Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Notícias do pântano

Pedro Correia, 05.11.21

images.jpg

 

1. O Presidente da República marcou legislativas para 30 de Janeiro. Voltamos à urnas daqui a 11 semanas. Péssima notícia para todos aqueles que queriam «eleições imediatas», alguns já a 9 de Janeiro, empurrando o início da campanha para 26 de Dezembro e todos os debates televisivos entre candidatos para a quinzena pré-natalícia, sem perceberem que isso só contribuiria para engrossar ainda mais os já chocantes índices de abstenção em Portugal.

 

2. Os presidentes do PSD e do CDS ficam sem a menor desculpa para continuarem a evitar eleições internas -- regulares, ordinárias, obrigatórias pelos estatutos -- destinadas a clarificar, e eventualmente a renovar, as respectivas lideranças. O calendário eleitoral fixado por Marcelo Rebelo de Sousa permite-lhes isso. Mais: impõe-lhes isso. Fugir do confronto intrapartidário a pretexto da contenda nacional é uma entorse ao sistema democrático. Porque não há democracia sem partidos.

 

3. O PCP, a sua sucursal PEV e o Bloco de Esquerda vêm agora lamentar que o País vá a votos. Fingindo não saber aquilo que Marcelo deixou bem claro em tempo útil: ou haveria Orçamento do Estado para 2022 aprovado na Assembleia da República ou haveria legislativas antecipadas no início do ano. Comunistas e bloquistas pressentem que serão duramente penalizados neste escrutínio. É o preço a pagar por decidirem pôr fim à geringonça e darem primazia ao sectarismo ideológico. Nesta deriva, nem hesitaram em juntar o voto deles ao do Chega. Serão sempre derrotados, mesmo que o PS ganhe por "poucochinho".

 

4. Rui Rio deu ontem uma entrevista de 33 minutos à TVI - só durante nove minutos transmitida em sinal aberto, tendo a restante sido remetida para o canal de notícias no cabo. Ignoro quem aconselha o presidente do PSD em matéria de comunicação: seja quem for, merece advertência. Desperdiçar uma entrevista televisiva precisamente na noite em que o Chefe do Estado anuncia ao País a convocação de legislativas antecipadas é um erro de palmatória. Pior ainda do que se tivesse ocorrido em serão de futebol. 

 

5. Assisti, por dever de ofício, a esta entrevista. Enquanto esteve em sinal aberto, como seria de esperar, os jornalistas tentaram de várias formas que Rio comentasse a intervenção presidencial e as decisões que Marcelo acabara de anunciar no Palácio de Belém. Ele foi-se esquivando - e assim se escoou o tempo.

 

6. Quanto ao resto, já no cabo, mais do mesmo: Rio dispara para dentro, nunca para fora. Chama «tempo perdido» à campanha que deverá realizar-se em Novembro no interior do partido. Qualquer autocrata falaria assim, desvalorizando o debate interno, o confronto de ideias, a auscultação da vontade dos militantes, as eleições directas, a formação participativa de listas eleitorais. Insiste, aliás, em opor-se à realização de directas e do subsequente congresso por gerarem «tumultos internos». Parece incapaz de perceber que este período pode e deve ser utilizado para o confronto político com o PS, dando prova de vitalidade do PSD como partido aberto, dinâmico e plural.

 

7. Os jornalistas - Sara Pinto e Anselmo Crespo - deram a Rio a oportunidade de se demarcar das frases insultuosas que a vice-presidente do PSD Isabel Meireles dirigiu ao Presidente da República em recente artigo de opinião. Não  o fez: outro erro. Cito apenas duas frases desse texto, de inegável mau gosto: «Marcelo adora tricô político com todas as cores. O sabor da intriga, da conspiração e da zombaria estão-lhe no sangue»; «Disparou o projétil [sic] a partir de Belém e colocou em toda a sua carga o ingrediente mais nocivo do ser humano, o ódio, o ódio visceral a Rui Rio.»

 

8. Extraordinário: ao longo de mais de meia hora, o presidente do PSD não fez qualquer crítica ao Governo. Nem uma para amostra. Zero total. A maior evidência de que estamos mergulhados num pântano é precisamente esta. Oxalá seja possível encontrar uma saída.

Que vergonha, rapaziada

Rui Rocha, 22.11.15

Decorridos mais de 45 dias sobre as eleições, há um facto que é já inquestionável. A renovação cívica e democrática que sempre deveria resultar de uma ida às urnas está já irremediavelmente comprometida. Um a um, os principais actores políticos contribuíram de forma decisiva para o pântano político e institucional em que estamos mergulhados. Vejamos alguns factos:

Facto 1: António Costa perdeu as eleições. A partir da noite de 4 de Outubro iniciou um processo intelectualmente desonesto de negociação com o PCP e o BE com o único propósito de alcançar o poder pelo poder. É óbvio que não existe qualquer afinidade substancial entre a mundividência política do PS e aquela que defendem comunistas e bloquistas.

Facto 2: António Costa foi politicamente desonesto com o país e com o Presidente da República quando afirmou a existência de um acordo à esquerda que só veio a concluir mais de um mês depois, de forma coxa e com condições precárias. A desonestidade política persiste, pois as posições conjuntas a que semanas de negociações deram origem não correspondem, de todo, a um acordo politicamente consistente.

Facto 3: A debilidade moral não é, todavia, uma característica exclusiva de Costa. De um e de outro lado da trincheira, apparatchiks zelosos dedicam horas infindáveis à arqueologia da internet. Uns e outros encontrarão vídeos, afirmações e artigos em que se afirma hoje o contrário do que se disse ontem. E assim expõem, todos, sem pudor, a profunda falha ética de que se alimentam. Nada tem valor por si. O que importa à sacanagem é demonstrar que o adversário é um sacana maior.

Facto 4:  O novo Presidente da Assembleia da República, a 2ª figura do Estado, é alguém da envergadura de Eduardo Ferro Rodrigues. Esta circunstância seria, só por si, suficientemente vexatória para a República. Todavia, a forma sectária como a personagem tem exercido a função, quando esta imporia pelo menos algum distanciamento, constitui uma nódoa provavelmente indelével na cadeira da presidência da Instituição.

Facto 5: O ainda primeiro-ministro, depois de ter mentido conscientemente na campanha para as eleições de 2011, não ficou satisfeito. Desta vez, o discurso fraudulento teve como objecto a devolução da sobretaxa. E se não é possível afirmar que o próprio mecanismo de cálculo foi manipulado, foi certamente manipulada a comunicação que sobre ele se fez a partir do governo.

Facto 6: A defesa da Coligação perante a manobra de Costa baseou-se na teoria do golpe. Todavia, Passos Coelho não encontrou melhor argumento para contrariar esse suposto golpe do que uma proposta golpista e oportunista de revisão da Constituição. E ainda que se saiba que tal proposta não passava de pura retórica, o certo é que constitui um triste espectáculo ver Costa e Coelho a disputarem na cena política como se fossem canalha no recreio.

Facto 7: Por falar em canalha no recreio: deputados eleitos pelos portugueses, um para o Parlamento nacional, outro para o Parlamento europeu, em lugar de argumentarem com profundidade e elevação, dedicam-se a comentários desmiolados no Twitter. Tiago Barbosa Ribeiro apelida o Presidente eleito de gangster. Ana Gomes encontra uma relação causal entre a governação de Passos e os suicídios nas polícias. São ambos deputados pelo PS, mas não é esse ponto o relevante. Se nos déssemos ao trabalho, encontraríamos certamente exemplos semelhantes em outras bancadas.

Facto 8: José Sócrates passeia-se pelo país de voz esganiçada, pavoneando-se entre alguns parolos que o aplaudem e o incentivam. Até ver, não há um que lhe pergunte duas coisas muito simples: a) no total, quanto lhe foi "emprestado" pelo "amigo"; b) começaram, ou não, esses empréstimos quando ainda exercia funções governativas. E o incrível é que com tanto bazófia sobre os seus direitos de cidadania, o próprio ainda não tenha sentido o imperativo moral de prestar tais informações ao país.

Facto 9: O Senhor Presidente da República, omnisciente e presciente, mantém o país em suspenso de uma decisão durante semanas por ter de se dedicar a uma inadiável visita às ilhas. Ele que faltara às comemorações do 5 de Outubro devido à urgência de tomar decisões sobre a situação política do país. Entretanto, certamente afectado pela maior proximidade ao equador, dedica-se a teorizar sobre as características da Banana da Madeira. A desgraça é tanta que nem uma comparação rigorosa sobre o tamanho da dita banana face à que se desenvolve noutras paragens conseguiu fazer em termos.

 Facto 10 (last but not the least):Tudo isto é, convenhamos, uma grande vergonha.