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Delito de Opinião

«Às escuras» em pleno dia de sol

Crónica lusa do «grande apagão» ibérico de 28 de Abril

Pedro Correia, 30.04.25

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Vivemos na era das hipérboles: não custa perceber a popularidade de Donald Trump, o hiperbólico por excelência que estimula a proliferação de tantos epígonos. Até em Portugal já temos um Donaldinho. 

Sendo este o panorama, não admira que uma súbita falha de energia se converta de imediato em apagão. Faz sentido. Mas há logo quem cavalgue o aumentativo e parta à desfilada rumo ao reino da hipérbole. Daí a nada converte-se em apagão geral e não demora até que lhe chamem grande apagão

Dia inusitado, esse de anteontem. Em que uma quebra de fornecimento de energia eléctrica ocorrido em Espanha produziu consequências imediatas também em Portugal: o país só não ficou às escuras por ter ocorrido em pleno dia, por acaso um dos raros com sol neste 2025 tão chuvoso e nublado.

 

Eram 11.33 quando a coisa aconteceu. «Teve o efeito de um sismo», viria a declarar um idiota. Sem fazer ideia dos estragos que um abalo sísmico de forte intensidade pode produzir em Lisboa, onde ainda são visíveis cicatrizes do cataclismo de 1755.

Este será dos que desatam a aproveitar ocasiões como a de 28 de Abril para espalhar boatos, propagando as teses mais alarmistas: o pânico vende, como evidencia um populista canal de televisão, não por acaso o que serviu de berço ao Donaldinho tuga.

Apanhado de surpresa, como qualquer de nós, procurei a minha lanterna de pilhas, na gaveta do costume, e verifiquei que funcionava. Estava garantida iluminação mínima quando a noite caísse. Água, sem problema: tenho sempre quatro garrafões de cinco litros prontos para uma situação de emergência.

Saí à rua. Os semáforos apagados produziam sensação de caos rodoviário. Mas pude testemunhar o civismo da esmagadora maioria das pessoas, mesmo nos cruzamentos mais congestionados. À falta do velho polícia-sinaleiro, logo cidadãos responsáveis se ofereciam para orientar o trânsito.

Foi complicado, mas funcionou. Sem registo de acidentes.

 

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Admito que tenha havido crises de ansiedade. Sobretudo em pessoas que ficaram presas em elevadores ou nas carruagens do metro. E não faltou quem se interrogasse sobre o destino dos bens alimentares guardados no frigorífico. Preocupações menores, no quadro geral. Nenhum registo de colapso em hospitais, escolas, serviços de emergência. Congestionamento, houve os do trânsito - agravados pela greve da CP ocorrida nesse dia. E no aeroporto de Lisboa, devido à suspensão dos voos. 

Seis horas depois do apagão geral, nem o canal oficioso do alarmismo-mor conseguia legendas mais sugestivas do que estas: «Lojas e restaurantes encerraram»; «Centro comercial às escuras»; «Cafés sem multibanco»; «Autocarros lotados em Lisboa»«Faro: um voo cancelado»

Tal como nos dias iniciais da pandemia, houve quem corresse a mercearias e supermercados em busca de garrafas de água, latas de atum e rolos de papel higiénico. Tudo coisas que qualquer de nós deve ter sempre em casa, haja o que houver. Não é exclusivo português: em Espanha aconteceu o mesmo. Ou pior.

 

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Ansiedade extrema, só daqueles que se imaginam incapazes de viver num mundo analógico, escravizados pela tecnologia ao ponto de se tornarem analfabetos funcionais sem ferramenta digital. Personagens vivas dessa perturbante e premonitória novela chamada O Silêncio, de Don DeLillo.

Sensação acentuada quando os operadores desligaram o 5G para garantir serviços mínimos. Os difusores de boatos via WhatsApp tiveram de suspender a faina.

Afinal não precisei da minha lanterna a pilhas. Também as velhinhas velas de estearina que muitos compraram durante o dia ficaram por estrear. A partir das 18.30 a energia eléctrica foi regressando, os dados móveis reacenderam-se: às 20.30 caía a noite sem grande parte do País ficar às escuras.

O aumentativo daria lugar ao diminutivo. «Apagão com impacto pequeno na economia», assegurava ontem o Jornal de Negócios. Admitindo que possamos ter perdido apenas cerca de 0,1% do PIB trimestral.

Sinal inequívoco de normalidade: volta a falar-se imenso em futebol.

Tanto quanto se sabe, o grande apagão ter-se-á devido a uma sobrecarga do armazenamento de energias renováveis no país vizinho. Mas há inquéritos em curso, tanto em Espanha como em Portugal: só mesmo quem sabe poderá esclarecer. Não certamente os tudólogos que desataram a abrir a matraca em sessões contínuas sem fazerem a menor ideia do assunto.

 

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Manhã cedo, o Público saía ontem para as bancas em versão minguada, resumindo assim, em capa digna de filme expressionista alemão, o que acontecera na véspera: «O dia de um país desorientado e às escuras paralisado em muitos sectores, sem saber quando haveria finalmente luz e porque é que ela se foi.» Nem a menor alusão ao facto de ter havido um apagão ibérico que abrangeu até o sul de França. Estranho num jornal como este, habitualmente atento ao que se passa além-fronteiras.

«Como cidadã, ontem passei um dia difícil», desabafou já de noite uma comentadora residente na TV. Comovedora confissão.

 

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Mas o mais pungente quadro de «drama, tragédia e horror», ao estilo do saudoso Artur Albarran, surgiu em crónica dada à luz (sem ironia) no sisudo Observador.

«Pânico e histeria, ansiedade e caos» num país «sem ninguém ao volante». Foi neste tom calamitoso que um senhor cujo nome eu até agora desconhecia descreveu o dia 28 de Abril em Portugal. 

Apanhado no meio do trânsito sem poder escapar ao engarrafamento? Afectado pela suspensão do acesso à página digital da Autoridade Tributária? Vítima do cancelamento daquele solitário voo de Faro? Nada disso. O cavalheiro até reside «na tranquilidade dos montes, com electricidade própria, internet por satélite Starlink e TV por internet». As dores do mundo não o afligem.

Acontece que começou a receber maçadoras mensagens dando-lhe nota do grande apagão geral que o impediram de continuar a assistir, com plácida bonomia, ao Campeonato do Mundo de Snooker. Vai daí, encheu-se de brios solidários e descarregou a bílis apocalíptica em 12.995 caracteres. Até os montes tremeram.

Solidarizo-me com ele. Deve ser chato.

Da doentia exibição da inveja

Pedro Correia, 18.12.24

Poucas coisas me chocam tanto como a exibição - tão tristemente portuguesa - da inveja e do despeito perante todos aqueles que se distinguem, se valorizam, se superam a si próprios, conseguindo ultrapassar a estreiteza de horizontes a que poderiam estar condenados, contrariando todas as sinas e todos os fados para singrar na vida.

Se esse sucesso ocorrer num palco internacional, suscitando aplausos além-fronteiras, a inveja aumenta em proporção geométrica. E atinge delírios irracionais.

De todos os sintomas de menoridade que nos caracterizam, este é um dos mais notórios. E um dos mais entranhados. Como se fizesse parte do nosso inconsciente colectivo. E talvez faça mesmo, o que explica muito do que se lê e escuta por aí.

Chama-se Tiago

Pedro Correia, 30.10.24

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Finalmente sabemos o nome dele. Durante mais de uma semana, era apenas «o motorista da Carris». Sem direito a identidade, vítima indefesa de um cobarde bando de encapuzados quando desempenhava o seu trabalho: transportar pessoas para as periferias pobres de Lisboa. Servia a comunidade, cumprindo o dever profissional, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).

Não abriu telejornais.

Ninguém indagou o seu tom de pele.

Ninguém o louvou, ninguém o enalteceu, ninguém se lembrou sequer de mencioná-lo pelo nome de baptismo: Tiago.

Tem 42 anos, permanece internado na unidade de queimados do Hospital de Santa Maria. Aparentemente com lesões no aparelho respiratório que lhe ficarão para o resto da vida - consequência do brutal ataque com cocktails Molotov quando transportava os últimos passageiros na última paragem da última viagem daquela fatídica madrugada que terminou com a destruição total do veículo. Alegadamente a pretexto de «vingar» a trágica morte do comerciante cabo-verdiano Odair Moniz, vítima de um deplorável disparo policial no bairro do Zambujal (Amadora).

O agente da PSP está já indiciado por homicídio. Quem atacou Tiago com selvajaria, quase o condenando à morte, permanece impune. 

 

Dos 23 suspeitos detidos e identificados por alegado envolvimento em 155 actos de fogo posto, dano e resistência à polícia de que resultaram quatro autocarros carbonizados, pelo menos 36 veículos ligeiros destruídos e centenas de contentores e ecopontos incinerados, nem um ficou em prisão preventiva. Alguns foram libertados com a solene advertência de estarem proibidos de usar isqueiros, o que já gera anedotas a nivel nacional. Pondo a justiça a ridículo.

«Se o barril de pólvora estourar com maior intensidade, estamos muito longe de conseguir aplicar com rigor, celeridade e eficácia, a boa receita que Keir Starmer utilizou no Reino Unidos, nos tumultos de 2007 e agora, já este ano», observava ontem Eduardo Dâmaso numa lúcida nota editorial no Correio da Manhã

Aviso feito: convém levá-lo a sério. E pôr fim à indecorosa prática da indignação selectiva. Que pode tornar-se num extremismo tão pernicioso como outro qualquer.

 

Leitura complementar:

O direito ao nome do assassinado (Delito de Opinião, 16 de Dezembro de 2020)

Os votos que não servem para nada

Pedro Correia, 11.04.24

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A divisão dos círculos eleitorais com base nos velhos distritos que hoje não servem para mais nada é uma aberração que se mantém apenas devido à inércia total das duas principais forças políticas. Dá-lhes jeito que tudo continue assim: ganham uns deputados extra.

O mapa eleitoral português devia ser redesenhado para se adaptar ao novo milénio em que vivemos. E prever um círculo nacional de compensação, aliás segundo o que já vigora na Região Autónoma dos Açores.

Isto poria fim a uma chocante realidade: nas legislativas de 10 de Março, cerca de um milhão e duzentos mil votos foram desperdiçados. Isto é, não serviram para eleger ninguém. O número mais elevado de sempre. Devia fazer soar todas as campainhas de alarme: nada põe tanto em risco a democracia como isto.

 

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Antiga sede do Governo Civil do Porto

 

Alterar esta anomalia devia ser prioridade absoluta. Mas não admira que tudo vá permanecendo sem mudança alguma. Foi preciso a tróica instaurar cá o seu protectorado, chamada por José Sócrates e Teixeira dos Santos, para o governo seguinte pôr fim a outro anacronismo que esteve inalterado durante décadas: os governos civis.

Apesar da sua manifesta inutilidade, quando foram extintos desatou imensa gente aos gritos, como se aquilo fizesse alguma falta.

Comprova-se a natureza profundamente anti-reformista, imobilista e reaccionária de grande parte da classe política deste país.

Sem excluir, claro, aqueles que enchem a boca a falar em progresso e tudo fazem para que haja estagnação ou mesmo retrocesso. Às vezes os piores são esses.

O país das quatro mil taxas

Pedro Correia, 29.03.23

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É um número impressionante: há mais de quatro mil taxas em Portugal. Serão cerca de 4300, em números redondos - cerca de 2900 cobradas pela Administração Central.

Tantas, ao ponto de ninguém conseguir uma lista exaustiva, rigorosa e actualizada de tudo isto. Que serve para confirmar como é demencial o esbulho tributário neste país, o sétimo pior em distribuição de riqueza per capita na União Europeia.

Alguns, geralmente da esquerda mais radical, dizem que «ainda falta fazer a revolução». Dou desde já o meu contributo: acabar com estas taxas. Revolução digna de aplauso. Mãos à obra, camaradas.

No país das maravilhas

Pedro Correia, 22.02.22

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Quase um mês depois da eleição para a Assembleia da República, que quase todos os partidos políticos consideravam urgentíssima ao ponto de terem defendido o escrutínio logo para 9 ou 16 de Janeiro, Portugal continua sem parlamento, sem governo - e sem oposição. Porque nem o Ministério da Administração Interna nem os grupos parlamentares alteraram as regras da votação dos emigrantes na legislatura agora finda, dando origem à monumental trapalhada que forçou à intervenção do Tribunal Constitucional. Isto quando a Rússia e a Ucrânia mergulham em estado de guerra, perturbando todo o equilíbrio geopolítico à escala continental, e a OCDE alerta para a mais elevada taxa de inflação global em 25 anos.

Talvez para preencher o imenso vácuo nesta doce pátria, o nosso afável Comandante Supremo mergulha nas salsas ondas e concede entrevistas em calção de banho a repórteres que vão à praia de máscara. Só faltou saber se apanhou conchinhas.

Treinadores de bancada

Pedro Correia, 31.05.21

De treinadores de bancada, excelentes cérebros de ideias infalíveis para salvar a pátria, está este país tão cheio que se os exportássemos equilibraríamos por muitos e bons anos a nossa balança de pagamentos.

O problema é que tais sumidades, quando têm finalmente a possibilidade de pôr em prática o seu caudal de virtudes, muitas vezes se revelam monumentais fiascos.

Australopiteco

Pedro Correia, 04.05.21

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De repente, assistimos ao milagre da multiplicação de "empresários" neste país. As revistas cor-de-rosa e a imprensa desportiva estão infestadas de gente que assim se intitula. Sem possuir qualquer empresa, sem ter gerado um só posto de trabalho, sem nada contribuir para a criação de riqueza - excepto, e nem sempre, a que consta das respectivas contas bancárias.

Há dias o país assistiu, atónito, à agressão de que foi alvo um repórter de imagem da TVI por parte de um destes sujeitos que se intitulam "empresários" e se pavoneiam de bar em bar, copo na mão e sorriso no rosto, exibindo um verniz que mal oculta a grunhice sempre pronta a vir à tona. Logo se difundiu a notícia de que o agressor é "empresário". Fatal como o destino: são mais do que as pedras da calçada.

Vai-se a ver e o fulano afinal é mero angariador de jogadores de futebol para o FC Porto. Assim uma espécie de porta giratória: traz um, despacha outro, embolsa as mais-valias deste árduo esforço de intermediação. É quanto basta para o tornar personagem muito requisitada em festarolas fotografadas nas redes sociais.

Porém, mal a equipa dele empata noutro estádio nortenho, logo o dito "empresário" solta o australopiteco que transporta lá no fundo. Vai daí, arremete contra as ventas do parceiro mais à mão. Esvai-se o sorriso, fecha-se o punho, estala o verniz. Perde-se qualquer esboço de civilidade.

Só não se perde mais um "empresário" porque este afinal nunca existiu.

Dia de reflexão

Pedro Correia, 23.01.21

 

«O lar dos Cerejais, em Alfândega da Fé, tem um surto com 50 casos positivos do novo coronavírus, pouco dias após ter recebido a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Foram ali detectados 31 casos positivos entre os 40 utentes e 19 entre cerca de 40 funcionários.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«Quase todos os utentes e alguns funcionários testaram positivo ao novo coronavírus, totalizando 35 infectados num surto no lar Conceição Cabral de Vila Flor. São portadores do vírus 27 dos 30 utentes, assim como oito dos 20 funcionários.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«Um surto de Covid-19 no lar da Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha já infectou 107 pessoas, entre utentes e funcionários da instituição. Neste concelho foi detectado outro surto, no lar do centro paroquial de Santa Catarina, registando-se 18 casos de infecção entre os 55 utentes.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«O número de óbitos no surto de Covid-19 num dos edifícios do Lar da Misericórdia de Viana do Alentejo aumentou de quatro para oito. Este surto infectou já um total de 62 idosos, incluindo os oito falecidos.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Mirandela alertou hoje para a forma "galopante" como os contágios estão a ocorrer nos lares de idosos, com uma dimensão superior a fases anteriores da pandemia. No lar Nossa Senhora da Paz 62 dos 84 utentes estão infectados.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O concelho de Vila Franca de Xira regista surtos activos de Covid-19 em quatro lares, estando infectados 176 utentes e 78 funcionários. Na Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca testaram positivo 75 utentes e 34 funcionários. Na Fundação CEBI, em Alverca, estão infectados 59 utentes e 28 funcionários.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«Dez doentes internados na Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré estão infectados com Covid-19. O surto, detectado no início da semana, resultou num total de 17 casos positivos - dez utentes e sete funcionários.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O número de pessoas infectadas com Covid-19 no surto detectado num lar do concelho de Arraiolos aumentou para 39 e já se registaram dois óbitos no Hospital do Espírito Santo de Évora. Em quase duas semanas, os casos no lar da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos de Igrejinha passaram de 28 para 39.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O surto de Covid-19 no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Cuba já provocou a morte de sete utentes, num total de 96 pessoas infectadas. Seis dos 62 utentes infectados encontram-se internados no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«A Câmara de Tondela alertou hoje que os surtos de Covid-19 que se têm registado em lares de idosos estão a deixar estas estruturas sem profissionais de saúde em número suficiente.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Cinquenta e um utentes e 15 funcionários do lar da Santa Casa da Misericórdia de Redondo estão infectados com o novo coronavírus devido a um surto detectado no Lar António Manuel Fernandes Piteira, depois de uma funcionária ter apresentado sintomas da doença.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«A Santa Casa da Misericórdia de Tarouca registou esta semana um surto na residência de Nossa Senhora do Socorro, estrutura na qual 56 de 60 utentes testeraram positivo ao novo coronavírus.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Um novo surto de Covid-19 com pelo menos 40 infectados, entre residentes e funcionários, foi detectado no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Grândola. Entre os infectados estão 34 utentes e seis funcionários daquela estrutura residencial para idosos.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Trinta e dois utentes e dez funcionárias do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Aljustrel estão infectados com o novo coronavírus devido a um surto na instituição.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Um surto de Covid-19 no Lar Maria Luísa, em Vila Nova de Cerveira, já provocou a morte de seis utentes, estando outros seis idosos hospitalizados em estado grave.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Os cinco surtos activos em lares de Torres Vedras já causaram 20 mortos e mais de duas centenas de pessoas continuam infectadas, segundo o mais recente boletim epidemiológico deste concelho.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Portugal registou mais 15.333 novos casos de infecção com o novo coronavírus e 274 mortes relacionadas com Covid-19, segundo a Direção-Geral da Saúde. Este é o maior número de óbitos em 24 horas desde o início da pandemia e o novo máximo diário de infecções.»

Lusa, 23 de Janeiro

 

Indignação e revolta

Pedro Correia, 17.12.20

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Num aeroporto chamado Humberto Delgado, assassinado por esbirros da polícia política de outrora, verdugos contemporâneos seviciaram e sovaram até à morte um homem chamado Ihor Homeniuk. Condenado a pena capital extrajudicial, em instalações do Estado português, pelo "crime" de querer entrar em Portugal. Precisamente num país que ainda se orgulha de ter sido um dos primeiros no mundo a abolir a pena de morte.

Indigna e revolta saber que nesse aeroporto com o nome do general sem medo existe uma alcateia à solta. E também um bando de hienas a proteger as bestas - umas e outras pagas por todos nós. Perante o inaceitável silêncio do Presidente da República, que se apressou a verter uma mensagem de condolências na sua página oficial à família de uma jovem falecida num desastre rodoviário enquanto ignorou durante nove meses a viúva e os filhos de Ihor Homeniuk.

Mas também indigna e revolta o tratamento post mortem atribuído ao assassinado pelo fluxo mediático dominante, que foi assobiando para o lado enquanto pôde. Com milhares de horas de emissão televisiva dedicadas a um putativo "reforço do Benfica" e silenciamento total do homicídio no aeroporto. Ihor Homeniuk é nome que a Wikipédia omite e os motores de busca na ocidental praia ignoram: um tal Cavani foi o mais procurado no Google pelos portugueses ao longo deste ano de pesadelo, o que diz quase tudo sobre a sociedade que temos.

Também indigna e revolta a hipocrisia cada vez mais selectiva das indignações em voga, à mercê não de louváveis impulsos humanitários mas de cartilhas ideológicas, discriminando vítimas em função de etnias, cor de pele e proveniência geográfica. Como se uns cadáveres fossem "mais iguais" que outros.

Premiando sempre os mesmos

Pedro Correia, 17.07.20

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Foto: Nuno Ferreira Santos / Público

 

Mário Cláudio acaba de vencer pela terceira vez o Grande Prémio de Romance e Novela instituído em 1982 pela Associação Portuguesa de Escritores. Pelo romance Tríptico da Salvação. Não discuto o mérito da obra, que desconheço. Interrogo-me apenas se faz sentido atribuir três vezes mais prémios a Mário Cláudio do que (por exemplo) a José Saramago, que só foi distinguido em 1991, com o Evangelho Segundo Jesus Cristo. E, em complemento, questiono se este passou a ser um prémio de consagração ou de carreira, de que os jovens romancistas ficam quase por sistema excluídos. Não era assim quando Mário Cláudio o venceu pela primeira vez, em 1984, com Amadeo. Mas já seria em 2014, quando voltou a receber o prémio, por Retrato de Rapaz

Entre os autores duas vezes contemplados com este Grande Prémio figuram Vergílio Ferreira (1987 e 1993), António Lobo Antunes (1985 e 1999), Agustina Bessa-Luís (1983 e 2001), Maria Gabriela Llansol (1990 e 2006) e Ana Margarida de Carvalho (2013 e 2016). Mas só Mário Cláudio mereceu até agora um terceiro tributo. Quer isto dizer que é ele o romancista mais digno de mérito em Portugal? Duvido muito. Dir-se-á antes que é o típico escritor que escreve para ser premiado - e neste campo tem alcançado assinalável sucesso, como se comprova pelo facto de também haver recebido o Prémio Pessoa, em 2004. Honra doméstica que Saramago - o nosso único Nobel da Literatura e o mais universal dos escritores portugueses desde Fernando Pessoa - nunca mereceu. 

Saramago devia ter um problema qualquer com os júris literários nacionais, que costumam ser atacados pelo vírus da endogamia. Só isso explicará que os seus melhores romances nunca tenham merecido o Grande Prémio da APE. Refiro-me logo ao da primeira edição, que distinguiu Balada da Praia dos Cães, título menor na obra de José Cardoso Pires, em vez do Memorial do Convento. E também à de 1984, que consagrou Mário Cláudio pela primeira vez, esquecendo O Ano da Morte de Ricardo Reis. E à de 1995, que entre o lapidar Ensaio Sobre a Cegueira e A Casa da Cabeça de Cavalo, de Teolinda Gersão, optou por este. 

Sinal de menoridade cultural num país tornado ainda mais diminuto pela irrelevância numérica das suas elites literárias? Se não é, parece. Mas também não é assim, premiando sempre os mesmos com tão cansativa redundância, que estas elites se alargarão.

O país político e o país real

Pedro Correia, 07.06.20

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Ontem de manhã, na Ericeira: Presidente de máscara na praia, acompanhado por pessoas nunca demasiado próximas, fazendo apelos à "precaução" contra o Covid-19

 

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Ontem de tarde em Lisboa, região com 92% das infecções por Covid-19 no País: manifestação junta milhares de pessoas mandando "precaução" às malvas

Diário do coronavírus

Pedro Correia, 12.03.20

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Bairro pachorrento, estranhamente despovoado: há muito menos gente a circular na rua, o trânsito parece de domingo apesar de estarmos a meio da semana, os transportes públicos deixaram de andar apinhados. Tudo em casa? Tudo não: espreito o Continente, habitualmente vazio a esta hora: está repleto de gente a acotovelar-se junto às caixas, exibindo carrinhos a transbordar de compras como se receassem um bombardeamento aéreo. Sem perceberem que o local menos indicado para fugirem ao vírus é ali mesmo, naquelas filas.

Pelo menos cinco estabelecimentos comerciais encerrados «por motivos de saúde», segundo letreiro colocado à porta. Passo pelo Celeiro, sou atendido pela empregada mais bonita das redondezas. Uma brasileira que não esconde a preocupação: «Minha mãe me disse para eu não atender pessoas sem estar de máscara. Tenho medo de estar aqui.» Não permitem que ela use máscara. Aliás nem existem máscaras, como verifiquei há duas semanas, só a título de curiosidade, junto das sete farmácias da Avenida da Igreja. Material esgotado, novas encomendas, não fazem a menor ideia quando voltarão a renovar o stock, já têm muitos clientes em lista de espera. 

 

Eis-nos reconduzidos às questões essenciais - da vida e da morte, da saúde e da doença - no momento presente, sem preenchermos a agenda mediática com engenharias sociais ou hipotéticas calamidades futuras. Aliás não sobra tempo nem espaço nos meios de comunicação para outro assunto: os telediários tornaram-se monotemáticos. E, ao contrário do que sucede em Espanha, por exemplo, a oposição eclipsou-se: deve estar também de quarentena preventiva, como o Presidente da República. Sem possibilidade nem vontade, portanto, de questionar o Governo sobre a decisão tardia de suspender as ligações aéreas com Itália, principal foco de infecção na Europa, e de continuar a permitir a entrada de dezenas de milhares de pessoas em cruzeiros de luxo que aportam a Lisboa e de forasteiros que aterram nos aeroportos sem rastreio de qualquer espécie à chegada.

Um amigo recém-desembarcado da Europa de Leste diz-me, com espanto: «Fiz esta viagem com máscaras e gel para as mãos a toda a hora. Vi precauções em todos os países - nos aeroportos e em todo o lado. Em Portugal, nada.»

 

Entre um Governo que "desdramatiza" para não baixar nas sondagens e uma oposição hibernada, a maralha corre para as praias como se não houvesse amanhã, confundindo quarentena sanitária face à pandemia com férias ao sol. Enquanto o incessante vozear televisivo sobre futebol dá lugar ao incessante vozear televisivo sobre coronavírus, com mil putativos especialistas em epidemologia a surgirem debaixo de todas as pedras da rua.

Salva-se, ao serão na TVI 24, a voz sensata mas firme de António Lobo Xavier: «Há qualquer coisa que não está a ser captada pela opinião pública, com uma certa doçura das mensagens. Olhando para o modo como progride esta epidemia - uma pessoa infectada pode infectar três por dia, em seis semanas sem controlo pode dar origem a três mil infectados - [critico] um certo laxismo mediterrânico, baseado num certo aventureirismo pessoal, numa certa autonomia privada, com cada um a correr os riscos que entende. Este ponto de vista é profundamente negativo e tem de ser criticado. Não é um problema de autonomia nem de liberdade pessoal. É preciso explicar que quem não acata as medidas básicas tem comportamento criminoso em vários planos: origina o agravamento de risco de outros cidadãos, causa mortes das pessoas mais frágeis, provoca danos incomensuráveis. A negligência face às regras custa vidas de pessoas e problemas de saúde, afecta hospitais que deviam estar a tratar dos cuidados normais e causa um dano brutal ao País. É inaceitável o desprezo individual e colectivo de massas de portugueses que se comportam como se não houvesse problema algum.»

Tudo quanto há de essencial ficou dito nestas palavras.