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Delito de Opinião

Quem escolheu o deputado das malas?

jpt, 26.01.25

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aqui o disse, julgo ser injusto crucificar um partido devido a um radical desvio de um dos seus militantes, até deputados, e ainda mais se isso não se prende minimamente com os princípios e propostas políticas desse movimento. Mas a situação do deputado Miguel Arruda é tão excêntrica, patética mesmo, que o humor grassou. Da torrente de piadas recebidas aquela com a qual mais me ri foi esta, coincidente com a vaidade de Ventura por ter sido convidado para a posse de Trump...

Mas para além da evidente inocência dos seus (ex-)pares partidários diante do abstruso comportamento do deputado açoriano, o caso levanta uma interrogação. Sobre o substrato dos critérios de recrutamento e selecção dos dirigentes (e até militantes) do partido em questão - e, secundariamente, também dos outros -, em especial neste CHEGA que tanto se projecta através de discurso moralista e invectivador. Pois tendo agora o deputado Arrruda aparecido em várias entrevistas torna-se evidente que não se trata de um ardiloso camuflado, em busca de esconsos objectivos. É evidente que o homem não mostra ser o que afinal é, tão ridículo. Mas evidencia ser descabido - isto mesmo descontando que o ouvimos já a posteriori, conhecedores do seu desvario real. Mas ainda assim... Quem confraterniza politicamente com alguém assim, quem aceita e escolhe para postos elevados um perfil daqueles?

É impossível conhecer as pessoas, e os políticos, a priori? Até certo ponto é, mas não totalmente. Eu ilustro isto com um episódio, nestas croniquetas do quotidiano. Há dias eu e um amigo fomos a uma pequena actividade de cariz partidário ocorrida no nosso bairro. Ambos sexagenários, aqui crescidos, para cá regressados já maduros (até um pouco "tocados"). Ambos - tal como tantos outros fregueses - sempre refilando contra a inaceitável junta de freguesia, de socialistas pejada (desde 1980), gente tão abstrusa que o próprio PS encetou a sua pré-campanha eleitoral para a câmara de Lisboa retirando-lhes a confiança política, mas - atenção - sem nessa desconfiança abarcar a actual presidente Rute Lima, apesar das broncas tão noticiadas

Enfim, tendo sabido  daquele encontro anunciado como dedicado a questões de freguesias, incluindo a nossa, lá fomos. Para ver e ouvir, e talvez dizer algo - veteranos que daqui somos, repito. Era afinal um muito mais pequeno encontro do que antevíramos. Mas fomos acolhidos pelo contingente presente, alguns bons fregueses saudavelmente disponíveis para uma intervenção de cidadania, e dois dirigentes (locais?, nacionais?) do partido em questão. Dito isto, eu e o meu amigo, que íamos só assistir, excitámo-nos e estivemos horas a desbobinar uma sabatina sobre os Olivais, passado e presente. E em estereo... A determinado momento os dirigentes tiveram de se ir embora, o que não nos cortou a verve. Enfim, já a desoras para dia de semana lá concedemos descanso aos nossos vizinhos e todos nos despedimos, com simpatia mútua (espero...). Entrámos no carro, o Manel ao volante, e ao mútuo "eh pá!, o que é que achaste?!" coincidimos, em imediata exclamação, no vernáculo profundo sobre um dos dirigentes e no adjectivo suspeitoso sobre o outro. E desatámo-nos a rir, dada a nossa coincidência, tão imediata, epidérmica mesmo, diante dos verdadeiros políticos. Dois "maduros", nós, até já "tocados", repito... "Mas gente boa, estes nossos vizinhos...", "sim, muito!". E o Manel meteu a primeira e fomos comer uma sopinha...

Ora, e dito isto, o CHEGA não tem quem escolha as pessoas, quem as perceba? Ou tem, e é daquilo que procura?

A discriminação efectuada pela PSP

jpt, 01.01.25

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Foi ontem notícia comentada aqui nas esplanadas dos Olivais, no frenesim que antecipava o "reveillon". Aproveitando a quadra festiva, e concomitante relativa desmobilização das associações comunitárias locais e a dos órgãos eleitos (estes em extensa licença laboral decidida pelo "carinho" da sua presidência), a  PSP promoveu uma rusga no nosso bairro, tendo detido alguns dos fregueses - e, ao que ilustra o jornal "Público", em plenas imediações do centro da benfazeja sociabilidade vizinha.

É evidente o carácter discriminatório da polícia, que muito ofende o bom nome e a pacatez cidadã da esmagadora maioria dos nossos habitantes. E exactamente no momento ritual festivo anual. Imagine-se o estado de espírito com que nós, aqui residentes, atravessámos para 2025! Sabendo, de modo assim reforçado, que a qualquer momento poderíamos - e poderemos - ser interpelados por uma força policial. Apenas por sermos olivalenses. "Originários" ou, mesmo até, meros "vientes", advindos.

Como alguns clamavam ontem, esta PSP não tem estas investidas nas cercanias da São Domingos à Lapa. Em redor do Largo do Rato. No Restelo junto a Belém. Nas Telheiras e nos Chiados da nossa cidade. Apenas a nós, comunidades "bairrizadas", aponta. É tempo de travar esta injustiça, estas más práticas policiais.

A Pedir Boas Festas

jpt, 19.12.24

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Este é o "cabaz de Natal" que a Junta de Freguesia dos Olivais - essa agremiação do PS, que tanto brado vem dando devido às suas propaladas más práticas - doa a alguns dos fregueses. Desconheço os critérios de selecção, mas presumo que sejam etários - e serão independentes de hipotética escassez de recursos económicos dos ofertados, a ajuizar pela contemplada que me fez chegar esta imagem.

Simpatias partidárias à parte, isto de andar a dar bodo aos... velhinhos é uma peculiar (para não dizer pior) concepção do exercício do poder autárquico. Enfim, é a Lisboa que temos, as gentes que escolhemos...

E, já agora, aproveito o tópico e a benevolente fotografia para a todos vós pedir Boas Festas!.

O Jardim "Zé Pedro" nos Olivais

jpt, 03.12.24

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Os Xutos fizeram os hinos da nossa geração, "Remar, Remar", "1º de Agosto", "O Homem do Leme", mais um punhado. Tiveram a postura da rebeldia da juventude, o enfrentar daqueles rústicos aldeões dos anos 70s portugueses, os mais-velhos de então, tão convictos de si-mesmos estavam, e eles a cantarem a recusa dos que "tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...". Depois, sucesso afora e vida percorrida, da postura fizerem pose, coisa mais do que legítima, artistas que são. Ou seja, o "X" não, o "X" que-se-lixe, o quase "no future" do punk, amansou, tornado mero requebro de fim-de-semana, intervalando a nossa vida de pais-de-família. Qual o problema disso? Até porque - justiça seja feita aos Xutos - nunca se armaram em paladinos de "anti-sistema", foram muito mais, estavam fora disso, assistémicos, se se quiser, nisto da clarividência máxima, do "a vida é sempre a perder"...
 
Um dia com eles pasmei. Num "assim tanto também não!", até irado, praguejando. Foi ao sabê-los ali em Chelas, onde foi o Cambodja, a partilharem o palco com um trio de presidentes (Marcelo, Ferro, Medina), estes a fazerem o "X". Percebi-os, os compromissos da velhice, mas virei costas. Sim, quando o Zé Pedro morreu ainda saí de casa e fui ali ao cemitério dos Olivais acenar uma vénia, de "X" armado diante do seu féretro. Teve de ser... Mas mais nada, desde aquele dia, servil, a banda é-me apenas uma cada vez mais vaga memória.
 
Agora soube que aqui nos Olivais, ali às Finanças - onde ele viveu em miúdo - se apresentou a estátua do Zé Pedro no jardim que passa a levar o seu nome, coisa de que se ouve falar há anos. Aqui nos Olivais, 32 000 eleitores no centro de Lisboa, onde a biblioteca está encerrada há cerca de quatro anos - sem justificação que não seja a incúria. Onde as gerações de gente algo pública ou menos conhecida, já partida, são deslembradas, sem "arte" ou "engenho" para animar uma "memória" social, nisso animar as vidas.. Onde a indução cultural se pensa como "animações gastronómicas" e festividades de Setembro... E onde a Junta é o que é, e desde há tanto tempo que o é, uma vergonha caciquista.
 
E olho este friso de "X". E Moedas, assim, a sufragar isto. "E uma vontade de rir nasce do fundo do ser..."

Com despudor

jpt, 13.09.24

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Há umas semanas o Pedro Correia foi aqui muito gentil comigo. Hoje sou de novo mimado, e pelo Afonso de Melo. Que deixa no "...Sol" está este afabilíssimo texto sobre o meu livro "Torna-Viagem" - esse que só se compra através desta ligação. Aqui o partilho na esperança de nisto despertar alguma curiosidade leitora. Ou mesmo solidariedade divulgadora.

(E, já agora, isto de uma edição de autor - desconhecido, e em formato de impressão por encomenda via plataforma editorial - chegar a um semanário nacional tem "o seu quê...". Sim, é muito "mafia olivalense". Mas mostrará a outros que é possível publicar para além do remoinho das "editoras").

Enfim, aos que se decidirem interessar: espero que apreciem este meu "Torna-Viagem". E, se puderem, que o divulguem.

No cais cinzento do destino original

Pedro Correia, 20.08.24

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Torna-Viagem, de José Pimentel Teixeira

Edição Bookmundo, 2024

368 páginas

 

Podia começar este texto de várias maneiras. Começo pela mais convencional: estamos perante uma recolha de postais datados de 2001 a 2023 e publicados nos blogues Ma-Schamba e Nenhures, alguns também no DELITO. 

Quase uma centena.

São crónicas que reflectem o percurso biográfico, existencial, do autor. José Pimentel Teixeira é antropólogo de formação, tendo exercido esta profissão em Moçambique, onde foi também adido cultural da embaixada portuguesa e professor universitário. Ali viveu entre 1997 e 2014.

Sem este percurso, não haveria livro. Sem ele, este rapaz lisboeta, «filho do senhor engenheiro Pimentel», criado no interclassista território urbano dos Olivais, o último bairro erigido na era de Salazar, teria sido outra pessoa. Talvez funcionário público com carácter vitalício, talvez mais solvente no plano financeiro, talvez mais apegado à rotina burguesa dos acomodados na vida.

Escolheu um rumo diferente - ou o destino terá escolhido por ele, uma vida inteira não basta para desvendarmos tais enigmas com certezas inabaláveis. Devoto desde a infância das aventuras de Corto Maltese, este será um elemento-chave para entendermos o que o levou a galgar fusos horários e lançar âncora à beira-Índico, na metade sul do globo. 

 

Aportou a Moçambique quando ali mal se despertara do pesadelo da guerra civil e do devastador "socialismo real" dos anos de chumbo da Frelimo, durante demasiado tempo servil ao dogma soviético com o seu cortejo de penúria e opressão.

O jovem antropólogo encontrou ali uma segunda pátria e tomou-se de amores por ela. Sem renegar a cidadania portuguesa nem os valores republicanos que bebeu no berço. Consciente de estar num país estrangeiro, sem embarcar em utopias lusófonas. Duplamente estrangeiro, num certo sentido, pois ali a cor da pele não é irrelevante: vários fragmentos de textos da sua lavra confirmam isso. «Esqueço-me ser minoria étnica», desabafa na p. 171.

Leitor voraz, José Teixeira sentiu urgência em passar a escrito o que ia experimentando naquele seu desterro voluntário, tão longe dos Olivais onde em miúdo se deliciava com as aventuras do D'Artagnan e do Corsário Negro.

Em Maputo, foi um dos pioneiros da blogosfera portuguesa. Imprimindo-lhe marca autoral inconfundível, compondo uma persona em larga medida inspirada noutro dos seus heróis da banda desenhada: o Capitão Haddock, genial criação de Hergé. Sujeito iracundo mas magnânimo, cultor do vernáculo, utente da palavra de ponta-e-mola, bebedor impenitente, irredutível na certeza de que a amizade é um posto, intranquilo por natureza, alguém que tão depressa está como não está.

Defensor convicto de causas perdidas, no fundo «as únicas por que vale a pena lutar».

 

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Esta persona tem traços expostos em profusão nas páginas de Torna-Viagem. Estamos perante um ateu assumido, muito preocupado com a erosão do tempo (confessava já sentir-se «velho» antes dos 40 anos), sportinguista militante mas capaz de se emocionar quando conheceu Mário Esteves Coluna, glória eterna do Benfica.

De esmerado estilo, com sintaxe inconfundível, tenaz opositor à mutilação de consoantes, contraditório sempre que lhe apetece - até na prosa semeada de arcaísmos e neologismos em proporções idênticas. Sabendo captar na escrita o tom da fala. Que também tem sexo e género e cor.

José Flávio Pimentel Teixeira - Zezé para os amigos íntimos, Zé para parceiros esporádicos, Flávio para antigos condiscípulos da faculdade, «doutor Teixeira» em ocasiões solenes, mais em Maputo (onde foi agraciado como comendador, segundo recorda numa divertida crónica) do que na terra natal. 

Tal como Camões e Fernão Mendes Pinto, entre tantos outros, um torna-viagem: cumpridas quase duas décadas em Moçambique, novo desterro voluntário, desta vez no retorno à «Pátria Amada» (como observa, com assinalável ironia). Após ter sido europeu em África, ei-lo agora com muito de africano em Lisboa, até ao nível do vocabulário que assume como património pessoal.

Corto Maltese fechando um círculo. Que pode voltar a abrir-se, nunca se sabe.

 

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Lago Niassa

 

Cerca de dois terços destes textos têm ambiência moçambicana: agrupam-se sob a epígrafe "A Oeste do Canal". Contagiados pela sua vibração vital, acompanhamos o autor de descoberta em descoberta. Eis a maior de todas: ainda é possível viver aventuras à moda antiga no plácido mundo contemporâneo.

Aventuras como a do nascimento da "nação arco-íris" naquela África do Sul de 1994, em que Nelson Mandela, de regresso ao convívio com os seus conterrâneos num estádio repleto de apoiantes, inicia o discurso em africânder, deixando evidente que o trilho a seguir era o da reconciliação nacional. José Teixeira estava lá, integrando a equipa de observadores credenciados para observar o processo eleitoral: não podia ter sido mais empolgante o seu baptismo de África.

Viajamos com ele às aldeias do Norte, tão esquecidas do poder central, tão abandonadas à sua sorte, sulcadas pela pobreza endémica. Deslumbramo-nos através da sua prosa com a beleza perene do Lago Niassa, dos areais de Pemba. Compartilhamos da sua parca refeição em Montepuez: «galinha macua no restaurante do João, tempos em que não havia electricidade daí que cervejas várias e quentes para ganhar embalo, esse para a árdua tarefa de roer o bicho.» (p. 17)

Angustiamo-nos, tal como ele, ao ver a Ilha de Moçambique, catalogada como património da UNESCO, ameaçar ruína. Enquanto aquele «pesado organismo pejado de funcionários políticos embrenhados nas suas agendas globais» nem consegue obter fundos para ali manter aberto o seu escritório.

 

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Ilha de Moçambique

 

Comecei este texto aludindo a Torna-Viagem como recolha de crónicas. Mas dou um passo adiante: é mais do que isso. Estamos em larga medida perante verdadeiros contos, dignos de figurar numa antologia do género em língua portuguesa.

Destaco alguns, sugestivos logo pelos títulos: «Nas cheias do Zambeze»; «Na aldeia»; «O camião»; «On the road»; «Um símio em calções»; «O apito»; «As cores na véspera do eclipse»; e o delicioso «Che Guevara na Feira Popular». Além dos admiráveis «Limpopo» e «As estradas do Niassa», inscritos na linhagem de um Ernest Hemingway. Ou «Na torre de anúncios», já retornado aos Olivais, na ressaca da aventura africana.

Entre os imperdíveis, «Autobiografia ideológica»: réplica sui generis a quem costuma acusá-lo de reaccionário. Também o tocante «O meu irmão». E, acima de todos, «Marjorie, o meu primeiro amor» - apaixonado hino em prosa à BD, forma de expressão artística que fascina crianças dos 7 aos 77 anos.

Alguns são comoventes. Como um dos mais breves, que singelamente o autor intitula «A despedida». Em Setembro de 2014 almoça pela última vez em Maputo com a filha pré-adolescente, Carolina, e um casal amigo. Citando o poeta Rui Knopfli, outro torna-viagem: «Kok Nam, o fotógrafo, baixa a Nikon / e olha-me, obliquamente, nos olhos: / "Não voltas mais?" Digo-lhe só que não.»

Resta-lhe, semanas decorridas, sentir-se «turista na própria cidade», no melancólico regresso a Lisboa. Confissão impressa na segunda parte da obra, intitulada "Ocaso Boreal".

 

Podia também fazer seus estes outros versos de Knopfli: «Cansados de tantas pátrias, de pátrias / rejeitados, na pátria indesejados, /silentes volvemos, vultos espectrais / no mar lento de negrume e escombros, / ao cais cinzento do destino original.»

Mas outro destino o aguarda: transformar em literatura a vasta experiência vivida. A primeira etapa acaba de cumprir-se aqui.

Cultura em Maputo, Política aqui

jpt, 31.07.24

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1. Um amigo, camarada de anos a fio em Moçambique, e que comunga o meu interesse pelo país e pelo que faz o nosso Estado nas relações bilaterais, e em particular nas questões culturais, avisa-me desta notícia: a nomeação de um novo adido cultural para a embaixada de Maputo, José Amaral Lopes, antigo secretário de Estado da Cultura e antigo presidente do Conselho de Administração do D. Maria II, deputado, entre várias outras posições de destaque. Dado o seu perfil "alto" é surpreendente a sua indicação para este posto, até modesto. Mas para todos que se interessam por estas matérias - a mescla entre "acção cultural externa" e "cooperação" - uma nomeação de alguém com este peso biográfico tem um significado: denota um grande e assisado interesse governamental no desenvolvimento destas relações culturais, decerto articulado com alguma capacidade para reforçar os  meios, materiais e humanos, dedicados a essas interacções. Fica-se assim - e mesmo que sem "pedir a Lua" - na expectativa de um período de grande desenvolvimento nas conjugações culturais entre ambos os países. Possamos nós fruir disso!

 

2. Paralelamente - mas sendo, de facto, uma irrelevância - a notícia desta nomeação tem um factor denotativo da mesquinhez intelectual dos mecanismos partidários, em particular os do PS. Amaral Lopes exerce actualmente as funções de presidente de junta de freguesia, eleito pelo PSD. Abandonará o posto para assumir estas novas funções.

O dirigente lisboeta do PS, David Amado, critica-o por ter abandonado a freguesia, dela fugido. Deixando assim até implícito um elogio ao actual presidente, dado que considera gravosa a sua substituição. Mas é a demonstração da total impudicícia desse dirigente socialista. Pois há poucos meses, nesta mesma sua concelhia partidária, um também presidente de junta de freguesia, o socialista Costa, abdicou das suas funções, indo (sem currículo que o justificasse) liderar um mecanismo televisivo de produção de opinião pública. Amado então nada contestou. Entretanto, aqui nos Olivais a socialista presidente de Junta, Rute Lima, aquando reeleita logo se foi a trabalhar para a nova Câmara PS de Loures, e vem por cá "exercendo" funções em regime "parcial". E Amado ficou mudo.

E já agora, até porque o postal é sobre "cultura"  e nisso "bibliotecas" - a do Camões em Maputo é muito relevante na cidade - convém relembrar que a biblioteca da Junta de Freguesia dos Olivais, a antiga Bedeteca, sita no Palácio do Contador-Mor (sempre associado aos Olivaes de "Os Maias") está fechada há mais de três anos. Devido a umas obras não estruturais, que se diz terem sido cabimentadas 2 vezes (!!!), e que se vieram arrastando por incúria da junta - estando agora aparentemente culminadas sem que a biblioteca reabra. Diz-se no bairro, e quem sabe, que esteve prevista a reabertura para o início deste Verão, transitando depois para Outubro. Mas que deverá acontecer apenas cerca do Ano Novo - para agitar as águas em ano de eleições autárquicas. Sobre tudo isto - e tanto mais - não fala o tal David Amado. Nem as hostes socialistas.

Já votei

jpt, 09.06.24

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Fui votar de manhã (e votei bem). Como desta vez se pode fazê-lo em qualquer lugar, em vez de ir até às traseiras de casa, como sempre, fui até ali à frente, à Biblioteca dos Olivais. Foi forma de matar saudades pois a Biblioteca está fechada há mais de três anos (há quem afiance que há já 4...), devido a umas obras superficiais que a Junta de Freguesia tem descurado de modo escandaloso (dizem-me que até foram financiadas duas vezes mas não posso afiançar). O que é engraçado é que indo à página da Junta vê-se como Rute Lima (a presidente em part-time) e seus correligionários PS anunciam os trabalhos sobre um novo jardim que vão instalar em homenagem ao Zé Pedro. Mas nada sobre a reabertura da biblioteca. O que muito me faz lembrar aquilo dos "coronéis" brasileiros do Jorge Amado, que se limitavam a ajardinar para legitimar as malandrices....

Enfim, é o PS nos Olivais, em Lisboa. E Portugal. A "esquerda", dizem, avessa ao "obscurantismo", gabavam-se. E nós, que não gostamos de duplos financiamentos para obras públicas e até vamos às bibliotecas, somos ... "neoliberais", "reaccionários". De "direita"....

Entrevista para as eleições europeias

jpt, 31.05.24

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Ontem, cerca do fim da tarde, recebo uma sorridente mensagem filial: "pai, ouve a partir do minuto 20...". Respondo com esta fotografia, num "verei mas agora estou num ocaso olivalense" - pois sempre em luta ideológica contra estes pacóvios escravos da gamela turística que grunhem "sunset". Estava eu num muito agradável convívio, alguns casais vizinhos agregando este exemplar pós-moderno de solteirão, todos em torno de um belo vinho do produtor, canapés gentis, boa conversa, tudo em varanda defronte ao esplêndido Tejo, longínquo mas sempre vivificador. Lesta vem a resposta dela, jocosa: "dizes-me isso já depois de ouvir?". "Não", pois apenas justificava a minha pouca celeridade na audição...

Ouvi à noite, e percebi o envio e a sorridente resposta. Trata-se da entrevista de Guilherme Geirinhas - de quem já ouvira falar mas nunca vira - a Sebastião Bugalho, o cabecilha AD para as "europeias". A piada era a de que ambos aludiam aos "mitras dos Olivais", esses sempre dizendo "eu sou dos Olivais", e nisso a minha filha logo me reconheceu... Não veio aquilo com ponta de maldade, Geirinhas aludia ao seu próprio pai, Bugalho ao seu antigo chefe, o jornalista Vítor Rainho (que julgo ser da Catió, aqui nas minhas traseiras, ou pelo menos ter por lá parado aquando chavalo). E sim, aceito(-me), a "malta" dos Olivais gostou de crescer aqui, e nisso ganhou uma identidade perene. Mas há algo que estes mediáticos de agora não percebem, por mera ignorância, a qual afixam entre as suas graçolas: não éramos nem somos "mitras", o enorme "bairro" era um caldeirão multiclassista, congregando uma parte do espectro do que eles agora alisam (devido à tal ignorância), como "classe média", gente da média burguesia, da pequena-burguesia, além do operariado e, também, núcleos homelécios então reinstalados. (E continuo na minha, um bom barómetro sociológico seria estudar o acontecido na interacção classista na conjugalidade olivalense, pois é aí que se deverão encontrar os limites ao tal caldeirão...).

E nisso surgimos a estes mais novos menos dados aos "condomínios fechados", mais dados à abrangência dos contactos. Assim "mitras"... E tudo isto se me solta depois ter ouvido a entrevista toda, por muito representar as  mundividências dos dois participantes. Trata-se de uma série financiada pela FFMS, e até posso perceber o objectivo: através de Geirinhas mobilizar o público mais jovem para a participação eleitoral. Virtude que não impede o meu esgar. Pois assisto àquilo e lembro-me da velha piada "- Estás com ela por amor ou por interesse? - Deve ser amor, pois interesse não lhe vejo nenhum." Neste caso a pergunta será "- És entrevistado por humor ou por interesse? - Só pode ser por interesse, que humor não lhe vejo nenhum". Entrevistador vácuo, para não dizer pior. E, já agora, um político não precisa de ser erudito, nem precisa de ser melómano. Mas quando se entrega a mediação entre políticos e público a um tipo que nem sabe o que é música de câmara estamos (a FFMS e todos os espectadores) a delegar essa articulação a gente que nem lê. Gente com "piadolas" mas mais nada... Este abandalhamento da política está na moda, os auto-retratos do PR são um sintoma, Costa a cozinhar na "Cristina" o sopé de tudo isso. E a actual obrigatoriedade de "ir ao RAP" (esse que me lembro a fazer entrevista "humanizadora" ao já então consabido mariola Sócrates) instalou-se, no predomínio do sorrisinho para o incauto eleitor... Mas para animador político o RAP ainda tem equipa. Este é pungente.

Tudo isso se reflecte na entrevista. Bugalho é sabido e expedito, um talento natural. E irá longe. Apesar dele próprio. Nota-se ali, com o pobre entrevistador agarrado a dois temas pretensamente humorísticos: a juventude do homem, ainda que este seja mais velho do que o Pitt Jr. quando este chegou a PM do maior império mundial, para arquétipo. Ou, na contemporaneidade, seja da idade de Durão Barroso quando chegou ao governo. Ou da mesma geração de Attal, actual PM francês. Ou mais próximo de Macron do que eu sou dos meus convivas de ontem... E Bugalho corre apenas para deputado europeu. Mas bem pior do que isso é a longa deriva sobre o estatuto social (o estrato social) do candidato, um "quem és tu?" apinocado. E é notório que Bugalho se deixa ir nesse exercício. Ambos reproduzindo, com ironia prazerosa, o edifício da estratificação social. Não são "betos" nem "queques", são burguesotes convictos. Incapazes de se afastarem - por mais retóricas avulsas que façam actuar - das reais loas bem-dispostas a um estratificação crescente. Pois esta lhes é afectiva, identitária.

Bugalho deixou ainda dois apontamentos. Um será até secundário, e não lhe é novo - já o ouvira propalar isso num debate no qual dissolveu uma pobre adepta do dr. Mamadu Ba: confunde racialismo com racismo. Mais uma vez ilustra o seu anti-racismo por o seu padrasto, negro, ter sido tomado por infantes como motorista. Ora meras expectativas plausíveis em determinado contexto não  implicam racismo: se este comendador Teixeira, sob vestes mal-amanhadas, em Schaerbeek é tomado como operário da construção civil por uma idosa flamenga ou um boémio bruxelense, isso não é racismo, nem me faz içar os (parcos) pergaminhos académicos. 

Mas o segundo apontamento, o que me arrepia, é que Bugalho gosta de toda a gente, é amigo de toda gente, qual avatar de Rogério Alves, aquele bastonário comentador que a todos trata por "meu querido amigo". Ouça-se a entrevista, Bugalho é "amigo" de todos. Excepto, está explícito de modo sublinhado, do "doutor Passos Coelho", do qual é apenas "admirador" - o que dirá muito, e bem, de Passos Coelho e não de todos os outros. Talvez Bugalho seja assim, um verdadeiro "gajo porreiro". Mas, caramba, soa a falso como o Judas, e senti-o em pleno dia do "Corpo de Deus".

Enfim, eu não voto em cabecilhas de listas, e muito menos o faria nas eleições europeias, no qual tal figura é, por si só, irrelevante. Voto em partidos que apresentam listas. Mas, ainda assim, não será após esta iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos que irei votar AD. 

Há Cultura nos Olivais?

jpt, 02.05.24

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Ontem, após o Bayern-Real Madrid, visto em grupo de amigos no café agora "must" dos Olivais, e enquanto se escorropichava a última "imperial", lamentei-me de estar esfaimado. Logo me levaram à Encarnação, onde decorrem as "festas populares". À chegada ouvia-se os UHF. Acorri, constatando que há quase 40 anos não via o grupo de António Manuel Ribeiro ao vivo, laivos saudosistas até.... Quando lá chegámos tocavam a célebre "Cavalos de Corrida"... Depois vieram os "encore", uma "Grândola..." apenas vocal, entoada em registo roufenho com uma senhora da organização (quiçá da Junta).

Entretanto abastecemo-nos dos ambicionados petiscos, fornecidos nas barracas de "comes e bebes", vizinhas dos carrinhos de choque, eu com uma bifana das antigas, daquelas oriundas daqueles pântanos de molhanga com ar vetusto. Enquanto deglutia o manjar voou-me a mente para alhures. Um dos camaradas de comezaina notou-o e indagou o que comigo se passava.

"Estou velho!", resmunguei, lamentando-me. E expliquei-me. Pois no meu bairro de sempre, junto a amigos, diante de imperial e bifana, UHF a rockarem, no que atento é nisto: em pleno centro de Lisboa, esta Junta de Freguesia do PS, essa da presidente Rute Lima (colunista do "Público") e da "vereadora" Vanda Stuart, monta mais uma festarola e clama em cartaz "Há Cultura nos Olivais". E associa isso ao democrático e desenvolvimentista "25 de Abril".

E entretanto a Biblioteca dos Olivais, a antiga BDteca, está encerrada há três anos, ou mais, devido a obras até superficiais, mas tão proteladas de esquecidas, depois como se abandonadas, pois nunca cuidadas. Apenas por desinteresse desta gente PS. Vil e ignorante gente.

"Sou um reaccionário!", concluí. Rimo-nos. E pedimos mais uma rodada de imperiais.

O PS não muda: o caso paradigmático dos Olivais

jpt, 04.03.24

                   

O governo do PS caiu na sequência de um conjunto de "casos e casinhos" - expressão criada para desvalorizar uma inusitada sucessão de desatinos (como o patético "affaire computador"), os quais culminaram no verdadeiro "casão" Escária. E os seus dois antecessores caracterizaram-se por despistes em exercício, em particular o segundo (como os trambolhões sonoros na Defesa e na Administração Interna), e por uma demasiada "endogamia" - incorrecto termo usado para aludir à teia de relações familiares que albergavam, em particular o primeiro. E é ainda indelével no historial PS ter o período Costa sucedido à governação Sócrates, o pior momento deste regime, mas ainda assim defendido até à última pelo partido e pela sua mole de produtores de opinião pública (como Galamba ou Adão e Silva, que Costa veio a recompensar ao elevá-los ao governo).                                   

Não se trata de clamar que tudo isso é "corrupção", que não o é - isto para além de "corrupção" existir em todos os regimes, em todos os quadrantes ideológicos, e de poder grassar em todo o tipo de poderes quando eleitos ou nomeados. Ou nepotismo, pois nem tudo o é. E também não se pode reduzir isto a uma "incompetência" que seja típica daquele partido e seus "companheiros de estrada", disponíveis para com o PS governar ou administrar o sector público. Pois também em todos os regimes e quadrantes ideológicos há escolhas desadequadas ou efeitos do inesperado nas coisas públicas.

Mas tudo isto enuncia duas características deste PS de XXI: a incapacidade - talvez devida à crença da sua  desnecessidade - para cooptar um amplo leque de "homens bons" (de competentes pessoas de bem, dir-se-á hoje) da sociedade para o exercício do poder; e, talvez mais do que tudo, a inexistência de uma autocrítica, interna que seja, algo que sempre transparece um enquistar castrense típico em "partido de poder" exaurido.

Haverá gente do PS, e não só, crente em que a mudança de líder inflectirá alguns rumos políticos e influenciará as práticas no poder. Independentemente disso ser pouco crível com Santos. Não só porque vem demonstrando um verdadeiro e atrapalhado vácuo programático mas, acima de tudo, porque foi consagrado como o "campeão" do aparelho partidário. E é neste que radica o problema.     

Ou seja, não se justifica esperar mudanças positivas - desenvolvimentistas, por assim dizer - no PS. Não por causa deste novo secretário-geral ou de qualquer seu hipotético sucessor. Mas devido à mundividência que grassou e acampou no partido, nas redes que este constitui com a "sociedade civil", esse amplexo do qual emana Santos e emanarão seus sucessores. Mundividência e respectivas práticas que seguem, repito, imunes à autocrítica. E encastradas na aversão a críticas alheias.

Um exemplo paradigmático, pois denotativo, de tudo isto é o que vem acontecendo na Junta de Freguesia dos Olivais. Uma minudência, dirão alguns. Mas são 32 mil eleitores - muito mais do que em tantos municípios -, sitos no centro da capital. O PS domina a Junta desde 1990, diz-se que nele teve o presidente de Junta com mais tempo em funções no país, Rosa do Egipto, ao qual sucedeu a actual presidente, Rute Lima.

Desde que regressei a Portugal tenho escrito alguns postais como freguês desta freguesia: alguma fragilidade dos serviços da Junta - à qual agora se pode aduzir o encerramento da biblioteca pública (a ex-Bedeteca) desde há anos, para se realizarem umas relativamente simples obras de reabilitação, uma situação lamentável e incompreensível de inércia. E o tom verdadeiramente populista da sua presidência, com a desbragada utilização dos serviços da Junta - e seu boletim mensal gratuito - para engradecimento pessoal da figura da presidente Rute Lima, no posto há vários mandatos.

Também aqui deixei nota - e testemunho iconográfico - da minha irada estupefacção quando em recentes eleições ter notado que o pessoal contratado pela Junta para assistência nas assembleias de voto surgir com camisas com símbolos gémeos ao da candidatura socialista, evidente caciquismo rasteiro. Enfim, um rosário de indigências mentais, surpreendentes por vigorarem nesta Lisboa actual. Quanto ao resto, o verdadeiro funcionamento da Junta, há o constante "diz-que-diz" de fregueses, coisas até plausíveis mas apenas "conversas de café", impublicáveis.

E bem aqui insisti, com pormenor, que nas últimas autárquicas para a surpreendente derrota eleitoral do candidato socialista Medina foram suficientes os votos que o PS perdeu na freguesia Olivais.   

Entretanto, no ano passado houve três reportagens televisivas, detalhadas, anunciando desmandos económicos na Junta. Algumas das referências eram até pungentes - gravações que demonstram haver uma vogal que alimenta a família com a comida das cantinas escolares, por exemplo. Contratações de familiares directos de gente em funções. Aparentes minudências dessas. Nesses dias houve alguns ecos mas mais nada se soube. A presidente Rute Lima - que exerce (ou exerceu) o seu cargo em part-time, pois foi cooptada para a gestão municipal de Loures pelo seu novo presidente socialista, algo peculiar numa freguesia desta dimensão - seguiu incólume.

No final do ano 23 saiu mais um dos característicos boletins da Junta, sempre "Rutecentrados", como comprova a imagem que encima o postal. Ombreando com (mais) uma longa entrevista auto-laudatória a omnipresente Lima escreve no seu editorial, dedicado aos seus "Queridas e Queridos Olivalenses", uma denúncia daquela "espuma que é uma nova forma de estar na política" que conduziu "a forma sórdida a que todos fomos expostos, naquele que foi um ataque inqualificável ao Executivo". Em Fevereiro a Polícia Judiciária fez buscas durante um dia na Junta.

Friso, não há arguidos, não há culpados. Mas há décadas "disto": de comer das cantinas, pelo menos. Deste despautério caciquista. E do PS ser incapaz de se apartar, autocriticamente, deste tipo de gente. Deste tipo de práticas. Desta... mundividência.   

Entenda-se bem, o PS não muda, nem mudará. Pois o PS, este que vai a votos, é Rute Lima.                                             

No metropolitano

jpt, 29.08.23

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Ontem, Estação de Metropolitano de Chelas, quase 23 horas. Comboio parado, luta de grupos - verdadeiramente multicultural. Tem ar de coisa avulsa, mera "zangadaria", não aparentando ser confronto de grupos "orgânicos" (os sempre ditos "gangs"). Nada de tiros, felizmente, nem se vêm brandir naifas, pedras ou coisas do género. Mas muito mais a tradicional gritaria histérica. A passageira brasileira que me ladeia - talvez por me ver seráfico, ainda que amarfanhando o pobre livro de bolso - pergunta-me "é preciso esperar que chegue a polícia?" antes que retomemos o nosso rumo, pois "assim vou perder o autocarro das 11...". Respondo-lhe, fleumático - já espreitei, notei a tal ausência de armas e a prevalência dos apenas símios gritadores, tendencialmente inofensivos - "não faço a mínima ideia, nunca vi uma coisa assim". Crianças choram, mulheres praguejam, transumância entre carruagens, velhos caducos caducam. Um destes, que é da zona - di-lo pelo sotaque e, mais do que tudo, através dos trejeitos -, logo avança a bom som as suas explicações para o caso pois "há pretos", olhado com algum espanto pelos circundantes ali retidos, entre os quais haverá um ou outro "branco" para além de mim e dele, e da brasileira (a qual talvez se reclamasse, lá no país dela, "parda" para ver se colheria alguns apoios estatais). Os dois sikhs estão calados, ainda que os turbantes lhes pendam um pouco.  Imensos brasileiros brasileiram, e como praguejam!, comprovando os seus "avôs transmontanos", apesar de serem - se necessário - também "afrodescendentes". Os chavalos de Chelas seguem a la Olivais, não se ficando atrás no esbracejar e no vernáculo, mas este sai-lhes sem o trinado arábico típico do nosso bairro. Não há dúvida, para além da Marechal Gomes da Costa o sotaque é diferente. A malta PALOP está calada e furiosa com estes atrasos a atrasar o descanso. E alguma olha-me, quero eu imaginar, com simpatia - haverá algo no meu semblante que dirá por onde andei? Ou será por ser o único dos dois velhos tugas brancos que ali não clama "há pretos"? Os funcionários estão excitados, cais acima, cais abaixo, armados de velhos Motorola, ou similares. Enfim, espera-se a polícia. Milhazes é citado com abundância. Uma das alas contendoras avança e dissemina-se na minha carruagem, continuando a gritar os impropérios que são rescaldo, catarse e ressaca. 

O comboio avança. Mais uma estação e chego ao destino. Estou, verdadeiramente, em casa. Na escada rolante um companheiro de viagem, talvez angolano, murmura-me, entreolhando-me, "filhos da puta!". Sorrio-lhe, encolhendo os ombros. E não lhe digo o que penso: somos, de facto, aqui e agora, nós os dois, lusófonos!

Crepe

jpt, 26.08.23

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Durante quase meio século sentei-me nesta esplanada olivalense, se, quando, por cá. Aqui bebi do Ucal de chocolate à (dulcíssima) amêndoa amarga, bicas, comi inúmeras tostas mistas, fumei charros, regressei para as melhores empadas de galinha da vida, e entretanto bebi alguns gins, magníficas imperiais, uísques bem servidos... Nisso sucederam-se incontáveis conversas, encantei-me com vizinhas e visitantes, ombreei com quem é ombreável - e até me zanguei com um ou outro. E em tudo isso, nestes todos anos, sempre fui o Zezé.
 
Após bastante tempo regresso hoje aqui para frugal jantar. Agora restaurante chinês, no qual sou um evidente Zé-ninguém. O decente crepe e a fresca Super Bock são-me trazidos por uma simpática (e bonita, se me permitem) empregada nepalesa, recém-chegada ao país. E neste meu recanto olivalense, onde cresci e agora degenero, com ela tenho de falar em inglês.
 
Peço uma segunda cerveja, e constato: a única coisa que mudou é que é uma sexta-feira nos Olivais e eu janto sozinho. De facto, todo o resto são pormenores...

O fim de uma era: a morte do "Arcadas"

jpt, 30.06.23

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Há tempos aqui falei do café do meu bairro, meu poiso durante décadas, desde petiz: o "Arcadas". Então saudava a sua reabertura sob a antiga e prestigiada gerência. Mas foi curto o regresso à actividade, passados alguns meses os proprietários regressaram à merecida reforma, ao remanso dos seus "anos doirados". Ficou encerrado o café, sito na loja do prédio, como tantos outros exemplos aconteceram nos Olivais, característica da urbanização daquela década de 1960s a induzir o pequeno comércio local. A clientela, envelhecida e cada vez mais esparsa, esperando um trespasse que mantivesse um mais ou menos "como sempre" na sua vida de vizinhança...

Os pequenos cafés e restaurantes (as tascas, casas de pasto, etc.) serão um modelo de negócio urbano algo condenado. Os hábitos de consumo mudaram, pelo envelhecimento da população - e em alguns nichos pelos devastadores efeitos na saúde física e mental que a pandemia de Covid-19 teve; pelas sucessivas crises económicas, a retrair hábitos tornados "despesistas". Na redução da procura de alguns produtos típicos, a "bica" substituída pelas máquinas domésticas, o bitoque ou a tosta mista trocados pela entrega de fast-food (e não só) ao domicílio, a desnecessidade de ir comprar (ou ler) o jornal, dada a profusão televisiva e digital. E o convívio migrado para as redes sociais e os telefonemas tendencialmente gratuitos. Tudo sublinhado pela concentração de clientela causada pela construção de enormes "grandes superfícies" - patadas urbanísticas advindas na incultura estuporada do período cavaquista. Por outro lado, o pequeno negócio - quantas vezes familiar, concentrado em torno de um casal, coadjuvado pela prole ou parentela - deixou de ser um factor de mobilidade, social e geográfica, com mais atractivas hipóteses laborais para uma população já urbanizada, e que assim se escapa à sobrecarga horária que esta actividade implica. E está sobrecarregado de taxas e regulamentos, numa sociedade e economia estatistas, escorada numa fiscalização digitalizada implacável face às pequenas empresas, e que veicula uma ignara visão do que é higiene, consignando-a à utilização de "detergentes certificados" ou quejandos detalhes.

Enfim, tudo isso é o pano de fundo mas o libreto depende de cada lugar... Tenho andado longe do meu velho bairro. Nisso do convívio com os vizinhos olivalenses, entre os quais me restam um punhado de velhos amigos. Na expectativa de que o "Arcadas" reabrisse, pretexto para lá ir, rever gente, retomar conversas. Há dias um amigo enviou-me esta fotografia, sublinhando o fim de uma era. No final do beco ermo surge agora um restaurante chinês... Nada tenho contra imigrantes e imigrações - ainda que sempre me interrogue sobre a particularidade do modelo migratório chinês, mas isso é outra conversa. Nem contra a pluralidade de oferta gastronómica, em especial os já tradicionais "restaurantes chineses", cuja disseminação por cá até terá sido pioneira - e sempre lembro as juvenis patuscadas num chinês barato na Duque de Loulé, desde as quais neles como sempre o mesmo (os eternos crepes, chop suey e porco doce, cardápio que presumo inexistente na própria China).

Mas, raisparta, ao ver (mais) um restaurante chinês alojado na loja do (meu) "Arcadas", lá no fim do ermo beco, lembro-me do final de recente leitura, pois é exactamente assim que me sinto. O então afamado escritor e cronista Júlio César Machado foi viajar uns meses por Itália na década de 1860, lá palmilhou o Norte, conviveu com Milão, calcorreou Veneza - sob o pérfido domínio austríaco -, isto, dizia, numa época em que "os portugueses não viajam". Dessas andanças deixou um livro interessante, "Do Chiado a Veneza". E a narrativa dessas até aventuras termina assim, explicitando o que realmente importante retirava da sua passeata pela bela Itália, berço da nossa cultura, onde não podia sair à rua sem se deparar com o monumental legado de História e Arte:

"Ao voltar porém daquela formosa Itália, que é a pátria das artes, da graça, da benevolência, do bem-estar e das doçuras da poesia, vim encontrar em Lisboa um grande acontecimento, que durante a minha ausência tivera lugar aqui:

Fechara o Marrare!...

Ora, devo dizer-lhes, Portugal é Lisboa, Lisboa é o Chiado, e o Chiado era o Marrare. O Marrare não era o primeiro nem o melhor botequim, era o único botequim. (...) Era a casa das noites e das manhãs: de tarde, ninguém; à hora em que nos outros botequins não havia mãos a medir para atender aos fregueses, que iam tomar café, a essa hora os fregueses do Marrare estavam a vestir-se para ir jantar. Mas pela noite adiante, que agitação, que vozearia, que teorias transcendentais acerca da arte, que discussões políticas, que dissertações com respeito à música (...)

Conquanto nos últimos anos houvesse perdido alguma coisa do esplendor antigo, e cada dia lhe fosse deixando um vácuo que o dia de amanhã não preenchia, o Marrare era ainda nos últimos tempos um dos lugares mais curiosos de Lisboa. Conservava-se ali a tradição; ali morava o Entrudo; vivia já de recordações, mas vivia; era um veterano a contar as campanhas!

Palavra de honra! Quando cheguei e vi no Marrare aquela loja de sapateiro que lá está agora, percebi que há uma cidade mais devastada ainda do que Veneza... é Lisboa!"

(Júlio César Machado, Do Chiado a Veneza, Tinta da China, 217-218)

O PS (também) nos Olivais

jpt, 14.02.23

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Cresci nos Olivais (Lisboa), bairro sui generis para tal, a nossa geração sabe-o - e lá voltei após 25 anos, já cinquentão . Nestes últimos anos botei breves postais face a uma "junta de freguesia" com características de puro caciquismo, mediocridade intelectual e executiva e anunciado nepotismo. Nas últimas eleições municipais sublinhei como as perdas de votação do PS na freguesia - muito devidas às manigâncias e arrogâncias da sua presidente - foram, por si só, suficientes para a derrota da candidatura de Medina à câmara. Enfim, 40 anos de PS, sob apenas dois presidentes de junta, culminaram na evidência de que o PS só tem esta indigência para propor no centro da capital, algo denotativo de estado degenerado daquele partido.

Ontem o telejornal da TVI emitiu uma reportagem letal sobre os socialistas da junta de freguesia, comandados há uma década pela peculiar Rute Lima (uma colunista do jornal "Público", o que denota o servilismo político das direcções do jornal). Nela são denunciados múltiplos exemplos de puro nepotismo - por exemplo, várias contratações de parentes por afinidade ou consanguinidade dos membros da junta, contratados em feriados (inclusive num 1º de Janeiro recente....!) , manipulação de concursos públicos, etc. E termina a reportagem com uma nota escandalosa, anunciando uma reunião dos eleitos decorrida no último domingo, destinada à destruição documental...

Alguns dirão que é apenas um caso pouco relevante, uma minudência paroquial, mera questiúncula de freguesia - apesar de esta ser bem maior do que muitas das câmaras do país, e sita no centro da capital. Mas não é correcta essa visão. De facto, todos os regimes, todos os sistemas políticos, todos os partidos e ideologias, são permeáveis a (más) influências de grandes interesses económicos... Mas o problema é quando os regimes ficam prisioneiros deste tipo de petty-corruption (a contratação da namorada do vereador e putativo novo presidente, a contratação do filho da presidente, a adjudicação directa da pequena prestação de serviços ao camarada de partido, etc.). Pois isto significa a degenerescência do regime, evidente caso de top-down, de cima a baixo... E patenteia a inexistência de dinâmicas internas dos partidos incumbentes em se regenerarem, enviesarem para rumos democratizadores e desenvolvimentistas. 

Sobre este caso dos Olivais há ainda três pontos relevantes: nada disto é surpreendente, não só ecoa a fatigada vox populi do bairro como traduz todo o aspecto caciquista que este poder lisboeta patenteava, diante da cumplicidade apoiante da liderança partidária; tudo isto vem a público devido a uma reportagem jornalística inserida naquilo a que os próceres socialistas constantemente atacam - e convém lembrar o tétrico actual presidente da Assembleia da República, agora a pavimentar a sua candidatura a Belém, sempre na sua peleja contra a investigação jornalística, a que chama "jornalismo de sarjeta", e pronto a procurar legislar para obstar à efectiva liberdade de expressão e fértil em pressões sobre as administrações e direcções dos órgãos de comunicação social. E finalmente, ainda mais demonstrativo do que é o PS actual: como deixei aqui no final de 2021, a socialista Rute Lima, que tem este entendimento do exercício  dos poderes autárquicos, foi logo cooptada para em tempo parcial trabalhar na gestão da câmara de Loures, conquistada pelo seu partido nas últimas eleições. Pois é isto que o PS considera relevante e necessário  para o exercicio do poder. Autárquico e nacional.

Programa sobre os Olivais

jpt, 10.12.22

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Vizinhos elogiosos dão-me a conhecer este programa radiofónico (aka podcast) "Lisboa e os Lisboetas" devido a esta sessão (51 minutos) sobre o meu bairro Olivais. Avanço para o ouvir, enquanto leio: interessa-me o bairro e conheço o "entrevistado" (é uma conversa, não uma entrevista) Pedro Bidarra há 40 anos, olivalense de gema, publicitário renomado, romancista, tipo refinado e de bela verve.
 
Na introdução da conversa o autor do programa deixa algumas indicações sobre "os Olivais" (é assim que se diz) rural, pré-1950s, incidindo na rede de "quintas" das quais há apenas alguns vestígios remanescentes. E mais para a frente alude à evolução da actual "Avenida de Berlim", a velha "Entre Aeroportos" (o de Cabo Ruivo, para hidroaviões, e o posterior da Portela), memórias corográficas decerto que interessantes para os fregueses que as desconheçam.
 
No início da conversa o Pedro Bidarra deixa um pouco da sua, que é a nossa, a da geração fundadora dos Olivais, memória sobre como foi crescer no bairro no pós-25 de Abril - e faz muito bem em lembrar que algo disso deixou no seu ríspido e tão interessante romance "Azulejos Pretos" (ele tem outra ficção, "Rolando Teixo", que é um mimo, e vou avançando isto porque vem aí o Natal e dar livros é bom, e ambos são uma boa opção).
 
Depois a conversa desenrola-se, e torna-se um espaço para o autor do programa - José Sá Fernandes, um antigo vereador municipal (surgido com o BE e prosseguido no PS) -, "mudando a agulha" com constantes derivas elogiando ... a sua obra camarária. Deixo cair o livro, deliciado, ficando só a ouvir - pois ter-se-á perdido um bocado do fio à meada olivalense, mas com ganhos, pelo menos para mim, crente que sou no método indutivo. Pois é um documento, delicioso (repito-me) sobre "lisboa", aquela "que anoitece" como (não) cantava o cantor... Lá mais para o fim o Bidarra (com algum carinho - é notório que são amigos - quiçá irónico) deixa uma breve pérola, tentando matizar o fervor intervencionista, até demiúrgico, do político agora radiofónico.
 
Enfim, terminado o programa não resisto e prometo-me: depois dos quartos-de-final de hoje ouvirei o programa (30 minutos) dedicado ao "Bairro Alto" (post-Frágil, claro), cuja "entrevistada" é a articulista do "Público" Carmo Afonso, comunista, putinesca e que se queixa de os taxis lisboetas federem a "trabalhadores portugueses". Mais "lisboa", decerto...

Sou o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...

jpt, 28.10.22

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Acabo de conhecer este episódio parlamentar. É o da "Ana dos Olivais" - uma historieta sobre uma imaginada "Ana de 25 anos" do meu bairro lisboeta, narrada como se exemplar por um deputado do PSD, Alexandre Poço, que assim a quis projéctil endereçado ao primeiro-ministro António Costa.
 
O breve episódio (na ligação estão as duas curtas intervenções) causa-me duas constatações: 1) Alexandre Poço, um ex-jotinha PSD agora já adulto deputado, e que foi conhecido por nós-vulgo através de uma fruste candidatura autárquica que quis "engraçadista", nem televisão vê. Pois se o fizesse em qualquer "filme de tribunal" americano teria aprendido o célebre mandamento: nunca fazer perguntas para as quais não se está preparado para a resposta. E como tal foi-se ele à bancada fazer uma pirueta retórica - um ademane engraçadista -, e em resposta levou "pela medida grande". Para melhor me fazer entender direi que Poço, a putativa "jovem estrela PSD", esteve para Costa como há dois dias Flávio Nazinho esteve para Harry Kane... Encomende-se o rapazola ao VAR ou ao gongo, a ver se se safa nos seus próximos atrevimentos no hemiciclo que, pelos vistos, imagina qual campo da bola ou ringue.
 
2) O episódio chamou-me a atenção por ter sido invocado o meu bairro. No qual cresci até aos 25 anos, ao qual voltei aos 50. Conheço alguma coisa do que se passa. Várias vezes botei sobre os Olivais: notando os maus efeitos de uma atrapalhada, pois voluntarista, reforma da administração autárquica; notando a ausência de políticas de "reanimação" urbana; vendo o predomínio de uma visão assistencialista de paternalismo clientelar; clamando contra o - de facto - boçalismo das lideranças que o PS implantou numa freguesia central da capital (com 32 mil eleitores, repito-me até à exaustão). E sublinhando, com a ênfase que me foi possível, que só aquilo que o PS perdeu nos Olivais nas últimas autárquicas foi suficiente para derrotar Medina (malvada a Sorte, pois a este lhe serviu para chegar a ministro, e sorridente como se vê nestas gravações...).
 
Mas notei também, e botei-o, a total irrelevância, a candura ignorante, das restantes candidaturas autárquicas, das atenções partidárias, sobre este meu bairro (o tal dos 32 mil eleitores sitos no centro da capital). Nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, nada foi proposto, nada foi pensado e discursado, um vácuo completo. Mais surpreendente ainda num partido com traquejo, experiência de poder nacional e autárquico, como o é o PSD e que tinha uma candidatura municipal pujante. Nada mesmo, apenas umas candidaturas fundidas, uns candidatos mudos e quedos.
 
Avançaram alguma coisa no último ano? Ouviram o real, pensaram-no, projectaram algo? Que se saiba nada disso aconteceu, nada disso foi divulgado. Resta apenas este jotinha engraçadista, qual um galamba psd, a invocar o bairro e seu universo num destemperada patetice... Convirá perceber que não há pior, não há rumo mais eunuco, do que o engraçadismo (o que serve para o PSD deste jotinha e também para a IL, a qual, ou muito me engano, ou com Rui Rocha ainda mais perseguirá esse aparente trunfo). E, acima de tudo, convirá que o PSD (e não só) perceba que "o que é preciso é pensar a malta". Não é animá-la...
 
Enfim, sou "o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...". E não tenho paciência para estes jotinhas vácuos.

Pastelaria Nova Arcadas

jpt, 21.09.22

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Ficou célebre a definição que é descrição feita por George Steiner, que hoje ainda mais actual surge: “A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos Cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter­-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa”. Atrevo-me a deixar adenda ao dito do sábio, é esta "civilização" Europa - esse eixo de Lisboa a Odessa, da Sicília a Copenhaga - o local dos cafés individuais, cada um com seu dono, configuração única, estilo próprio e clientela particular, assim conteúdo específico, "personalidade" por assim dizer, e não dessas cadeias americanófilas, Starbucks ou quejandas "padarias portuguesas"...
 
E se isso é para Lisboa, cuja biografia pode ser traçada em levas de "cafés", "leitarias" e "tascas", com suas nomenklaturas e seu lumpen, por maioria de razão o digo para os Olivais, esse meu bairro onde cresci e, agora, me aquiesço nas vésperas do forno. Uma grande extensão construída nos 1960s, abarcando a anterior Encarnação, orlada pelo vetusto Olivais Velhos, costas viradas ao Tejo, tornou-se o bairro "a maior freguesia da Europa", gabávamo-nos sem preocupações de rigor, povoada por casais jovens carregados de filhos, como era então costume. Uma enorme população, que Salazar mandara ser multiclassista, nisso saudavelmente desprovida de "condomínios" securitários e fronteiras finórias. População essa, a juvenil e respectivas parentelas, que se associava em torno dos cafés pelos quais cada grupo optava, por motivos de vizinhança, classe, estrato, estilo ou consumos... Do "Gordo" ao "Modesto", do "Tosta" à "Nanu", entre tantos e tantos outros - de tal forma que décadas depois ao conhecer-se alguém que tenha crescido nos Olivais logo se impõe a sacramental pergunta "onde é que paravas?", como quem pergunta "quem és tu?".
 
Eu "era" do "Tó" - na Cidade do Lobito -, nome que marcava o estabelecimento do (óbvio) Senhor António, que o deteve durante décadas, pastelaria com ares de "classe média" (como então não se dizia), algo excêntrica no tal caldeirão interclassista da azáfama do bairro. As décadas passaram, eu parti (tal como quase todos os do bairro), o "Tó" foi trespassado, assumiu o nome "Arcadas" e foi prosseguido em boas mãos conjugais, o sempre "Senhor" João e a "Dona" Júlia , a propiciarem o bom ambiente necessário.
 
Nestas décadas as formas de convívio muito foram mudando. Nesse entretanto o bairro envelheceu, e nisso empobreceu. Os indígenas partiram, em múltiplas direcções. Novas levas de habitantes foram chegando, muito menos atreitas ao "estarmos juntos" e encapsuladas pelos efeitos do paradigma "centro comercial" que se instalou. Como é óbvio, o espectro de "cafés" foi-se atrofiando e os ambientes respectivos unificaram-se, no primado de uma rudeza vigente, atrofiadora de qualquer vislumbre de tertúlia.
 
A tudo isso foi resistindo o "Arcadas", como o comprovei quando regressei aos Olivais, 25 anos depois de ter partido. Ainda albergando a terceira idade original e, mais do que tudo, ponto de encontro da nossa "Velha Guarda" quando em visita ao bairro. Ali havia uma boa "imperial". E um bom ambiente: gente educada e gentil no serviço - uma tradição de décadas que unia as gerências que lhe conheci -, que assim moldava (e filtrava) a clientela. E onde encontrava eu amigos e (ex-)vizinhos que vêm da primária, do liceu, da adolescência. E também da juventude adulta. E até, imagine-se, feitos nesta era cinquentenária. Ali se falava de quase tudo: talvez não de Kierkegaard mas decerto que de Babel ou Steiner... De trabalho, do ânimo - nosso e dos outros-, de política, de futebol, da saúde própria e alheia, do rame-rame, dos nossos queridos, de gastronomia e culinária, de livros, das memórias e até ainda dos anseios, e (hélas, já não) de mulheres. E durante tudo isso bebia-se..
 
Há dois anos o casal proprietário entendeu, merecidamente, ter chegado o momento da reforma e trespassou o café. Passado a uma dessas "cadeias". O descalabro foi imediato. E ficou o bairro completamente desprovido de uma esplanada com um mínimo de elegância, nisso indutora de convívio apetecível, de ponto de encontro.
 
Enfim, agora, dois anos depois, hoje mesmo, o (Senhor) João e a (Dona) Júlia reabrem o café, a por tantos de nós, habitantes e ex-habitantes, ansiada Pastelaria "Nova Arcadas". De lá um amigo logo me enviou um efusivo "Já abriu!!!" com esta fotografia. Eu estou alhures, em nenhures. Mas exulto, e amanhã aproximar-me-ei do Trancão, irei ali à cidade do Lobito, para um imperial ou até mais. Espero uma mesa composta. Apaziguada até, pela felicidade de nos podermos encontrar no nosso sítio. Aprazível. E com aquele leve travo, tão precioso, da alguma elegância. Apenas a q.b., sem ademanes. Como sempre ali foi.

Olivais de novo

jpt, 17.07.22

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Aqueles que me vêm aturando nestes anos - e em particular desde que regressei à Pátria Amada - talvez se lembrem das minhas cíclicas investidas sobre a Junta de Freguesia dos Olivais (Lisboa), sua respectiva presidente, a inefável (sim...) Rute Lima, e o conjunto de decisões, práticas e demagogias que dali vai brotando. Os que me dedicam mais paciência recordar-se-ão ainda de como provei - matematicamente - que foi devido ao trambolhão eleitoral socialista nos Olivais que o presidente da Câmara teve o ensejo de ascender a Ministro das Finanças, pavimentando o seu óbvio rumo a São Bento... Santa serendipidade, deve murmurar Medina, louvando assim as patacoadas dos seus correligionários na freguesia.

Alguns dirão que exagero, que aquela equipa PS de Lima não pode ser tão má como eu a pinto. Pois então comprovo-me, deixando a notícia de há dias que só agora vejo: a Junta de Freguesia desinterpretou a indicação governamental e mandou fechar todos os parques infantis dos Olivais. Foi a única Junta a borregar desta maneira, tamanha a incompetência (para não dizer pior) que lá grassa. E, ao que consta, aos fregueses que acorreram ao seu sítio pedindo esclarecimentos, os autarcas defenderam a sua posição alegando que "está calor, isso faz mal às crianças". Depois, dias passados, lá emendaram a patetice.

Espero que este exemplo, entre o pungente e o patético, sirva de vez para que me votem indulgência: quando me irrito com a Junta do meu bairro não é coisa de "partidos". É mesmo porque Rute Lima (colunista do prestigiado jornal de referência "Público", convém recordar) e sua equipa ultrapassam o imaginável. E sempre insisto, colocados no poder pelo PS em Lisboa, capital do país, entre o Parque das Nações e as Avenidas Novas - numa freguesia com 32 mil eleitores.

Isto deve dizer qualquer coisa sobre a natureza daquela agremiação.

Chamuças nos Olivais

jpt, 01.05.22

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Há anos que o bom do José Paulo Pinto Lobo faz o favor de ir lendo o que boto em blogs. Por isso sabe bem da minha única adesão ideológica: o chamucismo. Já explicitei a minha crença de que o motor da História é a demanda de chamuças, a Utopia pregnante é perfeição da Chamuça, e que a Estética se funde na Ética no propósito da correcta condimentação sob o crocante da massa.

Disso conhecedor o Pinto Lobo logo me avisou que na festa popular na Encarnação (Olivais) - a decorrer até ao próximo fim-de-semana - ali estaria um templo da Chamuça. Logo acorri e pude comprovar da verdadeira, e inolvidável, excelência das chamuças que o simpaticíssimo Edgar Bragança ali está a distribuir, iluminando mentes e palatos.

Comi várias, falámos um pouco da "Pérola do Índico" - de onde ele é oriundo - e de alguns amigos comuns, mas pouco pois ele não tinha mãos a medir, face aos gulosos clientes que se enfileiravam ali defronte. Para culminar abarquei uma fatia de bebinca que estava, pura e simplesmente, e para não exagerar, soberba.

Parti, com a alma sossegada, pois dotado do folheto do World Masala - Comida com (C)Alma, assim com possibilidades de encomendar a decerto que magnífica "comida ao domicílio" que a equipa do Edgar Bragança providencia.

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Quando é para resmungar um tipo deve fazê-lo. Mas para isso também deve louvar quando é para louvar. E nisso há que frisar que está muito bem a Festa que a Junta de Freguesia dos Olivais está a organizar durante estes quinze dias. Ide lá, mesmo que fregueses de outras paragens. E, insisto, visitai o sítio das chamuças