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Delito de Opinião

Naufrágio à vista

Sérgio de Almeida Correia, 31.05.23

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(Créditos: Público/Paulo Pimenta)

Haverá um provérbio popular que reza qualquer coisa como "com o mal dos outros posso eu bem", mas este não se aplica às declarações do presidente do Partido Social-Democrata (PSD). Digo isto sem qualquer ponta de ironia, muito menos satisfação.

Com o número de anos que o Partido Socialista (PS) já leva de governo, seria natural, penso eu, que o maior partido da oposição, vivendo em estabilidade interna, estivesse em condições de assumir o poder. Só este cenário seria compatível com a virulência das críticas que se têm ouvido na Assembleia da República, pelos ouvidos colados às portas fechadas de Belém, e nas regurgitações do pastorinho de Boliqueime quando há dias, com a maior desfaçatez e sem ponta de memória, numa daquelas visões em que de tempos a tempos é pródigo, afirmou que o "Governo socialista é especialista: em mentira e na propaganda e truques" e irá deixar "uma herança extremamente pesada" ao seu sucessor. O dito chegou ao ponto de referir que perante o actual estado do país este "precisa de saber que há uma alternativa sólida e serena", personificada, segundo ele, em Luís Montenegro e num futuro governo social-democrata. 

E face a esta revelações, em que ainda ninguém tinha reparado, depois dos agradecimentos e das palmadas nas costas, que fez Montenegro?

A resposta, sob a forma de agradecimento público ao idílico cenário de um governo laranja, antecipado por Cavaco Silva, chegou-me pela entrevista que aquele deu na segunda-feira passada à RTP e de que esta manhã alguns jornais fizeram eco.

E essa não podia ser mais sincera e cativante quando o Montenegro general e comandante-chefe das tropas da Oposição, do alto do seu garbo de proprietário espinhense, esclareceu os portugueses de que a sua expectativa, para Junho de 2024 – ainda com mais doze meses de governança socialista pela frente, com mais um ano de "descalabro", com mais moções, comissões, casos, casinhos, inquéritos, prescrições à vista em processo de vigaristas, e a continuação do corrupio de galambinhas e galambões –, é perder as eleições europeias por apenas dois ou três pontos. E  acrescentou para serenar as dúvidas que um resultado destes, ou seja, mais uma derrota do PSD que ele dirige, não será um mau resultado. Pois não. Desde que se mantenha na liderança, para ele, Montenegro, todos os resultados são bons. O país que se dane. 

Por aqui se vê a relevância e a confiança que Luís Montenegro a si próprio se atribui para um dia chegar a primeiro-ministro. Felizmente. 

Eu sei que o PS anda há vários anos pelas ruas da amargura, em matéria de quadros políticos e dirigentes capazes, entregue como tem estado aos caciques e seguranças das concelhias. E não, não me estou a referir a um primeiro-ministro esgotado, teimoso e sem paciência, que a dormir sabe mais que os outros todos "à coca", ou a gente discreta como Jorge Seguro Sanches, que tendo estado muito bem, como se viu depois, em retirar-se daquele circo da Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP,  que só tem servido para nos envergonhar, se perde no meio daquela realeza proletária, de raízes pequeno-burguesas, cujas cabeças cravejadas de diamantes adornam a bancada parlamentar do partido à custa da maioria absoluta "do Costa" e da total ausência de líderes políticos à direita, à esquerda, ao centro, em cima ou em baixo. 

É que nem o desgraçado nível de preparação política de alguns deputados, basta olhar para a CPI à TAP e ver que há quem nem papéis tenha em cima da mesa, não faça perguntas e passe as reuniões a brincar com o telemóvel, pode justificar a falta de ambição, de esperança e de sentido de Estado do líder do PSD.

De carisma, ensinou-o Weber, num caso destes nem a brincar se pode falar.

Como se depreende das palavras de Montenegro à RTP, um verdadeiro funcionário político do pior que a democracia gerou, Portugal passa bem sem este PSD estupidamente medíocre que floresceu à sombra dos negócios autárquicos, do passismo e das intrigas de comadres e seminaristas.

Previsivelmente, em cada dia que passa Portugal fica pior com a falta de uma oposição capaz, bem preparada, sem telhados de vidro, transparente e acima de tudo inteligente (não estou ainda a delirar), que não se deixe arrastar pela sucessivas vagas populistas, se aguente à bronca, saiba lidar com Venturas e Mortáguas, e esteja disponível para fazer as perguntas que se impõem nos debates parlamentares – em vez de irem para lá ler umas cábulas repetitivas e mal amanhadas –, apresentando propostas sérias para resolução dos problemas que a todos afligem. Enfim, que tenha capacidade para confrontar o Governo, este ou outro qualquer, com as suas decisões políticas e alguma estupidez à mistura, seja quanto ao lítio e as decisões de um tal de Matos Fernandes ou os "Vistos Gold", e mostre capacidade para fazer política com decência, argumentação capaz e elevação, largando a politiquice rasteira a que se habituaram nos tempos do "ismos" laranja, e que querem que todos os portugueses agora engulam sob o rótulo de "alternativa". Alternativa uma porra.

Seria bom que Portugal conseguisse abandonar a rota da mexicanização, obrigasse o PS a reformar-se, e os militantes e simpatizantes do PSD levassem a cabo uma "operação Montenegro", para se livrarem de mais este emplastro saído do "viveiro" da JSD, pois que a ser verdade o relatado pelo semanário Tal e Qual, quanto à possível aquisição do Grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã e da CMTV, por um grupo próximo do líder do PSD, numa operação dirigida por mais um desses crânios do passismo, tal só servirá para que os cartéis partidários de segunda e terceira linha tomem definitivamente conta do país e os portugueses fiquem mais preocupados com a cada vez mais provável vaga de fundo para levar a Cristina à Presidência da República. Depois só falta o mestre André tomar conta do resto. Até à implosão final.

Daqui a três sondagens

Pedro Correia, 09.05.23

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Luís Montenegro que se cuide: ou descola nas pesquisas de opinião que ainda o posicionam com "empate técnico" face a António Costa ou arrisca-se a ser empurrado borda fora no partido que lidera antes do próximo ciclo eleitoral.

Não é inequívoco que o PSD tenha ultrapassado a fase correspondente à de António José Seguro no PS. Aguardemos pelas três próximas sondagens. Já falta pouco.

Arrumar a casa e gerir uma pesada herança

Luís Montenegro

Pedro Correia, 07.06.22

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As perspectivas de sucesso do PSD são cada vez menos risonhas: quatro anos de gestão errática de Rui Rio devastaram o partido. Fosse quem fosse o sucessor, teria sempre tarefa complicada. Os sociais-democratas, com o antigo presidente da câmara do Porto ao leme, perderam duas eleições legislativas e fracassaram na oposição ao poder socialista, agora muito mais robustecido.

O sucessor já tem nome e rosto: Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, advogado. Distinguiu-se como líder parlamentar social-democrata entre 2011 e 2017, mas hoje está ausente do hemiciclo. Terá de relacionar-se com uma bancada escolhida por Rio, marcada pelo estilo que lhe foi impresso pelo dirigente cessante. Morno, cordato, quase amigável – precisamente o que agrada ao primeiro-ministro.

Missão nada fácil. E com reflexos óbvios na estrutura anímica do partido: a abstenção nestas directas do PSD rondou os 40%, com participação de pouco mais de 20 mil militantes, o que faz soar alarmes no estado-maior de Montenegro.

A seu favor, o forte apoio de quem votou – 72,5%, triunfo claro contra Jorge Moreira da Silva. Além de só haver eleições nacionais em Maio de 2024: serão as europeias. Até esse teste, não lhe faltará tempo para arrumar a casa. Devia começar por mudar a sede do partido, há décadas entrincheirado num palacete da Lapa lisboeta. E ampliar o universo eleitoral interno do PSD, imitando o ocorrido no PS em 2014. Nos tempos que correm, de progressivo desinteresse pela militância política tradicional, gestos como estes contam muito.

 

Em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa fez um rasgado elogio a Montenegro a pretexto da comemoração dos 43 anos do concelho de Espinho, cidade natal do novo líder laranja, enaltecendo-lhe as qualidades cívicas e humanas. Como se estivesse a sinalizar-lhe a rota. De Belém não faltará incentivo subliminar ao homem que se distinguiu como tribuno em São Bento e um dia disse a Costa: «Governar não é geringonçar.»

Resta ver como reagirá um partido desgastado por incessantes questiúnculas internas. E se os eleitores ainda olharão o PSD como força política indispensável e necessária. Olhando o que acontece noutros países europeus, nada está garantido.

 

Se quer afirmar-se como dirigente de futuro, Montenegro deve começar por assumir sem complexos o melhor legado do PSD como porta-voz dos sectores mais dinâmicos da sociedade – na edificação das autonomias regionais, no fim da tutela militar sobre as instituições civis, na liberalização da economia, na construção europeia.

Tem de abandonar a absurda posição de Rio, que deixou o PS ocupar o centro enquanto punha o PSD a fugir da direita. Cabe-lhe, acima de tudo, escrutinar o Governo com acutilância e competência. Em questões que mobilizam o cidadão comum. Como os computadores anunciados mas que nunca chegaram às escolas, os hospitais que não passaram de chamariz para ganhar votos, os médicos de família cada vez mais escassos, as habitações prometidas mas inexistentes.

Só assim um partido da oposição se torna útil.

 

Texto publicado no semanário Novo.

A chico-espertice como método

João Sousa, 26.11.21

Um apoiante de Rui Rio (ou talvez um funcionário do call-center ao qual Rio delegou a sua campanha?) achou por bem criar um perfil no Facebook, supostamente de Passos Coelho, onde este expressaria o seu apoio em Rui Rio. Passos Coelho já veio a público declarar não ter nada a ver com o assunto. A maior ironia é que Rui Rio foi muito mais esforçado na sua oposição ao governo de Passos Coelho do que alguma vez foi na oposição (qual oposição?) ao governo de Costa.

É um problema do País

Pedro Correia, 19.07.21

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Somos esmifrados em impostos: a carga fiscal predomina nos combustíveis que consumimos. Hoje atingimos um novo máximo nesta matéria, tanto na gasolina como no gasóleo. Com preços a disparar e Portugal a reforçar o seu lugar no pódio europeu: só Holanda e Dinamarca pagam impostos sobre combustíveis ainda mais elevados - o que penaliza o cidadão comum, pois esta carga fiscal não distingue pobres de ricos.

Neste contexto, o ministro das Finanças ainda tem a suprema lata de dizer que este Governo não pratica "austeridade". Julgo que ele desconhecerá o real significado da palavra: só isso poderá abonar em sua defesa.

Perante tudo isto, o que faz o PSD? Rui Rio apresenta uma proposta de revisão constitucional e confia que o PS vai colaborar com ele. Seria quase cómico, se não fosse dramático: nenhuma democracia sobrevive sem uma oposição sólida e credível.

Esta ausência de alternativa a António Costa já não é só um problema do PSD: é um problema do País.

Com ele o PS anda descansado

Pedro Correia, 11.02.21

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Teme-se o pior: Rui Rio anuncia ao País que entrou em reflexão. Sobre o quê? O presidente do PSD admite propor o adiamento das eleições autárquicas, que deverão ocorrer no próximo Outono.

Extraordinário. O hipotético "líder da oposição" procura, uma vez mais, fazer um frete aos socialistas. Parecendo querer perpetuá-los sine die à frente da maioria das câmaras municipais do País. O que não admira, vindo do mesmo dirigente político que «para evitar desgastar a imagem do primeiro-ministro» tomou a iniciativa de reduzir de 24 para seis o número de sessões anuais de fiscalização e controlo do Governo na Assembleia da República - o que logo mereceu o entusiástico apoio do PS.

Nada para admirar, vindo de quem ainda há dias proferiu esta espantosa declaração: «O Governo pode queixar-se de tudo menos do PSD. Não temos obstaculizado em nada.»

Desta vez, porém, Rio parece condenado ao fracasso. O PS apressou-se a declarar que não está disposto a adiar a data prevista para as eleições. Mostrando-se assim mais receptivo à rotação dos titulares do poder autárquico do que o dirigente máximo da alegada oposição.

Os socialistas têm muitos motivos de preocupação. Mas com Rio ainda à frente do PSD ninguém no partido do punho fechado padece de insónias: este "opositor" é o sonho de qualquer governo.  

Oposição mais fofinha não há

Pedro Correia, 04.02.21

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O alegado "líder da oposição" é um caso de estudo. Num momento de evidente gestão caótica da pandemia, em que o Governo não cumpre uma das promessas feitas aos portugueses e falha todos os objectivos traçados, a principal preocupação de Rui Rio é não melindrar António Costa. Mesmo que o primeiro-ministro nem se preocupe em ocultar o imenso desprezo que sente por ele, como evidenciou na célebre entrevista ao Expresso, no Verão passado: «No dia em que a sua subsistência depender do PSD, este governo acabou.»

Quanto mais me bates, mais gosto de ti - parece suplicar Rio a Costa. Falando ontem aos jornalistas, nos Passos Perdidos da Assembleia da República, o presidente do PSD voltou a fazer um panegírico do seu suposto adversário: parecia falar mais como assessor do chefe do Governo do que como dirigente da oposição. «O primeiro-ministro não está a trabalhar 24 horas por dia, mas está a trabalhar muito, disso não tenho dúvida», declarou. Enquanto confirmava que a sua preocupação central é que Costa não fique a pensar mal dele: «O Governo pode queixar-se de tudo menos do PSD. Não temos obstaculizado em nada.»

 

Oposição mais fofinha não há. Este é o mesmo Rio que ainda há poucos dias se insurgia contra quem ousasse criticar a eventual precedência concedida ao primeiro-ministro no plano de vacinação. «Imaginemos que o primeiro-ministro do país ficava infectado e com sintomas e até tinha de ser hospitalizado, o que é que o País ganhava? Só perdíamos, não podemos estar com esta demagogia. A minha posição é fácil, para quem me conhece e está atento: eu discordo completamente da demagogia de não vacinar político nenhum.» E jurava que não recusaria a vacina para oferecê-la a um idoso e assim «fazer um brilharete».

Isto foi a 27 de Janeiro. Três dias depois, Rio acabou mesmo por «fazer um brilharete», declarando que o mandassem excluir de uma lista de 50 deputados pré-seleccionados para a vacina. Lá conseguiu assim o título noticioso que, na sua própria definição, o inclui no lote dos demagogos. Provavelmente nem reparou na contradição. 

 

Já vai sendo tempo de Costa lhe conceder a esmola de uma atenção. O pobre homem que se esforça a todo o momento para lhe agradar, que verte palavras de admiração pela capacidade de trabalho do primeiro-ministro, que se preocupa com a hipótese de ver o chefe do Governo infectado com COVID-19 e assegura que o Executivo «pode queixar-se de tudo menos do PSD», bem merece um ligeiro afago, uma palavrinha doce, um sorriso contrafeito. 

Não custa nada, António. Mostra lá ao Rui que afinal não o desprezas tanto assim.

Líder da oposição

Pedro Correia, 16.10.20

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O Governo, denotando um autoritarismo galopante que o leva a remover personalidades incómodas, como a anterior Procuradora Geral da República e o cessante presidente do Tribunal de Contas, quer agora pôr as polícias a invadir a intimidade das nossas comunicações móveis.

Com o ar expedito que já adoptou para insultar médicos e apoiar a recandidatura do presidente do Benfica, António Costa anunciou o uso obrigatório, em contexto estudantil e laboral (começando pelos trabalhadores da administração pública), de uma aplicação com nome "amaricano" que coloca cada cidadão sob escrutínio permanente das autoridades sanitárias, fornecendo metadados aos gigantes da tecnologia digital Apple (iOS) e Google (Android). Em nome da "geolocalização de infectados" - empestados e leprosos do século XXI.

Esta medida, inexistente na União Europeia, foi instituída pela ditadura chinesa. Cenário distópico - digno das páginas do 1984, de Orwell - tornado realidade a pretexto do combate à pandemia. A mesma ditadura que impõe testes clínicos a todos os súbditos numa cidade com 9,4 milhões de habitantes em apenas cinco dias, apenas porque ali surgiram seis casos de infecção com o novo coronavírus. Quem recusar, fica sob a alçada imediata da "polícia de vigilância e defesa do Estado".

 

Acontece que não vivemos em ditadura: a polícia portuguesa não existe para violar a privacidade de cidadãos pacíficos. Aliás o Tribunal Constitucional já chumbou a utilização dos metadados de telecomunicações pelos serviços de informações para prevenir actos de terrorismo. Nada autoriza o primeiro-ministro a assinar decretos por capricho autoritário, vulnerando direitos fundamentais: o Governo tem de submeter-se ao império da lei.

Felizmente a nossa democracia conta com uma oposição activa e enérgica. «É inconstitucional tornar obrigatória a app #StayAwayCovid: além da violação da privacidade num país em que a Comissão Nacional de Protecção de Dados não tem dentes, da ineficácia e da análise custo-benefício, equivaleria a consagrar a discriminação contra pobres e idosos mais vulneráveis. Espero que a AR chumbe o projecto-lei», apressou-se a opinar a líder da oposição.

Sem papas na língua, como sempre.

Um caso irrecuperável

Pedro Correia, 17.09.20

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António Costa intromete-se na campanha eleitoral em curso no Benfica, violando o Código de Conduta que ele mesmo fez aprovar para o seu governo. A pandemia retoma o ritmo galopante em Portugal, regressando aos preocupantes números de Abril, quando o País estava sob estado de emergência. Uma remodelação governamental atira para fora do Executivo a secretária de Estado da Saúde sem uma palavra pública de justificação, desmentindo o primeiro-ministro quando há seis meses garantia que «não se mudam generais a meio da batalha» 

Enquanto isto decorre, o alegado "líder da oposição" mostra-se preocupado... em transferir a sede do Tribunal Constitucional para Coimbra.

Já não sei se é colaboracionismo conveniente, militância convicta pelo bloco central ou mera inépcia de quem não nasceu para isto.

Sei, isso sim, que estamos perante um caso irrecuperável.

Quase

Pedro Correia, 08.07.20

A democracia suspensa?

Pedro Correia, 04.07.20

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Foto: Mário Cruz / Lusa

 

Daqui a seis meses, os portugueses serão convocados às urnas para escolherem entre os diversos candidatos presidenciais. Enquanto o actual titular do cargo mantém um silêncio sepulcral sobre as sua provável recandidatura.

Mandaria a mais elementar transparência que Marcelo Rebelo de Sousa já tivesse deixado claro qual é a sua intenção nesta matéria, em vez de esperar pelos bitaites do primeiro-ministro, pertencente a uma família política diferente da sua. 

Do alto do pedestal em que as sondagens o colocam, Marcelo opta pela posição mais confortável: gere o silêncio até ao limite possível, condicionando toda a margem de manobra à direita do PS, e vai fazendo campanha sem se declarar candidato. O que pode ser divertido para ele mesmo mas não é salutar para a vida democrática.

 

Enquanto se desenrolam estes jogos de bastidores, só favoráveis ao actual inquilino do Palácio de Belém, Rui Rio rompe mais uma cura de silêncio, propondo agora o fim dos debates quinzenais na Assembleia da República - sede insubstituível de fiscalização e controlo do Governo. Alegando que «o primeiro-ministro não pode passar a vida em debates», algo de que nem o próprio António Costa alguma vez se lembraria

Com esta declaração em que parece advogar a suspensão da democracia, Rio comprova assim ter mais vocação para mordomo do chefe do Governo do que para "líder" da oposição. Alguém imagina o novo líder do Partido Trabalhista britânico, Keir Starmer, advogar o fim dos debates (semanais, não quinzenais) na Câmara dos Comuns para poupar maçadas a Boris Johnson?

 

ADENDA: Será que, na cúpula do PSD, não falam uns com os outros? No mesmo dia em que Rio faz estas declações absurdas contra o excesso de debates na AR, Paulo Rangel diz isto (no Expresso da Meia-Noite, da SIC Notícias): «Os governos, em democracia, estão sujeitos ao escrutínio democrático. E, quando há erros, apontar os erros não é ser antipatriótico.»

"Líder da oposição": procura-se

Pedro Correia, 09.06.20

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«Eu não estou aqui para dizer que tudo o que o Governo faz é mau.»

«Não estou a criticar nada.»

«Não estou a dizer que as medidas do Governo são boas ou más.»

«Algumas das medidas que o Governo apresenta até são iguais às nossas, penso que até eventualmente tiradas das nossas, porque nós apresentámos primeiro - o que está bem, não estou a criticar nada, bem pelo contrário.»

«É um bocado difícil fazer a comparação. Posso fazer a comparação medida a medida, e até algumas que estão nós também propomos...»

«O Governo tem lá, nas medidas deles, o mesmo objectivo [apoio à aquisição e fusão de pequenas e médias empresas]. Se depois é materializado da melhor maneira, isso é outra coisa. Estou a dizer uma coisa positiva.»

«Nós não somos o Governo. Nós não vamos fazer nem o orçamento suplementar nem o orçamento de 2021.»

«O PSD não vai inundar o orçamento suplementar com cem propostas. Poderá fazer algumas, poucas, simbólicas. Mas eu não vou depender [o voto de aprovação] porque [no Governo] acolheram esta ou aquela medida. Isto não é assim.»

«Se houver uma ou duas medidas com que não concordo, haverá outras com que concordo.»

«Eu tenho de fazer uma análise positiva [sobre a estratégia governamental de combate à pandemia]. É muito fácil dizer: "Falharam nisto e naquilo..." E se fosse outro, não tinha falhado? Estamos todos treinados a combater pandemias!»

«Houve erros? Claro que houve erros. E se estivesse lá eu também havia erros, como é lógico. Não sou o Super-Homem.»

 

Frases de Rui Rio, ontem, numa entrevista de meia hora ao Jornal das 8 da TVI

A pátria está em perigo

Pedro Correia, 12.05.20

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A 15 de Abril, Rui Rio estabeleceu por escrito a doutrina oficial no PSD: quem entre os laranjinhas se atrevesse a criticar a gestão da actual crise pelo Executivo socialista cometeria o pecado de lesa-patriotismo. 

«Não raras vezes, aparecem os que não resistem à tentação de agravar os ataques aos governos em funções, aproveitando-se partidariamente das fragilidades políticas que a gestão de uma tão complexa realidade sempre acarreta. Em minha opinião, essa não é, neste momento, uma postura eticamente correcta. E não é, acima de tudo, uma posição patriótica», escreveu o presidente dos sociais-democratas em carta aos militantes.

Imagino que nem em sonhos António Costa tenha ousado alguma vez chegar tão longe, confundindo o Governo com a pátria.

 

Acontece que o sucessor de Passos Coelho não anda a seguir as directrizes que ele próprio estabeleceu. 

«Rui Rio critica aumentos na função pública», li há dias, com manifesta surpresa.

«Rui Rio critica apoios do Governo destinados à comunicação social», ouvi-o reclamar num telediário.

«Rui Rio critica Governo por dar mais dinheiro ao Novo Banco», atreveu-se ele, pisando claramente o risco.

Rui Rio critica até os ajustes directos promovidos pelo Ministério da Saúde no âmbito das medidas postas em prática para travar o Covid-19. Já chegámos a isto.

 

Começo a ficar preocupado. 

Um dia destes, Rio ainda acorda disposto a imitar o seu colega Pablo Casado - líder da oposição em Espanha e parceiro do PSD no Partido Popular Europeu - a disparar farpas contra a «arrogância, a incompetência e a ineficácia» do Executivo de Pedro Sánchez.

Ou lembra-se de parafrasear o novo dirigente máximo do Partido Trabalhista britânico, Keir Starmer, que denunciou na Câmara dos Comuns a «confusão» estabelecida pelo primeiro-ministro Boris Johnson no combate à pandemia.

Ou segue o rumo de Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, que contesta sem rodeios a «política errática» do Presidente Emmanuel Macron.

Ou - sabe-se lá - cede à tentação de endurecer o tom, imitando Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA e opositora de Donald Trump, que acusa o inquilino da Casa Branca de «deixar morrer» milhares de compatriotas. Ou até mesmo o ex-presidente norte-americano Barack Obama, que aludiu à gestão do seu sucessor, nesta crise pandémica, como «um caótico desastre».

 

Temo o pior. A pátria está em perigo.

O raspanete

Pedro Correia, 26.03.20

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Em tempo de emergência, e não estando em funções o governo de unidade nacional que o ex-ministro socialista Marçal Grilo reclama, a oposição cumpre o seu estrito dever fiscalizando o Executivo e criticando-o, se for caso disso. Seja aqui, seja em qualquer outro país democrático. Aliás, não é preciso inventar nada: basta proceder agora, por exemplo, como fez o PS quando militou na oposição activa à coligação governamental PSD-CDS durante a grave emergência financeira que durou de 2011 a 2014.

Mas com Rui Rio investido no papel de "líder da oposição", o padrão altera-se. Este presidente do PSD continua a opor-se não ao Governo mas ao seu partido. Anteontem quebrou um prolongado silêncio para criticar duramente os seus deputados, dando-lhes um público raspanete. Porque assinaram a folha de presença e desapareceram, como fez o secretário-geral José Silvano na legislatura anterior? Não, porque se encontravam presentes no hemiciclo de São Bento, cumprindo a função para que foram eleitos.

«Tenho aqui um conjunto de senhores deputados que não deviam estar aqui e estão. E vou ser o primeiro a sair para dar o exemplo àqueles que aqui estão e não deviam estar.» Foi este o raspanete que Rio deu ao grupo parlamentar, com as televisões a registarem em directo e os socialistas a assistirem de poltrona. Como um menino queixinhas e birrento, abandonou a sala das sessões e deixou todo o hemiciclo atónito com esta desqualificação inédita aos seus deputados. Não aos "tenebrosos passistas", como Maria Luís Albuquerque, Luís Montenegro, Hugo Soares ou Miguel Morgado, que já não integram a bancada, mas por gente que ele escolheu.

 

É pena que Rio, tão indignado com os seus, não tenha reservado uma réstia dessa energia para se indignar contra a falta de condições dos hospitais públicos no combate à pandemia, cumprindo à risca o assumido lema de «colaboração com o Governo» que dias antes anunciara. Isto impediu-o, portanto, de questionar o primeiro-ministro sobre a grave carência dos meios de saúde pública no combate ao coronavírus: faltam médicos, faltam camas hospitalares nos cuidados intensivos, faltam ventiladores, falta equipamento de protecção individual. O que tem levado os profissionais de saúde a fazerem desesperados apelos a empresas para a oferta de máscaras e luvas. E agem assim por saberem melhor que ninguém o que lá se passa: neste momento, 8% do número total de infectados em Portugal com Covid-19 são profissionais de saúde.

«Continuam a chegar-me todos os dias vários relatos de médicos que trabalham sem condições mínimas de segurança, por falta de equipamentos básicos para todos os profissionais de saúde», denunciou o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, contradizendo o primeiro-ministro, que na fleumática entrevista ao Jornal das 8 da TVI, segunda-feira, garantira sem hesitar: «Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar o que quer que seja.»

Para Rui Rio, nada disto parece importar. Daí que ninguém se admire ao vê-lo protagonizar o passatempo habitual deste partido: fazer oposição a si próprio. O país real, como de costume, vai passando ao lado.

A "direita" a medir pilinhas

Pedro Correia, 28.01.20

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Transição acelerada em marcha-atrás: depois de ter sido liderado pela primeira vez por uma mulher, Assunção Cristas, o CDS acaba de afugentá-las dos seus órgãos directivos. No congresso de Aveiro, imperou a tendência testicular: um presidente, sete vice-presidentes, um secretário-geral e um coordenador-autárquico. Todos homens. Na Comissão Política Nacional, com 59 membros, só seis mulheres. Eis como as aparências iludem: mal se começa a raspar o verniz da novidade, algo muito velho surge à tona.

Este CDS insuflado de androfilia pode regredir em ritmo ainda mais acelerado: basta que o novo líder, Francisco Rodrigues dos Santos, ceda à tentação de empurrar para fora da Assembleia da República a actual líder parlamentar, Cecília Meireles, para ascender ele próprio - ex-número dois da lista do Porto, encabeçada por Cecília nas legislativas - à condição de deputado. Se assim acontecer, o Largo do Caldas amanhecerá travestido de Clube do Bolinha, entre hossanas ao marialvismo mais serôdio.

Rio, Ventura, Cotrim e o recém-surgido Chicão vão passar os próximos dois anos a medir pilinhas, evitando perturbar o sossego do Governo. António Costa descontrai e boceja: Assunção Cristas, única dirigente da oposição que o irritava até às entranhas, saiu de cena e já não lhe causa incómodo. A chamada "recomposição da direita" produz nele um efeito conjugado de valeriana com camomila. Nada mais relaxante para um socialista.

Fora da caixa (29)

Pedro Correia, 11.10.19

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«A estratégia de uns não é isolada. Conta também a estratégia dos outros, que são os adversários e também têm a sua estratégia para ganhar.»

David Justino, ontem, em entrevista à RTP 3

 

Vi ontem, com atenção e alguma comiseração, uma entrevista concedida à RTP 3 por David Justino, antigo ministro da Educação e actual braço direito de Rui Rio. A comiseração deveu-se ao facto de este estratego-mor da direcção laranja ter implorado pela enésima vez a necessidade de haver «entendimentos alargados» com o partido do Governo.

Natalidade, impostos, descentralização: eis três áreas concretas que integram o conjunto das preces de Justino aos socialistas. «Estes problemas, para nós, são fundamentais e sabemos de antemão que só são concretizáveis se houver um entendimento alargado com várias forças políticas, em especial com o maior partido do Governo», declarou o vice-presidente do PSD no seu léxico muito peculiar. No preciso momento em que António Costa, como decorre da lógica natural das coisas, estabelece pontes com todos os partidos à sua esquerda, ignorando olimpicamente os desesperados apelos emanados da Rua de Santana à Lapa.

Na entrevista ao canal público, muito bem conduzida pela jornalista Cristina Esteves, Justino chegou ao ponto de entoar este madrigal a Costa: «Após quatro anos a distribuir rendimento, com sacrifício de investimento público e de crescimento económico, é natural que as pessoas não tenham razões objectivas para mudarem a sua opção de voto. Estes quatro anos, de alguma forma, correram bem à "geringonça".»

Com toda a franqueza, mal consigo distinguir esta "oposição" do Executivo socialista.

É este um líder da oposição?

Pedro Correia, 09.07.19

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1. Elogios ao Governo (do PS):

«O produto interno bruto cresceu, nestes quatro anos, cerca de 30 mil milhões.»

«Têm sido criados empregos.»

«As taxas de crescimento que nós temos não são muito diferentes das do PS: são um pouquinho acima.»

 

2. Críticas ao Governo (do PSD/CDS):

«No tempo da tróica, o que é que se fez? Cortes nos salários, cortes nas pensões, cortes na despesa. Porque, ao mesmo tempo, já se estava a aumentar os impostos.»

«Inventaram-se os vistos gold, que eram uma espécie de exportação de casas, sendo que a mercadoria fica cá e não é exportada...»

 

3. Dúvidas existenciais:

«Eu estou em Lisboa pelo menos três dias por semana. E não quer dizer que nos outros dias esteja no Porto.»

«Podem duvidar se eu sou capaz, se o PSD é capaz. Isso, podem duvidar.»

«O apego pessoal que eu tenho ao lugar [de presidente do PSD] não é nenhum.»

 

Rui Rio, ontem à noite, em entrevista ao principal telediário da TVI conduzida por Miguel Sousa Tavares e Pedro Pinto

A política não é para aprendizes

Pedro Correia, 05.05.19

Os partidos da oposição - com destaque para o PSD - acabam de oferecer a António Costa o melhor dos troféus: o da responsabilidade orçamental, demarcando-o da esquerda que ainda não aprendeu a fazer contas.

No actual contexto de campanha eleitoral para as europeias, confrontado com sondagens pouco animadoras, Costa precisava com urgência de surgir aos olhos dos portugueses como um dirigente moderado e "centrista". PSD e CDS fizeram-lhe a vontade numa farsa em dois tempos com epicentro na Assembleia da República: na sexta-feira, uniram-se à esquerda radical na questão da contagem do tempo de serviço dos professores; ontem e hoje, acossados por Costa e certamente pressionados pelo Presidente da República, saltaram dessa carruagem, desautorizando os seus deputados e dando de si próprios uma imagem de penosa incompetência. Enquanto Pires de Lima, ex-braço direito de Paulo Portas no CDS, se atira a Assunção Cristas, personalidades do PSD como Pedro Duarte e Luís Montenegro não poupam nas justas críticas a Rui Rio. E Marques Mendes, na SIC, acaba de reconhecer o óbvio: «António Costa teve talvez a melhor prestação desde que é primeiro-ministro.»

A política não é para meninos. Nem para aprendizes.