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Delito de Opinião

O que diz Alexandra Leitão

Pedro Correia, 21.03.23

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Parecem frases de alguém da oposição, mas foram proferidas por uma deputada socialista: Alexandra Leitão. Anteontem, domingo à noite, naquele programa de debate da CNN Portugal onde também surge José Pacheco Pereira, incapaz de esboçar uma criticazinha que seja ao seu amigo António Costa. Ele lá saberá porquê.

 

O que diz Alexandra Leitão?

Isto:

«O que temos claramente é uma situação em que quem parece contribuir para a inflação é quem compra. Ou seja, aqueles que vivem essencialmente do seu trabalho e estão há muitos meses a perder poder real de compra.»

«O que me preocupa é estarmos numa situação em que os preços da alimentação continuam a crescer a um ritmo muito superior à inflação média. As pessoas sentem cada vez mais necessidade em adquirir [apenas] o cabaz básico. Os salários em Portugal cresceram só 1,1% no último trimestre, isto significa que temos hoje menos justiça social do que há um ano.»

«Se há mais arrecadação fiscal, se também pelo lado da oferta o Estado tem vantagens com este aumento da inflação, então os salários deviam começar a aumentar.»

 

Felizmente há vozes lúcidas no PS. Esta é uma delas.

Anntónio Costa deve detestar ouvi-la. Mais um motivo para eu a apreciar.

A antevisão do derby do próximo dia 30

Paulo Sousa, 23.12.21

- Já viram estas subidas de preços? Agora é que vão começar as dores! - Disse o dono da loja, já velhote.

- Isto já não pode piorar mais! Só se começarem aí a matar velhos de empreitada! - Respondeu o cliente que teria a mesma idade e, como o comerciante, usava a máscara por baixo do queixo.

- Estás-te a queixar de quê? Tu é que gostas deles, vai à gaita.

Nesta altura já dava para entender que eram vizinhos e conhecidos de há muito.

- Epá, sempre gostei do PS, o que é que queres? Em minha casa somos todos do Sporting, menos a patroa que é do Benfica. Temos de respeitar.

- Pois, mas gostas tanto deles e estás a dizer que isto está mal. És um palerma! – Respondeu dando um murro no balcão de vidro.

- Sou palerma, mas nunca votei no CDS como tu!

- Votei CDS, mas foi para a Junta, e foi porque o Nabais estava na lista. E tu votaste no Sócrates, homem! – respondeu o comerciante, enquanto levantava as mãos acima dos ombros, como os sacerdotes na eucaristia.

- Mas olha que só voto no Costa se ele me der os vinte euros de reforma que me tiraram.

- Ah, então vendes o teu voto por vinte euros, e dizes que isto já não pode piorar.

Nesta altura entrou em cena um vernáculo estreme de conotações sexuais, que aqui não reproduzirei, e que não ajudou a clarificar a discussão.

Ainda fiquei mais uns momentos, mas como vi que não iam entrar em vias de facto, desejei umas Boas Festas a todos e fui saindo.

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Uma conversa muito próxima desta decorreu hoje numa loja muito antiga no centro histórico de Leiria. Para quem procurar um Walkman da Aiwa, posso dar a morada, porque ainda têm um no inventário.

Com uma oposição destas...

Sérgio de Almeida Correia, 22.07.21

"No âmbito da saúde, senhor primeiro-ministro, que fique claro: nós, PSD, somos fundadores do Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Estamos no SNS. E senhor primeiro-ministro, não é uma questão ideológica, é uma questão prática. É uma questão de sentido prático das coisas."

"Na realidade, a 28 de junho de 1979, em votação final global na Assembleia da República, o Projeto de Lei 157/I/3 que estabeleceu as Bases do Serviço Nacional de Saúde (SNS) - da autoria de António Duarte Arnaut (PS), Mário Soares (PS) e Francisco Salgado Zenha (PS), tendo sido comummente denominada como "Lei Arnaut" em referência a um dos proponentes - foi aprovado com os votos a favor dos deputados do PS, PCP e UDP (além do independente José Justiniano Pinto), apesar dos votos contra dos deputados do PPD (atual PSD) e CDS (além de uma série de independentes)."

E que tal um pedido de desculpas? Que diabo, ele ainda não é ministro, não precisava de acelerar tanto.

E ao fim destes anos todos, com o que vemos por aí, não haveria quem não compreendesse a sua falta de preparação e a necessidade de retractação. 

O barbilho social

Paulo Sousa, 20.05.20

Os camponeses, depois do trabalho, sentam-se junto do balcão, apoiam os cotovelos no mármore da mesa, e ouvem. As palavras fatigam.

Já há duas horas a despejar copos de vinho, o Barbaças olhando para os demais, todos envergando a máscara dita social, abriu a goela e disse a rir:

- Agora andam todos com um barbilho!

(...) um homem que saiba atirar com uma frase bem recheada e oportuna preenche uma hora de cogitações.

 

Os excertos são parte d'O trigo e o joio de Fernando Namora. O Barbaças, além de personagem dessa obra, é aqui a designação fictícia de um meu conterrâneo que além de recusar usar a máscara dita social, insiste em gozar com quem a usa.

Importa acrescentar que o barbilho, o original, é um objecto em vias de extinção usado nas vacas para as impedir de comer durante o trabalho, e cujo nome e utilidade apenas é conhecida pelos mais antigos.

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País real e prioridades legais

Pedro Correia, 20.02.20

Como manter a sanidade mental

Ana Vidal, 04.12.12

 

Podemos cortar os pulsos, é uma opção como outra qualquer e nem sequer muito descabida, nos tempos que correm. Ou podemos - eu vou preferindo fazê-lo, pelo menos enquanto puder - tentar manter a sanidade mental, talvez a ferramenta mais útil à sobrevivência para quem tem princípios (para quem não os tem, é sabido, a caixa de ferramentas é muito mais variada). Sem sanidade mental não há lucidez. E sem lucidez não há soluções, pelo menos para mim.

 

Cada um tem as suas defesas, as suas próprias receitas. Há quem se agarre furiosamente ao futebol ou a uma seita evangélica (a trip é a mesma, o ópio é que muda), quem deixe a casa de família e se mude de vez para as redes sociais, quem desligue a televisão para não ver os telejornais nem os programas da Fátima Campos Ferreira, quem mate o patrão, quem faça hortas ecológicas na marquise ou na rotunda mais próxima, quem abrace o despojamento de uma vida zen aproveitando o facto de ter sido despojado de tudo o que gostava, quem se dedique à pesca, quem encontre refúgio na astrologia, quem se entregue ao prozac.

 

Por mim, escolho o humor. Não falho a Britcom, revejo velhos filmes dos Monty Python e leio as crónicas do Ricardo Araújo Pereira. Estou tão pobre e tão tramada como a maioria dos portugueses, mas ainda consigo sorrir. Entretanto, vou pensando.

 

(Nota: Tudo isto, claro, para quem acha importante manter a sanidade mental. Os mais espertos há muito que a dispensaram.)

À atenção dos gurus da economia

Ana Vidal, 19.11.12

 

«Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava, embora sob a forma de vago desejo, no espírito do povo; a criação do estado de alma aparece-nos assim como bem mais importante do que o articular dos decretos».

(Agostinho da Silva, in Textos e Ensaios Filosóficos)

Para acabar de vez com a cultura? (3)

Ana Vidal, 11.07.12

 

Quando perguntaram a Churchill quanto cortaria na cultura em nome da austeridade, a resposta foi esta: "Nada! Se cortássemos na cultura, o que nos faria lutar a seguir?"

 

Em Portugal, a verba para a cultura não chega sequer a 1% do Orçamento de Estado. Dispensamos um Ministério (bah, para que servem essas esquisitices?) e mesmo a Secretaria de Estado deve estar em hibernação prolongada, porque nunca mais deu notícias. Obcecados com a austeridade, os nossos governantes parecem não perceber uma coisa tão simples como isto: um país sem uma sólida identidade cultural e um ensino de qualidade não pode evoluir, não tem futuro. Muito menos numa Europa agonizante e dominada pelos gurus da economia. Talvez seja esta, afinal, a explicação para a nossa tão falada imobilidade: não temos por que lutar.

 

Nota: Eu sei, Woody, passo a vida a roubar-te os títulos. Desculpa lá o abuso.

 

Adenda: Nem de propósito, este impressionante desabafo que encontrei aqui. Sintomático.

— Quer factura?

João Carvalho, 25.11.11

 

Há poucos meses, no Porto, acompanhei um amigo a uma repartição de Finanças, onde aguardámos até podermos chegar ao balcão e ele perguntar que procedimentos devia tomar para qualquer coisa de que não me lembro e não vem ao caso.

O funcionário, de meia idade e com bom ar, prestou-lhe as informações devidas e confrontou-o com a necessidade de preencher e entregar em determinado prazo uma porção de impressos. O meu amigo pediu esses impressos todos, o funcionário fez uma conta breve e disse-lhe quanto tinha de pagar.

Já com os impressos na mão e enquanto aguardava o troco, o meu amigo foi também pedindo uma factura da despesa que estava a fazer.

Quer que lhe passe factura? – perguntou escusadamente o funcionário, com espanto indisfarçado e impaciência contida.

Não creio que fosse preciso repetir, mas o meu amigo confirmou que queria que lhe passassem uma factura.

Uma vez na posse dos impressos e mais a factura, deixámos o balcão e dirigimo-nos para a porta da rua. Foi quando vi, colado ao vidro da parte de dentro e escrito em parangonas, com todas as letras maiúsculas e em quatro linhas: «Peça a factura se faz favor. Facturar faz o País avançar.» Deu para entender por que é que o País não avança.

O País nas capas dos jornais

Pedro Correia, 20.10.11

Imigração é…

Ana Lima, 12.07.11

Uma porta que se abre para um corredor completamente vazio onde as paredes já tiveram cor mas que agora se limitam a acentuar a escuridão.

Portas fechadas que dão para divisões que afinal são casas, onde as camas são os quartos e os fogões as cozinhas.

Um espaço comum, ao fundo, despido de tudo, com um só banco.

Um homem sentado nesse banco segurando um prato numa mão e um garfo na outra.

A solidão desse homem que faz a sua refeição pensando talvez em algum sítio muito, muito longe.

Para acabar de vez com a cultura

Ana Vidal, 25.06.11

 

Leio no Expresso de hoje que a ex-Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, recusou reunir-se com o novo Secretário de Estado da Cultura para a protocolar passagem de testemunho, com o argumento de que "ministro não passa pasta a secretário de estado". Para além da arrogância expressa nesta atitude (tiques do governo anterior, aprendidos com o mestre?), pergunto que direito tem um ministro demissionário de decidir isto assim, de ânimo leve. Concorde ou não com a nova fórmula encontrada para a cultura pelo actual governo, o acto da passagem de pasta não é opcional. Gabriela Canavilhas tem de cumpri-lo, porque a isso a obrigam, para além da mais elementar educação, a natureza das funções que aceitou. E, convenhamos, tanta superioridade não corresponde sequer à realidade: que me lembre, a ex-ministra não deu à cultura portuguesa, para além de uma imagem gráfica pessoal notável (que não é mérito seu), nada de relevante. O importante não é o nome do cargo, mas o que se faz com ele.

Bem-vindo à cultura, Francisco José Viegas, seja com que título for. Mudanças precisam-se, urgentemente. A começar na atitude.

 

(Obrigada, Woody, pelo empréstimo do título deste post)