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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 15.10.23

Três guerras em simultâneo. A que decorre da invasão russa da Ucrânia. O conflito aceso entre a Arménia (pró-russa) e o Azerbaijão (pró-turco) a pretexto de um enclave. A carnificina mais recente entre Israel e o Irão (via Hamas), hoje o principal fornecedor de armamento a Moscovo.

O mundo está perigoso. Num palácio de vidro em Nova Iorque, Miss Universo - que deseja muito a paz em todo o planeta - mostra-se preocupada.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Simplesmente lamentável

Pedro Correia, 07.01.23

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É salutar que o secretário-geral da ONU venha a Lisboa, como ontem fez, advertir a opinião pública para uma questão preocupante: «A igualdade de género está a andar para trás», um pouco por toda a parte.

Fica-lhe bem lançar este alerta digno de realce. Mas atenção: se há instituição mundial onde a igualdade de género apresenta um défice muito censurável é precisamente a Organização das Nações Unidas. Ao longo da sua existência, teve nove secretários-gerais - todos do sexo masculino.

Fica o registo: o norueguês Trygve Lie (1946-1952), o sueco Dag Hammarskjöld (1953-1961), o birmanês U Thant (1961-1971), o austríaco Kurt Waldheim (1972-1981), o peruano Javier Pérez de Cuellar (1982-1991), o egípcio Boutros Boutros-Ghali (1992-1996), o ganês Kofi Annan (1997-2006), o coreano Ban Ki-moon (2007-2016) e o nosso compatriota António Guterres (desde 2017).

Nem uma mulher nesta galeria de quase oito décadas: verdadeira negação da igualdade de género. Simplesmente lamentável.

Notas de uma cidadã do mundo preocupada

beatriz j a, 05.05.22

A China apresenta propostas para a segurança mundial  

(...)
"A segurança é um pré-requisito para o desenvolvimento; e a Humanidade é uma comunidade de segurança indivisível" – afirmou o Presidente chinês.

Xi Jinping propôs uma iniciativa de Segurança Global, propondo-se contribuir, “com a sabedoria e a experiência chinesa”, para enfrentar as mudanças sem precedentes que ocorrem no Mundo. No Forum deste ano, as questões de segurança são ainda mais evidentes, por causa da situação internacional – referem os dirigentes chineses, apontando “a eclosão da crise na Ucrânia, devido à contínua expansão da NATO”.

A proposta abrange seis pontos: 1."aderir a um conceito comum, abrangente, cooperativo e sustentável de segurança"; 2."aderir ao respeito pela soberania e integridade territorial de todos os países e à não ingerência nos assuntos internos de outros países”; 3."adesão aos objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas"; 4."adesão à importância das legítimas preocupações de segurança de todos os países"; 5."adesão à resolução de diferenças e disputas entre países por meios pacíficos através do diálogo e consulta”; 6.“insistir na manutenção da segurança tanto em áreas tradicionais como não tradicionais, de forma integrada".

Por outro lado, opõe-se claramemte ao unilateralismo, à política de blocos e ao confronto entre campos, ao abuso de sanções unilaterais.Sendo o continente asiático um importante motor do crescimento económico global, o Mundo está melhor quando a Ásia está melhor.

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Este artigo sobre a proposta da China inscreve-se na discussão sobre a crescente inoperância da ONU e da urgência da sua reforma, a que este artigo, Terão António Guterres e as Nações Unidas realmente poder para travar a guerra na Ucrânia? se refere focando, nomeadamente, o problema do poder de veto dos membros do Conselho Permanente e os bloqueios que provoca, como acontece actualmente com a Rússia.
 
Porém, a proposta da China não resolve este problema e parece ter o propósito de evitar que, no caso de anexar Taiwan, seja alvo das sanções que estão a asfixiar a Rússia [O Mundo está melhor quando a Ásia está melhor, dizem] e tentar sabotar a NATO criando dúvidas quanto à sua legitimidade: a eclosão da crise na Ucrânia, devido à contínua expansão da NATO”. É preciso dizer que a Europa mais os EUA têm, em conjunto, 1075 mil milhões de pessoas, sendo que a China sozinha tem 1402 mil milhões de pessoas e se lhe juntarmos a Rússia chegam aos 1500 mil milhões. Militarmente, a Rússia, juntamente com a China, formam um bloco ou aliança equiparada, senão mais poderosa ainda, que a NATO.
 
 
Os dois primeiros pontos da proposta da China são [intencionalmente?] ambíguos.
O primeiro ponto da proposta da China seria pacífico se não fosse o termo, 'sustentável' que é sujeito a muitas interpretações, como por exemplo, entender-se que impedir um país de declarar zonas de influência é insustentável em termos de segurança.
O segundo, 'respeitar a soberania e integridade dos territórios', seria pacífico se não estivesse em conjunção com a, 'não ingerência nos assuntos internos de outros países', pois no caso presente, a Rússia não considera a Ucrânia como território independente mas uma parte integrante do seu território e exige a não ingerência num assunto que considera da sua soberania. Daí que peça insistentemente ao Ocidente para deixar de enviar armas para a Ucrânia se defender.
Os pontos, 4, 5 e 6 são mais ou menos pacíficos.
O 3º, que é o que mais interessa, isto é, a adesão aos objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas, dito desta maneira, não adianta nada nem resolve nada. A virtude da ONU -ser uma adesão voluntária de países a princípios comuns- é também o seu maior problema: não ter maneira de impor uma conduta ética àqueles que quebram a obediência a esses princípios, como é o caso presente da Rússia e como já foi recentemente o dos EUA.
 
O pragmatismo que governa as relações internacionais, desligado de princípios éticos do direito internacional que tem dominado o campo tem levado a realidades de falsa paz pela subjugação de uns países -os mais fracos- a outros -os mais fortes. Foi com esse cálculo, aliás, que a Rússia contou, ao desencadear esta guerra.
 
Se muitos países que votaram nas Nações Unidas contra a agressão da Rússia depois não impuseram sanções foi porque uns não têm poder económico para isso, outros verem a guerra como uma continuidade da fricção entre a Rússia e o Ocidente que marcou o século XX (a Índia, por exemplo) e outros ainda olharem para a Europa com o ressentimento de colonizados e para os EUA como vítimas de intervenções semelhantes às da Rússia, recentemente, no Médio Oriente.
 
Por estas razões, uma reforma da ONU tem que introduzir a questão ética e a questão da responsabilização de quem viola gravemente os princípios de segurança internacional que fazem parte da Carta comum, que pode melhorar-se e adaptar-se à realidade de hoje e de amanhã. As instituições têm de evoluir sob pena de anquilosarem-se e perderem completamente a capacidade de movimento e intervenção.
 
Para esse efeito seria necessário criar um, 'protocolo de vigilância de quebra de segurança' com consequências imediatas. Falo de critérios escritos (políticos e jurídicos) que permitam identificar e classificar a actuação de um país como uma violação de soberania, por exemplo, uma agressão não provocada, uma anexação, uma intervenção ilegítima em um país, isto é, sem o acordo das NU. 
De cada vez que um país actuasse de maneira a caber nesse critério -fosse que país fosse, do menos ao mais poderoso- seria considerado em clara 'violação da Carta' e sofreria imediatamente sanções, também previstas e acordadas nesse protocolo, desde logo a perda do direito de veto, mas também outras que se acordassem como necessárias e urgentes no sentido de defenderem a parte lesada. 
 
Evidentemente que estas disposições de violação teriam de ser actos muito graves para que não acontecesse um país ter um diferendo com outro e imediatamente sofrer sanções como as que a Rússia está a sofrer. Isso seria uma emenda pior que o soneto. 
No entanto, sem esse protocolo de responsabilização imediata, nenhum acordo e nenhum princípio jurídico internacional é respeitado pelos poderosos e cada um interpretará a sua actuação apenas segundo os seus interesses (o mundo está melhor quando a Ásia está melhor - podíamos substituir 'Ásia' por outro continente... ) e usando-se das prerrogativas de veto ou outras que a riqueza e a força lhes garante pragmaticamente.
 
Se as democracias valorizam o Estado de direito e as leis acima da força, têm de ser as primeiras a dar o exemplo e a pugnar por uma ordem internacional onde a lei seja mais forte que a espada.
 
também publicado no blog azul

Visitar o agressor e só depois o agredido

Pedro Correia, 03.05.22

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A imagem não podia ser mais reveladora da impotência e da inutilidade da organização criada em 1945 pelos vencedores da II Guerra Mundial: o ditador russo recebeu o secretário-geral da ONU em Moscovo sem um cumprimento, sem um sorriso protocolar – muito menos sem o afável aperto de mão que dispensou a Marine Le Pen quando a diva da extrema-direita gaulesa o visitou em 2017.

António Manuel de Oliveira Guterres, 73 anos, dialogou com Vladímir Putin – e o verbo dialogar não passa aqui de eufemismo – numa longa mesa que os colocava a mais de seis metros de distância. Lembrando a de Citizen Kane, quando o magnata e a esposa já nada tinham a dizer um ao outro após anos de casamento infeliz.

«Missão humanitária», sublinhou o antigo primeiro-ministro português, que permaneceu dois meses encerrado no palácio de vidro em Nova Iorque enquanto a Ucrânia ardia e a Europa assistia à maior deslocação de gente em fuga no continente ocorrida nas últimas oito décadas. Quando enfim decidiu atravessar o Atlântico, já com dez milhões de ucranianos desalojados dos seus lares, Guterres optou por visitar primeiro a potência agressora e só depois a nação agredida. Insólita ordem de prioridades talvez para salvar a face de Moscovo após as recentes derrotas russas em votações no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas.

 

Putin, detentor do maior arsenal atómico do planeta e salvaguardado pelo direito de veto que mantém para travar os efeitos práticos de qualquer resolução hostil na ONU, assumiu pose de czar ao dignar-se receber o português no Kremlin.

Se a intenção da visita era demovê-lo de praticar novas atrocidades, foi perda de tempo. Se visava apenas debitar platitudes, Guterres cumpriu o plano. Mostrou-se «muito preocupado com a situação humanitária na Ucrânia», admitiu que a Federação Russa possa ter acumulado «muitos ressentimentos» em anos precedentes e proclamou-se «mensageiro da paz». Missão em que o Papa Francisco supera sem dificuldade o católico socialista que em 2001 abandonou o «pântano» político português para mergulhar 15 anos depois nas águas pantanosas da diplomacia mundial.

 

A frase mais contundente do secretário-geral da ONU em Moscovo, antes de visitar Kiev, foi proferida após a audiência com Putin. Lembrando que há forças militares russas na Ucrânia e não soldados ucranianos na Rússia. Terminou aí a ousadia verbal de Guterres. Bem diferente de um dos seus antecessores, o ganês Kofi Annan, que em 2004 criticou com dureza a intervenção norte-americana no Iraque, considerando-a «ilegal», e em 2006 acusou Washington de desrespeitar o direito internacional em matéria de direitos humanos durante as campanhas militares e no combate ao terrorismo.

Estilos diferentes, contextos diferentes, alvos diferentes. Putin, leitor de Maquiavel, prefere ser temido a ser amado. Guterres situa-se no extremo oposto: ninguém o receia. Até ganha na comparação, embora não pareça.

 

Texto publicado no semanário Novo.

No conforto de Nova Iorque

Pedro Correia, 26.03.22

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Desde que a agressão da Rússia à Ucrânia começou, há um mês, o secretário-geral da ONU nada mais fez do que duas ou três declarações beatíficas sobre o tema. Permanecendo inerte no conforto de Nova Iorque: nem sequer pisou solo europeu, ao contrário do Presidente norte-americano.

A sua passividade face ao maior conflito bélico no nosso continente desde a II Guerra Mundial contrasta em absoluto com o protagonismo assumido por um dos seus antecessores, Kofi Annan, na segunda Guerra no Golfo. 

Mas nem tudo é mau. Mostrando-se firme ao leme do Palácio de Vidro, António Guterres acaba de dirigir à população do globo terrestre uma mensagem destinada a assinalar o Dia Mundial da Meteorologia.

Putin sofre pesada derrota

Pedro Correia, 02.03.22

Votação esmagadora e concludente na Assembleia Geral da ONU: a agressão russa à Ucrânia acaba de ser condenada por 141 dos 193 Estados membros. Houve 35 abstenções - incluindo China, Cuba e África do Sul. Apenas quatro ditaduras alinharam com Moscovo: Coreia do Norte, Bielorrússia, Eritreia e Síria.

No sétimo dia de invasão da vizinha república soberana, Putin outra pesada derrota política, confirmando-se o isolamento global do seu país. Dificilmente podia ser mais humilhante. A Federação Russa, sob a batuta deste genocida, está prestes a tornar-se um Estado-pária. Ao pé do qual ninguém quer chegar-se perto.

Pela paz no mundo

Pedro Correia, 24.02.22

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Estala a guerra na Ucrânia, invadida pela Rússia, e onde anda o secretário-geral da ONU, nosso tão louvado e tão improfícuo patrício? Refastelado, na poltrona de Nova Iorque, a proferir pias homilias sobre a «paz no mundo».

Eu preferia lá ver Miss Universo - a indiana Harnaaz Sandhu, eleita em Dezembro de 2021. Capaz de debitar também esse inútil paleio pacifista e com a vantagem de ser muito mais gira que António Guterres.

Sobre a greve pelo clima

Paulo Sousa, 01.10.19

Com a devida vénia a estes senhores que vinte anos depois continuam actuais. Souberem captar o espírito dos estudantes e das suas motivações. Reparem só na letra:

Escola boa, escola má
Quem está livre, livre está
Passará, não passará
E quem não passa fica cá

Ficam cá os radicais
Violentos marginais
Que se baldam às propinas
E às provas globais

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação!
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Que nós estamos cá para...

Copiar o TPC,
Estudar livros de BD,
Decorar o pavilhão
P'ra festa da associação.

No pátio da C+S
Estudar nunca apetece
E no bar da faculdade
Vai-se o resto da vontade

E é uma fezada
A escola está fechada.
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Que entramos noutra dimensão

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Muita falta, muito estrilho
Muito chumbo, que sarilho
Já mandaram os postais
Para a reunião de pais

Bué da baldas, muita nega
Bué da Mega Drive da Sega
Entrei noutra dimensão
Bué da faltas, aulas não

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Aulas é que não!

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
E entramos noutra dimensão

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Pra salvar o planeta
E às aulas baldar
Até escutamos a Greta
Ao Guterres ralhar

Foi de barco a bolinar
Veio de avião a planar
Para fuel poupar
E pró mundo não acabar

(modesta adenda em itálico deste fã dos Despe e SIga)

 

A ONU a rir-se.

Luís Menezes Leitão, 26.09.18

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Acho inacreditável que uma assembleia geral da ONU se permita rir do Presidente dos Estados Unidos, sabendo-se que é esse o país que sustenta a organização e que pode muito bem cortar a sua contribuição. A assembleia geral deveria respeitar quem lhe paga e ouvir atentamente os discursos, como se espera num forum internacional. Desde o tempo de Ronald Reagan que estou habituado a o resto do mundo considerar os presidentes republicanos como imbecis e idiotas. Quando são democratas, já são uns génios, mesmo no caso da desastrada presidência de Carter, que até permitiu reféns americanos no Irão. Ninguém consegue perceber que, se o presidente americano fosse um imbecil, nunca teria chegado a presidente dos Estados Unidos. E quanto a rir-se de Trump, muitos o fizeram durante as eleições americanas. Viu-se o resultado.

A leviandade jornalística

Alexandre Guerra, 07.06.18

Lia-se esta Quinta-feira um título no Observador que dizia o seguinte: “Militares portugueses acusados de ‘crimes contra a humanidade’ na República Centro Africana.” Uma informação destas, pela sua gravidade, levou-me a ler a notícia de imediato e, curiosamente, constatei que, afinal, aquele título, além de enganador, é pouco condizente com o que está, efectivamente, escrito no texto. Por um lado, ainda bem, já que mantém intacta a reputação de elevado profissionalismo que os militares portugueses têm demonstrado nas várias missões internacionais que têm desempenhado, seja sob a badge da ONU, da NATO ou da UE. Por outro lado, não percebo a razão que levou o jornalista a optar por um título que, de certa maneira, está muito pouco (ou nada) “defendido” e que poderia afectar, injustamente, a reputação daqueles soldados ao serviço da MINUSCA, e que não reflecte o espírito daquilo que a notícia objectivamente diz. Além disso, ao enfatizar em título “crimes contra a humanidade”, está-se a empolar um dos mais hediondos crimes que pode ser praticado por um ser humano.

 

Mais à frente no texto percebe-se de onde vem o “crimes contra humanidade”. Vou limitar-me a transcrever a passagem, porque vale a pena perceber a “credibilidade” (ou falta dela) da “fonte” e a leviandade com que se propagam estas coisas: “Nas imagens postas a circular nas redes sociais são visíveis largas centenas de pessoas (os testemunhos diretos falam em 20 mil) que participam numa marcha, algumas das quais empunhando bandeiras da RCA e de França. À frente do cortejo, numa faixa branca, lê-se: 10 de abril de 2018 no PK5 (Bangui) e 30 de maio de 2018 em Bambari, os contingentes ruandês e português da MINUSCA [a missão das Nações Unidas no país] cometeram graves crimes contra a humanidade”. Sim, o leitor leu bem. A “fonte” é o que está escrito numa faixa durante um cortejo de contestação de populares e daí parte-se, imprudentemente, para o título: “Militares portugueses acusados de ‘crimes contra a humanidade’ na República Centro Africana.”  

 

É verdade que no já longo histórico das missões militares internacionais, sobretudo aquelas sob comando da ONU, têm acontecido alguns episódios poucos dignos e, nalguns casos mesmo, de atrocidades e violações de direitos humanos. Por vezes, por acção, noutras situações, por omissão. Situações que têm afectado em particular a reputação da ONU e que o Secretário-Geral Antonio Guterres definiu como prioritárias no seu mandato. Perante isto, qualquer pessoa conhecedora minimamente do que tem sido as missões dos "capacetes azuis", sejam elas de “ peace enforcement” ou de “peacekeaping”, terá sempre que admitir a possibilidade de existirem eventuais abusos no terreno por parte das forças internacionais estacionadas em determinado palco de operações.

 

Ora, a questão é que dificilmente se acredita que os militares portugueses possam ter cometido os crimes de que são acusados na tal “faixa” e replicados no título da notícia do Observador. Na verdade, e atendendo à complexidade do teatro de operações na República Centro Africana, e ao que se vai sabendo, a actuação das forças portugueses tem sido de enorme competência e profissionalismo, à semelhança, aliás, do que tem acontecido noutros palcos de conflito. Daquilo que se lê (e vê) na própria notícia do Observador, e também do conhecimento teórico que se tem daquele conflito e das dinâmicas vis da região, mais facilmente se acredita na manipulação e instrumentalização das populações indefesas, através da intimidação (prática muito comum nestes cenários) e da contestação artificial, servindo interesses de determinados grupos. As reacções oficiais do Estado-Maior General das Forças Armadas e da ONU vão nesse sentido.

 

É claro que este tipo de notícias remete-nos para uma outra questão que tem a ver com a “morte” da reportagem de guerra. Porque, na verdade, tendo em conta a presença de um contingente significativo de militares portugueses num palco tão complicado, como é a República Centro Africana, o que as redacções já deveriam ter feito há algum tempo era ter enviado jornalistas para o “terreno”, de modo a fazerem reportagem a sério, trabalho de investigação e apuramento de factos.

Ler os sinais

Rui Rocha, 06.10.16

Nas últimas décadas, os dois chefes de governo portugueses que abandonaram funções quando o país se encontrava em situação difícil assumiram, mais cedo ou mais tarde, importantíssimos cargos nas mais relevantes organizações internacionais. Os que por cá ficaram, em contrapartida, acabaram por conformar-se com posições comparativamente menores e houve mesmo um que esteve preso. A bem do país, era bom que António Costa se apercebesse disto o mais rapidamente possível.

A “Team Guterres” e a irrelevância dos assuntos internacionais em Portugal

Diogo Noivo, 06.10.16

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Para aqueles que vivem isolados de formas de vida pubescentes, uma breve nota prévia: o fenómeno Twilight consiste numa saga livresca adaptada ao cinema cuja história, em traços gerais (aqueles que a saga merece), se resume a um jovem vampiro e a um jovem lobisomem que se digladiam pelo coração de uma rapariga apática e sem graça nenhuma. Foi um fenómeno de audiências intenso e à escala planetária. A legião de meninas adolescentes que acompanharam a saga divide-se, portanto, em dois bandos: a Team Edward, que torce pelas ambições amorosas do vampiro; e a Team Jacob, que apoia os sonhos românticos do lobisomem. Ambos os bandos são de um fanatismo implacável, onde qualquer concessão ao adversário é entendida como uma traição imperdoável. Foi dos fenómenos populares mais profundamente imbecis dos últimos vinte anos.

 

O processo de selecção para o cargo de Secretário-Geral da ONU foi uma espécie de Twilight dos crescidos e, finda a saga, parece que ganhou a Team Guterres. Julgo ser um bom desfecho. António Guterres tem um perfil mais do que adequado ao desempenho da função em apreço. As suas prestações nas diversas rondas de avaliação foram quase sempre notáveis e, gostando-se ou não, a verdade é que António Guterres não só domina tecnicamente os assuntos, como demonstrou ter pensamento próprio sobre o sistema das Nações Unidas. Foi um excelente candidato, merecedor de todos os louvores. E, claro, como somos portugueses, ficamos sempre muito satisfeitos quando um patrício singra no estrangeiro.

 

Porém, apesar de meses de paixões arrebatadas e de críticas encarniçadas, nenhum apoiante ou detractor se deu ao trabalho de explicar a importância do cargo ao qual António Guterres era candidato. Tal como a saga Twilight ignorou por completo o folclore e a tradição literária do género, de Bram Stoker a Alexandre Dumas, passando por Oscar Wilde ou Robert Lewis Stevenson, o debate sobre a eleição de um novo Secretário-Geral da ONU ignorou, pelo menos em Portugal, temas prementes como a reforma do sistema da ONU, a representatividade do Conselho de Segurança, os procedimentos da Assembleia Geral, os limites da polémica R2P, as sérias debilidades das missões de 'Peacekeeping', entre outros assuntos. No espaço público português, este processo foi um deserto onde as ideias foram obliteradas pelas emoções. E agora que a vitória de António Guterres é um facto, a Team Guterres, embevecida, insiste no tom de candura juvenil e disparatada, defendendo que, por exemplo, a eleição deste nosso compatriota é na verdade um reconhecimento da enorme relevância de Portugal no mundo. Se a racionalidade não acompanhou o processo de selecção, agora que temos novo Secretário-Geral o registo do debate público continua pobre e fanático. Mas enfim, o que interessa é que o nosso galã ganhou. E, já agora, a miúda dele é muito mais gira do que aquele pãozinho sem sal dos filmes.

Mérito de Guterres, naturalmente

Pedro Correia, 06.10.16

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A ridícula manobra de última hora, patrocinada por Berlim, de lançar uma vice-presidente da Comissão Europeia de nacionalidade búlgara para travar a candidatura de António Guterres a  secretário-geral da ONU demonstrou que a Alemanha continua a ter um papel na política internacional muito inferior à sua relevância na economia.

A manobra foi canhestra a vários títulos. Desde logo pela aparente incapacidade da Comissão Europeia em perceber que Guterres, enquanto ex-primeiro-ministro de um país membro da UE e candidato oficial do Estado português, já representava o espaço geográfico europeu. Depois por introduzir uma segunda búlgara no processo, sob o demagógico pretexto de corrigir uma histórica desigualdade de género na liderança das Nações Unidas, sem que a primeira candidata – Irina Bokova, secretária-geral da Unesco – tivesse anunciado a desistência.

 

Enfim foi possível perceber que a própria Kristalina Georgieva – comissária europeia com os pelouros do Orçamento e Recursos Humanos – acreditava pouco ou nada no sucesso da sua própria candidatura: lançou-se para Nova Iorque mantendo um pé em Bruxelas, limitando-se a solicitar uma  licença sem vencimento de um mês à Comissão Europeia, logo autorizada por Jean-Claude Juncker.

Acresce que na audição informal prestada esta semana perante os membros da Assembleia Geral da ONU, exprimindo-se num inglês pouco menos que sofrível, Georgieva viu-se em apuros quando o representante diplomático de Kiev a questionou sobre a crise ucraniana: limitou-se a balbuciar umas inanidades que evidenciaram a sua impreparação para o cargo. O ex-eurodeputado português Mário David, que integrava a sua lista de apoiantes, devia ter-lhe dado recomendações suplementares, evitando que a comissária búlgara fizesse tão lamentável figura.

 

Ouvi durante toda a tarde de ontem vozes a proclamar que “a diplomacia portuguesa está de parabéns”.

Temos este costume atávico de diluir o mérito individual num anódino embrulho colectivo. Discordo, pois: o mérito cabe por inteiro a Guterres, político experiente e candidato sem anticorpos, que superou com distinção o mais complexo processo de escolha para secretário-geral desde sempre ocorrido nas Nações Unidas. Exprime-se com fluência em vários idiomas, conhece por dentro a pesada máquina institucional da ONU por ter sido durante uma década alto-comissário da organização para os refugiados. E soube resistir com fleuma a todas as pressões, incluindo as deselegantes declarações do secretário-geral cessante, Ban Ki-moon, que fez campanha pela neozelandesa Helen Clark e pela costarriquenha Christiana Figueres – altas funcionárias da ONU – sob o pretexto de que o cargo devia passar a ser exercido por uma mulher.

 

Mérito dele, pois. Por muito competentes que sejam os nossos circuitos diplomáticos, e por maior que tenha sido o voluntarismo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, incansável apoiante de António Guterres apesar de ter sido seu adversário político, jamais conseguiriam promover o candidato se o ex-primeiro-ministro socialista revelasse a mediocridade demonstrada pela comissária búlgara. Que o diga a diplomacia germânica, reduzida à insignificância entre os gigantes do Conselho de Segurança ao longo deste processo: do querer ao poder às vezes vai um passo demasiado longo.

Um trabalhinho para o engenheiro Guterres

Inês Pedrosa, 06.10.16

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As sauditas iniciaram há 90 dias uma campanha no twitter, sob a hashtag #StopEnslavingSaudiWomen, tentando acabar com a prisão masculina a que estão sujeitas para absolutamente tudo, incluindo tratamento médico. Sim, se o "guarda" de uma mulher da Arábia Saudita decidir proibir-lhe a assistência médica, tem esse direito. A Arábia Saudita prometeu na ONU acabar com o sistema de "guarda masculina" para as mulheres em 2009, depois em 2013. Agora atira esse projecto para 2030, e as sauditas fartaram-se de viver nesta hedionda escravatura e iniciaram a corajosa campanha sobre a qual escrevi aqui 

Espero que o novo secretário-geral da ONU use o seu poder e as tais qualidades extraordinárias que dizem que ele tem para pôr fim a esta ignomínia. Se o conseguir, talvez eu consiga encontrar-lhe atenuante para o desprezo que mostrou pela saúde reprodutiva das portuguesas, em 1998, quando substituiu a lei da interrupção voluntária da gravidez aprovada no Parlamento por um referendo que prolongou por mais dez anos o drama da mutilação e morte por aborto clandestino em Portugal.

Muito pouco cristalino!

Luís Menezes Leitão, 05.10.16

Afinal um processo que eu sempre julguei ser cristalino, revelou-se muito pouco cristalino, sendo até profundamente opaco. Nunca me passou pela cabeça que a Comissão Europeia fosse envolver a sua vice-presidente numa corrida à ONU, com o apoio declarado da Alemanha, sem que a vitória estivesse assegurada à partida. Mas afinal parece que a Kristalina Georgieva não soube aproveitar da licença sem vencimento de um mês que tão generosamente lhe foi concedida. Regressa assim rapidamente ao cargo de origem, depois de uma frustrada experiência de poucos dias em Nova Iorque. Confirma-se afinal a regra dos comissários europeus: só assume essas funções quem não consegue ter sucesso político em lugar nenhum. Tudo normal, portanto.

Não se esqueçam de avisar a Merkel e o David

Sérgio de Almeida Correia, 05.10.16