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Delito de Opinião

Os Meus Carros (8)

João Carvalho, 20.04.12

 

Podia viver-se sem um Volkswagen? Podia, mas não era a mesma coisa. Vários foram os modelos do velho 'Beetle' ou 'Carocha' que fizeram parte da minha vida ao longo dos anos.

O primeiro foi um 1300L com tecto rectangular de abrir (em chapa da cor da carroçaria, que era cor de areia), que andou lá por casa entre um carro que tinha saído e outro que ainda estava para entrar. Na casa paterna, foi o único VW que pisou a garagem.

Mais tarde, por volta de 1970, tive eu um 1302 azul.

Depois de regressar de Macau e como segundo carro, tive um 1303S também com tecto rectangular de abrir (em chapa da cor do carro, que era branco).

Pelo meio, houve ainda um veterano de 1956, com óculo traseiro oval e setas laterais em vez de pisca-piscas. Perdi-o porque só andou na minha mão por afinidade...

Mais recentemente, não consegui alcançar a tempo um 1303 Karmann Cabriolet da última série alemã (1979), devidamente homologado pelo Clube Português de Automóveis Antigos (CPAA). Mas ainda não desisti de voltar a ter mais um Volkswagen clássico, original e reconhecido pelo CPAA, Cabrio ou não.

 

Os Meus Carros (7)

João Carvalho, 13.04.12

 

O Mazda 323 Sedan Notchback (três volumes) foi o último carro que tive em Macau. Em Portugal, o mais comum foi o modelo Hatchback (o dois volumes que aparece ao fundo), mas o meu era o que está no topo.

Já tinha passado pelas mãos de alguns portugueses, mas era um bom carro no seu segmento, muito bem equipado e com um eficiente ar-condicionado. Quanto regressei definitivamente, ainda o vendi a outro português.

Não teve grande história, mas teve um acidente. Foi um dos dois acidentes que sofri e em que o carro não conseguiu sair do lugar pelos seus meios. Só que, em poucas semanas e com a minha carteira muito mais leve, já o 323 circulava outra vez como se nada fosse.

 

Os Meus Carros (6)

João Carvalho, 06.04.12

 

Quando eu andava sempre de calções, os táxis eram quase todos Mercedes-Benz 180D, igualmente designados pela marca como W120 Ponton.

Também havia — não necessariamente táxis — os 190 (W121) e nem sempre D (de Diesel), pois podiam ser S e SE, entre outros modelos da marca alemã, cuja reconversão a partir do pós-Guerra nunca parou de evoluir e de se impor pela fiabilidade e resistência — características apreciáveis que, aliás, já faziam parte da História anterior da Mercedes-Benz.

Os Mercedes Ponton foram produzidos de 1953 a 1962. Muitos ainda se mostravam claramente estimáveis e prestavam grandes serviços nos anos 70 — estimáveis e bem respeitáveis, porque não ganharam fama sem proveito.

Nessa época, uma família desafogada não desdenhava mostrar-se com o seu 190S ou um luxuoso 220 SE, por exemplo, o que confirmava um certo estatuto social.

 

 

Hoje em dia, como clássico, talvez não seja um carro muito empolgante, mas nenhum coleccionador recusa um Ponton em estado invejável de fazer virar a cabeça a tanta gente que o conheceu por fora e por viajar dentro de algum.

Lá em casa, se a minha mãe e/ou alguma das minhas tias precisava, telefonava-se para a praça de táxis mais próxima, a que ficava no interior da Praça de Mouzinho de Albuquerque (vulgo Rotunda da Boavista), virada a Poente. Era então normal aparecer-nos à porta o senhor Fonseca, já nosso conhecido de tantas saídas, de fato e gravata ao volante do seu impecável 180D sempre a brilhar.

Fartei-me de ir à Baixa nesse Mercedes azul escuro do senhor Fonseca, muito antes da norma que impôs que os táxis fossem pretos com o tejadilho num verde invulgar, para se distinguirem com facilidade dos restantes carros.

 

Os Meus Carros (5)

João Carvalho, 30.03.12

 

O Citroën Ami 6 Break Confort era ronceiro e de baixos consumos, em contraste com os Prinz 1000 anteriores lá de casa.

Creio que foi aí pelos finais da década de 60. Era branco-sujo, com estofos pretos. Tinha o seu quê de divertido, isso o Ami 6 tinha, e aquela versão Break era muito mais parecida com um automóvel normal do que a versão Berline, cujo estranho corte do óculo traseiro não contava com uma aceitação que pudesse considerar-se razoável: os poucos adeptos constituíam a explicação óbvia para haver muito mais Breaks do que Berlines.

 

 

 

Porém, o Ami estava longe de ser perfeito, mesmo no seu estreito segmento. Lembro-me perfeitamente, por exemplo, de não haver qualquer justificação (excepto o da gaffe de concepção) para a dureza do pedal do acelerador. A força desmedida requerida pelo acelerador contrastava escandalosamente com a velocidade vertiginosa que o carro se recusava a atingir, por muito que lhe pedissem para andar mais um bocadinho.

A abertura horizontal das janelas era outro problema, porque o arejo permitido no interior, se necessário, mostrava-se totalmente insuficiente. Este problema, associado à capota em fibra de vidro (característica de outros Citroën, como os prestigiados "Boca-de-Sapo"), tornava o habitáculo infernal, quando o carro ficava sob o sol do Verão.

Recordo-me que a minha irmã mais nova, numa dessas situações, esteve à beira de uma insolação que só por um feliz acaso não terminou em drama — mas pouco faltou — quando estávamos parados na estrada à espera da reabertura de uma cancela dos caminhos-de-ferro.

Enfim: naquela época, foi um carro bem diferente, entre todos os que passaram lá por casa.

 

Os Meus Carros (4)

João Carvalho, 23.03.12

 

O Morris Minor 1000 dos anos 50 faz parte das minhas primeiras memórias dos carros que podia devorar com os olhos e as mãos. Era do meu tio António, era café-com-leite e era um pequeno familiar que teve muito sucesso.

Lembro-me vagamente que o tio António teve um acidente com ele e acho que podia ter sido muito mais grave, porque ele disse que não voltaria a ter carros pequenos.

Tirando o que vos conto, não me vem à cabeça qualquer episódio especial com o Minor, porque eu era ainda muito garoto, mas ocorrem-me todos os detalhes habituais do carro.

Há uns anos, fui encontrar uma quantidade deles a circular, nas suas diferentes versões, em latitudes onde os britânicos estiveram estabelecidos até meados do século XX. Especialmente na Malásia, proliferam Morris Minor em tal número que nem parece constituírem um legado deixado por lá, mas poderia antes supor-se que se trata de um automóvel nascido em terras malaias.

 

Os Meus Carros (3)

João Carvalho, 16.03.12

 

Não me lembro exactamente quando entraram lá em casa, mas lembro-me de que um dos NSU Prinz 1000 tinha uma matrícula que começava por DA.

Eram versões desenvolvidas dos 1000 anteriores. O primeiro foi o 1000S. Com aquela carroçaria de veículo híbrido típica dos Prinz — a frente e traseira quase iguais — parecia feito para ser carro de bispo, branquíssimo por fora e vermelho por dentro.

Um dia, ainda novinho, foi levado para uma revisão na marca e nunca mais voltou: ao sair da oficina pela mão de um experimentador, apanhou na parte de trás com outro carro que passava e ficou muito danificado. Definitivamente. Resultado: ao fim de inexplicavelmente difíceis negociações, a marca acabou por entregar um 1000C, que tinha começado a substituir o S.

Os Prinz 1000 eram rápidos. Mas o nervosismo da máquina traduzia-se no permanente cheiro a gasolina que exalava e este, por seu turno, reflectia-se no consumo exagerado que nem a condução mais suave conseguia moderar. Por isso, também o 1000C não ficou lá por casa muito tempo: antes de entrar para a história da família, foi rejeitado e trocado por outro automóvel muito diferente.

Assim, sem história, um dos NSU ficou apenas para a minha história própria, porque eu era ainda muito novo (14 ou 15 anos, talvez) e foi nele que me sentei pela primeira vez ao volante, pus o motor a trabalhar, engatei a primeira, arranquei, dei a volta completa ao quarteirão e regressei ao ponto de partida, onde estava a minha mãe com mais gente incrédula de boca aberta perante o meu feito.

 

 

Na verdade, eu nunca conduzira antes. Apesar do meu notório interesse por carros, a família não alimentava tais atrevimentos para evitar asneiras de que todos se arrependessem e, portanto, houve grande espanto por eu ter conseguido conduzir sem ter quaisquer antecedentes. Sozinho, tive ocasião de aplicar tudo o que costumava ver fazer com extraordinária atenção.

 

 

De resto, os NSU 1000 nem ficaram nas nossas memórias familiares, porque passaram fugazmente lá por casa e não deixaram saudades. Como disse, o 1000S morreu de morte súbita e o 1000C não tardaria a ser trocado por um carro totalmente diferente, mas isso é outra história para outra vez.

Os Meus Carros (2)

João Carvalho, 09.03.12

 

O Fiat 600D entrou lá em casa a estrear e foi ocupar na garagem o lugar do vetusto "Cartolinhas". O TO-17-86 (como eu me lembro), de 1961, pela forma e pela inusitada cor de origem (uma espécie de verde-da-horta que se prolongava no interior pela parte central dos assentos e forros das portas) foi depressa baptizado por nós com um nickname adequado: o "Ervilhinha".

Era a primeira série do 600D, que se diferenciava dos Fiat 600 anteriores por já não ter um motor com cerca de 600 cc, mas sim com quase 770 cc, o que o tornava um pouco mais potente. A pequena bagageira, partilhada à frente com o depósito de gasolina e a roda sobressalente, completava-se com um espaço por trás das costas do assento traseiro (como nos "Carochas" da VW), buraco no qual viajei algumas vezes (mais por brincadeira do que por necessidade). Além de pequenas alterações exteriores, o 600D notava-se por trazer, pela primeira vez, um quebra-vento triangular nas janelas das portas, o qual se abria para permitir um pequeno arejo do interior ou, sobretudo, para cortar o vento que o vidro aberto fazia para os passageiros de trás. As portas, porém, ainda eram "malcriadas" — abriam-se pela frente — pois só nas séries seguintes, com o modelo já em fim de linha, é que a Fiat teve de se adaptar à nova legislação internacional.

Nessa época, recordo-me que passava quase diariamente, no percurso para o colégio, por um Fiat 600 pouco comum em Portugal: o 600 Multipla, um pequeno veículo misto (versátil e talvez um vanguardista visionário do conceito do monovolume) que foi táxi em várias cidades italianas nesses anos 60. Tinha seis lugares, quatro deles rebatíveis, e atraía a minha curiosidade.

 

 

Muitos anos depois, o meu primeiro carro foi precisamente um 600D, esse já com as portas normalizadas. Comprei-o usado com dinheiro meu e acrescentei-lhe uns "cheirinhos", como um volante preto de competição pequeno e espesso e um vistoso emblema da Abarth aparafusado no exterior, junto à marca do carro. Era cinza-rato pouco feliz, mas tinha estofos e forros pretos. Além disso, o ar racing era completado por uns cobiçados toques Abarth, que incluíam uma panela de escape com uma sonoridade respeitável e umas dobradiças especiais que serviam para deixar a tampa do motor atrás semi-aberta, a fim de facilitar o arrefecimento da "máquina".

 

 

O tablier, como em vários outros carros da época, era metálico igual à carroçaria exterior. O "Ervilhinha" foi sempre assim, mas o meu, mais tarde, eu próprio passei um fim-de-semana a forrá-lo com napa preta. Ficou muitíssimo bem e cheio de raça. Acabei por vendê-lo bem mais caro do que o preço pelo qual o comprara. Deve ter sido o único negócio razoável que fiz na vida.

Os Meus Carros (1)

João Carvalho, 02.03.12

O Austin 8 é capaz de ter sido o primeiro carro a fazer parte da minha vida. Pelo menos, parece-me ser assim que o localizo nas minhas memórias. Era do meu avô materno e nunca me esqueci da matrícula: TO-11-54.

O meu avô Manuel era médico militar e tinha, por isso, acesso facilitado à gasolina racionada na altura, em resultado da II Guerra Mundial. O carro, de 1948, mandara-o ele vir de Inglaterra, pelo que tinha volante do lado direito, o que não fazia qualquer diferença nessa época. Era azul muito escuro com os guarda-lamas salientes em preto e o couro interior castanho.

O Austin era mais velho do que eu, mas o certo é que pouco precisei de crescer nos meus calções para dar início ao culto que ele merecia: comecei cedo a deixar-me arrebatar por automóveis. A este, familiarmente, costumávamos chamar-lhe "Cartolinhas".

A mala do Eight andava sempre cheia de ferramenta, corda, arame, trapos e tudo o mais que se quisesse. Quando o carro avariava em viagem, o meu avô barafustava com toda a gente e ninguém piava com medo de piorar a situação, mas a verdade é que ele ficava encantado por poder desenrascar o problema — coisa que adorava fazer com má cara, mas no que era quase sempre bem sucedido, para não dizer sempre — e, no fim, com as mãos e o fato sujos, sentia-se feliz por ter dominado a máquina.

Problema maior era quando o carro não pegava a trabalhar em frio. A pesada manivela em ferro tinha de entrar em acção, mas o sacão que dava podia ser perigoso ao ponto de partir um braço ou a mão pela força do motor a rodar.

 

 

Na década de 50, depois da morte repentina do avô Manuel e por acordo familiar, o meu pai ficou com o carro, que foi impecavelmente pintado e o motor rectificado. Durante umas semanas, um dístico no óculo traseiro explicava aos condutores que seguissem atrás a razão da marcha mais lenta do que seria de esperar: Em Rodagem.

Lembro-me de andar numa escola pública do Porto e de, em dias de muito mau tempo, o meu pai me levar no carro para as aulas.

Creio que nos despedimos do "Cartolinhas" aí pelo início dos anos 60, levado por um particular que até do volante à direita gostava, vá lá saber-se por que razão. Lá em casa, o lugar do velho british nascido em Birmingham era rapidamente ocupado por um italiano de Turim, que logo substituiu aquele resistente herói sobrevivente da Guerra. Mas o veterano ainda hoje suscita um suspiro.