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Delito de Opinião

O Orçamento*

José Meireles Graça, 15.10.24

Luís Aguiar-Conraria disse há dias na SicN, no 325º painel de entrevistados e comentadores sobre o assunto do Orçamento, que “isto é um Orçamento como os outros, não tem nada de especial tirando o IRS Jovem” etc. etc. Mais à frente, achou artificial a barulheira em torno de 1% do IRC, que é o cadinho grotesco (classificação minha) a que está reduzida a divergência entre o Governo e o PS.

“Como os outros”. Quer dizer, portanto, que de reformas nicles, de pequenos bodos às clientelas eleitorais muito, e de salganhada fiscal, escalões disto e daquilo, reduções que talvez não o sejam, isenções a granel e aumento encapotado da punção fiscal – muito. Resta a modesta esperança de que ao menos a trapaça das cativações que o genial Centeno inventou (orçamentava-se uma coisa para os jornais e a opinião pública, acrescentavam-se umas abébias para confortar as duas peças do extinto tripé esquerdista e depois executava-se outro Orçamento) não seja o ordinário da governação.

Um cidadão honesto e temente a Deus ouve estas trapalhadas e, no meio do nevoeiro geral, retém apenas o que lhe interessa directamente – o que vai acontecer ao salário, à pensão, às retenções do IRS, à conta da luz e pouco mais.

Faz muito bem. Que ninguém, excepto por obrigação de ofício ou em cumprimento de sentença judicial em que tal leitura apareça como pena alternativa à de prisão, se atreve a percorrer o calhamaço de quase 500 páginas onde a presença avassaladora do Estado aparece em todo o seu esplendor.

O que tudo isto significa é que este Orçamento, descontando uma leve tónica sadia aqui e ali, poderia ser o do PS. E fica por saber se isso é o preço que o Poder actual decidiu antecipadamente pagar para não ver o documento chumbado, e ir provavelmente para eleições, ou se em matéria de reformismo pouco mais saberia dar. Como fica por saber, porque o assunto já é obsoleto e suposições contra-factuais cada qual faz as que quer, qual o grau de reformismo que teria sido possível (ou não, Ventura é, em matéria de opiniões, um tanto mercurial) em caso de aliança com o Chega.

Quem quiser um bom resumo encontra-o aqui, mesmo que do que se está a falar seja de uma proposta que pode ser esfarrapada na discussão na especialidade. O que não é de somenos: com um tão pequeno superavit previsto as oposições podem bem engendrar um défice em nome da Justiça, Igualdade, Não Sei Quê e outras grandiloquências.

Que estamos num pântano é portanto líquido, se o BdP ainda emitisse notas bem podia nelas estampar a cara do estadista Guterres.

O resumo acima mencionado não fala nisso mas o que se passou com o IRC é um poço de desesperança. A intenção inicial era, parece, reduzir a taxa de 21% para 15%. Depois, para 17%. E agora fica pelos 20%, se é que não vem embrulhada nas trapalhadas de ser uma coisa para umas empresas que fazem o que o Governo acha que devem fazer em matéria de aumentos salariais e investimentos, e outra no caso de fazerem o que decidam melhor lhes convém.

20% ou 21% é igual ao litro, de modo que será o caso de dizer que se era para essa merda (pardon my French) escusavam de se estarem a incomodar. Convém lembrar:

  1. As empresas não pertencem à comunidade, pertencem aos seus sócios e accionistas e a sua utilidade social decorre de, por existirem, criarem riqueza, não decorre de serem departamentos do Estado em que, com a cenoura de os gestores ou proprietários poderem ganhar um pouco mais, estes se sujeitarem ao pau de apparatchicks;
  2. Uma empresa mal gerida, se estiver em concorrência, ou tem resultados medíocres ou vai à falência. Porém, é o resultado comparativo que diz alguma coisa sobre o que é e não é boa gestão, não as opiniões de teóricos políticos e seus conselheiros economistas que, pela maior parte, não é seguro que soubessem gerir até mesmo um minimercado de bairro. Acresce que a realidade das situações é demasiado variada e rica para a corpos muito diferentes tentar vestir o mesmo fato de gestão;
  3. Diz-se que reduções da taxa de IRC ajudam apenas grandes empresas porque as pequenas e muito pequenas pouco ou nada pagam (a nova coqueluche do PS, Alexandra Leitão, só não fica rouca a papaguear isto, que imagina seja uma verdade absoluta, porque está habituada a discursos torrenciais onde pinta inspiradamente as visões do PS para tudo e um par de botas). Porém: a) As estatísticas que se invocam são fajutas porque não têm em conta milhares de empresas que não têm actividade (e portanto não pagam imposto) porque encerrá-las definitivamente é com frequência inexequível ou, ao menos, um cabo dos trabalhos para coisa nenhuma; b) Quando se diz que as grandes empresas têm estas e aquelas vantagens em matéria de salários que podem pagar, respeito das normas ambientais e outras, abertura à contratação de doutorados, investimento em investigação e desenvolvimento, e um longo etc., é contraditório sufocá-las com impostos. Cresce, diz o Fisco Socialista, que se conseguires ser grande nós cá estamos para te castigar;
  4. Ah, que captar investimento estrangeiro é que é o abre-te sésamo do verdadeiro desenvolvimento. Não temos capital, dizem desconsoladamente os sucessivos ministros da Economia que fazem viagens para promover o país, regressando cheios de promessas e boas intenções numa mão e nada na outra. Uma das mais fortes razões para isso, além dos tribunais e o seu arrastar de pés, são os impostos predatórios e a máquina tenebrosa da AT;
  5. Os lucros (palavra maldita e equívoca porque para ouvidos comuns é dinheiro que resulta da diferença entre custos e proveitos, na realidade podendo essa diferença não se traduzir no imediato em disponibilidades de fundos, por um sem número de razões difíceis de explicar a quem de contabilidade saiba apenas o que diz o dicionário) podem apenas ter três tipos de destinos: a) Serem aferrolhados, caso em que reforçam a capacidade de investimento e potenciam o crescimento, e os lucros, futuros; b) Ser distribuídos pelos sócios, caso em que a taxa de imposto que sobre eles recai será maior do que a do IRC; c) Serem, em parte, distribuídos por todos, ou alguns, trabalhadores, caso em que só de taxa social estamos a falar de quase 35%. E para algum pevidoso que venha dizer que aquela taxa não é um imposto e que tais prémios são custos recordo que o Estado é a ultima ratio de quem espera vir a ter uma pensão e que a possível poupança em IRC não cobre o custo da munificência; d) Serem investidos (os técnicos de contas e o legislador costumam dizer “reinvestidos”), caso em que o PS, generosamente, reduz o imposto. Dito de outra forma: Em vez de pagar o IRC pantagruélico vai o empresário “investir” onde o Estado, e não ele, acha melhor. Isto não é considerado uma porta aberta à corrupção nem torrefacção de fundos.

Percorrendo o Orçamento, a mesma mistura de estatismo, intervencionismo, dirigismo e despesismo. Que terá como resultado o mesmo arrastar de pés económico que nos faz ir teimosamente para a cauda da Europa de onde alguns países nos deixaram de fazer companhia.

O expatriado, graças a Deus, Costa, disse um dia a propósito de umas eleições que o rival Seguro, que queria esfaquear, ganhou, que era “poucochinho”. Este Orçamento também.

* Publicado no Observador

Orçamento do Estado 2025 - Episódio 58

Paulo Sousa, 15.10.24

Intriga e enredo é coisa que não têm faltado na novela do OE do próximo ano.

André Mentura, ou Ventira (cada qual pode escolher-lhe a alcunha, ou até combinar estas minhas singelas sugestões), no seu modo de rufia de taberna, entendeu revelar ao mundo que Luís Montenegro lhe propôs um acordo, em que à troca do apoio do Chega para OE 2025, o incluiria num próximo elenco governativo, imagino que após uma remodelação governamental. Nesta revelação em estilo "viralizou nas redes sociais" o líder do Chega coloca assim a sua palavra contra a do Primeiro Ministro.

Os portugueses que ainda disponham de vesícula para acompanhar todas as falas das personagens deste infindável enredo, certamente que já conhecem, ou estimam, os objectivos e ambições de cada um. E é com isso em mente que há uma pergunta que ainda não lhe foi colocada. "Então, recordando as suas exigências no início do mandato, se lhe foi proposto fazer parte do governo, porque é que não aceitou?"

OrXamento de EXtado XoXialYsta

Pedro Correia, 12.10.23

relatório OE, p 51 Susana Peralta.jpg

 

Assim qualquer de nós elabora orçamentos. Até orçamentos do Estado. Nem é necessário fazer contas: basta conhecer o alfabeto, com destaque para as letras X e Y.

Eis um exemplo, extraído da página 51 do relatório do OE 2024: o Governo promete investir «XX milhões de euros no parque público a preços acessíveis, XX milhões de euros na educação e YY milhões de euros na coesão territorial». Captado com olho de lince pela economista Susana Peralta, na sua conta da rede social X (nome disparatado mas que aqui faz todo o sentido).

Já está, é muito fácil. Um OrXamento de EXtado verdadeiramente XoXialYsta.

Previsões meteorológicas

José Meireles Graça, 24.10.21

Se eu fosse, mas não sou, prudente, não diria nada sobre as negociações em torno do Orçamento porque como está com mais uns retoques pode ser aprovado, mas também pode ser reprovado, ninguém sabe que Orçamento será executado em caso de aprovação, a peça de teatro que se desenvolve no Parlamento é apenas uma parte do processo de aprovação ou reprovação e, verdadeiramente, o calculismo costiano e o do PCP e do PS é que são as pedras de toque do desenlace, não o Orçamento em si.

Este é mais uma centenice, ou marcelice se se quiser (a da evolução na continuidade que o padrinho cunhou, não dos balbuciares atarantados do afilhado), com um aluno, Leão, que apreendeu os truques e alçapões do mestre, Centeno, mas sem lhe herdar a, já de si não muito abundante, habilidade retórica. Quase ninguém tem muitas dúvidas de que o deslizar para os últimos lugares do desenvolvimento na Europa (que ela própria não cessa de perder lugares no mundo, uma decadência que é a consequência necessária do seu inverno demográfico associado à gestão socialista da UE), o avolumar da dívida cujo serviço explodirá no dia em que o BCE não puder mais sustentar os países do calote potencial, a exportação de trabalhadores adequadamente formados para enriquecer outras economias, a obesidade do Estado, que surge como regulador em todas as esquinas da vida, a fiscalidade demencial, o crescimento exangue e um longo e ominoso etc. – serão as heranças que deixará a bonomia de Costa e o seu cansado mantra das apostas na educação, na formação, na descarbonização, na economia circular, na promoção disto e daquilo, nas contas sãs (que interpreta como um equilíbrio falsificado para Comissão Europeia ver, enquanto vai deixando em ruínas o Estado Social e o SNS com o qual comprou, a crédito, votos), e no lero-lero de quanta tolice anda no ar da moda da gestão socialista.

Paulo Portas, que não consta tenha um par de asas nas costas, aventava que talvez o rotundo estadista tenha na ideia ir para eleições para não ter de as disputar noutra maré menos favorável, isto numa altura (Domingo passado) em que todo o analista garantia que o Orçamento passava.

Entretanto, o preço do combustível disparou e o eleitor mexe-se, incomodado. Há em Portugal bem mais de 5 milhões de automóveis ligeiros e por isso a retórica dos ricos que paguem a crise, desta vez, não cola, porque não há 5 milhões de ricos. Depois, começa a instalar-se a suspeita de que o optimismo militante de Marcelo, que toda a gente leva à conta de feitio, talvez seja defeito; e que a Oposição dita de direita, num ponto e noutro, terá alguma razão. Os preços nas praças e no supermercado estão-se a começar a mexer, e a paciência para a sofreguidão da famiglia socialista, sentada como em casa própria à mesa do Orçamento, está a erodir-se.

Daí que no Domingo passado tendesse a concordar com Portas, mas a novela grotesca em torno do preço do gasóleo (uau, o trabalhador vai receber, depois de um calvário burocrático, um reembolso de 5 Euros por mês, e a isto o jornalismo chama, sem se rir, uma medida) e a cabeça perdida de Costa, que passou a semana a espadeirar com uma lista repugnante de cedências a Catarina e ao bom do Jerónimo, convenceram-me do contrário: o homem não quer ir embora, porque não tem para onde ir, não quer eleições porque acha que não se consegue livrar da necessidade daquelas luminárias ancilares ainda mais esquerdosas do que ele, e não encara entendimentos com o PSD porque deixou passar essa oportunidade (talvez Rio seja o dirigente mais parecido com um socialista médio que o PSD alguma vez teve) e, de todo o modo, António Costa sempre foi um táctico brilhante mas tem um nucleozinho de convicções duras, e não particularmente lúcidas nem inteligentes, que consistem nisto: a esquerda é o que convém ao país, o PS o que convém à  esquerda, e a direita tolera-se em nome da democracia, que com ela, porém, fica em estado de intolerável imperfeição. O pobre homem reza a estas coisas.

Hoje, normalmente, o assunto já deveria estar encerrado. Não está porque comunistas lúcidos (são lúcidos no mesmo sentido em que há psicopatas com discursos coerentes) acham que* o negócio da troca do apoio por cedências no aparelho de Estado e na armadura legislativa está esgotado e teve um preço eleitoral demasiado alto. O muito que Costa já cedeu tem como limite as baias da tolerância europeia (o Orçamento deve dar a impressão de que a dívida se vai reduzir por via do crescimento) e a sua intuição de que uma capitulação total se voltaria contra ele. Como com menos consistência e mais lirismo o clube de frei Anacleto Louçã não navega em águas muito diferentes temos que o Orçamento não vai, provavelmente, passar.

Se não passar, aos actores políticos incharão as cordoveias do pescoço, de tanto gritarem, a classe jornalística esfarrapar-se-á em cenários e prognósticos e a opinião pública, pávida, será induzida a pensar que a inflação que regressa, o conflito social que se vai acentuar e o berreiro dos comunistas sem e dos com acne são consequência da instabilidade política, uma tese que o próprio Marcelo, com a sua característica curteza de vistas, decerto subscreverá.

Mas não são. Os governos pós-troica ocuparam-se a reverter o módico de reformas daquela época e a instalar um modelo de desenvolvimento (peço desculpa pela expressão) tributário do longo catálogo de patetices intervencionistas que os socialistas de todos os bordos subscrevem, no caso agravadas pelo contributo das excrescências venezuelanas do PCP e do Bloco. E não fora a UE e sobretudo O BCE o diabo, que tanta gente disse que ia chegar (e eu entre os mais) já cá estaria.

Já cá está, parece-me, mas ainda não se vê bem a sua cabeçorra hedionda. Se estiver enganado, porém, o futuro próximo também não será exaltante: é o progresso do retrocesso.

Razões pelas quais se o Orçamento passa ou não passa interessa pouco, excepto pelo facto de, se não passar, a gente se entreter com os paroxismos da luta política.

 

*Um amigo dilecto disponibilizou-me o artigo acima referido de Pedro Tadeu, porque da primeira vez que o vi tive acesso mas quando lá quis regressar o Diário de Notícias queria que me inscrevesse num tal de Nónio, decerto para me pôr a pagar – um escândalo. Quando mo enviou, escreveu: “O apoio parlamentar, neste caso ao orçamento, valeria a pena se o PC conseguisse convencer o seu eleitorado potencial de que conseguiu vitórias muito concretas ao impor ao PS as medidas x e y.  O problema é que essas vitórias são pífias, são mal comunicadas e ficam esquecidas dois dias depois, no turbilhão noticioso. Em última análise estão a apoiar o PS sem grandes ganhos. Mais valia ao PC, penso eu, tornar pública uma lista de exigências que vão ao encontro do seu eleitorado e estar pronto a votar contra se estas não forem aceites".

Tem razão. E só ponho aqui estas considerações porque ninguém do PCP decerto me lê, sendo como sou, tal como este amigo, um fascista do piorio.

O estado da arte

jpt, 25.10.20

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Raramente leio o "Expresso". E nunca leio Clara Ferreira Alves. Ontem uma amiga convocou-me: "Lê a crónica da CFA". Li. E recomendo-a, pois é uma boa descrição do actual "estado da arte" português. Trata-se de "O Torso Dispensável".

(Como o texto tem acesso reservado a assinantes poder-se-á ler uma transcrição parcial, mas quase completa, aqui.)

Obesidade mórbida

Paulo Sousa, 26.02.20

Olhando para o site da Direcção Geral do Orçamento e comparando a relação de grandeza entre o total da despesa pública e o PIB no ano de 2019, podemos afirmar que a riqueza produzida no país deixou de ser consumida pelo estado apenas no dia 23 de agosto pelas 12 horas e 14 minutos.

Neste rectângulo à beira mar plantado nunca o contribuinte luso foi chamado a contribuir com tanto para os cofres do estado. Podemos por isso afirmar com toda a propriedade que vivemos tempos históricos.

Esta data é simbólica mas serve para provar o excessivo peso do estado na vida dos seus cidadãos. Infelizmente não inclui todo o esforço que temos de despender para cumprir com todas as burocracias que nos são impostas.

A título de exemplo basta imaginar quantas horas terão sido gastas nestes últimos dias a conferir e validar facturas no portal das finanças? Cada contribuinte ou agregado terá consumido no mÍnimo duas ou três horas a fazê-lo, e a partir daí basta fazer as contas.

Fosse o estado um daqueles clérigos glutões tão bem descritos por Eça e estaria à beira de uma apoplexia.

Lá no bairro

Rui Rocha, 28.11.17

Isto é uma merda. A Mariana Mortágua esfrega o chão, faz o comer, trata dos filhos, passa a roupa do Costa a ferro, dobra-lhe as camisolas interiores, arruma-lhe os peúgos brancos na gaveta de baixo da mesa de cabeceira. E depois, o gajo anda na rambóia com a EDP. A Mortágua esbraceja, grita, ameaça, diz que faz e acontece. Mas no dia seguinte lá está outra vez com a esfregona na mão ou a coser-lhe as trusses enquanto o fulano vai ter com a outra. Na rua, a Mortágua anda com a cabeça muito direita, caminha muito digna. Mas todo o bairro vê o que se passa. O bardina sabe que é bonito e aproveita-se da fraqueza dela.

Gestão do curto prazo

José António Abreu, 24.10.17

Senão vejamos: quando pegamos nas medidas tomadas pelo governo em 2017 e excluímos as rubricas de “poupanças nas despesas de funcionamento” que nunca são explicadas, e portanto são extremamente genéricas, temos que, sem o efeito da poupança dos juros, o défice estrutural em 2017 manter-se-ia igual a 2016 (cerca de 2%) e não em 1.8% apresentados pelo governo. Com a redução dos juros, o défice estrutural reduz-se em cerca de 0.1 p.p..

[...]

E para 2018? Para 2018 vamos assistir a uma manutenção do défice estrutural em 2%, novamente à custa da redução dos juros. Repetindo o exercício anterior, em 2018 as medidas tomadas fazem a receita cair 100 M€ e a despesa aumentar 460 M€. Isto daria um agravamento do défice estrutural em 0.3 p.p. Contudo, uma poupança de juros na ordem dos 400 M€ permitirá manter o défice estrutural estável (mas não reduzi-lo como o governo afirma).

Note-se, assim, que sem a redução dos juros o défice estrutural em 2018 atingiria um valor próximo de 2.5% (sendo que em 2016 estava em 2%). As medidas tomadas por este governo representam já um agravamento do défice estrutural em mais de mil Milhões de Euros. Por agora não se nota: o crescimento económico permite esconder esta realidade. O problema vai ser quando tivermos de enfrentar uma nova recessão.

Da análise de Joaquim Miranda Sarmento, no Eco.

Transparência à socialista

José António Abreu, 31.10.16

1.

Faltavam dados no orçamento de Estado para 2017. Dados que, legalmente, o governo estava obrigado a fornecer e cuja ausência tornava difícil perceber a lógica por trás das previsões. Enquanto pôde, o governo resistiu a entregá-los. Não surpreende: sabemos há muito que a definição de «transparência» muda durante os governos socialistas. Perante a complacência geral, a verdade tende a assumir a forma das declarações oficiais.

 

2.

Mas, afinal, o que assusta o governo? Talvez que se perceba a inconsistência das previsões. E a mentira criada para a esconder.

 

3.

Em duas semanas, sem que tivesse ocorrido o anúncio de qualquer nova medida, receitas e despesas mudaram. Centeno, a estrela da Economia que iria pôr o país a crescer a mais de 3% ao ano, parece hoje limitar-se a ajustar números no Excel, de acordo com as conveniências.

 

4.

E era conveniente passar a ideia de um orçamento muito mais cor-de-rosa do que na verdade ele será. Veja-se o exemplo do ministério da Educação; em duas semanas, um crescimento das verbas disponíveis de 3,1% transformou-se num corte de 2,7%. O valor orçamentado é agora ligeiramente inferior ao de 2013. Porém, enquanto na altura Bloco, PCP e Frenpof anunciavam o «ataque à escola pública», hoje assinam de cruz e Mário Nogueira permite-se mesmo chamar «cretino» a quem se atreve a referir as suas incoerências. Televisões, rádios e jornais, entretanto, referem apenas que Centeno, embora no limite do prazo com que se comprometera, até enviou os dados. Alguém lhe ofereça um cartão de parabéns, por favor.

 

5.

E depois há a execução de 2016 e o truque das cativações. Elas existiram em anos anteriores, mas hoje, neste período pós-austeridade em que deveriam mostrar-se desnecessárias, são afinal cruciais para o cumprimento dos objectivos do défice - os únicos em que, ironicamente (falhados que foram os de crescimento, investimento e consumo), o governo está empenhado. Mais uma vez, Bloco e PCP parecem ter-se tornado panglossianos: este é o melhor dos mundos possíveis.

 

6.

De resto, as ironias acumulam-se. Nos montantes e termos actuais, as cativações - despesa orçamentada que o governo não deixa utilizar - significam serviços públicos em degradação acelerada. Hospitais, escolas, transportes públicos. Rui Ramos escreveu-o melhor do que ninguém: O governo devolve salários ao funcionalismo, mas tira-lhe, ao mesmo tempo, os meios para desempenhar o seu papel. Não poderia haver melhor sinal de que o Estado social só interessa ao governo e à maioria como uma bolsa de clientelas e de dependentes, e não como prestador ou garante de serviços à sociedade. A geringonça - formalmente de esquerda - não parece notá-lo. A comunicação social também não.

 

7.

As cativações representam igualmente atrasos nos pagamentos ao sector privado. Este foi um cancro dos últimos anos do governo Sócrates que a Troika tentou imediatamente corrigir, consciente dos seus efeitos: preços mais elevados para o Estado e dificuldades financeiras para inúmeras empresas. Na ânsia de fingir que tudo vai bem, a «geringonça» garante ao Estado custos superiores no futuro e a Portugal um menor crescimento económico desde já.

 

8.

Pouco importa. A lógica do governo é a sua própria sobrevivência, gerida dia a dia. Com uma comunicação social domada, com os sectores mais reivindicativos razoavelmente satisfeitos, com um sociedade cujo grau de conformismo pouco evoluiu desde os tempos do Estado Novo (para não recuar mais), a «geringonça» está à vontade.

 

9.

Nunca saberemos quais teriam sido os resultados de uma política que tivesse incentivado o investimento em vez de o afugentar, que tivesse devolvido os cortes de salários e pensões num ritmo mais lento para que essa devolução não se reflectisse na qualidade dos serviços e nos prazos de pagamento do Estado, que tivesse garantido gestão profissional e apolítica nos transportes públicos, que tivesse enfrentado a necessidade de reformar a Segurança Social. Mas sabemos que, em meados de 2015, tendo provavelmente aplicado um «efeito multiplicador» negativo ao cenário, Centeno garantia que essas opções representariam um crescimento de 1,7% em 2016. Quase o dobro do que ele se prepara para conseguir.

 

10.

Governar é assumir compromissos. Uma grande parte de governar em democracia é assumi-los em transparência. Numa perspectiva de futuro, os compromissos deste governo são péssimos, a sua falta de transparência assustadora. Mas os portugueses nunca foram de pensar no futuro e, desde que sintam estar a receber algumas migalhas, convivem bem com a dissimulação e com a mentira. É tradicionalmente a sorte dos caciques, é também a sorte da «geringonça». Até ao momento em que as migalhas acabem.

Resumo da intervenção de João Galamba no Fórum TSF desta manhã

José António Abreu, 21.10.16

Manuel Acácio: «Acha bem as pensões mais reduzidas não serem aumentadas?»

João Galamba: «É preciso ver que existe o complemento solidário para idosos.»

Manuel Acácio: «Mas o acesso ao complemento tem vários problemas...»

João Galamba: «Admito que sim, mas essa é outra questão; agora estamos a discutir o orçamento.»

Gestão de um falhanço

José António Abreu, 17.10.16

A estratégia do governo para a economia falhou rotundamente. É o próprio governo a reconhecê-lo, no orçamento para 2017, ao abandonar a via do consumo interno (prevê-se que o consumo privado aumente 1,5% e que o consumo público caia 1,2%) pela das exportações (previsão de aumento de 4,2%). Ou seja: Costa e o PS tomaram o poder após uma derrota eleitoral para, um ano decorrido, começarem a admitir a validade das opções do governo PSD-CDS. Infelizmente para o país, esta correcção de rota significa pouco: muitas medidas, já implementadas ou a implementar, servem de lastro a uma estratégia coerente e com um mínimo de hipóteses de sucesso. Não estamos somente perante um ano desperdiçado (um ano crucial, com o BCE a ajudar na frente da dívida pública) mas também perante a destruição de um ambiente favorável, que este governo nunca conseguirá recuperar - até porque, de forma a agradar às clientelas e aos parceiros da «geringonça», continua a introduzir medidas erradas e a evitar reformas necessárias. Na prática, o PS encontra-se entalado entre, por um lado, as pressões de Bruxelas, dos mercados (seria este orçamento igual se não fosse necessário convencer a DBRS?) e do BCE (onde se desespera ao ver a forma como vários governos aproveitaram a política monetária para adiar reformas) e, por outro, as pressões do PCP, do Bloco e das promessas irrealistas que Costa fez em 2015, com suporte técnico de Centeno, Galamba, Trigo Pereira, etc.

Mas a situação do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda é ainda mais difícil. Todos sabemos por que motivo o PCP aceitou integrar a «geringonça»: não podia autorizar a cedência a privados da gestão dos serviços públicos de transportes, pois isso representaria abdicar de toda a sua capacidade reivindicativa. Quanto ao Bloco, acossado pelo Livre, viu uma oportunidade para retirar PSD e CDS do governo e amarrar o PS às suas políticas. Há um ano, PCP e Bloco ainda conseguiram impor medidas relevantes a António Costa. Hoje, essa capacidade desvaneceu-se. Sendo o ónus de derrubar o governo demasiado pesado, aceitam tudo o que Costa está disponível para lhes dar. Neste orçamento, ele permitiu-se deixá-los a papaguear e a gesticular enquanto ia até à China; no regresso, como faria a qualquer arrumador de veículos, deu-lhes os trocos que tinha no bolso. Catarina e Jerónimo passarão semanas a queixar-se de que não estamos perante um orçamento de esquerda, mas aprová-lo-ão. E, não obstante a sobrevivência da sobretaxa de IRS e a inexistência de aumentos salariais na função pública, a CGTP permanecerá fora das ruas. «Assim se vê a força do PC», o velho slogan comunista, é hoje uma punchline.

Se, nos finais de 2015, ainda existia alguma margem para a dúvida, agora tal já não acontece. O orçamento para 2017 demonstra à saciedade que o governo de Portugal se encontra integralmente assente em interesses pessoais e partidários de curto prazo. Convicções genuínas e visão de futuro não existem ou são irrelevantes. Enquanto isto, o país aguarda, afundando-se devagar. Algo que os portugueses, atávicos no seu complexo de inferioridade mas também no medo em relação a toda e qualquer mudança comportando risco, parecem achar bem.

Simplexidade

José António Abreu, 15.10.16

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O governo admite que Portugal crescerá em 2017 quase tanto como cresceu em 2015, pouco mais do que crescerá em 2016, menos de metade do que deveria crescer (de acordo com as projecções iniciais de Centeno et al), e também menos do que cresceria com um governo PSD-CDS (mesmos crânios, mesma época). Para atingir tão entusiasmante resultado, o orçamento de Estado propõe várias medidas imaginativas, que - evidentemente - nada têm a ver com austeridade.

A sobretaxa de IRS, que Costa prometera eliminar no final de 2016, acabará em Abril de 2017 para rendimentos entre 7 mil e 20 mil euros, em Julho de 2017 para rendimentos entre 20 mil e 40 mil euros, em Outubro de 2017 para rendimentos entre 40 mil e 80 mil euros, e em Dezembro de 2017 para rendimentos acima de 80 mil euros.

Um novo imposto sobre o património imobiliário será adicionado ao IMI (ele próprio redesenhado para dar mais peso a factores como a qualidade da vista e a exposição solar), mas só para património acima de 600 mil euros, na parte em que exceda este valor e desde que não esteja dedicado a actividade industrial ou turística. Em contrapartida, desaparecerá o imposto de selo para património acima de um milhão de euros, com vantagem para os proprietários.

As pensões até 838 euros serão aumentadas de acordo com a taxa de inflação em Janeiro e as pensões até 628 euros terão um aumento suplementar em Agosto, até aos dez euros de aumento total. As pensões acima de 838 euros serão aumentadas em Janeiro consoante a taxa de inflação menos meio ponto percentual (o valor final deverá rondar os 0,2-0,3%). As pensões mais baixas de todas (não contributivas e rurais) não terão aumento.

Metade do subsídio de Natal dos funcionários públicos será pago em duodécimos e a outra metade antes do Natal.

Haverá uma nova taxa sobre refrigerantes e bebidas com teor de álcool entre 0,5% e 1,2%, com um escalão até às 80 gramas por litros de açúcar e outro acima deste valor. Exceptuam-se sumos e néctares de fruta ou de algas, bebidas à base de leite, soja, arroz, amêndoa, caju ou avelã. E exceptuam-se as restantes se fizerem parte de um processo de fabrico (i.e., forem matéria-prima ou produto intermédio).

Haverá também aumento de impostos sobre o álcool, sobre o tabaco, sobre as munições à base de chumbo (Passos pode não gostar do orçamento mas este é um ponto que a maioria dos coelhos aprova), sobre a compra de veículos a gasóleo, sobre a posse de veículos, sobre o alojamento local e sobre as festinhas a cães de outras pessoas, excepto se forem rafeiros (okay, esta última não é verdade - por enquanto).

Tudo isto depois de uma redução no IVA na restauração, excepto em algumas bebidas e em comida para levar; de um imposto sobre os produtos petrolíferos com ajuste trimestral; da redução do horário de trabalho na função pública para as 35 horas, excepto para trabalhadores com contratos individuais; de um perdão fiscal que não é um perdão fiscal e pode assumir a forma de prestações.

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1. É delicioso ver Bloco de Esquerda, Partido Comunista e CGTP (desculpe-se o pleonasmo) apoiarem orçamentos como este. Sendo verdade que dá tudo o que pode aos dependentes directos do Estado, não deixa de dar apenas migalhas - e até se permite não aumentar as pensões mais baixas. Tenho de reconhecer que, no que respeita a garantir os seus interesses pessoais, Costa pode mesmo ser um génio. Manietar desta forma o PCP não é para qualquer um.

2. A realidade da economia vai-se impondo. De tal modo que, nos números (nunca nas palavras), Centeno quase desceu à Terra.

3. Em 2012, Vítor Gaspar assumiu ir introduzir um «enorme aumento de impostos». Ainda é criticado pela franqueza (mais até do que pela medida). Tal nunca sucederá com governos do Partido Socialista. E com razão: os portugueses parecem preferir a mentira e o eufemismo. Ao ponto de alguns fazerem questão de ver o dinheiro entrar-lhes na conta antes de sair para pagar impostos.

4. Não era suposto haver um ministério para a simplificação administrativa?

 

Imagem recolhida n'O Insurgente.

Dos perdões inexistentes e das reavaliações à moda da esquerda

José António Abreu, 08.10.16

Como se sabe, há um perdão fiscal que, sendo apenas diferente de um perdão fiscal porque até autoriza os infractores a pagar as dívidas a prestações, de modo nenhum é um perdão fiscal, muito menos se destina a recolher uns euros suplementares até ao final do ano.

E parece que também há uma medida de incentivo à reavaliação de activos que, embora transfira receitas do futuro para o presente e ajude muito mais as grandes empresas do que as pequenas e médias, não decorrerá certamente de necessidades orçamentais (todos sabemos que, nestes tempos pós-austeridade, as contas públicas andam über-catitas) mas do facto de estarmos perante um governo que se preocupa acima de tudo com os mais fracos.

Incentivos ao investimento

José António Abreu, 15.09.16

Na entrevista à CNBC, o ministro das Finanças não se limitou a afirmar que a sua principal missão é evitar um novo resgate. Também garantiu que o governo aposta na captação de investimento. Sabemos todos que, no que respeita ao passado, isto é mentira. Tirando expulsá-los fisicamente do país (lá chegaremos, numa fase mais avançada do glorioso trajecto para o Chavismo), a «geringonça» fez tudo o que podia para alienar os investidores: reverteu privatizações e concessões, anulou reformas fiscais, aumentou o poder dos sindicatos, atacou instituições privadas. Que Centeno conseguisse dizer que o governo incentiva o investimento sem esboçar sequer um sorriso (logo ele) é prova de que, não obstante o lapso ocasional, já vai conseguindo comportar-se como um político (não é elogio). Ou então não estava a mentir; estava a referir-se ao futuro. O governo iria a partir de agora fazer todos os esforços para captar investimento.

Não. Apesar das garantias do ministro lá no estrangeiro, o ataque aos investidores vai continuar. Possui o apartamento onde reside e mais um par deles, comprados e/ou herdados ao longo da vida? Paga IRS sobre os rendas que recebe e IMI sobre o valor patrimonial de cada um? Gasta regularmente milhares de euros a mantê-los em condições adequadas? Não chega. Apostou em bens que não mudam de sítio, merece ser alvo de mais um imposto. Ou então venda-os (acredite em mim: a prazo, um prejuízo moderado revelar-se-á um lucro) e emigre.

 

Adenda: É comovente verificar como Bloco e PCP se digladiam na reivindicação da paternidade do novo imposto. E como o PCP, sentindo-se ultrapassado, exige mais.

A hipótese inaudita

José António Abreu, 16.03.16

Discordo da escolha de Pedro Passos Coelho no caso da votação das ajudas à Grécia e à Turquia. Acho que, a cada oportunidade, devia forçar Bloco e PCP a assumirem as responsabilidades inerentes à viabilização do governo. Mas, por incrível que pareça neste mundo de enviesamentos, no qual a alguns é exigida a perfeição e a outros tudo se perdoa, das políticas mais irresponsáveis à corrupção mais óbvia, até ao instante em que fingir se revela impossível (vide Sócrates, Lula e Dilma, Tsipras, Maduro, Kirchner), por incrível que pareça num político que «nasceu» no partido e se rodeou - e ainda rodeia - de algumas figuras de ética questionável, vai-se a ver e as decisões de Passos Coelho decorrem muito mais daquilo que ele entende ser o interesse nacional do que de jogos político-partidários. Relembrem-se as hipóteses que deu a Sócrates, a tirada «que se lixem as eleições», a insistência durante a campanha num assunto tão pouco eleitoralista como a reforma da Segurança Social ou a resistência, em finais de 2014, ao desejo do CDS de eliminar parte da sobretaxa de IRS no orçamento para 2015 (uma solução que, sabemo-lo hoje, teria sido irresponsável, e que foi substituída por outra que, embora responsável e inteligente, acabou por lhe causar mais problemas do que a cedência pura e simples teria alguma vez causado). Tudo posições na linha do sentido de voto nos casos do Banif e das ajudas à Grécia e à Turquia. Num país de chico-espertos, de orgulhosos especialistas no «desenrascanço», onde se elogia acima de tudo a capacidade de, a cada instante, manobrar as situações em benefício próprio e não a assumpção de responsabilidades ou a visão de longo prazo (e, por conseguinte, onde António Costa é um génio e o radicalismo do PS durante os anos da Troika algo natural), as posições de Passos Coelho constituem uma aberração que pode fazê-lo descer nas sondagens e até mesmo perder a liderança do PSD. Mas - e escrevo-o consciente de que, não obstante as frases iniciais deste texto, rapidamente surgirá quem me acuse de «facciosismo» e/ou «ingenuidade» - podem também constituir um dos poucos gestos dignos de verdadeiro respeito que a política portuguesa produziu nos últimos meses.