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Delito de Opinião

"Não vejo novelas"

Marta Spínola, 28.08.15

Sou, confesso, alérgica a rótulos e frases absolutistas do tipo "Não vejo novelas". Cansam-me as ideias pré-concebidas e a falta de ginástica mental. Dito isto, avancemos.

Esta é a frase que para muita gente é uma garantia de que não são ignorantes. Quem não vê novelas não é certamente burro e fala bem, pensam. Pensam mal. A música pimba, as festas na terra e o vestir mal são de novela para baixo, por isso o "não vejo novelas" coloca-as nesse patamar seguro, de quem não entra em bailaricos ou ouve Tony Carreira. Errado.
É como aquele dress code de multinacional em que "não vale calças de ganga", porque chinelos de praia, calções e tops pelo umbigo estão para lá dos jeans, então garante-se que ninguém vai mal vestido. Ui, a ingenuidade de quem pensou isto chega a ser quase fofa.

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Tentar que um conceito que é só nosso passe para o mundo resumindo-o numa tirada pateta devia ser acompanhando de um downer button de tão ridículo que é. Não temos de ser todos formatadinhos, não há um muito certo ou um muito errado nesta coisa dos gostos. Cada um de nós é como o nosso smartphone, e não há dois iguais. Ver novelas não é incompatível com beber gin, praticar paddle não implica nunca mais podermos ouvir Lionel Ritchie, ter um selfie stick não tem de impedir alguém de fazer parte da sociedade. Cada um escolhe as suas próprias aplicaç... características, gostos e manias. Ou, numa comparação mais analógica, seremos como aqueles jogos mix and match, de corpos divididos em três, em que podemos conjugar cabeça, pés e tronco das mais díspares personagens. Eu sou assim, assumo-o. Pior, gosto muito de ser assim. 

Um dia destes, num almoço, o rapaz ao meu lado disse-me: "sabes que é que vejo agora? O 'Mar Salgado'. Chego a casa sem cabeça, vejo aquilo sem pensar, e até me sabe bem". Cá está, ele não passou a ver novelas ou deixou de ser inteligente. Vê esta, sabe-lhe a descanso. É muitas vezes por aqui. O que não quer dizer que toda a gente tenha de as ver. Eu neste momento não vejo nenhuma, já vi algumas, muitas na minha infância. 
Não, pessoas, não ver novelas só faz de alguém isso mesmo, uma pessoa que não vê novelas. Se continuam a comer de boca aberta, a só saber falar dos preços das coisas, interessa pouco que conheçam o melhor gin do país. A mim pelo menos. Além disso, mal comparado, é como um suicida. Quem o faz não apregoa.

Dégueulasse

Sérgio de Almeida Correia, 05.09.14

O adjectivo é sempre forte, mas não vejo como qualificar toda esta novela em torno de Hollande. A forma como os envolvidos resolveram abrir a porta da lavandaria só podia dar aso ao comentário de Marine Le Pen. Nem Ségolène escapou. Homens da craveira de um Anatole France, de um Mendès-France ou de um De Gaulle, devem andar aos trambolhões na tumba ao verem a República entregue a figuras de banda desenhada. Já não chegavam Chirac e Sarkozy. Ainda faltava um Hollande. A França merecia melhor. Muito melhor.

Gabriela, eu e ela

Ana Cláudia Vicente, 11.09.12
O remake - que ainda não espreitei, mas soube ter começado ontem - leva-me a crer que talvez devesse ter chamado a este fiapo de memória em segunda mão Eu, a minha Mãe, a Gabriela e a enfermeira-parteira Andreia, declarada admiradora dela. A presente opção, mais módica, venceu - andamos em tempo de poupança. À época da 50ª edição brasileira do romance de Jorge Amado - 1975, ano da chegada do meu irmão mais velho à existência - decidiu a Globo seriar em horário nobre a história de uma certa nordestina chegada ao litoral em mudança. Por cá, dois anos depois, reza a lenda ter sido tanta a cegueira que até o termo das sessões parlamentares regulava pela emissão daquela. Disto não estou segura. Mas sei que se cumprem neste mês trinta cinco anos sobre o dia em que a senhora mãe desta que vos escreve entrou num hospital, já perto da hora de jantar. Após a admissão, em avançado trabalho de me trazer ao convívio da restante humanidade, da parteira de serviço ouviu, incrédula, a pronta intimação:
 - Vá, vamos lá, então! Não podemos demorar! A 'Gabriela' está quase a começar!

 

[Foto: Sónia Sônia Braga, circa 1975, intérprete original das adaptações televisiva (TVGlobo; Durst/Avancini/Blota) e cinematográfica (Bruno Barreto) da Gabriela (1958) de Jorge Amado]

Como disse?

Ana Vidal, 13.10.09

 

Anda meio país indignado com este video que surgiu no omnipresente YouTube e foi exibido num programa de televisão brasileiro (Saia Justa), em que uma cara bonita - e burra, pelos vistos - das novelas brasileiras exibe à exaustão a sua boçalidade e confrangedora ignorãncia. Eu, que já conhecia o video há uns dias - pela mão de um amigo que, tal como eu, tem amigos no Brasil que muito preza - fiquei espantada ao ver que o fenómeno atingiu proporções tão disparatadas como as patetices que Maitê Proença diz para a câmara, a ponto de ter honras de telejornal em horário nobre. Pergunto-me para quê tanta agitação e tanta importância dada a tão pouco: qualquer pessoa pode fazer um video caseiro e pô-lo a circular no YouTube, por mais irrelevante, patético e ignorante que seja. Vale o que vale.

 

Não altera em nada as relações entre Portugal e Brasil que uma figurinha mediática desconheça o estilo manuelino, que não saiba distinguir o rio do mar, que ignore que o pátio de um mosteiro se chama claustro ou até que subtraia trinta anos à ditadura de Salazar. Não faz ruir pontes culturais entre os dois países que a mesma criaturinha se divirta com os túmulos de Camões e Pessoa depois de uma indigestão de pasteis de Belém. Não belisca nem a superfície da dignidade da mais ínfima pedra dos Jerónimos que ela acabe a sua exibição a cuspir numa fonte histórica. Enfim, não nos devia aquecer nem arrefecer que Maitê Proença pense que todos os portugueses se chamam Manuel e Maria, são padeiros e ainda usam fartas bigodaças ou lenços pretos sobre carrapitos. A ignorância é dela, o preconceito é dela, a figura triste é dela, a pobreza de espírito também. Não somemos a todos estes atributos uma importância que ela não tem, indignando-nos como se a sua opinião fosse decisiva nas nossas vidas.

 

Sejamos magnânimos, dando a Maitê o benefício da dúvida de uma outra explicação, apesar de tudo menos penosa para os seus pobres neurónios: talvez o romance com um famoso romancista português lhe tenha corrido mal e ela queira apenas vingar-se, atingindo pelo caminho (por falta de pontaria, provavelmente) o resto dos portugueses.

 

Nota - Já não acho tão irrelevante que um programa de televisão dê cobertura a esta brilhante "peça jornalística", mas o jornalismo - lá como cá - parece andar pelas ruas da amargura.

 

Adenda: A saga continua. Maitê Proença pede desculpas e diz que não queria ofender ninguém (??). E depois acrescenta, sem perceber que volta a ofender toda a gente, que o Saia Justa  é um programa de "humor inteligente". Pronto, está tudo explicado: somos nós que não percebemos o humor inteligente dela. Seja como for, cá para mim esta saia ficou bem mais justa com a saída de Rita Lee e de Marisa Orth.