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Delito de Opinião

Na estação da queima

Teresa Ribeiro, 17.08.15

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Para não variar, neste Verão os incêndios florestais multiplicaram-se de forma aflitiva. A estas calamidades pendulares costuma seguir-se o folclore das promessas dos governantes em como vão tomar medidas, sobretudo no que respeita à prevenção, mas este ano, apesar da área ardida ser muito superior à do ano passado, ainda não ouvi um sussurro por parte do governo.

Lembro-me de que em tempos prometeram pôr militares a vigiar as florestas. Pareceu-me uma boa ideia, mas pelos vistos destinou-se, como tantas outras, a fazer notícia. Em vésperas de eleições o que menos interessa aos responsáveis pela saison da queima 2015 é prestar contas. A comunicação social, convenhamos, tem sido um amor, poupando a coligação a explicações. Mas no sábado Marques Mendes surpreendeu-me com uma enorme censura à manifesta incapacidade de o governo zelar sequer pelas áreas protegidas, que estão sob a alçada do Estado.

A incúria, quando atinge elevadas proporções, é crime. Não sei como é que ainda existe país para arder.  

Longe do futuro

Teresa Ribeiro, 19.10.13

Mãe, eu sei que não vais gostar de ouvir isto, mas se eu me der bem por lá, não volto. A voz dele, cada vez mais aguda, a ajustar-se a um miúdo de bochechas e cabelos louros, anelados. Não quero ficar toda a vida a marcar passo. Tão bonito que as pessoas na rua até se viravam para o ver melhor. A ganhar uma miséria. Podia ser o que quisesse, revelaram anos depois os testes vocacionais. Bonito, inteligente e saudável. Uma benção. Um orgulho de que se podia morrer.

Daqui a seis meses, quando acabasse o contrato o mais certo era não mo renovarem só para não terem de me meter no quadro. Podia ser o que quisesse, mas gostava era de filosofia e de música, duas vocações bonitas. Não dá para continuar nesta indefinição. Duas vocações de alto risco. È impossível, mãe. Trocou-as por uma carreira mais viável, de que aprendeu a gostar. Mas é impossível, mãe nem assim.

Quando ele nasceu, tão bonito, sentiu que a partir daquele dia aguentaria tudo desde que pudesse, pela vida fora, continuar a vê-lo sempre.

Uma ferida aberta

Teresa Ribeiro, 19.08.13
Já vai com uns dias de atraso, perdoem-me, é da arritmia do Verão, mas não resisto a citá-lo, porque põe o dedo no ponto em que mais dói nesta ferida em que se transformou a nossa democracia:
 
"Era necessário que todos os partidos, ou alguns deles, fizessem sacrifício das suas posições partidárias e dos seus interesses, e não o fizeram. Tendo, todavia, exigido que os portugueses ganhassem menos, pagassem mais impostos, ficassem desempregados, tivessem problemas muito sérios do ponto de vista social, económico e financeiro".

 A convicção de que "o interesse nacional é igual ao do partido" terá um preço.

 

"Isto paga-se, no longo prazo, no médio prazo, paga-se. Quase ninguém respeita os políticos, os partidos políticos, a não ser as tribos, a tribo do PS, a tribo do PSD, a tribo do CDS, a tribo do Bloco ou do PC, [que] respeitam o seu partido, como as claques de futebol". - António Barreto à Lusa, via Jornal de Negócios

Sócrates

Patrícia Reis, 27.03.13

Sócrates parou o país. Literalmente. O telejornal foi um preview da entrevista e pouco mais, como se nada de interessante se passasse no mundo (Obama entregou as secretas a uma mulher? Será notícia? Sismo nas Caraíbas? Adiante...). José Rodrigues dos Santos fez uma espécie de crónica/comentário. A grande reportagem eram os contra e os a favor do ex primeiro-ministro às portas da RTP. Até no Japão, Paulo Portas foi incomodado com a entrevista - o fim do silêncio! - de Sócrates. Respondeu inteligentemente, como é seu timbre, e foi à vidinha e fez muito bem. Os dois entrevistadores, um deles sub director de informação, especialista em economia, não acertaram nos números e não tinham capacidade para... bom, para entrevistar um homem que, para todos os efeitos, anda há muitos anos a virar frangos nesta coisa da política e que, tendo repetido a palavra "narrativa" até à exaustão, arrasou o Presidente da República e nem mencionou o nome do primeiro-ministro (leia-se: não lhe deu importância, simplesmente, o que só prova a falta de carisma que o primeiro-ministro em funções exala). Citou Dante. O meu filho comentou: ena pá, o homem é cultural.

A seguir juntaram-se não sei quantos comentadores - não sei se pro bono, mas que importa isso depois do Sócrates ter dito que "tomava a palavra" a convite e sem receber um tostão? - para falar e analisar a entrevista. Portanto, mais uma vez, Sócrates parou o país. Só conheço outra situação similar: um jogo Benfica-Porto ou Benfica-Sporting.

Para acabar de vez com a cultura?

Ana Vidal, 11.01.12

Não é que eu esperasse muito da Lusa, mas aqui está mais uma prova de como os critérios editoriais têm vindo a mudar em Portugal nos últimos anos. Admito, por razões orçamentais, que sejam fundidas as secções "lusofonia" e "internacional" numa única editoria, mas que se extinga liminarmente a de "cultura", passando os seus elementos para a de "sociedade", diz tudo sobre o que é realmente importante para quem escolhe as notícias que nos faz chegar. Espera-nos, provavelmente, uma cultura cor-de-rosa.

 

Uma sociedade que desvaloriza a cultura - a sua e a dos outros - não vai longe, nunca. 

 

Nota: Woody, passo a vida a citar-te. Desculpa lá o abuso.

Austeridade

Ana Vidal, 14.11.11

 

Para trás, maledicentes de serviço! Não é verdade que os deputados estejam imunes à austeridade nacional. Confirma-se que já nem sequer almoçam, coitados. Como sei disso? Simples: é a única explicação para estarem acordados durante o discurso do Ministro da Economia. Não fora esse imperativo de contenção e o som mais ouvido na assembleia, esta tarde, seria o ressonar em uníssono de 230 criaturas, com o maestro Álvaro na batuta.

Acreditar

Ana Vidal, 22.06.11

 

Gosto da "pinta" da nova Presidente da Assembleia da República. Não por ser mulher - não subscrevo o facilitismo das quotas, que sempre me irritou e reduz as mulheres a uma condição de favor - mas por me parecer uma Mulher de fibra. Tempos difíceis requerem escolhas arrojadas. É preciso reagirmos, e eu começo lentamente a sair do meu cepticismo dos últimos anos. Há uma nova esperança no ar, é inquestionável. Uma espécie de alívio colectivo. Sócrates deixou atrás de si um país profundamente devastado, não só nas finanças como, muito pior do que isso, na sua capacidade de acreditar. Toda a classe política - da direita à esquerda - sofreu, por arrasto, uma desconfiança generalizada. São feridas abertas na auto-estima, já de si tradicionalmente frágil, de um povo que tende sempre para o desânimo e para a apatia. Mas, se olharmos a História, veremos que sempre fomos capazes de "virar a mesa" e surpreender. Sempre in extremis, é certo, mas acabamos por fazê-lo. Quero acreditar que o faremos de novo, agora que a própria soberania está em causa. E, para isso, nada melhor do que um governo de gente nova, plural, com poucos vícios de gabinete e com garra para enfrentar os tempos duríssimos que aí vêm. Tenho pena de que não inclua um socialista, mas talvez isso já fosse pedir de mais. Seja como for, há uma subtil nuance na composição deste governo que me anima, para além da juventude óbvia e do consensual reconhecimento de competências: pela primeira vez em muitos anos, os novos ministros não me parecem patinhos a nadar em fila indiana atrás de uma "mãe" protectora. A sensação que me dão é a de tencionarem, depois dos inevitáveis bailados nupciais, ir cada um à sua vida e às suas tarefas, sem euforias e sem esperar por aplausos e prémios. Não haverá período de tréguas. Aceitaram uma missão quase impossível e sabem-no, por isso só podem atirar-se-lhe de cabeça, com a fé dos resistentes. Desta vez precisamos mais de bons e firmes executantes do que de uma liderança forte. Essa já existe, quer queiramos ou não, e chama-se troika.

 

Gosto muito de uma frase de Jean Cocteau que sempre orientou a minha vida: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez". É o lema que desejo a este diminuto grupo de bravos que terá pela frente os doze (ou mais) trabalhos de Hércules, num caminho que será muitas vezes solitário e sem margem para desvios. E desejo-lhes sorte, que é o mesmo que desejá-la para mim.

La grande bouffe

Ana Vidal, 27.10.10

E de repente rebenta a bomba: Catroga e Teixeira dos Santos abandonam a meio os bailados nupciais, depois de um curto e atribulado namoro. É a ruptura, o divórcio litigioso antes mesmo do casamento que nunca passou, afinal, de uma ténue promessa. O circo mediático monta a tenda num ápice e esfrega as mãos de contente com a profusão de notícias frescas que tem pela frente. Multiplicam-se os directos, as entrevistas, as esperas em corredores entrecortadas de palavras ocas para encher chouriços enquanto não chega o carrasco ou a vítima, conforme o ponto de vista. Peroram os comentadores e analistas de circunstância em todos os programas de todos os canais de televisão, antevendo o implacável tsunami que nos espera a todos, caso não seja aprovado um orçamento igualmente implacável, que evitará o mal para nos fazer morrer da cura. Muda-se os cenários para tudo parecer ainda mais apelativo e catastrófico, e até o habitualmente sereno jornal da 2 alinha na esquizofrenia geral e passa a usar um formato agressivo de concurso, com o convidado sentado e a pivot de pé atrás de um balcão, como se estivesse a servir-lhe umas bejecas e um prato de tremoços. A Bolsa cai, as bolsas esvaziam-se a uma velocidade estonteante. As empresas públicas anunciam, revirando os olhos de santidade, as suas pias medidas de contenção, depois de terem abastecido as despensas e as garagens nos últimos anos, a preparar os tempos difíceis. Antecipa-se emoções para as oito da noite - como se o país suspendesse a respiração, todos os dias, até essa hora - prometendo conferências de imprensa e debates sortidos ao gosto do freguês. Cada político puxa dos galões para acusar os outros - quaisquer outros, desde que não lhe toque alguma responsabilidade - de todos os males que nos assolam, como se a peste negra tivesse chegado de improviso, sem nos ter acinzentado primeiro até ao tutano. Tira-se dividendos políticos (há quem os tire financeiros também, com toda a certeza) enquanto o circo não pega fogo, ou melhor, enquanto não fica tudo em cinzas. Os monárquicos aproveitam para gritar aqui d'el rei que a república é que tem a culpa de tudo, enquanto a república afina estratégias eleitorais no meio do caos, baralhando ainda mais os confusos figurantes deste carnaval tragicómico. E o tuga, exausto e saqueado, que já não acredita no Pai Natal nem na Branca de Neve vai para muito tempo, corre a pegar no comando da televisão para refugiar-se na Casa dos Segredos e meter na veia, embalado pela voz maviosa da Júlia Pinheiro, a doce anestesia de mais uma dose escaldante de meia dúzia de criaturinhas suburbanas entregues às hormonas e à perversão de outra Voz que as transforma em marionetas inconscientes, pobres ratos às voltas numa gaiola forrada a pelúcia. E assim nos vamos afundando alegremente, ou já nem isso.

 

Toda a tristeza é reaccionária*

Sérgio de Almeida Correia, 26.09.10

Qualquer análise da situação política, que queira revelar um mínimo de bom-senso e sentido das realidades, terá de partir de duas constatações. A primeira é a de que os dois principais partidos se têm comportado muito mal, em especial os seus líderes. A segunda é a de que a situação do país obrigaria a que o PS e o PSD fossem capazes de encontrar internamente soluções de governabilidade a curto e médio prazo, coisa para a qual, entre outras, se têm revelado profundamente incompetentes.

O uso do bluff como arma política já se viu que traz resultados ainda mais nefastos do que aqueles que o bluff de que se fez uso visava acautelar, coisa de que nem Passos Coelho nem José Sócrates, inebriados com a luta política, ainda não se aperceberam. Os líderes do PS e do PSD transformaram o dia-a-dia do país num imenso jornal de parede maoista, agravando a situação de descontrolo interno e a transmissão para o exterior de uma imagem de total incapacidade, ineficácia e desgovernança, com reflexos directos e imediatos nos nossos credores e mutuantes externos.

Não vou perder tempo a analisar as declarações confrangedoras dos directórios de cada um dos dois maiores partidos, uma vez mais assinalando a indigência dos seus principais dirigentes e porta-vozes, pobreza que é já do domínio do absurdo e que se revela na incapacidade desses partidos para contrariarem o rumo dos acontecimentos e levarem as respectivas direcções a rectificarem posicionamentos anedóticos, como se os congressos fossem os únicos momentos na vida de um partido político em que se podem corrigir trajectórias, analisar estratégias e promover mudanças.   

Fez bem, por isso, o Presidente da República ao convocar os líderes do PS e do PSD para conversarem em Belém. Esta é uma oportunidade de ouro para Cavaco Silva, mais do que relançar a sua recandidatura, que não é isso que está em causa, chamar à razão José Sócrates e Passos Coelho. Neste momento o país tem de estar primeiro, não sendo de todo aceitável o desconchavo retórico de que os líderes do PS e do PSD têm dado mostra. Como cidadão sinto-me envergonhado pelo que tenho visto e ouvido de um lado e do outro, directamente ou por interpostos porta-vozes.

É inaceitável, para qualquer pessoa decente e qualquer que seja o posicionamento político de cada um e o critério que seja seguido na análise, que a despesa do Estado não esteja a ser reduzida para valores consentâneos com as dificuldades que atravessamos. Só isso justifica que o conselho de administração de uma empresa como as Águas de Portugal se tenha atrevido a pensar comprar ou alugar mais umas centenas de viaturas novas para os seus colaboradores.

Como é inaceitável que o ministro Teixeira dos Santos continue a afinar o seu discurso pelo diapasão do primeiro-ministro, em vez de acontecer o inverso. Não devia ser necessário dizer isto, mas é cada vez mais necessário que tal seja dito sob pena de nos transformamos todos nuns autómatos das lideranças medíocres dos partidos do arco da governação.

Se o exercício da cidadania é compatível com a militância partidária, se esta é uma forma daquela se realizar em toda a sua plenitude, então é imperioso que sem rodeios, sem medos, sem receios da pequenez de alguns, sejamos capazes de dizer alto e bom o que nos vai na alma. Não se veja nisso um exercício egocêntrico ou uma manifestação de rebeldia quando o nosso primeiro dever de cidadania é o de expressarmos com lealdade, vigor e clareza o nosso posicionamento perante as dificuldades, apontando caminhos e soluções.

As questões técnicas relativas ao orçamento deixá-las-ei para quem domina as minudências da matéria. Aqui, visto que nesta altura já todos terão entendido aonde quero chegar, limito-me aos aspectos políticos, sendo certo que com isso não quero dizer que não tenha opinião sobre aqueles. Uma coisa é ela ser descartável, outra é não a ter.

Gostaria, por isso mesmo, de esclarecer-vos que entendo ser dever do Governo apresentar um orçamento suficientemente sólido e credível que, sem onerar ainda mais os portugueses que pagam impostos, consiga acalmar os nossos credores, incutindo-lhes confiança e, ao mesmo tempo, de uma vez por todas, dê uma machadada no défice, reduzindo de forma drástica a despesa pública. Sem sofismas, sem subterfúgios, sem espertezas saloias.

Perante as posições recentemente assumidas pelo PSD, cuja mediocridade dos respectivos dirigentes (é triste, muito triste ter de dizê-lo) impede que o partido possa ser considerado alternativa neste momento de crise – olhando para Passos Coelho dir-se-ia que Pedro Santana Lopes ou Manuela Ferreira Leite foram estadistas –, impõe-se que José Sócrates e o PS dêem uma resposta – sem bluff – aos problemas do país. Este não é um tempo para o PS se deixar envolver em escolinhas, em cursos de línguas por correspondência ou novas mini-tecnologias. É tempo de arregaçar as mangas e mergulhar na realidade, aproveitando o saber dos seus quadros e o élan que Manuel Alegre lhe pode conferir neste momento. Para recuperar a confiança, endireitar as contas e cumprir as suas obrigações para com os portugueses.

Não se trata de entrar numa batalha em defesa do estado social – o estado social tem mecanismos de defesa e reacção que dispensam neste momento novos apoios e declarações de circunstância -, mas antes de conferir credibilidade à governança e à imagem externa de Portugal.

Se o PS não encontra no PSD um interlocutor competente e sério para ajudar a resolver os problemas do país, é bom que encontre outras alternativas. E não que entre no jogo do seu opositor. Os portugueses não lhe perdoariam que numa altura destas se entretivesse a discutir seleccionadores de futebol, mudanças de embaixadores petulantes ou guerras de sacristia. A resolução dos problemas do país não pode em momento algum ser confundida como uma guerra de “jotinhas”.

Talvez por saber disso é que Paulo Portas, numa excelente entrevista ao Expresso, aliás a anteceder uma outra que dará a um canal de televisão na próxima terça-feira - o ser 28 de Setembro não a confundirá com a triste maioria silenciosa que acabaria exilada em Macau no "segundo terço da transição" do território para a China -, com peculiar sentido de oportunidade (não é o mesmo que oportunismo, coisa que ele também tem), se “esqueceu” de esclarecer se o CDS estava disponível para viabilizar o OE, limitando-se a dizer que “é importante ver que neste momento o PSD é identificado com normas constitucionais abstractas e o CDS é identificado com políticas públicas concretas, como a segurança, justiça, agricultura, impostos, saúde ou educação”.

Quando estamos prestes a celebrar os cem anos da proclamação da República, gostaria de vos dizer que dificilmente encontraria mais actualidade nas palavras de qualquer outro do que em Fernando Pessoa. Seria bom que amanhã, quando estas linhas forem lidas, os leitores não se esqueçam que “foram escritas num época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstracta dos sistemas. A angústia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso do seu valor científico”.   

Espero que José Sócrates tenha lido a mesma entrevista que eu li. Com a mesma atenção. E que tenha reflectido um pouco nela. Neste momento não está em causa a compra de submarinos. Além de que sempre será melhor abrir as portas para resolver os problemas do país do que fazer uma espargata para acabar crucificado nas presidenciais.

 

O País é maior do que o PS. E vale a pena.

 

* - Fernando Pessoa, Sobre a República

Com juízo, sff

J.M. Coutinho Ribeiro, 26.05.10

Com a crise económica e financeira instalada, formulo votos para que nenhuma crise política abale Portugal nos próximos tempos. Seria o caos. Não por mais nada, mas porque temo que pudesse contribuir decisivamente para abalar o empenhamento, a classe e as ambições da selecção portuguesa de futebol que, como todos já perceberam, vai à África do Sul com expectativas altas, talvez, até, para trazer a taça. Os portugueses, que já entraram em contagem decrescente para a mini no sofá em frente da tv e já estão com o país a meio gás, não perdoariam e ficariam de ânimo arrasado. Por causa do insucesso da selecção, claro. E poderiam, até, revoltar-se. Não é caso para menos. E, sim, seria a verdadeira crise. Concentremo-nos, por isso, no essencial: enquanto houver campeonato do mundo, esqueçamos a crise. 

Honra - um conceito ultrapassado

Ana Vidal, 28.04.10

Recebi ontem, por mail, o texto que aqui partilho. É escrito na primeira pessoa e a história é comprovadamente verdadeira. Antes que me caia o mundo em cima, aqui fica também uma declaração de princípios: não, não sou saudosista, não suspiro por um novo Salazar nem a figura do próprio me foi alguma vez particularmente simpática. A conquista da democracia é para mim um valor inestimável e, espero, sem retorno. O que me parece importante destacar neste texto é a atitude de um país perante os seus compromissos, que mudou radicalmente em tão pouco tempo. Bem sei que as alterações de fundo na posição de Portugal perante o exterior são enormes desde então, que o facto de pertencermos a uma comunidade económica mudou definitivamente as regras do jogo e que deixámos de ter capacidade para tomar posições isoladas. Apesar dessa inevitável perda de autonomia, não hesito em afirmar: ainda bem que já não estamos "orgulhosamente sós". Mas a verdade é que, pelo caminho, entre as muitas vantagens que ganhámos, alguns princípios fundamentais se perderam. Um deles, para mim o mais importante, é a "velha" noção de Honra. Como se constata pelas escandaleiras nacionais que nos invadem diariamente, em que até as instituições mais sagradas são postas em causa e perderam todo o prestígio, a Honra - tanto a nível particular como colectivo - transformou-se num conceito ultrapassado. Por isso deixo aqui este testemunho, que transcrevo na íntegra, memória de algum conforto nos dias lamacentos e ameaçadores que atravessamos.

 

«Corria o ano da graça de 1962. A Embaixada de Portugal em Washington recebe pela mala diplomática um cheque de 3 milhões de dólares (em termos actuais algo parecido com € 50 milhões) com instruções para o encaminhar ao State Department para pagamento da primeira tranche do empréstimo feito pelos EUA a Portugal, ao abrigo do Plano Marshall.

 

O embaixador incumbiu-me – ao tempo era eu primeiro secretário da Embaixada – dessa missão.

 

Aberto o expediente, estabeleci contacto telefónico com a desk portuguesa, pedi para ser recebido e, solicitado, disse ao que ia. O colega americano ficou algo perturbado e, contra o costume, pediu tempo para responder. Recebeu-me nessa tarde, no final do expediente. Disse-me que certamente havia um mal entendido da parte do governo português. Nada havia ficado estabelecido quanto ao pagamento do empréstimo e não seria aquele o momento adequado para criar precedentes ou estabelecer doutrina na matéria. Aconselhou a devolver o cheque a Lisboa, sugerindo que o mesmo fosse depositado numa conta a abrir para o efeito num Banco português, até que algo fosse decidido sobre o destino a dar a tal dinheiro. De qualquer maneira, o dinheiro ficaria em Portugal. Não estava previsto o seu regresso aos EUA.

 

Transmiti imediatamente esta posição a Lisboa, pensando que a notícia seria bem recebida, sobretudo num altura em que o Tesouro Português estava a braços com os custos da guerra em África. Pensei mal. A resposta veio imediata e chispava lume. Não posso garantir a esta distância a exactidão dos termos mas era algo do tipo: "Pague já e exija recibo". Voltei à desk e comuniquei a posição de Lisboa.

 

Lançada estava a confusão no Foggy Bottom: - não havia precedentes, nunca ninguém tinha pago empréstimos do Plano Marshall; muitos consideravam que empréstimo, no caso, era mera descrição; nem o State Department, nem qualquer outro órgão federal, estava autorizado a receber verbas provenientes de amortizações deste tipo. O colega americano ainda balbuciou uma sugestão de alteração da posição de Lisboa mas fiz-lhe ver que não era alternativa a considerar. A decisão do governo português era irrevogável.

 

Reuniram-se então os cérebros da task force que estabelecia as práticas a seguir em casos sem precedentes e concluíram que o Secretário de Estado - ao tempo Dean Rusk - teria que pedir autorização ao Congresso para receber o pagamento português. E assim foi feito. Quando o pedido chegou ao Congresso atingiu implicitamente as mesas dos correspondentes dos meios de comunicação e fez manchete nos principais jornais. "Portugal, o país mais pequeno da Europa, faz questão de pagar o empréstimo do Plano Marshall"; "Salazar não quer ficar a dever ao tio Sam" e outros títulos do mesmo teor anunciavam aos leitores americanos que na Europa havia um país – Portugal – que respeitava os seus compromissos.

 

Anos mais tarde conheci o Dr. Aureliano Felismino, Director-Geral perpétuo da Contabilidade Pública durante o salazarismo (e autor de umas famosas circulares conhecidas ao tempo por "Ordenações Felismínicas" as quais produziam mais efeito do que os decretos do governo). Aproveitei para lhe perguntar por que razão fizemos tanta questão de pagar o empréstimo que mais ninguém pagou. Respondeu-me empertigado: - "Um país pequeno só tem uma maneira de se fazer respeitar – é nada dever a quem quer que seja".

 

Lembrei-me desta gente e destas máximas quando há dias vi na televisão o nosso Presidente da República a ser enxovalhado pública e grosseiramente pelo seu congénere checo a propósito de dívidas acumuladas.

 

Eu ainda me lembro de tais coisas, mas a grande maioria dos Portugueses de hoje nem esse consolo tem.

 

Estoril, 18 de Abril de 2010


Luís Soares de Oliveira»

 

(Nota: Descobri entretanto que este texto foi publicado em primeira mão neste blogue.)