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Delito de Opinião

Quando um futuro ministro escreveu aqui

Pedro Correia, 27.12.22

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Já muita gente escreveu no DELITO DE OPINIÃO. Confesso não ter o inventário completo, mas foram seguramente mais de três centenas de pessoas - entre autores permanentes, escribas ocasionais, comentadores com textos destacados ou convidados em algum momento. 

Um dia farei essa contabilidade, fica prometido.

Para já, queria destacar o seguinte: entre aqueles que passaram por aqui inclui-se o actual ministro da Cultura. Pedro Adão e Silva estreou-se neste blogue com um texto intitulado "A pobreza da opinião", a 5 de Maio de 2011. Estávamos muito longe de imaginar que onze anos depois teria assento no Conselho de Ministros, como titular da pasta da Cultura, a convite de António Costa.

 

Como curiosidade, destaco nos parágrafos seguintes algumas frases desse texto, que Adão e Silva simpaticamente nos enviou para publicação, correspondendo a solicitação nossa, enquanto autor do blogue Léxico Familiar. Sujeitando-se, naturalmente, ao contraditório que os leitores entenderam estabelecer na respectiva caixa de comentários.

 

«Tendo vivido em Inglaterra e em Itália, nunca como agora que estou nos EUA senti tanta diferença entre o que leio cá e o que leio de Portugal. Como é natural, as diferenças são evidentes nos artigos sobre política internacional ou até no menor número de notícias tratadas nos noticiários televisivos (mas, também, cada uma delas mais aprofundadas). Mas onde encontro maiores diferenças é na opinião.»

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«Em Portugal, as colunas de opinião ou assentam na ideia estrambólica de que quem escreve opinião tem de ter rasgo literário (o que explica a sobrevivência de colunistas onde o brilhantismo estilístico serve para esconder a preguiça intelectual) ou limitam-se a um conjunto de afirmações que dispensam sustentação ou, pior ainda, dependem de um par de trocadilhos combinados com uma ou duas frases de belo efeito, preferivelmente no registo engraçadinho que tem feito escola.»

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«Da esquerda à direita, nos EUA é possível ler todos os dias artigos que (...) mostram as vantagens de opinar sobre o que se conhece de facto (bem sei, uma impossibilidade nos media portugueses, onde os recursos são escassos e todos os dias cresce a importância do jornalismo de secretária, baseado em dois ou três telefonemas para politólogos, feitos por jornalistas com salários abaixo dos mil euros).»

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«Para quem se alimenta da curiosidade intelectual há uma diferença entre aprender com a opinião, principalmente com aquela de que se discorda, como me acontece aqui nos EUA, e todos os dias, quando leio na net os jornais portugueses, ficar entristecido com a pobreza intelectual do debate no espaço público em Portugal.»

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«O espaço público em Portugal não beneficiou da influência anglo-saxónica e da cultura analítica que lhe está associada. Há também um problema de escala (somos demasiado pequenos) que se traduz em limitações materiais: não há recursos para investir na profissionalização do jornalismo, quanto mais da opinião.»

 

Reflexões que não perderam validade, em grande parte. E ganham novo alcance sabendo-se que um dos pelouros de Pedro Adão e Silva é hoje precisamente o da Comunicação Social.

A política dá muitas voltas, algumas bem curiosas. Talvez isto faça parte do encanto que muitos vêem nela.

A propósito do ataque a Salman Rushdie

jpt, 15.08.22

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O atentado sofrido por Salman Rushdie, 33 anos depois da sua condenação à morte pelo ditador Khomeini - em cujo país a imprensa já louvou esta acçãoconvoca a que se reflicta sobre como se concebe esta teofilia constituída como fascismo islâmico, que se vem alastrando nas últimas décadas. Pois na Europa há uma tendência "compreensiva" do fenómeno, de facto desresponsabilizadora dos seus agentes. Esse rumo tem dois grandes dínamos: 1) o viés autopunitivo da civilização ocidental, dominante nas correntes "identitaristas" tendentes a interpretações "multiculturalistas" deste fenómeno político, nas quais se enfatiza a relevância das suas raízes "culturais" - como se estas assim fossem legítimas, qual uma segunda natureza. No fundo, esta é a actualização da "obsessão antiamericana", oriunda do conservadorismo oitocentista europeu, neste ambiente impulsionada pela sua refracção em Foucault - ele próprio arauto da teocracia iraniana -, um grande inspirador desta deriva "identitarista"; 2) o reforço do pensamento antiliberal, um estatismo sempre tendente a impor limites à liberdade de expressão e de consciência, demonstrado em particular no anseio de reverter o direito à blasfémia e da aceitação - em primeiro lugar para as minorias residentes - da censura à liberdade de apostasia.

 

O Pacto 2022

jpt, 15.05.22

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Nos últimos anos, nesta era de redes digitais quase-rizomáticas (sê-lo-ão menos do que parecem mas também não há uma "Manápula Invisível" a controlar tudo isto), uma das vias discursivas mais histriónicas foi a de uma amálgama, a "direita profunda" europeia - alguma dela "extrema", no sentido fascizante, outra mesmo "profunda", no sentido hiper-conservador. À (minha) vista desarmada não se lhe consegue fazer um enquadramento sistémico, talvez só possível para quem lhe estude os discursos, práticas e organizações. Assim leigo e míope apenas os digo "antidemocráticos", mas também - o que não é equivalente - "anti-europeístas" radicais, "soberanistas" furibundos, mesmo que muitos com roupagens de liberalismo económico. E em tantos deles um exultante anti-intelectualismo (por exemplo as aspas nas "ciências sociais" é-lhes um penduricalho típico, de que não conseguem abdicar, um verdadeiro dildo moral).
 
Enfim, a gente viu-os frenéticos trumpianos - crentes até no esquerdismo do já velho Tea Party -, fervorosos brexiteers - ululando com as vagas imigrantes (de Leste, de Leste...) que devastam a nada pérfida Albion -, atentos à maldade universal dos islâmicos - excepto, lá mais pelas franças, à dos palestinianos que combatem os execráveis judeus -, bolsonarizados - apesar das nenhumas expectativas quanto àquele país pardo -, firmes contra a ditadura do Eixo Bruxelas-Estrasburgo, essa inumana elite burocrática. Activos nas trincheiras contra essa invenção do "marxismo cultural", as fake "alterações climáticas". E, mais recentemente, combatendo essa tão lucrativa falácia dos capitalistas (judeus?) farmacêuticos, as nazis vacinas contra o Covid-19.
 
E outras causas terão defendido nas quais - por indolência - não terei atentado. Sempre com frenesim (até robótico) discursivo. E sempre com fundamentos de cariz científico (hélas!) ou empírico, um "saber de experiência feito" inacessível a todos-nós, os outros. Pois seguimos alienados por uma imprensa ao serviço desses interesses plutocratas, contra os quais corajosa e loquazmente combatem.
 
Foi muito (mas não só) a propósito desta imensa tralha, sucessivas patacoadas, entre inventonas, trocas de nuvens por Junos, atrapalhados paleios com embrulhos em "cientifiquês", tudo em refogados anunciando adstringentes conspirações contra os "bons povos", que se veio falando das célebres "fake news". Ou seja, de um aldrabismo constante - já não a ultrapassada propaganda falsária manufacturada pelo pobre bloguista socratista ou pelo Palma Cavalão das actuais televisões, mas esta vertiginosa capacidade de em ápices perorar insanidades automatizadas, logo absorvidas por moles ávidas de iluminação.
 
Ora o que é mesmo "engraçado" é ver, quase todos os dias, como neste 2022 os velhos comunistas brejnevistas e os novos comunistas (aka, "alterglobalistas" de ascendência enverhoxista/trotskista ou coisa que o valha, mesclada com o legalize it e os 30 kms à hora), andam a partilhar por estas redes sociais estas tralhas todas, agora dedicadas àquilo da Rússia na Ucrânia. Usam exactamente as mesmas fontes, seguem os mesmos argumentos, vivem a mesma sanha contra a mesma "Manápula Invisível". Agora já não falam de "Fake News". Mas sim de "Fontes Alternativas" ou, mais profundo, "Pensamento Diferente". É uma verdadeira revolução coperniciana, promovida pela Rússia do sábio Putin...
 
Este vazio intelectual esquerdista não me surpreende. Mas o prazer com que o afixam? Isso já espanta. Enfim, para não me dizerem anti-russo, vou apanhar Sol e reler o "Pnin".

Costa vs Rio

jpt, 13.01.22

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1. O debate acaba com o secretário-geral do PS a chamar "malandro" (ou seja, homem que diz "malandrices") ao presidente do PSD, enquanto nos acena com umas fotocópias encadernadas a argolas, diante do ar macambúzio de Rio, privado de lhe responder à aleivosia apesar de ter falado menos um minuto, segundo os democráticos cronómetros.
 
2. Sei bem que a minha visão do PCP foi construída e continua preenchida com a minha relação com o meu pai, o camarada Pimentel. E nisso sei bem que o "partido" não foi (nem será hoje) a cáfila de dementes sanguinários tal como o foram os avatares brotados do movimento comunista internacional em XX. Mas não é essa minha simpatia, que cruza o meu repúdio ideológico, que me faz dizer isto: o único vencedor desta ronda de debates entre "líderes" (chefes, em bom português) partidários foi o PCP. Ao recusar-se a participar em debates em canais televisivos que não são acessíveis a todos os portugueses - nesta vergonhosa deriva que é a "empresarialização" do debate político eleitoral, particularmente relevante nestas eleições sob Covid, com reduzidas acções públicas. Ainda por cima porque há dois canais públicos, a todos acessíveis, que poderiam acolher todos os debates.
 
Este modelo está a ser um atentado à equidade, que é o cerne do sistema democrático. E o que aconteceu hoje, com estes dois tipos a terem um debate comum, com participantes de todas as tão-poderosas estações, com imensa publicidade (diga-se bem, propaganda) e com muitíssimo mais tempo para se apresentarem e com uma até kitsch, tal a pretensão faustosa, encenação, foi uma vergonha. Uma espécie de "golpe de Estado", nesta era comunicacional.
 
Enfim, apesar de tudo não votarei no PCP, por razões ideológicas e, também, por caturrice. Mas até me apetece, devido a isto. Mas desabafo, diante dos meus "amigos-FB" e interlocutores blogais: não votemos nestes dois gajos, armados em "donos da bola" e nisso contentes. Pois do CHEGA (não sei se o PNR vai a votos) até ao BE (ou ao PCTP-MRRP, se se preferir) há muitas outras opções. Evitemos estes filhos da mãe, arrogantes do caraças... Malandros, estes sim.

Santos vs Ventura

jpt, 13.01.22

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(Postal para o meu mural de Facebook)

Nesta madrugada li imensas referências ao debate entre o dr. Santos e o prof. Ventura, e muito elogiosas do presidente do CDS. Elogios esses plantados por gente de centro e direita, mas também por gente de esquerda, até personalidades públicas. Todos saudando não só a veemência aposta pelo dr. Rodrigues dos Santos como a cristalina distinção que fez entre uma direita democrática, comungando os "valores civilizacionais democráticos" e uma extrema-direita populista (e fascizante, também se diz), encabeçada pelo prof. Ventura - esse epifenómeno passageiro, como tanto insisto desde que o partido do prof. Rui Tavares, com o conúbio da "imprensa de referência" que lhe é tão simpática bem como ao PS, se quis através dele alavancar aventando escatologias. Tanto assim foi que, ainda enremelado, fui ver a gravação. Do debate ou, melhor dizendo, do embate retirei duas conclusões, uma abrangente e outra eventual: 

1 - Da questão abrangente: li imensas loas de gente de esquerda à democraticidade explicitada pelo presidente do CDS, que a reclamou ancorada no meio século de história do partido - e sabendo-se este como o tradicional partido da direita portuguesa (apesar do seu nome, marcado pelo ambiente ideológico nacional aquando da sua fundação). Dado esse coro de elogios será então de esperar que acabem as patacoadas que tantos botam regularmente (então nos aniversários do 25 de Abril torna-se um "meme") sobre o salazarenta direita, os fascistas do CDS e do PSD, enfim, que finde a constante invectiva demonizadora sobre aqueles (partidos e cidadãos) que não partilham nem ideário nem "imaginário" (como esteve na moda dizer) marxista ou "pós-marxista" (como é agora uso corrente). Que tenham aqueles que usam como escalfeta moral uma "identidade" de esquerda (por mais reaccionários clientelares que, de facto, sejam no exercício de cidadania e na luta pelo leite das respectivas crianças) consciência de que é uma estupidez execrável chamar "fascista" a Passos Coelho, Paulo Portas (ou Merkel, Bento XVI ou aos Borbón), como tanto gostam, e estar agora a saudar o tal "cristalino" apartar que Rodrigues dos Santos fez entre democraticidade doutrinária e a sua ausência. E julgo que alguns dos meus amigos-reais percebem que é deles que me estou a lembrar ("este Zezé está um chato do caraças, envelheceu mal, que o viu e quem o vê..."; "o Zé Teixeira é um ressabiado", "o José Teixeira é um.... fascista", já ouço). 

E para que não se pense que falo do passado, mesmo que recente, recordo que o socialista Ascenso Simões - a quem os académicos de vários centros de investigação e múltiplos intelectuais "decoloniais" tanto apreciarão dadas as suas propostas de teor urbanístico - acabou de fazer uma correlação cultural e moral entre as SS (nazis, para quem se esqueça) e Rui Rio. E é num partido que valoriza esta gentalha que eles se revêm (pelo menos como "facilitador" de subsídios). 

2 - Do eventual (événementiel, para ficar mais elegante): após o elogiado embate Ventura-Santos foi proclamado o KO técnico em favor do aguerrido lutador Santos. Enfim, cada cabeça sua sentença... É certo que Santos esteve bem, ao demarcar-se de codicioso Ventura, mantendo-se assim à distância dos seus lestos "punches". E mandou algumas "bocas" vigorosas, sonantes, tendo até havido "contagens de protecção" após dois ou três dos seus "cruzados" verbais (ficou-me na retina a sua excelente combinação do "desfile de cavalaria"). E, em especial, um impactante "gancho" (a alusão ao atrapalhado capitalista Vieira, de quem o prof. Ventura é, consabidamente, uma criatura), seguido de um poderoso "directo", na alusão à pantomina do catolicismo venturiano, que deixou o oponente encostado às cordas, atordoado e defendendo-se com frustres "jabs" sobre a vida interna do CDS enquanto gritava "maricón" ao adversário, tentando desconcentrá-lo enfurecendo-o. 

De facto Ventura surgiu com alguma petulância, típica do incumbente campeão desta categoria de pesos-leves, subvalorizando o jovem candidato, dono de um menor currículo pois no dealbar de uma carreira, e bastante preterido nas casas de apostas. Ainda assim algo se recompôs, readquiriu algum ritmo. E impôs um "directo", na alusão à participação sportinguista de Santos. Este, que seguia embalado no seu cadinho de golpes, coisa da sua inexperiência juvenil, foi ao tapete - acontecendo "contagem de protecção" -, e devido a golpe que teria sido de fácil defesa, do qual nem se protegeu nem foi assim capaz de ripostar (pois ao contrário do problemático "embrulho" Vieira, sobre a actual presidência de Varandas nada consta de ilegal, apenas uma saudável e louvável participação associativa numa instituição de utilidade pública). E, finalmente, Ventura aplicou, com mestria, um poderoso "uppercut" do qual Santos foi "salvo pelo gongo" no último assalto, naquela questão irrespondida sobre a proposta do CDS relativa à interdição dos responsáveis políticos transitarem para empresas das áreas que tutelaram (o CHEGA propõe um tonitruante impedimento perpétuo, que chama a atenção popular, o CDS uma sabática de dois anos, que ganha simpatia entre "quadros"). 

Mas dado que o combate foi decidido a pontos há que ter em consideração as penalizações. Pois Santos utilizou "golpes baixos" (abaixo da linha de cintura). Isso ao acusar Ventura de estar envolvido em casos de corrupção (tendo ilustrado com uma condenação por declarações, o que é outra coisa), o que é factualmente incorrecto. Será importante para todos aqueles agora laudatórios de centro e de direita, que enchem a boca com o "Estado de Direito", e para todos os de esquerda, que passaram (mais de) uma década a defender as tropelias do governamental PS sob José Sócrates (e com tantos destes actuais governantes e [euro]deputados socialistas), em nome da inexistência de processos, de provas e falando de "cabalas" da ressabiada "direita", apesar das óbvias e consabidas manigâncias socialistas de então, pensem bem se é aceitável este tipo de argumentação pugilista. 

Enfim, o meu voto? Renhida vitória por pontos do incumbente Ventura (a qual espero ter sido qual a de Pirro), devido às penalizações regulamentares sofridas pelo candidato Santos.

Colóquio eleitoral

jpt, 08.01.22

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(Numa esplanada dos Olivais juntaram-se amigos de longa data para decidirem em quem votar nestas eleições. Aqui deixo a acta do colóquio:)

... "Nisto dos debates andas para aí a resmungar com todos. Afinal em quem vais votar?", atira, enfadado, o Zé Teixeira ao Zezé, entre aquela amálgama animada, ao que logo sai resposta peluda junta a um "que é isso pá?, não tenho de o dizer em público!". "Então se é assim cala-te..., ora porra, que já enjoa o assunto", e a conversa a azedar, os clientes nas outras mesas a desviarem os seus soslaios, já algo incomodados. Intervém o Flávio, o mais-novo, um miúdo tímido sempre a fazer-se fino, num "calma, não vale a pena zangarem-se", e logo leva reprimenda, "ouve lá puto, aguenta-te à bronca, vai mas é lá dentro pedir mais uma rodada, e outro balde de gelo", o típico sarcasmo do Zé Flávio, seu tio que lhe legou o nome, e enquanto o rapaz lá vai ao que foi mandado insiste o Bonanza - que há anos não aparece aqui, "zanga com a Maria, estou em casa dos meus pais" anunciou à chegada, entre as estupendas abraçalhadas e as exclamações do júbilo alheio, antecipando-se às perguntas sobre que ventos o trazem - "boa ideia, digam lá em que vão votar, tenho de me decidir e estes gajos são todos iguais". O jpt irrita-se, gesticula, "não, não, não, isso não é assim, não são todos iguais", ao que o sempre-céptico Zé Flávio se ri "e achas que há algum que valha a pena?", mas incólume segue o jpt num "é preciso derrubar o Sócrates...." que afinal se lhe interrompe pois todos clamam em uníssono - excepto o Bonanza, que não tem andado por cá - "porra, lá está este gajo com o Sócrates", saem risadas, e explica-se ao Bonanza, "este gajo é maníaco, anda há anos nisto, não se cala com o Sócrates e com o PS...", e há mais risos e o jpt, irritado, insiste "mas isto agora está igual ao socratismo" e há apupos, trejeitos e imprecações, "e o galamba nas minas, vocês não percebem?, e aquilo da procuradora...". Nisto o Zé Teixeira, o mais-velho à mesa, impõe-se, "deixa-te de coisas, há mas é que olhar o futuro" ao que todos anuem, mesmo que sem grande entusiasmo. "Precisamos de estudar as propostas dos partidos ("ver o que vão fazer com a bazuka", murmura o puto Flávio). "Estudar?!!, os programas dos gajos?!! Tu és maluco, aquilo são só lérias" ri-se o Zé Flávio, mas ele insiste, lançado, "pelo contrário, tem de se fazer uma análise da situação actual, que é má, e..." mas o Zezé nem o deixa terminar "ouve lá, estudar? fazer uma análise? vai-te lixar, vens para a esplanada dar aulas? vai mas é entregar o doutoramento e deixa-te de politiquices!!". "Vais por aí?" balbucia o Zé Teixeira, até acabrunhado, "assim não há condições", "Isso é má onda ó Zezé", diz o jpt, sempre em busca de aliados contra o PS, "qual quê, então o gajo vem para aqui dar-nos lições? o que é que ele quer? palmas?, alunos?", e o Zezé está assanhado. O Bonanza aproveita, repete-se, e bota que "são todos iguais, todos a quererem sacar, mas o Ventura tem-nos posto em guarda" mas leva logo com um geral "ui, olha-me este!" e o Zé Flávio dispara "vai para o caralho com o Chega!, muda mas é de mesa...", "diz o quê?", reanima-se o Zé Teixeira, a voltar-se a doutor, "as propostas dele não têm...", "está lá calado", insiste o Zezé, "agora vamos estar aqui a falar do mariola do Ventura? foda-se, já chega do Chega!" - "atenção ao palavreado, olhem as senhoras", defende o Flávio, meneando olhos em volta das mesas vizinhas onde há já quem se trejeite nas cadeiras ao que se lhe impõe o tio "o quê? se estão incomodadas que vão para a pastelaria, quem as manda vir para a tasca?" e o puto fica-se, claro. O Bonanza, que está atrapalhado, insiste mas já com cuidado, "Este tipo novo do CDS parece aguerrido, que acham dele?", e alguém lhe responde "O CDS? ainda usas samarra?", e todos se riem, "boa!", clama o jpt. "Não me digam que vocês agora são do Bloco?" espanta-se o Bonanza... e todos renovam risos, "só se for o Flávio, o puto anda a estudar antropologias e isso, lá pela universidade" diz o Zé Teixeira, "intelectual, sensível, cá para mim acaba no Bloco e a pegar de empurrão", diz o jpt a quem o uísque já está a soltar a língua, "Hé, hé, hé, calma lá!," insurge-se o tio Zé Flávio, "o puto é família, que é isso?, pá!, tem lá tento na língua". "Está-se a brincar ó Zé Flávio" diz o Teixeira, Zé também, já a mostrar-se em coligação com o jpt, "certo, mas há limites" responde o tio, em sorriso mas com voz cava, e, amansando-a, "de qualquer maneira o puto não vota no Bloco que o pai corta-lhe a semanada", e todos se riem, sabida a militância PCP do verdadeiro mais-velho, ali sempre presente ainda que agora ausente. "Bem, já que me perguntaram eu tenho uma opção" diz o Zezé, "e acho que tu és capaz de estar de acordo ó Zé Teixeira", "e tu também, jpt, porque isto vai contra esse teu Sócrates", "ok, diz lá" empertiga-se o jpt, pois sempre sensível ao tema. "O mal desta merda toda é que vai tudo para o Estado e tudo vem pelo Estado", "hâânn, hââân" colectivo, "isso mesmo" diz o Zé Flávio, "o que aliás é coisa já de séculos no país" soma-lhe o Zé Teixeira, "lá está o historiador a falar!", irrita-se o Zezé por ter sido interrompido, "ele não é historiador, é antropólogo" defende-o o Flávio, já antever o que lhe vai acontecer vida afora, "e há alguma diferença, astrólogo, antropólogo, historiador? vais-me agora ensinar alguma coisa, puto?", ainda mais se irrita o Zezé na urgência de concluir o raciocínio. E continua "ok, dizia eu, está tudo estrafegado pela manápula do Estado, e à volta deste pulula esta cáfila agarrados aos partidos" - "os sócrates!" diz, veemente, o jpt - "e nisto o ps e o psd são farinha do mesmo saco" - "e este Rio é muito fraquinho" apoia o Zé Teixeira. "Por isso vou votar na Iniciativa Liberal", culmina o Zezé... "Ihh, com um caraças, esses gajos são uns betos", dizem vários... "E depois?" continua o Zezé, cheio de mau feitio, "querem eleger operários? votem no camarada Jerónimo... de resto, qual a diferença entre estes e os tipos dos outros partidos? não me lixem...". O Zé Teixeira, que está a sorrir, o sacana, pois conseguiu pôr o Zezé a botar opinião, toma-lhe o lugar "pois, é muito bonito, mas os liberais não têm atenção aos problemas sociais, e...", "ai, outra vez, lá vem o sociólogo com as tretas dele" interrompe-o o Zezé, ri-se alto com menosprezo o Zé Flávio e o jpt irrita-se - estão já formados dois grupos de pressão, vê-se bem - e defende o aliado "o Zé tem razão, os liberais vão derrubar os serviços sociais", o Bonanza murmura não se sabe bem o quê e o Flávio já nem diz nada. "Não vão" diz o Zezé, "olhe que não, olhe que não" completa o Zé Teixeira, com esta cunhalice a mostrar que afinal não está em desacordo e nisso carrega o jpt, que o segue se for contra o Sócrates. "Primeiro de tudo porque não vão mandar, e o que faz falta é agitar esta tristeza, este marasmo" ("o que faz falta é animar a malta" entoa o Bonanza, para surpresa geral, e "hé camarada!" aplaudem-no), continua o Zezé. "E depois, porque se o tentarem fazer a gente não deixa", completa o jpt, que já aderiu, claro. "Sim, porque votar num partido não é casar com ele", ergue o Zé Teixeira, impante. "Nem sequer namorar", secunda o jpt. "É mais uma one night stand!", conclui em sotaque olivalense o Zé Flávio, que sempre quer aparentar ser homem de conquistas, ainda que a gente lhe saiba o escassíssimo currículo neste departamento.

"Agora, o importante é que todos votemos, pois um voto ou outro pouco significará", racionaliza o Zé Teixeira. "Vamos todos votar na IL?, a ver se elegem dois ou três tipos, se atrapalham aquilo?", anima o Zezé. "Por mim tudo bem" diz o Bonanza, e ri-se. "Puto, tu votas?" pergunta o Zé Flávio erguendo a mão em formato de calduço, "Voto tio, esteja seguro disso" sossega-o o Flávio, "no Chega é que não votava". "Outra vez o Chega! Porra, deixem lá essa coisa..." diz o Zé Teixeira. E quase conclui, "pronto assim está bem, sempre são seis votos que os tipos aqui ganharam". Mas o jpt é que conclui, "acho muito melhor pedir uma garrafa do que estarmos aqui sempre a pedir rodadas", "isso mesmo" responde o coro, "e paga o Zé Flávio, que é o mais abonado" é a tese que vigora.

A representação olímpica portuguesa

jpt, 07.08.21

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Vai uma resmunguice com a nossa representação olímpica nacional, ainda que os resultados até sejam algo melhores do que o habitual. Pois a alguns custa-lhes a origem dos atletas. A vitória do luso-cubano Pichardo é desprezada pelos comunistas do PCP: o seu ex-eurodeputado Miguel Viegas, e agora candidato a Aveiro, insulta-o de "paraquedista" e na RTP (o serviço público), já pós-medalha de ouro, um qualquer castrista ali funcionário insultou-o de "desertor". Entre os apoiantes de "Fidel" (PCs e tantos outros geringoncicos) ninguém se ergue no agora tão habitual "denuncionismo" - se alguém disser em público que Patrícia Mamona é lindíssima logo será apupado como "sexista", dada esta mentalidade da "esquerda" actual. Mas que um comunista da RTP chame "desertor" a um atleta passa incólume.
 
Mas o patrioteirismo racista não está só nessa gente "roja", pois entre o "povo comum" (a velha "maioria silenciosa", aquela do "a minha política é o trabalho") também muito se vai resmungando contra a composição da equipa olímpica. Entre esses Bessone Bastos, lenda do desporto português, antigo olímpico, e Prémio Stromp do Sporting - e isso é agora insustentável para o clube, que terá de se pronunciar -, afirma que a nossa única medalha é a do branco (Fernando Pimenta). E este lixo anda por aí.
 
Entre os (espero que muitos) que se abespinham com estes dislates também não vinga grande clareza. Vejo gente que afixa, com boas intenções (demoníacas, como bem se sabe), as caras dos medalhados negros intitulando-os "portugueses de bem", querendo pontapear a tal "maioria silenciosa", os fascistas do prof. Ventura. Ora, de facto, isso é o contrário do que deve ser dito: "portugueses" somos todos, os por ascendência, por sítio de nascimento ou por "naturalização" (de facto, por nacionalização). Não é preciso ser campeão, excelente. Alguém que vem de fora e que se "nacionaliza", dentro da lei, tem todo o direito a ser medíocre, incompetente, até mariola, mediano e, excepcionalmente, excepcional, como todos nós, os outros que já cá estávamos. Porque esses racistas ao ouvirem isso dos "campeões serem de bem" dirão que "esses sim, agora os outros" (a tralha tal qual todos somos) "é que não os queremos".
 

Quando há cinco anos o luso-guineense Eder marcou este golo toda a gente se atirou ao ar, mas não por causa das suas origens ou fenotipo. E termos sido campeões europeus tendo como melhor jogador (de todo o torneio, já agora) o luso-brasileiro Pepe - que para cá imigrou no final da adolescência -, também não chocou ninguém. Bem pelo contrário. E é isso relevante porque, dada a futebolização do país, a selecção convoca mais paixão identitária do que os judocas, nadadores ou afins olímpicos. Mas também antes ninguém se erguera contra os triunfos do luso-nigeriano Obikwelu ou do luso-cabo-verdiano Nelson Évora.
 
Isto bem demonstra que as estratégias confrontacionais dos demagogos de extrema-esquerda (a inefável Moreira com meia primeira página de hoje do boletim "Público" bem o sublinha) e dos de extrema-direita está a surtir efeitos, crispando a sociedade, reinventando velhas imbecilidades.
 
Ainda assim é agora o momento de criticar as federações desportivas pelas formas como se querem representar. Uma coisa é incluir ex-imigrantes, formados ou maturados no país, nas representações desportivas nacionais. Outra coisa, completamente diferente, é incluir atletas olímpicos dos seus países de origem, transferidos para as nossas selecções. Os casos de Lorène Bazolo (luso-congolesa) e Auriol Dongmo (luso-camaronense) são óbvios. Tudo isto é fluido, e as senhoras que se naturalizaram portuguesas têm todos os direitos de cidadania. Mas também os têm nos seus países de origem, e podem continuar a representar aquelas selecções. Mas o que o nosso Comité Olímpico e as nossas Federações fazem é aproveitar as contratações dos nossos clubes (Benfica, Sporting, etc.) para "enriquecer" a nossa representação olímpica. E isso é outra coisa, pois para esse tipo de competição internacional existem os clubes.
 
Sabe destes processos de contratação para as selecções nacionais, tornadas veros clubes, quem acompanha o futebol (desde que os países do Golfo começaram a nacionalizar em barda jogadores estrangeiros), o raguebi (com o abastardamento do estilo de jogo da França, por exemplo), ou no atletismo (com os africanos convocados pelos tais países do Golfo). E esta é uma preocupação que nada tem a ver com "raça" (esse vil mito que continuam para aí a guinchar, uns e outros) nem com patrioteirismos bacocos. Nem com o castrismo.
 
Quais são os limites da integração de ex-estrangeiros nas nossas equipas nacionais? Não sei bem, decerto que serão fluidos. Mas contratar atletas das outras selecções não é a via. Nem nacionalizar uns tipos porque nos dão jeito para aquela posição/especialidade. Para quem perceba de futebol: não é convocar o Liedson e o Dyogo Sousa. Independentemente de onde vêm e de que cor têm.

A culpa é de Passos Coelho

jpt, 12.03.21

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Estes são dados do Observatório da Emigração. Aproveito para recordar um postal - "O Milagre das Rosas" - de 2010, no qual ecoei um artigo do Libération (o qual deixou de estar disponível). Portugal fora na década então finda o 3º país mundial com menor crescimento económico e tinha 350 mil emigrantes naquele quinquénio. E para não deixar resumir isto da estrutural emigração portuguesa a dichotes advindos das querelas partidárias, recomendo este artigo de 2019, "Portuguese emigration today", do sociólogo Rui Pena Pires. O qual será insuspeito de simpatias pela "direita".

Há muito a reflectir e mais ainda a fazer para obstar a este constante (e histórico) drenar. Mas há algo mais imediato que poderia ser feito, para melhorar essa necessária actuação. Há um mês aqui deixei nota sobre a execrável afirmação televisiva de Ana Drago, no afã de salvaguardar o actual governo: a disseminação do Covid-19 após o Natal deveu-se às visitas dos emigrantes em Inglaterra, fluxo acontecido durante o governo de Passos Coelho. Os números, consabidos, mostram bem a indecência da formulação. Drago nem sequer é (por enquanto) militante do PS, a vil patacoada não foi uma fidelidade conjugal mas apenas um episódio de prostituição política. 

A questão é a da expressão pública televisiva e sua influência. Já nem falo desta pantomina de haver políticos no activo a fazerem de comentadores, em contextos que lhes encenam poses algo "neutrais", como se autónomos dos seus partidos - o caso mais risível é o da secretária-geral adjunta Mendes, ali ombreando com os aparentes "senadores flanantes" Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Ou este Medina, que nos cabe como presidente de Lisboa, também "comentador" a tempo parcial, como se não estivesse a "full-time" em campanha. Mas a questão é para além disso, que pelo menos esses os espectadores reconhecem de imediato como "a voz do partido". A questão é a da pertinência das televisões se encherem destes Drago, simulando "olhares distanciados", analíticos e mesmo críticos. E que nada mais são do que "vozes de dono", cartilheiros.

E este caso, constante, da utilização da emigração portuguesa como invectiva a um governo - que geriu, mal ou bem, uma situação herdada - é um exemplo típico do aldrabismo de gente que é paga para nos "fazer a cabeça". Para baixar a emigração será melhor começar por melhorar a locução. Expugar-nos de cartilheiros, venham de onde vierem. E depois fazer o resto...

A carta aberta às televisões e o sindicato dos jornalistas

jpt, 26.02.21

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Será, até estatisticamente, pacífico dizer que as estratégias estatais para enfrentar o Covid-19 neste corrente Inverno foram um fracasso. Estamos confinados, com os custos económicos e sociais gigantescos presentes e futuros. Mas andámos qual "ilha no topo do mundo" devastado pela doença. E isto depois do "milagre que é Portugal", o sucesso (enfim...) da Primavera passada. Um caso óbvio de "tarde piaram" os possidentes. Nesse âmbito o que acontece? Um conjunto de "cidadãos muito respeitáveis" (como são definidos num editorial algo incomodado de um jornal de "referência"), um feixe da "nobreza de toga", por assim dizer, faz uma "Carta Aberta" insurgindo-se contra: a) a extensão dos telejornais (matéria bem antiga, inscrita na concorrência por audiências, como todos sabem); b) o estilo confrontacional dos entrevistadores televisivos (bem, pelo menos já José Sócrates, aquele político que nenhum destes "cidadãos respeitáveis" criticou em carta pública, manipulava pressões políticas, financiamentos públicos e empresariais para afastar alguns destes "confrontacionistas"); c) a tendência para criticar governo e administração pública, que vem sendo dita antipatriótica. E terminam com: d) a denúncia de agendas políticas subterrâneas e inditas, quais "mão invisível", ligadas ao capital privado mas capazes de poluir o serviço estatal, manipuladoras do jornalismo.

Não elaborarei muito sobre este documento. Pois cada cabeça sua sentença. Mas lembrou-me que, em 2018, o peculiar presidente do Sporting Clube de Portugal, dr. Bruno de Carvalho, na efervescência de uma Assembleia-Geral do clube, lançou o repto a associados e adeptos (o agora dito "Universo Sporting") para que não comprassem jornais nem vissem as televisões (ou seja, não lhes consumissem a publicidade). As reacções foram indignadas, em particular da "classe" (ou "corporação") jornalística. O próprio Sindicato de Jornalistas contestou as declarações desse presidente de uma colectividade desportiva considerada instituição de utilidade, dizendo-as um atentado à liberdade de imprensa. Entenda-se bem, o presidente de um clube disse: "não vejam as estações generalistas, não comprem jornais". E o sindicato notou um atentado à liberdade de imprensa. Isabel Nery, da revista Visão e dirigente sindical, anunciou que o Sindicato recorreria às entidades tutelares em defesa dos profissionais do sector, até mesmo juridicamente, soube-se depois. Explicitando que essa é uma posição estrutural do sindicato pois "estamos a falar de desporto mas se estivéssemos a falar de outra coisa qualquer a posição do sindicato seria idêntica".

Passaram três anos. Surge esta posição intrusiva sobre o jornalismo, que intenta cercear e moldar o espírito crítico, de forma muito mais aguda do que fez o peculiar Carvalho havia feito, e até explicitando serem os jornalistas agentes de agendas inditas, falhos de deontologia. Gente galardoada (Carvalho e Horta são prémio APE, Alice Vieira - viúva de Mário Castrim, caramba, a prestar-se a uma coisa destas! - já tem escola com seu nome, Lourenço é oficial superior e Benavente foi governante, como exemplos). Mas muito mais significativo que isso, alguns dos signatários dirigem actualmente instituições estatais ou articuladas com o Estado - que eu saiba pelo menos Bebiano, Silva, Rodrigues e a "directora do Museu do Aljube que não sabe o que é o Gulag", Rato. Ou seja, altos quadros da administração pública e da sociedade civil convocam alterações no livre-arbítrio jornalístico e explicitamente põem em causa deontologia de largos sectores da classe. E exigem a cessação de críticas ao Governo e à Administração Pública. Enquanto especulam sobre interesses clandestinos aos quais os jornalistas estarão algemados.

E que diz o Sindicato dos Jornalistas sobre estas acusações? Nada! Pois o respeitinho pelo governo é muito bonito. Mesmo...

Opinião no PÚBLICO

Alexandre Guerra, 03.02.20

Estrategos (e estratégias) por detrás dos líderes políticos

O político carismático desempenha um papel. É esse a sua condição natural. Entre a esfera pública e o domínio privado há uma “cortina” que separa as duas dimensões. No entanto, nenhuma personagem política é construída a partir do zero, porque há sempre algo inato. Um político contém uma espécie de ADN, que vai sendo editado de acordo com o ambiente que o rodeia e os interesses que o norteiam. Se o trabalho for bem feito por aqueles que estão por detrás dessa tal “cortina” (leia-se conselheiros e assessores), essa edição preservará a autenticidade que é reconhecida ao político pelo eleitorado. Poucos duvidarão de que existe algo (ou muito) de autêntico na simpatia de Barack Obama, no populismo de Donald Trump, na traquinice de Boris Johnson, na rigidez de Vladimir Putin, na elegância de Emanuel Macron, na austeridade de Angela Merkel, na jovialidade de Justine Trudeau ou no justicialismo de Jair Bolsonaro, citando apenas alguns líderes. Todos eles potenciam estas caraterísticas junto dos seus eleitorados, porque é o seu elemento identitário, é aquilo que os distingue de todos os outros. De notar que esta autenticidade não implica qualquer conotação moral ou valorativa, já que o estado natural do político, numa escala de valores, tanto pode ir do “príncipe” virtuoso ao déspota implacável. Há sempre uma problemática de perspectiva em matéria de juízo aos políticos e às suas lideranças.

É nos bastidores, no circuito fechado, que se prepara, que se encena, que se dramatiza e teatraliza a acção política para alimentar as “percepções” do eleitorado: ora através das “impressões”, de que o filósofo David Hume falava no seu Tratado da Natureza Humana (1739), e que considerava serem as “sensações, as paixões e as emoções”; ora através das “ideias”, pela construção de uma imagem sustentada no pensamento e na razão. Há um quadro expectável de actuação, onde o político se deve movimentar o mais naturalmente possível. Os eleitores querem produtos que considerem ser genuínos, independentemente do crivo político e moral que se possa fazer de um determinado político.

Na sua irreverente e cativante biografia sobre Winston Churchill (O Factor Churchill, D. Quixote, 2015), o agora primeiro-ministro britânico Boris Johnson sublinha esse facto, exemplificando com um episódio que aconteceu no final de Julho de 1940, quando a Alemanha tentava destruir a Força Aérea britânica: “Churchill desloca-se à cidade de Hartlepool para inspecionar as defesas. Detém-se perante um soldado britânico equipado com uma arma de fabrico americano, uma Thompson SMG, espingarda semiautomática de 1928. Churchill arranca-a das mãos do soldado e empunha-a, de cano apontado para baixo e para a frente, como se estivesse a patrulhar o litoral britânico. Vira-se para encarar a câmara…e a imagem que daí resulta torna-se um dos grandes retratos da sua determinação de resistir.”

Ninguém duvidará que, perante a oportunidade, Churchill tenha visto ali um momento valioso de comunicação, sendo “impossível imaginar que qualquer dos seus adversários políticos pudesse conseguir tal proeza”, como também observou Johnson. “Nenhum dos dirigentes políticos britânicos da época teria conseguido empunhar aquela espingarda e ser credível”. Este é um dos ensinamentos mais úteis em comunicação política: um político nunca deve tentar desempenhar um papel que não é o seu e nunca deve forçar uma situação que não colará com a imagem que o eleitorado tem dele. Como sintetiza Johnson (e sabe bem do que fala), deve ser respeitada “a regra de ouro de todos os instantâneos fotográficos na política” e que o bom assessor terá o dever de avisar o seu político: “Não toque na arma!” É uma metáfora exemplar que se aplica a qualquer tempo e a qualquer circunstância, mas que tantas vezes é ignorada, colocando, por vezes, os políticos num plano de descrédito e, até mesmo, de ridículo. As massas não são assim tão amorfas como o conceito sociológico nos quer fazer querer, já que na sua sapiência popular acabam por saber identificar o papel natural reservado a cada um dos políticos. E é dentro desse quadro previsível que esperam que actue e represente.

Churchill tinha um faro apurado para identificar as oportunidades históricas e uma grande sensibilidade para a comunicação política. Tinha na oratória a sua principal arma e na encenação a maior aliada, tendo devotado muitas horas de trabalho para aperfeiçoar estas técnicas. Como ele dizia, “a aptidão retórica não é nem inteiramente inata, nem inteiramente adquirida, mas sim cultivada” e que “o aperfeiçoamento é encorajado pela prática” (Churchill – Caminhando com o Destino, Texto Editores/2019). O seu método era rigoroso e tudo obedecia a uma coreografia previamente ensaiada, mesmo os pequenos gestos, como aquele que ele fazia durante os discursos, de levar a mão lentamente ao bolso do casaco, como se estivesse à procura de algo. Uma técnica para criar suspense e que aprendeu com o seu pai, Randolph. Poucos terão compreendido que esta sua forma de estar aparentemente espontânea “era inteiramente intencional”, escreve o historiador Andrew Roberts na biografia acima citada.

A comunicação política não é propriamente uma ciência, mas resulta da experimentação e assenta em pressupostos racionais e metódicos. Há uma técnica e um saber acumulados que têm de ser dominados, que vêm única e exclusivamente com a prática. Não se ensina nas universidades, apesar de serem muitos os académicos a presumirem que o sabem fazer. A abordagem no plano teórico pode remeter até aos clássicos gregos e, admite-se, suscitar um debate intelectual interessante, mas é no plano prático, naquilo que é a realidade quotidiana de governantes e políticos no seu relacionamento com o eleitorado e opinião pública, que se faz e se aprende comunicação política. Um tipo de comunicação que acontece numa arena onde, normalmente, e como diria Max Weber, “a política não existe em função da filosofia ética", mas sim em razão do poder.

 

 

Texto de opinião no Público

Alexandre Guerra, 08.10.19

Lições da Guerra Fria para um combate realista às alterações climáticas*

 

Em tempos escrevi que “uma Humanidade criada das cinzas de um conflito nuclear à escala global teria certamente que lutar pela sobrevivência da espécie, num mundo que estaria de regresso às origens do primitivismo social, eventualmente mergulhado num ‘estádio natureza’ hobbesiano, sem qualquer tipo de ordem ou contrato social”. E acrescentava: “O decisor político, que em última instância ordenaria a auto-destruição da Humanidade, num gesto calculado e analisado (ou não tivesse na sua posse a informação necessária para antecipar as consequências do seu acto), assumiria o papel de Deus, ao interferir com a existência das espécies, incluindo a única dotada com a faculdade do ‘entendimento’.” (1)

Recupera-se aqui estas palavras porque, de certa forma, há um paralelismo que pode ser estabelecido entre o potencial destruidor das armas nucleares e o das alterações climáticas: na sua versão pós-apocalíptica estas duas realidades – ironicamente resultantes da “inevitabilidade” do progresso científico – contêm na sua génese elementos perturbadores à vivência do Homem, não apenas enquanto ser social, mas como entidade biológica, podendo conduzir mesmo à sua destruição.

I am become Death, the destroyer of worlds”, desabafou J. Robert Oppenheimer, momentos após o Trinity Test a 16 de Julho de 1945, vendo confirmada a sua teoria sobre o potencial destrutivo da tecnologia de fissão nuclear. Semanas depois, as bombas atómicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki revelaram ao mundo uma força avassaladora até então desconhecida, potencialmente capaz de aniquilar a Humanidade.

Da literatura ao cinema, a cultura popular foi invadida pelo imaginário dantesco do cataclisma nuclear. Durante décadas, as sociedades viveram sob o medo de um conflito nuclear iminente à escala global. A natureza competitiva do sistema bipolar conduziu a uma disputa pelo domínio militar e a uma corrida aos armamentos (convencional e nuclear), gerando uma situação insustentável com potencial destrutivo da Humanidade. Era a primeira vez que a História do Homem estava confrontada com essa possibilidade. Como escreveu Aldous Huxley no seu prefácio à edição de 1946 da sua célebre obra Admirável Mundo Novo, “a libertação do atómico representou uma grande revolução na história humana”.

 

 

Ser saloio

Diogo Noivo, 08.07.19

Em miúdo sempre me fez confusão ouvir o meu pai dizer que era saloio. Ainda para mais porque o dizia com algum orgulho. Referia-se, percebi anos mais tarde, ao facto de ser natural de Santa Iria da Azóia. Recordei o significado benigno da palavra a propósito de um texto que Ferreira Fernandes publicou hoje no Diário de Notícias.

Comecemos pelo princípio. A historiadora Maria de Fátima Bonifácio publicou um artigo de opinião com laivos de racismo no jornal Público este fim-de-semana. Igualmente grave, pelo menos na óptica de um espaço de opinião, escreveu um texto cujos argumentos são francamente débeis e desadequados para sustentar uma opinião perfeitamente atendível – a saber, a oposição à criação de quotas para minorias étnicas. Não gostei do texto. Não o subscrevo.

Hoje, no Diário de Notícias, Ferreira Fernandes enfatiza o racismo do texto de Bonifácio. Mais, Ferreira Fernandes recorre ao seu percurso de vida para evidenciar a fragilidade dos argumentos da historiadora. Defende, contudo, o jornal onde a opinião foi publicada, lembrando os leitores que sem o Público seríamos “uns saloios”. Avocando a minha costela saloia, é aqui que a porca torce o rabo.

Não me custa nada admitir que a leitura do Público foi parte importante dos meus anos formativos. Acontece, porém, que o Público dos meus tempos de faculdade desapareceu. A secção de Internacional forte, bem informada e bem escrita mirrou, desinformou-se e é actualmente quase um pro forma nas páginas do jornal. As ‘causas’ e o cosmopolitismo do Público, que sempre apreciei, sustinham-se em argumentos, mas hoje sustêm-se em militância. São opções legítimas, mas é um jornal diferente, mais saloio.

Porventura a maior prova dessa diferença é o editorial assinado por Manuel Carvalho. Além de demonstrar arrependimento pela publicação do artigo de Maria de Fátima Bonifácio, Carvalho afirma que “as reacções e episódios associados a esta polémica obrigam-nos a reforçar os critérios de exigência e selectividade”. E aqui reside o verdadeiro problema. Os arrependimentos são legítimos – que atire a primeira pedra quem não os tem –, mas subordinar o rumo do jornal a “reacções” e “episódios” não se coaduna com um periódico que pretende converter saloios em gente informada. É navegação de cabotagem.

Gosto de Manuel Carvalho e ainda mais de Ferreira Fernandes. E de Maria de Fátima Bonifácio também. Leio-os sempre, mesmo quando discordo do que defendem – o que acontece com alguma frequência. Jamais em circunstância alguma, mesmo perante textos escabrosos e tontos, apoiarei qualquer tentativa de censura, sobretudo se fundada em “reacções” e em “episódios”. Penso desta forma por várias razões, entre as quais ter lido o Público nos meus anos de faculdade. Mas esse Público desapareceu e esta polémica com Maria de Fátima Bonifácio é prova disso. O meu pai é saloio, eu tenho uma costela saloia, não nos livramos disso.  O Público é saloio por opção.

 

ADENDA: muito recomendável a leitura do ‘postal’ do José Pimentel Teixeira aqui, no DELITO, sobre o mesmo assunto.

A abundância e monocultura da informação

João André, 14.08.17

Quando surgiu a internet (ou, pelo menos, quando a World Wide Web se popularizou e expandiu), não faltou quem argumentasse que um novo iluminismo surgiria, sustentado pelo acesso livre à informação que o novo meio proporcionava. Pessoalmente não tinha opinião e estava na altura mais interessado nas possibilidades de trocas de ficheiros que se me abriam. No entanto sempre me pareceu que tais ideias eram excessivamente optimistas. Não o pensava porque tivesse uma visão do que iria (ou sequer poderia) suceder, mas porque sempre me pareceu que um meio não determina nada. É o uso que a população faz do mesmo que decide o futuro.

 

O que temos hoje é uma riqueza de informação inigualável na história humana. Não só inigualável mas inclusivamente inimaginável apenas há 20-30 anos. Há 100 anos este futuro não seria tanto de sonho mas de pesadelo para quem tinha acesso, mesmo que limitado, à informação. Mesmo os arautos desse e-iluminismo não sonhariam com a expansão que vimos, não imaginariam a existência de Google, Facebook, Twitter, YouTube ou tantos outros.

 

Só que tal acesso ao conhecimento vem com um problema: perante tanta informação, como escolher aquilo que se deseja aprender ou, uma vez feita essa escolha, como decidir qual a informação mais fiável. Em parte este dilema de escolha reflecte aquele o que o consumidor ocidental moderno enfrenta cada vez que entra num supermercado: há tanta escolha de produtos que se torna impossível saber qual a escolha certa. E isto apenas num espaço limitado onde a decisão e a justeza da escolha reflectem apenas e só preferência pessoais.

 

Na internet, quando procurando informação, a escolha torna-se mais complicada, uma vez que em múltiplos casos existe uma escolha correcta (no que á sua exactidão ou conclusões diz respeito), a qual não depende das nossas preferências ou convicções pessoais, por muito que delas estejamos... convictos.

 

Há actualmente dois tipos de situações que sofrem com isto: acontecimentos políticos e factos científicos. Um exemplo claro do primeiro é o fenómeno trump e clivagem esquerda/direita que se vê cada vez mais na sociedade (a dos EUA, como canário na mina de carvão, serve de aviso). A população, na presença de enormes quantidades de informação, vê-se na situação de ter de escolher qual aquela que usa. Nesta decisão cada vez mais vemos que a exactidão da mesma pouca importância tem. Nos EUA os partidários da direita preferem crer num tweet de Trump mais que nas reportagens de jornais e televisões com décadas de reputação de honestidade; enquanto que há muitos na esquerda que ignoram a realidade para crer que Bernie Sanders não só teria trucidado Trump como o fará novamente (ou Elizabeth Warren por ele) se receber a oportunidade.

 

Outros exemplos são as narrativas alternativas que vemos na Polónia, Hungria, Venezuela, Brasil, Portugal, Inglaterra, etc, etc, etc... dependendo de qual o meio de comunicação que seja usado. Para quem queira informação de qualidade, o dilema chega ao ponto de deixar de se acreditar no próprio meio preferido perante o bombardeamento de informação alternativa e contraditória.  Se eu ler o Washington Post estou de facto a ler notícias solidamente construídas e analisadas ou a ver propaganda anti-Trump e anti-GOP? De certa forma, mesmo estando eu contra os argumentos da direita estridente que domina parte dos media americanos, torna-se um caso em que deixo de saber se as minhas referências não começarão a optar pelas mesmas tácticas para combater os opositores. Não é uma mentira repetidas vezes o suficiente para se tornar verdade, mas nesta guerra basta provocar dúvida.

 

O mesmo vemos no segundo caso: factos científicos. Aqui o problema é a liberdade de opinião. A liberdade de opinião não é um direito, ao contrário do que se costuma afirmar. A liberdade de opinião, seja ela qual for e esteja ou não bem ou mal sustentada em factos, é absoluto facto para todos nós. Ninguém é privado da sua opinião, por muito repressiva que uma sociedade seja. Aquilo de que podemos ser privados é da liberdade de expressar essa opinião ou de a criar de forma livre. Há formas repressivas de reduzir o acesso à informação não desejada, mas há também a forma não repressiva: o bombardeamento da informação falsa. E não há campo onde isso seja mais visível que o da ciência.

 

Os cientistas, por treino, são pesosas altamente cépticas, não só do que os rodeia como dos próprios resultados. É quase impossível encontrar um cientista a afirmar que uma determinada teoria está correcta a 100%. Há sempre espaço para a dúvida, para casos especiais, para excepções causadas por variáveis não conhecidas. É por isso que a ciência avança: porque há sempre alguém que tem dúvida que a explicação existente seja suficiente.

 

No entanto a sociedade não funciona assim. A sociedade acredita na democratização da informação, no poder do contaditório. Isso faz com que se dê peso a mais às dúvidas, quais brechas no edifício teórico, e se dê mais tempo a quem expressa as suas ideias de forma categórica e convincente. É por isso que movimentos como o anti-vacinas ou anti-estatinas conseguem enorme destaque. Porque os seus proponentes pegam em pequenas excepções, em dúvidas ou faltas de convicção dos cientistas, bem como na ignorância científica da população e preconceitos da mesma, para fazer avançar as suas agendas motivadas exclusivamente pelo interesse pessoal.

 

O caso mais claro que existe deste problema do acesso à informação boa e má na internet é o da execrável Jenny McCarthy, que afirmou ter obtido o seu grau académico na "universidade do Google", demonstrando perfeitamente como é possível encontrar informação em favor das convicções pessoais, por mais que estejam demonstradas como erradas. O mesmo se poderia referir à mania da comida orgânica, anti-glúten, veganismo radical, anti isto e anti aquilo.

 

No fundo, e voltando ao meu ponto inicial, o problema torna-se o acesso à informação. Esta está democratizada e não hierarquizada em função da sua veracidade ou verificabilidade. A isto acresce a noção, errada, que toda a gente tem direito à sua opinião (confundido opiniões e factos) sem que tenha que a defender ou sustentar de alguma forma. A internet permite que todas as opiniões sejam tratadas da mesma forma, independentemente do seu valor. E, sendo um repositório de todas as opiniões do mundo, resulta que cada vez menos as teremos.

 

De certa forma, após o quase deserto de informação do passado, temos um jardim do Éden da informação a dar lugar a monoculturas da informação. E isto não é bom.

A opinião e a inocência

João André, 04.12.14

Nesta guerra medio-socrática temos um outro aspecto que me tem fascinado (muito mais do que se Sócrates é ou não inocente). trata-se da presunção de inocência e do direito de opinião. A presunção de inocência é um princípio essencial do Direito. O direito de opinião (ou liberdade de opinião) também. A primeira é essencial ao processo jurídico, enquanto que a segunda pertence à esfera pública. Serão conciliáveis?

 

Lendo estes dois artigos de João Miguel Tavares (JMT) fico na dúvida. JMT aceita a presunção de inocência como essencial mas restringe-a ao processo jurídico. Puxa no entanto da liberdade de opinião e restringe-a à esfera pública. Escreve JMT «a minha liberdade de expressão é mais lata do que a do juiz Carlos Alexandre: ele fala pouco porque pode muito; eu falo muito porque posso pouco. À justiça o que é da justiça, aos jornais o que é dos jornais». Serão então estes dois direitos inconciliáveis? No que diz respeito a um juiz no exercício das suas funções, sim: não pode prestar declarações que reflictam a sua opinião sobre o assunto. No que diz respeito aos media, aí já tenho uma opinião distinta: um jornalista (ou comentador) não pode ver a sua liberdade de expressão limitada, senão pelas liberdades dos outros.

 

Sem ser ingénuo, é óbvio que um jornalista pode limitar a liberdade de José Sócrates criando à partida dúvidas sobre a sua presunção de inocência. Um futuro juiz que analise um possível recurso (venha ele de quem vier) poderá estar desde logo condicionado pelo que leu, enquanto cidadão, nos jornais. Também se deve considerar o facto de José Sócrates, caso venha a ser considerado inocente (ou após uma eventual pena de prisão caso culpado) deve poder retomar uma vida normal. No clima de incitação ao ódio isso torna-se difícil. Um lado faz os possíveis para, dentro dos limites da lei, apontar Sócrates como culpado; outro faz os possíveis para, dentro dos limites da lei, dizer que existe uma cabala (seja para culpabilizar Sócrates, seja para safar este governo).

 

Este artigo de José Diogo Quintela (JDQ), por seu lado, demonstra cabalmente como se pode manipular uma opinião. Segundo ele a opinião pública só poderia criticar quem julga ou critica Sócrates, nunca Sócrates ele mesmo. Na sua lista de exemplos ele ignora - voluntariamente porque é inteligente - o facto de nenhuma outra pessoa que ele nomeia ser suspeito de crimes e estar em prisão preventiva. Eu posso suspeitar que JDQ roubou chocolates à loja da esquina quando era pequeno, mas se ele fosse julgado por isso a minha opinião deveria estar a ser temperada pelos seus direitos.

 

Sócrates não é de maneira nenhuma uma figura simpática. Poderá ter fãs mas não são pessoas que com ele simpatizem, serão antes admiradores do estilo. Esse mesmo estilo criou-lhe muitos inimigos (desnecessariamente) e não terá havido um político na história recente que como ele polarize tanto a opinião pública. Por outras palavras: Sócrates pôs-se a jeito. Isso não desculpa os ataques que lhe são dirigidos nem lhe retira uma presução de inocência que, mesmo na esfera pública, deveria continuar a existir (mesmo que de forma mais leve, obviamente).

 

Em tempos escrevi sobre o hábito noutros países de se publicar o nome de um acusado apenas com primeiro nome e inicial do apelido. Duvido que fosse possível fazer o mesmo com um antigo primeiro-ministro, mas se esse hábito existisse, talvez tivéssemos melhores práticas jornalísticas.

Do campeonato de futebol político à hegemonia através do Estado

José António Abreu, 28.11.14

Estas controvérsias, porém, servem apenas para consumo público. A culpa ou a inocência dos visados, a regularidade dos procedimentos judiciais ou a justeza do trabalho da imprensa só comovem os oligarcas durante a gravação no estúdio. Longe dos microfones, o que verdadeiramente lhes importa é o modo como tudo isso vai afectar a distribuição do poder por via eleitoral. No regime vigente, os escândalos deixaram de fazer parte do domínio da reprovação moral ou do apuramento jurídico da verdade. São, simplesmente, ingredientes do campeonato de futebol político.

[...]

Noutras épocas, o poder político quase se confundia com as hierarquias sociais ou profissionais. Isso acabou, tal como também acabaram as organizações partidárias capazes de mobilizar correntes de opinião ancoradas em identidades sociais ou em ideologias políticas. A velha sociedade e a teoria gramsciana da hegemonia já deram o que tinham a dar. O que resta, para dominar uma sociedade que, por si, não acredita, não apoia e não respeita, embora vote? Essa máquina que é Estado, o grande Estado deixado pelas aspirações desenvolvimentistas, sociais e justicialistas do passado.

O Estado, porém, é uma máquina pesada, que só gera poder a favor de um partido ou de uma facção quando usada implacavelmente, para além de todas as virtudes e castidades.

Rui Ramos, no Observador. Vale a pena ler o texto completo.

Hábitos de trabalho e família

João André, 08.04.14

Henrique Raposo assinou no Expresso um texto onde avança como razão para a baixa natalidade em Portugal o facto de os portugueses começarem a trabalhar, segundo ele, a «meio da manhã» em comparação com alemães e holandeses. Tivesse ele referido suecos, finlandeses ou japoneses e os meus comentários seriam menores. Trabalhando e vivendo eu em ambos os países, tenho maior familiaridade e decido comentar.

 

O primeiro ponto é simples: independentemente da hora a que se começa a trabalhar, o dia tem o mesmo número de horas em todos os países: 24 (talvez não na Coreia do Norte ou Venezuela, países de prodígios). Isso significa que se se trabalharem o mesmo número de horas sobra o mesmo tempo para a família. Deixemos no entanto este ponto de lado e olhemos para o resto dos argumentos que demonstram como a comparação é forçada.

 

O primeiro ponto é a geografia. Quem estiver interessado em ver as horas de nascer do sol nos três países pode usar este site. Seja como for, em países onde o sol nasce mais cedo (mais a Alemanha, menos a Holanda), é normal que se comece a trabalhar mais cedo.

 

Quanto ao hábito de chegar e começar a trabalhar de imediato, não sei onde trabalhou Raposo, mas não foi nas empresas onde eu ou os meus amigos trabalhámos. Na Holanda o dia começa invariavelmente com o café e tem interrupções a meio da manhã e da tarde para outro (tudo entre 15 a 30 minutos). Os alemães começam também com um café, mas mais curto. Compensam isto com um almoço mais longo do que o de meia hora dos holandeses.

 

Onde Raposo tem alguma razão é na insistência da vida familiar. Há pressão da parte dos empregadores para não se trabalhar demais. Isso está ligado à pressão que recebem dos sindicatos e das regras dos contratos colectivos de trabalho. Os horários não são um objectivo em si, mas o resultado da influência dos sindicatos. Talvez Raposo pudesse dedicar um pouco mais de atenção a este aspecto. Seja como for, a maior parte dos meus colegas chegam ao escritório entre as 8 e as 8 e meia. Muitos fazem-no mais tarde.

 

E a razão para isso são os horários de jardins de infância e creches. É aqui que os horários são feitos. Se uma creche aceitar crianças até às 9, o trabalhador não terá incentivo para começar mais cedo. Se a criança tiver de chegar até às 8, então a coisa pia mais fino. O mesmo se passa com a hora de ir buscar os filhos.

 

E falta então a protecção às famílias que querem ter filhos. Na Alemanha e Holanda há (em modelos diferentes) protecção de emprego para os pais durante 2 a 3 anos após o nascimento. Isso ajuda a planear o crescimento da família. Por outro lado há maior pressão social para que as mães se mantenham em casa para cuidar dos filhos.

 

Como uma amiga minha referiu em resposta a estas minhas objecções ao texto de Henrique Raposo, «resume-se tudo a isto: não sei em que país vive Raposo, mas não é em Portugal». No fundo trata-se de mais uma das inúmeras variações do famoso lá fora.

As hóstias estão a fazer-lhe mal

João André, 23.07.13

Vão ler. Eu não sei se ria ou se chore. Como esta criatura que já mentiu descaradamente nas páginas do jornal ainda consegue manter a coluna (e a posição de professor, já agora) é que não sei. Vá lá que nunca dei um tostão furado por um número onde ele escreveu. E depois espantem-se que perdem leitores. Tantos bloggers de qualidade por aí e continuam a levar com estes montes de lixo.

Honestidade intelectual

José Maria Gui Pimentel, 01.02.13

É por esta, e por outras que o Daniel Oliveira é o cronista de esquerda (esquerda mesmo, não me refiro ao centro-esquerda) que mais aprecio. Numa palavra -- aliás, em duas -- honestidade intelectual, algo tão raro quanto valioso.  

 

"A ver se nos entendemos: um deputado não é um exemplo de tudo o que nós devíamos ser e não somos. É um representante. Se usar o seu cargo para proveito próprio - e tantos usam - deve abandoná-lo. Assim como qualquer trabalhador corrupto ou funcionário desonesto. Se tentar que as leis que aprovou não lhe sejam aplicadas também não pode ser legislador. Falta-lhe autoridade. Não foi o caso. A deputada violou a lei e será julgada como qualquer cidadão. A lei não estipula, nem deve estipular, que ser deputado é uma agravante. Não estipula, nem deve estipular, que conduzir alcoolizado é razão para perda de emprego, de cargo político ou de função da administração pública. A lei estipula que a senhora, que não conheço, deve ser julgada. E caso seja condenada pode ser punida com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Por mim, defendo que os deputados, os ministros, os secretários de Estado ou os autarcas não podem estar acima da lei. Mas não defendo que devem estar abaixo da lei."

É só fazer as contas

João Carvalho, 20.10.11

«A partir de 2013, nós seremos confrontados com uma novidade: as rendas das PPP  feitas por Sócrates & Lino & Mendonça. Entre 2014 e 2018, nós vamos ter de pagar 2,5 mil milhões anuais pelas PPP do engenheiro. Sim, 2,5 mil milhões anuais. São 12,5 mil milhões de rendas em meia década para os suspeitos do costume. E, repare-se, isto são apenas as rendas das PPP. A par disto, temos de pagar os juros da dívida (que contraímos para pagar, entre outras coisas, as SCUT do dr. Paulo Campos e do dr. Jorge Coelho) e a despesa primária do Estado (ou seja, tudo o resto, desde a saúde à segurança). Depois, entre 2018 e 2026, a renda das PPP nunca será inferior a 1,5 mil milhões. E a conta vai até meados do século, e só baixa dos 1000 milhões em 2038. Ou seja, os meus filhos ainda vão pagar esta brincadeira.»

Henrique Raposo, Expresso

 

Elenco (por ordem de entrada)

Renda(s) = trabalho(s) manual(ais) de lavores de grande precisão

PPP = parcerias público-privadas

Lino = Jamé

Mendonça = o outro

Engenheiro = universitário recordista

Suspeitos do costume = protagonistas ilibados de inquéritos arquivados

SCUT = via(s) socialista(s) sem tráfego automóvel e com tráfego de influências

Paulo Campos = jogador de futebol (?), velho amigo da Joana Amaral Dias

Filhos = pais desempregados de netos enganados