apela a Putin para colocar fim à invasão.»

- «Presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia coloca água na fervura.»

Enfim, um modismo que redundou num monumental disparate. Sucedem-se as frases abstrusas com este verbo em regime de monopólio. Debitadas até por forças políticas que se proclamam antimonopolistas.

 

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Outros verbos que parecem cada vez mais fora de uso são começar ou iniciar. Substituídos ambos pelo feio e ambíguo arrancar. Este, agora, serve para tudo.

Ainda ontem ouvi, num noticiário da SIC: «A equipa minhota somou 1-0 e arrancou o campeonato com três pontos.»

Dois erros nesta frase. O primeiro, a utilização do verbo somar numa vitória futebolística de um-a-zero. O segundo, mais grave: este descabelado abuso do arrancar (que, não esqueçamos, significa puxar, partir, fugir, sair, extrair, colher, extirpar, remover, desenraizar, guilhotinar) como sinónimo exclusivo de começar.

Será atracção pelo erre dobrado? 

Ignoro. Mas não tenho a menor dúvida em concluir que estamos perante mais um disparate generalizado.

Cada ignorante copia o outro - e o resultado é este.

Casca dura e miolo elíptico

Pedro Correia, 08.06.23

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Segundo a Porto Editora, as três palavras mais procuradas na Infopédia durante o mês de Maio foram estas: galamba, idadismo e burgo.

Galamba, para quem não sabe, é «uma variedade de amêndoa algarvia, de casca dura e miolo elíptico alargado de tonalidade clara». Uma das mais conhecidas é a galamba-de-Boliqueime.

Talvez o ainda ministro João Galamba, com a falta de noção que o caracteriza, se sinta lisonjeado com tanta notoriedade. Não podemos negar-lhe o regozijo: é bem merecida.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia

Pedro Correia, 24.03.23

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Escombros de Irpin após ataque russo (2022)

 

George Orwell ensinou-nos o valor das palavras. Perverter o seu significado é, muitas vezes, ceder terreno aos inimigos da liberdade. É fundamental, por isso, estarmos sempre atentos à importância de cada rótulo, de cada etiqueta, de cada frase feita em suposta representação da realidade.

A brutal ditadura de Putin, consciente deste facto, decretou penas de prisão a todos quantos chamassem guerra à guerra. Os russos só podem entoar a eufemística lengalenga putinesca, que chama «operação militar especial» à criminosa invasão do território ucraniano pela maior potência atómica do planeta.

Cada quadrante com os seus eufemismos. Os amigos do Kremlin em Portugal chamam simplesmente «guerra» àquilo - diluindo-se todo o horror concreto dos massacres cometidos pelos russos em Butcha, Borodianka, Irpin, Kramatorsk e Mariúpol num vocábulo abstracto.

Até o jornalismo que persiste em ser rigoroso e sério pode recorrer a expressões equívocas. Acontece quando alude à «Guerra da Ucrânia», como se houvesse simetria exacta entre agressor e agredido.

Mas não há.

O que ali ocorre é a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Iniciada faz hoje 13 meses e ainda sem fim à vista. Saibamos dar-lhe o nome certo. Sem enganos, sem eufemismos, sem ambiguidades.

A palavra pervertida

Pedro Correia, 16.12.22

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O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada é a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo "guilhotinar", notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: "Fui guilhotinado".»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada por Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just - apelidado de Anjo da Morte - viria a ser executado a 28 de Julho (10 do Thermidor do ano II, segundo o calendário revolucionário), com apenas 26 anos, acusado de "inimigo do povo". Com ele morria Robespierre - outro protagonista dos alvores da Revolução Francesa, outra vítima crepuscular da guilhotina.

De nada valera a Saint-Just o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional, em 1792, com a ardente apologia da revolução permanente. «Àqueles que o povo (não o voto, porque o voto é um acto de Estado, de subserviência) derruba, não devem ser conferidos quaisquer direitos», proclamou, entre apelos à execução sumária de Luís XVI, o monarca deposto três anos antes. Sem imaginar que viria a ser vítima da sua própria oratória, tão implacável, tão intransigente, tão incendiária.

Foi a primeira revolução de grande envergadura a devorar vários dos seus filhos - e esteve muito longe de ser a última. Nenhum discurso inflamado por cartilhas partidárias é capaz de atingir os abismos que moldam e condicionam a natureza humana.

 

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Execução de Saint-Just e Robespierre, em 28 de Julho de 1794 (10 do Thermidor): a Revolução Francesa devorando os seus filhos

Catar, catariano ou catarense

Pedro Correia, 09.12.22

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Parece haver ainda dúvidas sobre a grafia no nosso idioma da palavra Catar, aludindo ao Estado anfitrião do Campeonato do Mundo de Futebol. O melhor é desfazê-las junto de quem sabe. Para o efeito, consultemos o Ciberdúvidas.

Catar - transliteração da fonética árabe - é topónimo já consagrado em dicionários e prontuários. Rejeitando-se a aberrante transliteração inglesa Qatar, «impossível à luz da tradição ortográfica portuguesa», como assinala o José Mário Costa. E muito bem: cada língua com a sua norma.

Convém acrescentar que os respectivos gentílicos podem ser catarianos ou catarenses. Qualquer das fórmulas é aceitável.

Alguns dirão que isto interessa pouco ou nada: o que importa é o desporto. A esses direi que nunca devemos desligar o desporto da cultura. E a quem argumentar que só os direitos humanos são tema relevante, responderei que a valorização da língua portuguesa, património da Humanidade, é igualmente um direito. Para nós, é um dever também.

No reino da redundância

Pedro Correia, 04.12.22

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O excesso de zelo na correcção política, com receio daquilo que as falanges mais extremistas possam verter nas redes insociais, gera situações destas, ao nível da linguagem: após "prisioneiras" (palavra cujo género gramatical é inequívoco) surge hoje a ingente necessidade de acrescentar "do sexo feminino".

Como se o termo anterior permitisse outra opção.

Caímos no reino da redundância. Não porque quem escreve ou quem traduz ou quem edita (neste caso a tradutora e a chancela editorial têm inequívoco mérito), mas porque as patrulhas ideológicas andam cada vez mais vigilantes e não permitem qualquer fuga à norma.

Aliás, não permitem sequer o recurso à norma.

Como este caso, por absurdo, apenas confirma.

Escrever bem (ou mal)

Pedro Correia, 25.08.22

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Gostamos imenso de usar palavras em excesso. Vejo isso todos os dias no DELITO. Muitos comentários, assinados ou não, começam com quatro vocábulos inúteis: «Na minha opinião pessoal.» Inúteis por ser óbvio tratar-se de opinião, emitida por quem a escreve. Ainda nada foi dito e a frase já tropeça com peso a mais.

Uma variante desta, tão inútil como a primeira, abunda também por aí, sobretudo no discurso oral: «Eu acho que.» O pronome pessoal é redundante, mas cada vez mais insistente por influência brasileira, em réplica da sintaxe norte-americana. Apetece-me brincar com isto dizendo que temos muita gente com vocação para detective. É vocabulário revelador da nossa estrutura mental: "achar" como débil sucedâneo de "pensar".

 

Edito textos de outros há quatro décadas. Não apenas por missão jornalística (aos 21 anos já era coordenador de secção num semanário, aos 22 era editor), mas habituei-me a "limar prosa" mesmo fora da esfera profissional, combatendo a tendência tão portuguesa para o culto do pleonasmo. 

Esta tendência mantém-se. No advérbio «mesmo», semeado a torto e a direito nas frases, sem nada acrescentar no significado. Não faltando quem repita «é assim mesmo», uma vez e outra. Pode passar na fala, mas é um calhau na escrita.

Idem, para a profusão de pronomes possessivos, de novo por influência brasileira. Aponto sempre, como exemplo supremo da arte de bem escrever, a magnífica frase inicial de Cem Anos de Solidão: «Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo.»

Nem uma palavra inútil. Apenas um adjectivo. Os nossos cultores de redundâncias logo enfiariam ali um possessivo a martelo: «O [seu] pai.» Tornou-se erro corrente. 

 

O mesmo sucede com a locução «hoje em dia», exemplo muito comum de desperdício vocabular. Está tudo dito no advérbio inicial - o resto só acrescenta ruído. Ou com a partícula enfática «é que», admissível na linguagem oral, sobretudo na forma interrogativa, mas sem préstimo na escrita excepto se reproduzirmos diálogos.

«É que hoje em dia chove mesmo muito pouco.»

Nesta frase agora inventada por mim encontramos três dos erros estilísticos que anotei. Costumo encontrá-los com frequência em prosa de gente que pretende escrever bem. Até em ficcionistas muito em voga, que vão conferindo argumentos de autoridade a quem "acha" que escrever é só alinhar palavras.

Podem "achar". Mas acham mal.

Poetisa, pitonisa

Pedro Correia, 13.08.22

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Concordo em absoluto com o que aqui assinala Francisco Seixas da Costa: «A propósito da morte da escritora Ana Luísa Amaral, notou-se o cuidado da imprensa em qualificá-la de “poeta” e não de “poetisa”. Acho, em absoluto, ridícula esta tendência recente de fugir ao uso da palavra “poetisa”, como se ela pudesse ofender a qualidade literária de uma mulher que escreve poemas.»

Em evidente sintonia, recordo o que escrevi em 2019 no DELITO: «Indigno-me com este absurdo banimento da palavra poetisa - sempre a associei a pitonisa - que alguns adoptaram, correndo desenfreados atrás da norma brasileira.»

Indignação hoje mais reforçada. Pela notória perseguição a este «belo substantivo feminino agora escorraçado do discurso cultural dominante, que designa homens e mulheres pela palavra poeta, na reiterada tentativa - que em certos casos deriva para obsessão ideológica - de esbater diferenças de género» (perdoem-me outra autocitação, mas vem mesmo a propósito). 

Pensamento da semana

Pedro Correia, 24.07.22

N'Os Lusíadas, Camões utilizou 9160 palavras diferentes. Há pouco mais de um século, um compatriota culto poderia conhecer cerca de dez mil palavras. O vocabulário-padrão dos escritores actuais está reduzido a metade disso enquanto um português médio não domina mais de um milhar de vocábulos. 

A contínua compressão lexical empobrece não apenas a capacidade de expressão, mas o próprio pensamento. No limite, torna-nos menos livres.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

Os palavrões do costume

Pedro Correia, 09.07.21

Vejo um debate na RTP. E lá surgem, em catadupa, os palavrões do costume: "janela de oportunidade", "novo paradigma", "sustentabilidade", "rating", "despesismo", "alavancagem", "efectivamente".

Chego cansado ao fim do programa. E não é por causa da crise: é por causa deste palavreado tecnocrático que a toda a hora nos invade o domicílio, através da televisão, transformando o nosso belo idioma num linguajar insuportável.

Interrogo-me: serei só eu a pensar assim?

Porto, Portugal, República Portuguesa

Pedro Correia, 17.06.21

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Anteontem escrevi aqui um postal estranhando que toda a gente tenha de repente começado a chamar "Países Baixos" à Holanda - pelos vistos a mais recente palavra interdita do Índex dos novos tempos.

Esta moda inunda todo o discurso mediático, escrito e verbal. Como se dizer Holanda fosse pecado.

 

A minha perplexidade deveu-se a isto: percebi que tal designação se havia tornado proibida quase da noite para a manhã. Ao ouvir transmissões desportivas, com narradores a repetirem "Países Baixos" mais de cem vezes num simples jogo de futebol. Como não há gentílico adequado à nova terminologia e o vocábulo "holandês" está igualmente interdito, todos repetem "Países Baixos" até à náusea. Podia ser uma expressão bonita, mas não. Dificilmente haverá algo tão inadequado para designar um país, à luz do nosso imaginário onomástico.

Pus-me a pensar nesta aparente irrelevância e concluí que vivemos cada vez mais mergulhados em novos interditos e numa rede interminável de microcensuras. A tal ponto que nem damos conta. E quase sempre sem entendermos porquê.

 

Conheço vários holandeses: nunca me apercebi que sentissem o mais leve incómodo por serem designados assim. Dizem-me algumas almas mais zelosas, nesta caixa de comentários, que a mudança se justifica para evitar a confusão entre a Holanda - que é apenas uma parcela do reino neerlandês - e o Estado que faz fronteira com a Bélgica e a Alemanha.

A explicação confunde mais do que esclarece. Desde logo, o nome oficial desse país é Reino dos Países Baixos. Habitado por... holandeses. Esqueceram-se de inventar um gentílico para adequar uma coisa à outra.

Depois, se a moda pega, resta-nos concluir que andamos todos desactualizados. Pois deixemos também de chamar Suíça à Confederação Helvética - nome oficial desse país. E de chamar Grécia à República Helénica - outro nome com chancela oficial.

Os suíços serão helvéticos, os gregos serão helénicos.

E os holandeses? São... holandeses.

 

Ainda pela mesma lógica, qualquer dia Portugal deixa de se chamar Portugal. Pois deriva de Porto, que é apenas uma pequena parte de Portugal.

Portugal, aliás, não se chama Portugal. Chama-se oficialmente República Portuguesa.

Porque não haveremos então de denominá-la assim na linguagem corrente?

 

 

ADENDA: Uma palavra de merecido elogio ao Luís Freitas Lobo, que hoje, comentando em directo o jogo Holanda-Áustria na Sport TV, utilizou sempre a palavra interdita, rejeitando o Índex. Espero que não seja penalizado por isso.

Desde já uma das palavras do ano

Pedro Correia, 13.04.21

Assim medra a novilíngua

Pedro Correia, 18.05.20

 

O novo normal que nos espera

Recuperação da economia: o "novo normal"

O novo normal nos hotéis e unidades de enoturismo

O novo normal em educação

A pandemia e o "novo normal" da distopia

 

Vivemos no reino dos eufemismos. Passamos o tempo a inventar expressões para não ferir susceptibilidades alheias. A cada passo que se dá, em cada calhau onde se tropeça, logo surge alguém aos berros, reivindicando reparação pública. 

De repente, a linguagem comum encheu-se de interditos. Patrulhas ideológicas fiscalizam a todo o momento o que dizemos, condicionando a comunicação verbal, lançando anátemas sobre inúmeros vocábulos de uso corrente e assumindo-se como poder fáctico, enquanto polícia do pensamento. 

Assim nasce e medra a novilíngua - cheia de contorcionismos semânticos, cada vez mais desligada da realidade. O mais recente é também o mais ridículo: "novo normal". Dois adjectivos que alguns pretendem elevar a substantivo. Para ocultar o significado, que é de teor oposto. 

A moda pegou - e eis que esta aberração lexical já vai sendo papagueada de boca em boca, até por jornalistas credenciados na condução de telediários. Numa espécie de mote destes tempos de linguagem fofinha e neutra, politicamente correcta: se a realidade perturba, logo se inventa um suave antónimo para a designar. 

O que em nada altera os factos, na sua evidência iniludível. Anormal. Bastam sete letras.