Cores do Outono II
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Os últimos momentos antes da partida das andorinhas.
A mim parece-me uma pauta de música.
Lisboa, 21 de Junho de 2015
Entrámos hoje no Verão. Não é uma estação que me seduza. Nem agora, nem antes. É um período excessivo de pormenores dos quais não gosto: muito sol, muita gente, muito suor, muito álcool.
Sou mais das quadras intermédias, como o Outono ou a Primavera, embora esta me cative menos do que a primeira, que também possui alguns excessos. Sobretudo de vida, que desponta por todo o lado.
Dir-me-ão que o Outono tem um lado triste, de fim que se aproxima. É verdade. Mas tem aquele amarelo laranja das folhas caídas das árvores que atapetam as ruas - e pessoalmente me tocam fundo -, que dão ao campo e às cidades uma uniformidade que nas outras estações se não descortina. Aliás, essa "tristeza outonal", que tantos referem, é o bálsamo indispensável para compensar os cúmulos estivais.
Muitas vezes me tenho perguntado o porquê desta preferência, quando a minha alegria atávica pouco parece ter de comum com tal tristeza. Começo a acreditar que é o balanço psicológico que tal determina e que a sabedoria popular tão bem explica, quando afirma que os opostos se atraem. É um facto, comigo. E não só no campo meteorológico...
1. Já existe o canal Parlamento. Ainda não existe o canal Conselho de Ministros. Mas já faltou mais: as fugas de informação cirúrgicas tornam-se generalizadas e ganham a emoção de um relato de futebol. O sentido de Estado parece ter emigrado para parte incerta.
2. Difundir informações sem fundamento, causando um inconcebível alarme social, não penaliza só uns: penaliza todos.
3. Largar más notícias com abundância pelas manchetes da imprensa e pelos comentadores mais próximos enquanto se gere o silêncio: eis todo um programa de acção.
4. Bastam dez pessoas aos berros durante cinco minutos: as redes sociais transmutam a berraria em notícia, validada pelos chamados órgãos "de referência", muitos deles cheios de editoriais contra o "populismo". Meio século depois, nunca Marshall McLuhan esteve tão actual: o meio é a mensagem. Que, pelo efeito de banalização, logo se transforma em massagem.
5. Cento e cinquenta mil portugueses trabalham em Angola, nosso principal fornecedor de petróleo. Portugal é o maior parceiro comercial de Luanda. Há 8800 exportadoras portuguesas no mercado angolano, por mais que isso incomode certos aprendizes de feiticeiro. A parceria estratégica, que serve os interesses nacionais, devia ficar à margem da luta partidária. Para não desembocar nisto.
6. Taxa sobre produtores de electricidade, anunciada com espavento, vai repercutir-se na bolsa do consumidor. Eduardo Catroga, com notável despudor, já tinha avisado.
7. Bastam seis meses para a ambição partidária suplantar o espírito de serviço público? Se não é parece.
8. A extrema-esquerda em marcha. Abrindo caminho à extrema-direita: não acreditem que acontece só lá. Como alertava o PCP quando estava no Governo, em 17 de Junho de 1974, "as formas de luta devem ser cuidadosamente examinadas antes de decididas".
Aproveite o Dia de S. Martinho para conhecer, através do Sapo, o roteiro para as melhores castanhas. Em Lisboa e no País.
Serve-se assada e estaladiça, escoltada por uma ginginha de Óbidos ou um moscatel bem português. Acompanha com uma boa conversa concentrada nas minúcias do desbulho, que despega em risos soltos e leviandades tolas, ganha corpo quando assenta nos lamentos da estação e acaba a virar o mundo de pernas para o ar.
S. Martinho não nos desiludiu. Mais uma vez: o sol brilha e o verão dá o último suspiro. Logo à noite, aproveitem!
[Ricardo Trêpa (ataviado p/Dielmar), actor/modelo/restaurateur]
Em chegando o fresco, divisa-se ampla oportunidade para preenchimento (ou deflexão da atenção) do que os mais ortodoxos designam por lacuna gravatal: há espaço para toda a sorte de lenços, cachecóis, coletes, casacos, camisolas, etc. Esta é, seguramente, em termos de estilo, das estações em que os homens têm mais margem de expressão. Mais uma razão para o Outono ser das minhas alturas favoritas do ano.