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Delito de Opinião

O revolucionário burguês

Cristina Torrão, 25.07.22

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Otelo Saraiva de Carvalho era uma figura cheia de contradições e, por isso mesmo, polarizava, como se viu por ocasião da sua morte. Passado um ano, venho relembrar uma reportagem publicada na revista Sábado, a 9 de Setembro de 2021.

Otelo casou com Maria Dina Afonso Alambre a 5 de Novembro de 1960. Tiveram duas filhas e um filho. Quando Otelo confessou à mulher que, apesar de ainda a amar, amava igualmente outra, o casamento manteve-se. Maria Filomena Outeiro, divorciada, funcionária administrativa na cadeia de Caxias, conheceu Otelo quando ele aí esteve preso, na segunda metade da década de 1980. Otelo e Dina estiveram perto do divórcio, mas, segundo a reportagem da Sábado, «algo estranho se foi instalando com o tempo» e «Otelo assumiu publicamente as suas duas mulheres».

Quando esta reportagem foi publicada, segui uma pequena discussão, no Facebook, entre quem condenava a situação, por significar a subjugação de duas mulheres por parte de um homem, e quem dizia não ver ali nada disso. Afinal, a esposa tinha conhecimento, as duas mulheres conviviam pacificamente com o triângulo amoroso, eram três adultos que tinham tomado uma opção de vida. Elogiava-se, acima de tudo, a rejeição das normas burguesas, tradicionais.

No próprio texto da reportagem, se lia este ser «um a(c)to de enorme generosidade e de amor», por parte de Dina, «por muito que cause secreta repulsa na moralidade vigente, fértil território da religião, por incompreensível que possa parecer ainda hoje».

No entanto, atendendo a outros pormenores do artigo, vemos que não foi assim tão pacífico. Na página 33, na legenda de uma fotografia de Sérgio, o filho de Otelo Saraiva de Carvalho, diz-se que ele «teve grandes dificuldades em conviver com a vida dupla do pai. Após a morte da mãe, os problemas continuaram, quando Otelo se mudou em definitivo para a casa de Mena». Mais à frente, lê-se que «por causa desta mudança, Otelo terá perdido o contacto pessoal com os filhos, que nunca encararam bem esta vida dupla do pai». Fala-se igualmente de «ressentimentos que ficaram (…) O apartamento de Carnaxide era uma barreira intransponível para eles, que nunca tiveram relação com a outra família».

A alusão a «ressentimentos» e ao desconforto sentido pela filha e pelo filho de Otelo em relação à vida dupla do pai (uma das filhas morreu ainda criança) denota que a mãe deles, apesar de se ter acomodado, estava longe de viver pacificamente com a relação a três. E transmitiu essa revolta aos filhos (mesmo que involuntariamente). Caso houvesse uma aceitação sem reservas, o assunto não seria tabu, as duas famílias talvez tivessem até contacto, pelo menos, os filhos, que não sentiriam tanta repulsa.

Rejeição da «moralidade vigente, fértil território da religião»? Parece-me precisamente o contrário. No Portugal salazarista (e não só), sempre houve casos de homens com vida dupla, com conhecimento, ou não, das esposas. Caso estas soubessem, aceitavam, na maioria dos casos, engolindo a revolta. Afinal, raramente um homem era condenado pela sociedade por tal motivo.

Ou seja: o obreiro do 25 de Abril era um verdadeiro embaixador da estrutura patriarcal, dono de uma mentalidade bem tradicional e burguesa.

FP-25

jpt, 29.12.21

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Enquanto alguns intelectuais e vários jornalistas se afadigam para "refazer" a História, tornando-a "exacta", querendo afrontar o que dizem "silenciamento" e "falsificação" do passado, e nisso considerando que as formas como entendemos o real e nele actuamos são simples reflexos das maldosas mundivisões de Bartolomeu Perestrelo, Gomes Eanes de Zurara e coevos facínoras, em 2021 assistiu-se a um curioso esforço colectivo de "desenvendamento", de "reescrita da História", com o evidente propósito de nos desalienar, de nos tornar mais capazes de interpretar o real, de entender os ideais vigentes e as categorias intelectuais que comandam as práticas dos agentes sociais na actualidade. Curiosamente nenhum desses intelectuais e jornalistas avessos aos aparentes proto-sorelianos Duarte Barbosa, João dos Santos ou João de Barros, se associou a este movimento de esclarecimento histórico.
 
Falo da publicação de vários textos dedicados às FP-25, dirigidas pelo entretanto falecido Otelo Saraiva de Carvalho, e aos múltiplos ecos que esses textos tiveram. O que terá servido, espero eu, para derrubar o esforço falsificacionista de uma certa intelectualidade da esquerda - alheia ao PCP - que sempre usou a glorificação desse indivíduo para reclamar o monopólio do ideal democrático entre aqueles que adeptos da insurreição armada avessa à democracia liberal. Nisso falsificando a História recente de Portugal, procurando apagar a realidade do terrorismo assassino de que aquele Carvalho foi líder.
 
Claro que há renitentes em enfrentar tal situação. À minha pequena escala também o assisti: entre outros textos dedicados ao falecido terrorista, botei sobre um académico do CES de Coimbra que continua o esforço de falsificação histórica, elidindo o terrorismo de Carvalho e reduzindo os que nisso atentam a adversários da democracia, e notei o total silêncio dos pares de Coimbra (e da comunidade universitária nacional) diante de tal dislate. E a esse propósito logo tive aqui [no meu mural de FB] um lusomoçambicano, antigo (se é que há "antigo" nestas coisas) agente da SNASP (a polícia política da I República moçambicana) a chamar-me "fascista", no que foi secundado por gente com algumas similitudes biográficas, entre as quais antigas (mas não futuras) visitas de minha casa. Num verdadeiro caso de admiração pelo terrorismo que bem mostra que "les beaux esprits se rencontrent"...
 
Esta longa introdução "desabafante" vem a propósito de um belo texto agora publicado pelo "Observador" dedicado à história das FP-25: "FP-25 de Abril: As Bombas, as Balas, e os "Inimigos a Abater". Trata-se de um bom trabalho de investigação, que não deixa campo para os que insistem na elisão da dimensão daquele processo, e ainda nos mostra como alguns desses terroristas continuam na actualidade vinculados aos mesmos ideais de insurreição armada - sabendo nós também que alguns deles ocupam postos nas listas eleitorais do BE e cargos de relevância universitária.
 
Deixo ligação para o excelente artigo de leitura recomendável - para não cair no sempre irritante imperativo do "leitura obrigatória". Chamo a atenção para que tem um belíssimo grafismo, o qual torna ainda mais apetitosa a leitura. E, muito relevante, é de acesso livre. Ou seja, serviço público. Em prol da democracia. E nisso avesso aos intelectuais e jornalistas aldrabões, carpideiros do "otelismo". E, também, decerto, avesso aos agentes da SNASP e seus apoiantes.

Olhar os políticos mortos em democracia

jpt, 09.10.21

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(Visita presidencial a Moçambique, 1997: Hilário, Chissano, Coluna, Sampaio, Acúrsio, Eusébio. Desconheço a autoria da fotografia).

O Pedro Correia salientou (no Delito de Opinião 1, 2) a recente generalizada homenagem ao antigo presidente da República Jorge Sampaio - sobre o qual deixei memória da minha simpatia (1, 2). Foi notório ter esse luto suspendido críticas ao político. Sampaio foi um líder estudantil durante o Estado Novo tardio,  e veio a integrar a via radical do socialismo português. E depois já como secretário-geral do PS e durante sua presidência da câmara da capital deu corpo à velha palavra de ordem do PCP, a "maioria de esquerda". Assim sendo uma evidente influência para o cenário actual. E foi presidente da República durante uma década, convulsa. Esse percurso de seis décadas de preenchida e complexa actividade política dá azo a diferentes interpretações e avaliações. Mas na sua morte a sociedade portuguesa, suas instâncias estatais e outras organizações, a imprensa, bem como a miríade de opinadores na cidadania telemática, saiu a homenageá-lo. E os que a isso não se quiseram associar pelo menos evitaram críticas aceradas.

Isso tem sido recorrente, considerado curial, na morte dos políticos deste regime. Desde a emotiva reacção às traumáticas mortes de Sá Carneiro e Amaro da Costa, às reacções respeitosas e até condoídas face às relativamente precoces de Mota Pinto, Lucas Pires, Luís Sá ou Barros Moura, ou às mais recentes de Jorge Coelho e Pina Moura, exemplos entre tantos outros. Disso ainda mais significativo foram as reacções gerais aquando da morte de anciãos relevantes no regime, como Freitas do Amaral, Mário Soares ou Álvaro Cunhal. É evidente que sempre se mantém a pertinência da análise crítica (ou mesmo das meras invectivas) a posteriori. Mas o relevante, repito, é que em todas esses momentos houve um luto, implícito que seja, e um sufragar da importância desses indivíduos assente num evitamento crítico e num colectivo de elogios - por vezes até demasiado enfáticos, quiçá condizentes com a recente crítica do nonagenário Eugénio Lisboa ao modo português de produzir eulogias.

 

 

Combater o esquecimento é serviço público

Pedro Correia, 09.08.21

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Uma das missões fundamentais do jornalismo é resgatar do esquecimento factos relevantes da nossa vida colectiva. Alguns destes factos, como no célebre filme de John Ford, vão dando lugar a mitos. Sucedeu isto a propósito das auto-designadas Forças Populares 25 de Abril, organização terrorista que esteve activa já no Portugal democrático. O recente desaparecimento de Otelo Saraiva de Carvalho funcionou como pretexto para avivar a memória já muito difusa daqueles sete anos em que o Estado de Direito permaneceu sob ameaça constante de um grupo armado que assaltava, destruía, feria e matava. Sob a liderança de Otelo, que ao obter apenas 1,5% nas presidenciais de 1980 viu definitivamente derrotado nas urnas o seu projecto de implantar uma “democracia popular”. Na certeira síntese de Ramalho Eanes, coube-lhe então a «autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências». Como autor moral ou cúmplice de actos de violência extrema, incluindo quase duas dezenas de homicídios comprovados em tribunal.

A RTP destacou-se neste combate contra a desmemória num documentário intitulado Palavra de Otelo. Da jornalista Márcia Rodrigues, com imagem de Hélder Oliveira e edição de Paulo Nunes. Com recurso ao seu rico acervo de imagens, e a uma entrevista feita a Otelo em 1996, a estação pública desvenda-nos aqui fragmentos do complexo retrato do homem que quis implantar em Portugal o “verdadeiro socialismo” com recurso às baionetas. Muito antes de haver FP-25.

No Verão quente de 1975, por exemplo, Saraiva de Carvalho fez esta declaração textual aos jornalistas: «As forças armadas nesta altura estão dispostas a entrar num caminho muito duro, de repressão, que temos evitado até agora. Aqui há uns tempos, disse algumas palavras muito candidamente através da Rádio Renascença dizendo que oxalá não tenhamos de pôr no Campo Pequeno os contra-revolucionários, mas estou convencido de que a curto prazo temos de [os] pôr mesmo. A coisa parece que se está a encaminhar nesse sentido, infelizmente. Vai-se tornando impossível ter uma revolução socialista, na totalidade, por via pacífica.»

Nas últimas décadas de vida, este homem que durante o PREC comandava a mais destacada força de intervenção militar e ordenou centenas de prisões políticas sem mandado judicial, sempre negou ter proferido a frase que Márcia Rodrigues resgatou da poeira dos arquivos. Prestando verdadeiro serviço público.

Notável também, o documentário intitulado FP-25 – Terrorismo Português, que passou numa destas noites na CMTV. Da jornalista Mónica Palma, com edição de Francisco Mata. Aqui dá-se voz às vítimas – às que sobreviveram aos actos de terrorismo naquele Portugal da década de 80, às que sofreram feridas jamais cicatrizadas. Fala-se do filho que aos 17 anos viu o pai baleado na nuca à porta de casa, fala-se de um jovem agente da PJ que deixou viúva grávida, fala-se daquele bebé “contra-revolucionário” que dormia no berço quando foi morto à bomba. Avivam-se memórias anestesiadas pelo esquecimento. Serviço público também.

 

Texto publicado no semanário Novo

 

A morte de Carvalho

jpt, 26.07.21

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(Amílcar Cabral e Nino Vieira, entre outros combatentes. Desconheço a autoria da imagem)

1. Em primeira análise devemos o 25 de Abril, a paz e a democracia, o desenvolvimento do país inscrito no assim não tão polimorfo modelo social europeu, as liberdades individuais e colectivas, ao arreganho e quantas vezes até heroísmo dos combatentes do PAIGC, da FRELIMO, e (em moldes mais complexos e até ambivalentes) da FNLA, do MPLA e da UNITA. Foi a sua corajosa acção que então tornou Portugal um país pária e o Estado Novo (fascista, colonial-fascista, ditatorial, autoritário, é-me agora indiferente como o querem catalogar) uma decrepitude anacrónica.

2. Os oficiais subalternos que desde 1973 se organizaram por causas corporativas e que - acima de tudo cansados da desvairada guerra - vieram a fazer os golpes de Março e Abril de 1974 foram nisso, e evidentemente, corajosos. Mas uma coragem menor em grau do que aquela que, tantos deles, haviam demonstrado nas estuporadas e injustas guerras africanas. Não se trata apenas de lembrar que os operacionais desses golpes estavam calejados em bem mais complexos e violentos contextos de guerra. Mas também lembrar que o estado do Estado Novo era já patente (veja-se o percurso de Spínola e, também, de Costa Gomes nesse estertor do marcelismo).

Não nego homenagem a quem arriscou muito nesse início de 1974. Mas trata-se de não sobrevalorizar, mitificar, esses riscos. Enfim, resumo-me: fosse eu um pouco mais ingénuo e surpreender-me-ia com este actual universo ideológico e propagandístico atarefado em decapitar os mitos glorificadores de Diogo Cão, Bartolomeu Perestrelo e afins, enquanto se afadiga em glorificar os oficiais que vieram a Lisboa em 1974 enterrar o já defunto regime, enfrentando para isso alguns dos seus desanimados camaradas de armas, em tantos casos também camaradas de geração de Academia Militar.

3. Figuras relevantes do início da democracia morreram neste XXI. Militares como Rosa Coutinho, Costa Gomes, Eurico Corvacho, Vasco Gonçalves, Dinis de Almeida, Alpoim Calvão, civis como Mário Soares, Almeida Santos, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral, etc. Aquando dessas mortes sempre se levantaram algumas discussões públicas sobre as suas personalidades políticas. E os laivos de acinte que então surgiram vieram, fundamentalmente, de núcleos de gente regressada (ou oriunda, em alguns casos) das ex-colónias, um universo (até geracional) que continuou a personalizar/culpabilizar alguns indivíduos pelo inevitável desenlace da história. Ou seja, para a esmagadora maioria da população as diferenças ideológicas não implicaram desajustados ajustes de contas com os falecidos. Num, de facto, canónico "descanse em paz" dedicado a cada um desses. O sentimento geral é o de que houve desmandos no PREC, houve violência (encetada pelos assassinatos perpretados pelos agentes da PIDE em 25 de Abril), mas que se constituiu um posterior consenso de que "o que aconteceu no PREC ficou no PREC". E nisso decorre uma avaliação diferenciada mas democrática do processo posterior e das suas personagens.

Mas agora na morte deste Carvalho as coisas são diferentes. A repugnância pelo indivíduo é patente em muitos de nós. Pois Carvalho em democracia comandou um grupelho terrorista assassino. Agora, e mais uma vez como em todos os meses de Abril foi habitual, moles de gentes que por aqui andam invectivam o nojo pelo terrorista como característica da "extrema-direita". Tal advém de uma mera táctica, executada por consabidos avençados desta era geringoncica, na qual que convém aos poderes fácticos namorar os resquícios afectivo-ideológicos dos velhos grupelhos m-l. Ou, pura e simplesmente, daqueles que exsudam um efectivo desprezo pela democracia. Ora os crimes que exigem um total repúdio por Carvalho não "ficaram no PREC", são muito posteriores. Os democratas podem ter diferentes visões dos anteriores falecidos, é isso normal. Mas apenas os biltres podem saudar a memória de um assassino.

4. Posso compreender que um militar, camarada de armas, venha agora falar da "bondade" e "generosidade" de Carvalho. Mas a resposta ao nosso respeitável General Eanes só pode ser uma: onde está a generosidade e bondade de quem manda matar 16 vulgares cidadãos em nome de um desvairado e ultra-minoritário ideário?

5. O estado da cultura portuguesa é uma vergonha. O antigo ministro da Cultura João Soares vem dizer que "desculpa as asneiras" de Carvalho. Ou seja, fundar e capitanear um movimento terrorista assassino em democracia são meras "asneiras". É esta a densidade semântica de um gajo que chegou a ministro da cultura. Estamos, é óbvio, no "grau zero".

 

Polémico e contraditório até ao fim

Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021)

Pedro Correia, 26.07.21

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Poucas personalidades foram mais contraditórias, no último meio século em Portugal, do que o comandante das operações militares do 25 de Abril de 1974. Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, hoje falecido, tinha 37 anos nesse dia que derrubou o Estado Novo e viria a pôr fim à guerra que Portugal travava em três frentes africanas.

Com duas comissões cumpridas em Angola e uma terceira na Guiné, Otelo Saraiva de Carvalho não era militar de vocação. Sonhara ser actor e chegou a pisar os palcos em peças amadoras na sua cidade natal, Lourenço Marques, como então se denominava a capital de Moçambique, ainda sob domínio português.

Estes dotes histriónicos acompanharam-no sempre, dando-lhe um carisma que incendiou plateias nos anos de brasa da revolução, culminados na eleição presidencial de 1976, em que foi o segundo candidato mais votado. Com 16,5%, correspondendo a quase 800 mil votos entrados nas urnas, acabou derrotado por Ramalho Eanes. Que também o venceria nas eleições seguintes, em 1980. Neste ano, Otelo só recolheu 1,5% dos boletins. O seu tempo passara. O país que ele ajudara a abrir ao mundo, reconquistando a liberdade, não o acompanhou nas suas teses de «democracia popular» contra a democracia representativa.

(...)

À frente do Copcon, Otelo deu início à «revolução a todo o vapor», para usar um slogan muito popular na época. Enviava militares a apoiar ocupação de casas e terras, em nome do «poder popular». Convenceu-se de que podia ser o «Fidel Castro da Europa», como ele próprio confessou após uma visita a Havana, em que foi recebido com passadeira vermelha pelo ditador cubano.

Outras frases lhe ficaram associadas naquele Verão quente de 1975, em que este país de brandos costumes esteve a um passo da guerra civil. Disse de si próprio que estava pronto a «tomar o cavalo do poder» e quando os confrontos começaram nas ruas – de Rio Maior até ao Alto Minho as forças anticomunistas destruíam sedes dos partidos da esquerda radical – admitiu a hipótese de enviar «contra-revolucionários para o Campo Pequeno».

Quase meio século depois, neste país hoje membro da União Europeia, é difícil imaginar esses tempos para quem não os viveu. Havia um Governo provisório que não governava, uma economia paralisada por greves e «saneamentos de patrões», mandados de captura em branco que conduziam centenas de pessoas ao estabelecimento prisional de Caxias ao abrigo da chamada «legitimidade revolucionária». Portugal era então capa nas grandes revistas internacionais por se ter tornado num «manicómio em autogestão». (...)

A célebre frase de Ortega y Gasset sobre o homem ser produto das circunstâncias aplica-se como uma luva a Saraiva de Carvalho, que durante a ditadura chegou a ser instrutor da Legião Portuguesa e não possuía qualquer formação política. Nos meses que antecederam a preparação do golpe militar, entre Setembro de 1973 e Março de 1974, ele viria a emergir como o líder das operações. Bem-sucedidas, ao ponto de não terem causado derramamento de sangue entre militares das facções em confronto – velhos conhecidos das missões de guerra em Angola, Moçambique e Guiné.

No quartel-general dos revoltosos, instalado na Pontinha, ele teve o momento de glória máxima – que os camaradas de armas sempre lhe reconheceram, atribuindo qualidades de estratego militar ao então major Saraiva de Carvalho. Todo este processo, que pôs fim a uma das mais velhas ditaduras da Europa, vem relatado no seu livro Alvorada em Abril, obra escrita na primeira pessoa e publicada em 1977. Indispensável como testemunho histórico.

Otelo ficou a meio da rota da liberdade. Esteve no 25 de Abril, mas faltou à chamada no 25 de Novembro. Ao contrário de Ramalho Eanes, Vasco Lourenço, Garcia dos Santos, Jaime Neves, Pires Veloso e tantos outros. (...) Vencedor em Abril, figurou entre os vencidos de Novembro. Não deixou, no entanto, de ser um ícone revolucionário. (...)

Saraiva de Carvalho festejou 40 anos, em Agosto de 1976, já com o melhor da sua biografia atrás de si. Nunca foi ministro, nunca foi deputado, nunca se deixou atrair pela «democracia burguesa», como tantas vezes se referia com manifesto desdém. Conquistou a celebridade muito cedo, conheceu o crepúsculo político com idêntica rapidez. E lidou mal com isso.

 

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Foto: Inácio Ludgero / Visão

 

O pior veio depois, já na década de 80. Figura cimeira da Força de Unidade Popular, que o apoiou com manifesto insucesso na segunda corrida a Belém, acabou por patrocinar as chamadas Forças Populares 25 de Abril, organização terrorista de extrema-esquerda que entre 1983 e 1987 assassinou 17 pessoas – incluindo o director-geral dos Serviços Prisionais, Gaspar Castelo-Branco. Em plena democracia, sem sequer o álibi do combate à ditadura. A alusão ao 25 de Abril, pervertendo esta data, tornava tudo ainda mais inaceitável.

Foi detido, sob a acusação de ser o cérebro da organização, e viria a ser condenado em tribunal. Cumpriu cinco anos de prisão por estes crimes cuja autoria sempre recusou, dizendo-se vítima de uma armadilha forjada pelo braço judicial do PCP. Acabou indultado e amnistiado em 2004, com outros membros daquela organização, culminando um processo que causou enorme celeuma.

(...)

Em Abril de 2011 afirmou em entrevista ao Jornal de Negócios que Portugal precisava novamente de «um homem com a inteligência e a honestidade de Salazar». Nesse mesmo ano, noutra entrevista, confessou: «Se soubesse como o país ficava, não tinha feito a revolução.» Em 2012, noutra das suas bravatas, considerou que estavam a ser «atingidos limites» que poderiam justificar uma intervenção das forças armadas para «derrubar o Governo» de Passos Coelho.

Era assim o cérebro da revolução dos cravos, agora falecido com 85 anos incompletos: herói para uns, vilão para outros. Polémico do princípio ao fim.

 

Versão abreviada de um texto que ontem publiquei na edição digital do semanário Novo

Otelo

José Meireles Graça, 25.07.21

Hoje é dia de lembrar o herói de Abril para toda a esquerda, e de palavreado inconsequente para a maior parte da chamada direita. As ideias que Otelo amassou para o país eram uma amálgama de guevarismos delirantes ao serviço de uma imensa vaidade, um alto grau de inconsciência e uma teimosa estupidez. Este aspecto, a estupidez, que o levava a asneirar com grande suficiência se inquirido fosse sobre o que fosse, não fará parte dos necrológios, como não fará a sua fria crueldade nem os assassinados pelas FP25, senão de forma enviesada. “Deus tenha misericórdia da sua alma”, disse o meu amigo João Távora. João é um católico fervoroso, e respeitador da convenção segundo a qual não se diz mal dos defuntos no dia do seu passamento. Eu não sou nem uma coisa nem, em se tratando de figuras históricas, a outra. Para me associar à contenção fora preciso que em algum momento este triste exemplar de homem tivesse mostrado alguma forma de arrependimento.

Há pouco tempo, saiu um livro que faz ver Otelo à luz que merece. Para quem viveu aquela época lembra factos soterrados e traz alguns novos; para quem não viveu a “gesta” do 25 de Abril e a primeira quinzena de anos que se lhe seguiu, desvenda o sinistro projecto, e as proezas criminosas, do herói que hoje figura nos ditirambos de quem tem banca na opinião oficial e oficiosa, e no comunicado da presidência da República, caracteristicamente inócuo – se um asteróide atingisse o Alentejo, causando milhares de mortos e feridos, Marcelo associar-se-ia às famílias na sua dor, indo proporcionar-lhes selfies para pôr nas salinhas de entrada, e felicitaria o SNS por ter adequados stocks de mercúrio-cromo.

Nada disto tem, para o futuro, mais importância do que a que têm as pequenas histórias. E Otelo só não se juntará à galeria dos Fuas Roupinho, Hermenegildo Capelo, ou Marcelino da Mata, porque nenhum destes, ou dos outros heróis portugueses, ficou conhecido pela sua vaidade nem por ser depositário de doutrinas dementes em nome das quais estivesse disposto a praticar crimes.

O que deve suscitar reflexão é o algodão em rama opinativo: não tanto o do dia de hoje, que se justifica pelo respeito aos costumes, mas o que se adivinha. Otelo foi condenado, num processo em que ficou abundantemente provada a sua responsabilidade num projecto terrorista que se traduziu por assassínios, assaltos e tropelias menores, num tempo em que as instituições democráticas já estavam a funcionar, e foi indultado e amnistiado muito antes do fim do cumprimento da pena.

As razões para o indulto e a amnistia que as escabiche quem tiver curiosidade de procurar nos porões da história recente. As decisões foram legais, e assentavam num desejo de “pacificação” por uma banda (isto é, a recuperação para o jogo democrático das correntes de extrema-esquerda), e prémio ao estratega do golpe militar por outro: devemos-te o regime, toma lá um perdão, e ficamos quites.

Bom negócio, sem dúvida, para quem o aprovou, o PS e o PCP, sob o patrocínio de Mário Soares. Ficou claro então, como já havia ficado antes, e viria a ficar depois, que a esquerda em Portugal, mesmo que amalgamá-la seja injusto (Mário Soares jamais se aliaria com o PCP para governar), defende os seus.

Não seria má ideia ter isso presente, começando por não pôr Otelo no altar do excesso do equilíbrio e da compreensão: o santo é de pau carunchoso, a igreja é a da esquerda, alguns dos clérigos que vão ao púlpito são terroristas que circulam com naturalidade no meio das pessoas e os fiéis de outras obediências são apenas tolerados: nós.

Fascinação por Portugal

Cristina Torrão, 25.07.21

Nos meus primeiros anos, na Alemanha, dei aulas de português a alemães. Não havia muitos a quererem aprender a nossa língua (nada que se comparasse com o castelhano, que chegava a superar o próprio inglês), mas a maior parte dos interessados possuía uma verdadeira fascinação por Portugal, que aliás passava muito pelo cliché de que a vida nos países do Sul era mais despreocupada, sempre com bom tempo, etc. Quando eu dizia que em Portugal se rapava muito frio, no Inverno, olhavam-me como se eu tivesse dito que vinha de Marte.

Muitos me perguntavam que estava eu a fazer na Alemanha, sendo natural de um país tão maravilhoso. Eu alegava haver ali melhores condições económicas, além de mais conforto no Inverno, ao que os alemães replicavam o dinheiro e as comodidades não serem tudo na vida. E eu pensava que só se podia dar ao luxo de julgar assim quem nunca tinha tido preocupações monetárias, nem tentado escrever, numa sala de aula, com as mãos geladas e a doer, apesar das luvas, e tendo dificuldade em ver a ponta da caneta devido ao cachecol grosso enrolado ao pescoço.

Enfim, o que me traz aqui, hoje, é o motivo de fascinação por Portugal mais surpreendente que ouvi. Ele era médico, ia a caminho dos quarenta e via o nosso país como uma espécie de terra mágica. Um dia, eu quis saber o motivo e o homem saiu-se com uma resposta totalmente inesperada:

- Foi o Otelo!

Quedei-me perplexa. O único Otelo que ligava a Portugal era o da revolução, acontecida havia cerca de vinte anos. Mas que tinha aquele alemão a ver com o 25 de Abril, um alemão que, mesmo depois de bastantes aulas, tinha dificuldades em construir as frases mais simples no idioma de Camões? Só podia ser outro Otelo…

Ocorreu-me a peça de Shakespeare. Haveria algo no enredo que pudesse explicar tal devoção? Shakespeare e Portugal? Nada me constava, mas confesso que estava (e estou) mais familiarizada com Hamlet, Romeu e Julieta, Ricardo III e até com uma bastante desconhecida, António e Cleópatra, que fez parte do meu curso universitário.

Receei parecer ignorante e inquiri cautelosa:

- Disse Otelo?

- Sim, o da vossa revolução.

- Otelo Saraiva de Carvalho?

- Esse mesmo! - Os olhos brilharam-lhe. - Nunca consegui dizer o nome completo. Ensine-me lá!

Repeti o nome, tão simples para nós portugueses, mas que põe a língua de um alemão atrapalhada. Saraiva tem um ditongo (terror alemão) e Carvalho, na melhor das hipóteses, é pronunciada cárfálio.

De qualquer maneira, nunca me passara pela cabeça que, em meados dos anos 1990, um alemão, que não percebia patavina de português, soubesse quem era Otelo Saraiva de Carvalho!

- Mas de onde o conhece?

- Dos comícios.

- Comícios? Ela não faz comícios há muito tempo…

- Mas fazia muitos em 75.

- Esteve em Portugal nessa altura?

- Estive, claro.

- E assistiu a comícios sem saber falar português?

- E é preciso saber português para uma pessoa se entusiasmar num comício do Otelo?

Procurava uma resposta à altura:

- Bem… não sei… era ainda criança.

- Eu tinha dezassete anos, quando ouvi falar no ambiente revolucionário que se vivia em Portugal. Abalei com um grupo de amigos. Foram dos melhores meses da minha vida! Arranjámos trabalho ligado à Reforma Agrária, depois de fazermos amizade com gente que igualmente nos guiava de comício para comício. Nunca mais me hei de esquecer de um, em Lisboa, com Otelo. Tive a sorte de ficar muito perto do palanque. O homem era incrível! O seu entusiasmo, a sua convicção… Mesmo sem entender patavina, fiquei maravilhado.

 

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Otelo Saraiva de Carvalho

*31-08-1936

†25-07-2021

Otelo Saraiva de Carvalho: «Não cometo pecados capitais, sou santo em potência»

Quem fala assim... (28)

Pedro Correia, 13.02.21

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«Gosto mais de conduzir do que ser conduzido. De forma geral, desde miúdo sempre tive vocação para líder»

 

Estratego do 25 de Abril, caudilho da esquerda mais radical durante o processo revolucionário de 1974-1975, Otelo Saraiva de Carvalho disponibilizou-se de imediato para responder a este questionário telefónico, dando algumas respostas surpreendentes. Prefere o azul ao vermelho, adora cantar New York, New York e a sua personagem de ficção favorita é James Bond.

 

Qual foi a maior decepção que sofreu até hoje?

Ver o comportamento da classe política portuguesa. Nós, capitães de Abril, depositávamos grandes esperanças nela para elevar o País a patamares de grande nível. Infelizmente, isso não aconteceu.

Gostaria de viver num hotel?

Só em viagem gosto de viver num hotel. De forma geral, o ambiente de hotel deixa de me agradar ao fim de uma ou duas semanas.

A sua bebida preferida?

Vinho tinto.

De onde?

Sempre alentejano. Tinto de Reguengos. E branco da Vidigueira.

Que número calça?

39, 40. Tenho o pé pequeno.

Que livro anda a ler?

Acabei de ler Um Militar na Política, do general Galvão de Melo.

Gostou?

O livro é interessante por fazer algumas revelações importantes sobre a experiência militar de Carlos Galvão de Melo, que ainda antes do início da Guerra Colonial escreveu a Salazar e ao ministro da Defesa, Santos Costa, alertando-os para a necessidade de se encontrarem soluções políticas para o problema africano. Mas Salazar nunca mostrou interesse nisso.

A sua personagem de ficção preferida?

James Bond.

Gosta mais de conduzir ou de ser conduzido?

Gosto mais de conduzir. De forma geral, desde miúdo sempre tive vocação para líder.

É bom transgredir os limites?

É bom, sim senhor!

Qual é o seu prato favorito?

Uma boa posta de peixe grelhado, com batatas cozidas. Cherne ou garoupa, de preferência.

Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?

Não me vejo a cometer nenhum pecado capital - nem inveja, nem luxúria, nem gula, nem preguiça. Não me reconheço em nenhum deles. Sou um santo em potência.

A sua cor preferida?

Azul.

Sempre pensei que preferisse o vermelho...

O vermelho é demasiado ostentatório. Pode ter um sublinhado ideológico, e aí agrada-me. Mas para vestir prefiro o azul.

Qual é a peça de vestuário que prefere?

Pólo.

Costuma cantar no duche?

No duche e sem ser no duche. Costumo cantar. Ando sempre com qualquer canção na boca - desde o Summertime ao New York, New York, do Frank Sinatra. Ou uma canção do José Cid, do Paulo de Carvalho ou do Zeca Afonso.

E a música da sua vida?

Há uma que trauteio muitas vezes: I never promised you a rose garden.

Sugere algum alteração ao hino nacional?

É claro que a letra está desactualizada e podia ser modificada. Mas este hino está muito arreigado na população e é muito conhecido pelos portugueses.

Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?

Com Nelson Mandela [falecido em Dezembro de 2013].

Qual o seu maior sonho?

Ver concretizados os ideais que nos nortearam ao fazer o 25 de Abril. Uma grande parte deles ainda não foi alcançada.

E o maior pesadelo?

A III Guerra Mundial.

O que o irrita profundamente?

A mediocridade e a estupidez.

O que faria se fosse milionário?

Procurava contribuir, de todas as maneiras possíveis, para o aumento do bem-estar, da dignidade e da felicidade do povo português.

Uma mulher bonita na política?

Talvez a Ségolène Royal.

Acredita no paraíso?

Acredito no paraíso terreno, um lugar onde uma pessoa se sinta bem, com uma paisagem magnífica. Há locais assim no nosso país.

Tem um lema?

Antecipar-me sempre à mediocridade.

 

Entrevista publicada no Diário de Notícias (3 de Novembro de 2007)

Outra revolução...

Helena Sacadura Cabral, 26.03.14
Aos 77 anos, o capitão de Abril Otelo Saraiva de Carvalho confessou à agência Lusa que já fora desafiado a concorrer à Presidência da República, mas que só aceitaria o cargo se algo de espantoso acontecesse, com "uma mudança de regime que valha a pena".
O agora coronel na reforma gostava de "participar numa qualquer mudança efectiva do país" e até já propôs a reconstituição do MFA.
O PS procurou alicia-lo várias vezes, disse. Recebeu convites de altos dirigentes para ser cabeça de lista às eleições parlamentares, mas nunca aceitou, porque nunca quis hipotecar-se a nenhum partido, recordou.

Para Otelo, "os partidos sempre constituíram grupos de poder que lutam pelo poder, não em benefício de todo o povo, salvo medidas esporádicas, mas em benefício do próprio partido".

Ora aqui está a "notícia" que estava mesmo a faltar-nos no dealbar do mês de Abril e dos quarenta anos da Revolução dos cravos. Ele há com cada marau!

To be or not to be

Pedro Correia, 24.10.12

Otelo Saraiva de Carvalho admitiu em Março fazer "um novo 25 de Abril". Agora, em Outubro, avisa que vem aí "uma nova revolução". Depois de ter dito que "não fazia o 25 de Abril se soubesse como o País ia ficar" e que "precisávamos de um homem com a inteligência do Salazar", devemos considerar-nos satisfeitos por ainda não lhe ter passado pela cabeça anunciar a intenção de fazer um novo 28 de Maio.

 

Mais uma revolução?

Helena Sacadura Cabral, 15.03.12

O coronel Otelo Saraiva de Carvalho afirmou ontem em Coimbra, que só as Forças Armadas, em nome do povo, poderão resolver o problema da perda de soberania de Portugal "como a que actualmente se verifica" derrubando o governo.


Para Otelo Saraiva de Carvalho essa actuação das Forças Armadas passaria por “uma operação militar que derrube o Governo que está” em funções, “mesmo apesar de eu saber que o Governo foi eleito. Mas foi eleito em que condições? E actualmente há satisfação dos portugueses em relação ao poder que foi eleito? E se houver outras eleições haverá satisfação? Não!”, respondeu aquele que foi um dos protagonistas da revolução de 25 de Abril de 1974.
No seu entendimento, “quando há perda de soberania, perda de independência nacional, as Forças Armadas têm de actuar”.
Ficámos esclarecidos. A Otelo a reforma não lhe assenta. Precisa de acção. E, pelos vistos, também de alguma específica medicação.
Ele sai-nos com cada herói...

Em busca do tempo perdido.

Luís Menezes Leitão, 15.03.12

 

Estas declarações de Otelo enquadram-se no seu percurso de incessante busca pelo tempo perdido, por parte de um velho líder revolucionário que viveu um período eufórico nos idos de 1974/1975, onde julgava poder transformar-se no Fidel Castro da Europa, mas depois nunca foi capaz de se adaptar ao regime democrático. As declarações e conferências de Otelo a reclamar um novo golpe de Estado não representam qualquer perigo para o regime, mas não deixam de ser um curioso sinal dos tempos. Há muito tempo que Otelo tinha deixado de fazer este tipo de declarações. O facto de agora as repetir constantemente significa que acha estarmos em período em que elas poderão surtir algum efeito. É por isso preocupante a instabilidade financeira, a perda de soberania e o descrédito do regime a que temos vindo a assistir nos últimos tempos. O risco, no entanto, ao contrário do que julga Otelo, não é que isto conduza a um novo 25 de Abril: é que conduza a um novo 28 de Maio.

A anatomia de Otelo

Rui Rocha, 26.11.11

Mário Soares afirma que Otelo tem muito bom coração. Ramalho Eanes assevera que Otelo tem o coração perto da boca. Se tivermos em conta que a história testemunha que Otelo teve o dedo colado ao gatilho e que, com a outra mão, manteve o fósforo junto do rastilho, chegaremos à conclusão que, no meio de tudo isto, o que é preciso é ter estômago.