Naufrágio à vista
(Créditos: Público/Paulo Pimenta)
Haverá um provérbio popular que reza qualquer coisa como "com o mal dos outros posso eu bem", mas este não se aplica às declarações do presidente do Partido Social-Democrata (PSD). Digo isto sem qualquer ponta de ironia, muito menos satisfação.
Com o número de anos que o Partido Socialista (PS) já leva de governo, seria natural, penso eu, que o maior partido da oposição, vivendo em estabilidade interna, estivesse em condições de assumir o poder. Só este cenário seria compatível com a virulência das críticas que se têm ouvido na Assembleia da República, pelos ouvidos colados às portas fechadas de Belém, e nas regurgitações do pastorinho de Boliqueime quando há dias, com a maior desfaçatez e sem ponta de memória, numa daquelas visões em que de tempos a tempos é pródigo, afirmou que o "Governo socialista é especialista: em mentira e na propaganda e truques" e irá deixar "uma herança extremamente pesada" ao seu sucessor. O dito chegou ao ponto de referir que perante o actual estado do país este "precisa de saber que há uma alternativa sólida e serena", personificada, segundo ele, em Luís Montenegro e num futuro governo social-democrata.
E face a esta revelações, em que ainda ninguém tinha reparado, depois dos agradecimentos e das palmadas nas costas, que fez Montenegro?
A resposta, sob a forma de agradecimento público ao idílico cenário de um governo laranja, antecipado por Cavaco Silva, chegou-me pela entrevista que aquele deu na segunda-feira passada à RTP e de que esta manhã alguns jornais fizeram eco.
E essa não podia ser mais sincera e cativante quando o Montenegro general e comandante-chefe das tropas da Oposição, do alto do seu garbo de proprietário espinhense, esclareceu os portugueses de que a sua expectativa, para Junho de 2024 – ainda com mais doze meses de governança socialista pela frente, com mais um ano de "descalabro", com mais moções, comissões, casos, casinhos, inquéritos, prescrições à vista em processo de vigaristas, e a continuação do corrupio de galambinhas e galambões –, é perder as eleições europeias por apenas dois ou três pontos. E acrescentou para serenar as dúvidas que um resultado destes, ou seja, mais uma derrota do PSD que ele dirige, não será um mau resultado. Pois não. Desde que se mantenha na liderança, para ele, Montenegro, todos os resultados são bons. O país que se dane.
Por aqui se vê a relevância e a confiança que Luís Montenegro a si próprio se atribui para um dia chegar a primeiro-ministro. Felizmente.
Eu sei que o PS anda há vários anos pelas ruas da amargura, em matéria de quadros políticos e dirigentes capazes, entregue como tem estado aos caciques e seguranças das concelhias. E não, não me estou a referir a um primeiro-ministro esgotado, teimoso e sem paciência, que a dormir sabe mais que os outros todos "à coca", ou a gente discreta como Jorge Seguro Sanches, que tendo estado muito bem, como se viu depois, em retirar-se daquele circo da Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP, que só tem servido para nos envergonhar, se perde no meio daquela realeza proletária, de raízes pequeno-burguesas, cujas cabeças cravejadas de diamantes adornam a bancada parlamentar do partido à custa da maioria absoluta "do Costa" e da total ausência de líderes políticos à direita, à esquerda, ao centro, em cima ou em baixo.
É que nem o desgraçado nível de preparação política de alguns deputados, basta olhar para a CPI à TAP e ver que há quem nem papéis tenha em cima da mesa, não faça perguntas e passe as reuniões a brincar com o telemóvel, pode justificar a falta de ambição, de esperança e de sentido de Estado do líder do PSD.
De carisma, ensinou-o Weber, num caso destes nem a brincar se pode falar.
Como se depreende das palavras de Montenegro à RTP, um verdadeiro funcionário político do pior que a democracia gerou, Portugal passa bem sem este PSD estupidamente medíocre que floresceu à sombra dos negócios autárquicos, do passismo e das intrigas de comadres e seminaristas.
Previsivelmente, em cada dia que passa Portugal fica pior com a falta de uma oposição capaz, bem preparada, sem telhados de vidro, transparente e acima de tudo inteligente (não estou ainda a delirar), que não se deixe arrastar pela sucessivas vagas populistas, se aguente à bronca, saiba lidar com Venturas e Mortáguas, e esteja disponível para fazer as perguntas que se impõem nos debates parlamentares – em vez de irem para lá ler umas cábulas repetitivas e mal amanhadas –, apresentando propostas sérias para resolução dos problemas que a todos afligem. Enfim, que tenha capacidade para confrontar o Governo, este ou outro qualquer, com as suas decisões políticas e alguma estupidez à mistura, seja quanto ao lítio e as decisões de um tal de Matos Fernandes ou os "Vistos Gold", e mostre capacidade para fazer política com decência, argumentação capaz e elevação, largando a politiquice rasteira a que se habituaram nos tempos do "ismos" laranja, e que querem que todos os portugueses agora engulam sob o rótulo de "alternativa". Alternativa uma porra.
Seria bom que Portugal conseguisse abandonar a rota da mexicanização, obrigasse o PS a reformar-se, e os militantes e simpatizantes do PSD levassem a cabo uma "operação Montenegro", para se livrarem de mais este emplastro saído do "viveiro" da JSD, pois que a ser verdade o relatado pelo semanário Tal e Qual, quanto à possível aquisição do Grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã e da CMTV, por um grupo próximo do líder do PSD, numa operação dirigida por mais um desses crânios do passismo, tal só servirá para que os cartéis partidários de segunda e terceira linha tomem definitivamente conta do país e os portugueses fiquem mais preocupados com a cada vez mais provável vaga de fundo para levar a Cristina à Presidência da República. Depois só falta o mestre André tomar conta do resto. Até à implosão final.