Pós-eleitorais (10)
Continuo a ler por aí que Marcelo Rebelo de Sousa venceu com evidente facilidade a eleição presidencial "por não ser o candidato que a direita verdadeiramente queria". Esta tese, disseminada pelos cultores de etiquetas que proliferam na "análise política" à portuguesa, baralha os factos com brutal desfaçatez. As invectivas contra Marcelo, por parte dos seus adversários à esquerda, não pouparam pormenor algum nos meses que antecederam o escrutínio - dele disseram que era um novo Cavaco, que escrevia cartas a Marcelo Caetano, que fugiu à tropa, que tocava às campainhas das portas quando era miúdo, que chamou lelé da cuca ao doutor Balsemão, que mergulhou no Tejo, que perdeu um debate televisivo em mil novecentos e troca o passo.
Os eleitores votaram como lhes apeteceu, indiferentes à vozearia dos tudólogos. Agora aqueles que o invectivaram apressam-se a reclamar sem pudor um quinhão da vitória, garantindo ao País que "a direita anda aziada", Costa ficou feliz e Passos Coelho teve de engolir um elefante. Falam como se Marcelo fosse troféu de estimação em vez do alvo a que fizeram pontaria nos últimos meses. Sobre Sampaio da Nóvoa, que foi o candidato de quase todos eles, ninguém voltou a ouvir-lhes sequer um sussurro. Aplicam à política os versos do António Variações: "Eu só quero ir / Aonde eu não vou / Porque eu só estou bem / Onde não estou."