A inopinada queda de António Costa provocou um burburinho sarcástico via Whatsapp. O humor por vezes é cruel - pelo menos o melhor é-o... Deixo aqui uma pequena série do que recebi, fica para memória, qual arquivo... E sim, censurei algumas piadolas, aquelas que aludiam a algo inadmissível, o pior de toda esta situação: elementos do sistema judicial português entraram em casa de um cidadão para efectuar uma busca sobre um assunto para a qual estavam mandatados. E depois vieram para a imprensa comentar um item legal (e que não o fosse...) que haviam encontrado nessa casa, o qual nada tem a ver com o caso que, "alegadamente" (uso o termo da moda de modo propositado) investigam. Prefiro um chefe de gabinete de primeiro-ministro (aparentemente) pouco probo do que este tipo de agentes da "Justiça". E não dá para "sacralizar", defender esta gente, lá porque os agentes se dizem na senda dos "poderosos" ou dos "socialistas". O que João Galamba fez como governante pode ser criticável ou mesmo criminalizável. O que fez a tralha humana que entrou em casa dele é inadmissível. E aposto que nem um desses (vários) sacripantas será despedido.
Quanto às restantes "bocas"? É o humor, sempre necessário, cáustico quando é bom, morno quando não é. E cruel, por vezes. Sempre necessário.
Luís Menezes Leitão, no "O descrédito das instituições", José Meireles Graça, no "Dissolução", Paulo Sousa, no "O lamaçal" e Sérgio Almeida Correia, no "Em que condições chegaremos a Março", já aqui abordaram a trapalhada constitucional em que assenta a decisão presidencial de suportar este governo demissionário até às calendas gregas. Leigo em questões jurídicas - matéria sobre a qual da minha frequência universitária apenas retive a difusa ideia de que "onde há dois advogados há três opiniões" - apenas faço fé na estupefacção dos co-bloguistas e de outros locutores sobre a matéria. Mas para além disso há o óbvio derrame político, sobre o qual todos opinamos, independentemente dos saberes próprios, lamentava-se um grego antigo. Derrame esse que começou, em público, no sábado com Costa a exceder-se, e em privado, nas manobras subsequentes ao começo da "operação influencer", como já se nota no estado terminal do "governador" do Banco de Portugal.
As opções mostram quem é o Presidente. A sua agenda política, claro. Mas também perfil (contorno) e conteúdo. Rebelo de Sousa tem uma biografia política assente na divulgação da sua extraordinária inteligência e competência - em tempos transcrevi um elogio nesse âmbito que, ainda antes do 25 de Abril, Artur Portela (então Filho) lhe publicou, uma espécie de nascimento do mito. Quando saiu da actividade partidária e foi fazer campanha política para a televisão, como super-comentador, disseminou essa imagem de si mesmo, o do sábio inteligentíssimo e cultíssimo. E fez-se eleger presidente numa candidatura individual ("supra-partidária"), exactamente assente nos seus méritos intelectuais.
Eu gostaria de associar toda esta trapalhada constitucional e os custos políticos que dela emanam - entroncados na decisão presidencial - com algo que escrevi em Março de 2022. Quando após a crise pandémica Portugal viveu meses sob uma governação limitada, devido aos incríveis problemas havidos na contabilização dos votos dos emigrantes:
Espero que, pelo menos com o somatório destas duas longas situações de governabilidade mitigada causadas por Rebelo de Sousa, no final do seu mandato nos possamos libertar do mito criado da sua "inteligência". E se possa constatar a profunda incompetência deste presidência. Assim dele guardando a memória necessária, a da desadequação deste tipo de indivíduos políticos (perfis e conteúdos) para o exercício de altas funções públicas.
Nos governos de Sócrates houve uma constante defesa daquele líder, independentemente do que era tão óbvio. Nisso se afadigaram militantes do PS, e basta recordar as maiorias "albanesas" que Sócrates obtinha nos congressos do partido. E também os simpatizantes foram "activistas" produtores da nuvem de fumo que pretendia esconder a malandragem governativa. E não seria necessário recordar esse período não fosse ter vária dessa gente transitado para os governos de Costa, como Fernando Medina ou Augusto Santos Silva - esse que agora vai ao Conselho de Estado afirmar que é necessário "pôr em ordem o Ministério Público", e que foi o único governante socialista que gozou a população por causa do escândalo do socratismo, ao dizer-se "parolo" por não ter percebido o detalhe do seu homónimo e alegado "financiador" do neto do volframista, nisso tanto demonstrando o seu desplante avesso à democratização do país. Ou recompensados com tenças em Estrasburgo/Bruxelas, como o braço-direito Silva Pereira, ou Marques e Leitão Marques. E também muitos desses militantes e ou simpatizantes, então, pois mais jovens, apenas frenéticos publicistas do socratismo, ascenderam ao governo, como o célebre Galamba ou o agora mui mudo Adão e Silva.
Tendo regressado ao poder, após o hiato da gestão da quase catastrófica crise financeira global, o PS de Costa tentou barrar o processo ao socratismo. E o afastamento de Marques Vidal da PGR foi o caso mais sonante, no fundo uma manobra desse desejado "pôr em ordem o Ministério Público", para além de todas as manobras de controlo da comunicação social - e será de lembrar que chegaram ao ponto de nomear como responsável da informação do serviço público uma prima de Costa, que se viu obrigada a demitir-se tais práticas teve nesse posto. Depois, tão insuportável era o conúbio com a imagem de Sócrates que o PS decidiu dele se apartar, deitar borda fora aquele lastro para resistir à tormenta: o ardil foi simples, em dias consecutivos num final de semana, o presidente do partido Carlos César, a célebre Câncio, renomada publicista socratista, e Galamba, então mero deputado e criatura de Sócrates, vieram demarcar-se publicamente do ex-primeiro-ministro.
Assim enviado o fedorento cadáver político às revoltas águas da Ericeira o PS de Costa seguiu livre no poder. Entre inúmeros - e tantos deles patéticos - "casos e casinhos" a pax costista estabeleceu-se. Primeiro com o apoio dos partidos comunistas, seduzidos por algumas prebendas redistribrutivas para as suas bases e clientelas. E depois sozinhos, por quatro anos, que nos habituássemos nós. Grosso modo, as pessoas eram as mesmas, as práticas são as mesmas, as diferenças virão apenas dos trejeitos individuais.
Na passada semana "o modo português de ser socialista", para glosar Gilberto Freyre, sofreu um KO técnico. Ontem, António Costa reergueu-se e veio ao ringue apresentar a "narrativa" que o PS procurará apresentar aos seus fiéis e restantes adeptos, temerosos do que a malvada "direita" lhes fará. No fundo Costa apresentou-se como epígono de Isaltino de Morais, num trinado um pouco diferente: "temos dinheiro nos gabinetes mas fazemos".
Caberá aos jornalistas, a politólogos ou mesmo a historiadores da contemporaneidade o elencar com detalhe a miríade de "casos e casinhos", e suas articulações, destes oito anos. Para a sua compreensão será muito produtivo associá-los ao acontecido nos governos do anterior primeiro-ministro socialista. E, para uma visão mais "antropológica" - mais estrutural, por assim dizer - julgo que será relevante fazer recuar esta análise ao historial da administração socialista de Macau, molde que foi do modus faciendi das posteriores gerações de políticos daquele partido. Cujos últimos restantes agora (definitivamente?) colapsam.
Trata-se de um partido de gentes que já há mais de vinte anos estavam incapazes de rebelarem contra os presidentes Soares abraçado ao fugitivo Craxi, ou Sampaio abraçado a Abílio Curto, sempre em nome de uma tal de "amizade". Ou seja, o que hoje se passa não é um momento, é sim fruto de uma mundividência colectiva, predominante naquele partido. Sendo assim, o PS não se regenerará, sofre de necrose política. Estuporado diante da visão de Madrid é incapaz de sopesar, e nisso actuar sobre si mesmo, o que aconteceu aos seus congéneres de França, Grécia, Itália... Pois o problema não é "Costa", é tudo aquilo. E, para mal dos nossos muitos pecados, diante de toda esta decadência temos o pior presidente da República do nosso regime, o mais incompetente pois o mais ininteligente, uma total inadequação sobre a qual me repito desde há muitos anos. É assim necessário sublinhar isto: estamos muito mal entregues. Pois assim o votámos.
Entre a incessante série de comentários recebidos sobre a actual situação escolho divulgar estes três. Porque dizem tudo o que é básico sobre a torpe "narrativa" que António Costa quer legar ao seu partido.
Há palavras que ficam associadas a quem as usou em determinado momento. A “choldra” a que Eça se referia não será muito diferente do “pântano” de Guterres. Já o “charco” de Sócrates não conseguiu o destaque merecido, dada a proeminência conseguida pelas suas amadas “fotocópias”. Na actual volta do carrossel é o “lamaçal” que já anda a rolar, embora ainda não tenha conseguido destaque comparável.
Por trás das palavras está, no entanto, a situação de cada momento. Os últimos dias têm sido ricos em acontecimentos. Alguns detalhes acabam por passar despercebidos, mas é fácil concluir que o regime não está em boas mãos. Não chegasse a sobranceria e o sentimento de impunidade dos governantes do PS, que nos trouxerem até aqui, temos um Presidente da República com quem a história não poderá ser meiga. Lamentavelmente, as nódoas do seu mandato não se resumem aos mais recentes acontecimentos, mas observemos a forma como lançou o país para um lamaçal político. António Costa pediu a demissão por achar que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com as suspeitas sobre si levantadas. Marcelo Rebelo de Sousa aceitou o pedido e marcou eleições. Os cálculos apresentados por diversos constitucionalistas apontavam a data das próximas eleições para o início de Janeiro. Ele, por manhas e artifícios, preferiu empurrar essa data para 10 de Março, de forma a que o PS tenha tempo para se preparar para esse acto. Faria o mesmo para outro qualquer partido? Esta discricionariedade mostra como ele próprio se ajusta à sobranceria do PS. Se não o fizesse poderia ser criticado pelos DDT do regime e por isso opta por uma auto-censura higiénica. Se à luz da CRP os partidos, tal como as pessoas, são todos iguais perante a lei, na prática uns são mais iguais do que outros.
Pela solução mal parida que inventou, permitiu que o primeiro-ministro demissionário “para salvaguarda da dignidade da função” continuasse a poder discursar a partir do Palácio de São Bento. A comunicação feita ontem, a partir dali, foi de uma ignomínia institucional sem igual. A partir do espaço que assumiu não merecer usar “para salvaguarda da dignidade da função”, António Costa, em nome próprio e ao lado da sua esposa, não se dirigiu ao país, mas ao Ministério Público. Deixou claro que o PS não irá aceitar ser tratado como um plebeu e, falando com voz grossa, reclamou o estatuto de patrício.
Importava saber quais as prerrogativas previstas para um PM demissionário “por salvaguarda da dignidade da função”.
Mesmo quando tenta disfarçar-se de personagem com sentido de estado, Augusto Santos Silva mostra que nunca deixou de ser o carroceiro ambicioso que, em busca de um lugar ao sol, abandonou as suas origens nas extrema-esquerda para se alojar no PS, como sendo alguém que podia fazer esses dois papéis. Depois da quase longínqua confissão de que o que gostava mesmo era de malhar na direita, acrescentou mais algumas camadas ao seu currículo nos governos de José Sócrates. Depois desse cadastro, migrou para o actual governo em gestão, governo esse que em cujos gabinetes, sabemos agora, circulavam sacos com dezenas de milhares de euros em dinheiro.
Faz realmente parte do que podemos designar como uma personagem de uma certa época que trouxe ao país uma falência, estagnação económica, abusos de poder com ataques vários às instituições e também uma degradação sem igual nos serviços públicos,
Para quem ainda pudesse duvidar do perigo que estes figurões constituem para a nossa democracia, transcrevo aqui uma frase que merece ser incluída nas frases do ano.
Poderia perfeitamente ter sido dita por um dos apoiantes de Trump, de Erdogan ou Bolsonaro. E é isto. Não há muito mais a dizer.
* Espero que a Maria Dulce Fernandes não me cobre direitos por lhe ter copiado o título do postal anterior, mas de tão adequado que é para este assunto, não resisti em fazê-lo.
Sempre que o PS é apertado pela justiça, procura desesperadamente um gancho para se pendurar. Importa sempre haver uma desculpa, uma justificação.
No caso fax de Macau, a imberbidade do regime não permitiu que tudo não passasse de um sobressalto aborrecido. Mas o século mudou e a justiça achou que conseguiria dobrar outros bojadores. Terá sido um sonho molhado, partilhado pelo país que queria os políticos investigados, mas como a arquitectura e o funcionamento da justiça acabam por depender do poder executivo, nunca conseguimos, ou ainda não conseguimos, passar do tal sonho adolescente para uma relação madura de gente que, sabedora das naturais limitações humanas aceita sujeitar-se a uma justiça funcional.
O caso Casa Pia foi explicado como sendo uma cabala, o caso Sócrates como uma urdidura. Desta vez, os responsáveis do PS, mais ou menos próximos do epicentro da coisa, não “deslargam” o “último parágrafo do comunicado da PGR”. O círculo próximo de António Costa não vacila em ameaçar o Ministério Público. Pedro Marques Lopes, o spin contratado por Costa para maquilhar a imagem do governo após a longa sucessão de casos e casinhos, fala mesmo num “golpe de estado institucional”. Como é que se atrevem a uma afronta destas aos donos do regime? Essa é mesmo a imagem que passam.
A distracção conseguida pelos extensos debates sobre o facto de Sócrates ter sido detido numa manga do aeroporto, não no aeroporto, nem no avião, mas numa manga, andará desta vez à volta do referido parágrafo. Por isso, sugiro um exercício de faz de conta. Vamos lá retirar o dito parágrafo da nota da PGR para a comunicação social. Será que todas as suspeitas que levaram à detenção do seu amigo Lacerda Machado, do seu chefe de gabinete Escária, de Galamba, o ministro a quem Costa se encordou, das buscas da polícia nos gabinetes do Palácio de São Bento, dos sacos de dinheiro ali encontrados... será que isso não seria suficiente para que António Costa ficasse irremediavelmente inquinado? Não se armem em Calimeros, poupem-nos a essa triste figura e deixem o parágrafo em paz.
1. Sabem os meus amigos e conhecidos que detesto este PS socratista, que emparedou o desenvolvimento da "Pátria Amada" - como bem aqui sumarizou o José Meireles Graça -, enredado numa teia eunuca de interesses particulares, que é bem mais pérfida do que pode parecer aos incautos. E, secundariamente, que verto fel a rodos diante dessa tropa de galambas que fizeram e fazem a opinião de tantos, a troco de algo, material ou afectivo pouco importa.
2. Ouvi ontem, por alto, das razões da queda do nosso (por mim) desamado governo. E sobre o qual nada custa muito desconfiar das suas más práticas - como bem notou o João Sousa ao recordar o diagnóstico sobre esta elite socialista exarado pelo ... anterior secretário-geral daquele partido. Consta que há investimentos de milhares de milhões de euros - desde há muito sob suspeita, como bem aqui ecoou o Paulo Sousa. E nesse âmbito consta que uma das empresas contratou um tipo para fazer lóbi, consta que algumas empresas pagaram uns almoços e jantares a um ministro (enfim, diga-se o que se disser, Galamba é ministro). E que alguém terá dito que o primeiro-ministro os ajudaria - já agora, cândido será pensar que em Portugal possa haver investimentos de milhares de milhões de euros sem apoios no governo...
Ou seja, cai um governo por acção da Justiça e o que esta informa aos estuporados cidadãos é mera lana caprina. E por mais que eu me desespere com o poder PS, mais a tralha adjacente dos seus apoiantes, os tais galambas, morgados fernandes (o da "Super-Marta"), vales de almeida, câncios e quejandos, por mais que tudo isso... só me resta mesmo um palavrão peludo (que me é vetado pela família). Pois assim não. "Pagaram uns jantares ao galamba"?, disseram que "o primeiro-ministro ajudará"?
Não, assim não. Ou a Justiça nada dizia, e deixava os cidadãos na expectativa angustiada mas cumprindo um hermetismo judicial considerado necessário. Ou então se dá um vislumbre do que persegue não pode ser isto, este nada. Pois se assim, se é esta tralhazita, antes o Costa. O Azeredo Soares, pobre homem. O Santos Silva, o Augusto mas também o amigo. A Câncio, no fundo. A tropa toda. Uma eleita, outra avençada, outra funcionária. Mas, apesar de tudo, legítima.