Notas pré-eleitorais
Como amanhã, de acordo com a legislação que o país possui em matéria eleitoral, não é dia para perturbar as consciências de eleitores que normalmente são protegidos pelo legislador e pelos partidos como verdadeiros mentecaptos, gostaria de deixar aqui algumas notas relativamente ao momento eleitoral que atravessamos. Estar e viver fora de Portugal, embora continue a descontar para a Segurança Social como se lá vivesse e tendo sido um dos poucos emigrantes que teve o privilégio de ter exercido o direito de voto, confere-me o desprendimento necessário para o fazer sem constrangimentos político-partidários, aos quais sou por natureza avesso, sem prejuízo das opções que em cada momento faço.
- Alguns amigos perguntaram-me o que é para mim um bom resultado eleitoral. Não é pergunta de resposta fácil porque tal como o copo que só tem metade do conteúdo, as perspectivas nem sempre são iguais. Ganhar eleições é vencê-las, isto é, de acordo com as regras do nosso sistema eleitoral que converte votos em mandatos, ganha eleições quem consegue fazer eleger mais deputados. Aqui não há volta a dar. E só por uma bizarria, mais própria de gente mal formada do que de políticos responsáveis que como tal querem ser respeitados e reconhecidos, não é o facto de se ter mais votos que dá a vitória a um partido. Numa democracia representativa, votos não convertíveis em mandatos não servem para nada qualquer que seja o sistema eleitoral.
- Com o que ficou escrito no ponto anterior fica também esclarecido qual a força política que deverá ser convidada pelo Presidente da República, de acordo com a Constituição, a formar Governo. O convite deverá ser endereçado à força política – coligação ou partido – que tendo-se apresentado ao acto eleitoral obteve o maior número de mandatos.
- Postos estes esclarecimentos introdutórios, vamos então às interpretações possíveis dos resultados na perspectiva do que seja um bom resultado. Para isto convém ter presente o seguinte:
3.1 Para a coligação PSD-CDS/PP um bom resultado será vencer as eleições qualquer que seja a margem em relação à segunda força mais votada;
3.2 Para o PS e para qualquer outra força política um bom resultado também será vencer as eleições.
- O problema é que um bom resultado nas eleições de 4 de Outubro, a traduzir-se numa maioria relativa, será sempre um resultado coxo do ponto de vista da estabilidade política e da governabilidade. Não é certo que um governo minoritário seja um governo instável ou com poucas possibilidades de fazer uma governação séria e responsável, mas será sempre um governo sujeito à formação de coligações parlamentares negativas que o podem derrubar em qualquer momento. Nesta perspectiva, qualquer vitória eleitoral com maioria relativa, seja para a coligação PSD/CDS-PP ou para o PS será sempre um mau resultado.
- Uma outra forma de olhar para o problema é pegando nos resultados dos anteriores actos eleitorais. Em 2011 o PSD e o CDS-PP foram a votos sozinhos. A soma dos respectivos resultados atingiu 50,35%. Agora, as melhores sondagens, dão-lhes grosso modo entre 37 a 39% dos votos. Isto representa uma queda eleitoral de mais de 10%. Objectivamente, uma queda de mais de 10% nos votos da coligação PSD/CDS-PP é sempre um mau resultado, significando esta, a verificar-se, a taxa de reprovação da sua governação durante os últimos quatro anos para o seu próprio eleitorado. Um resultado de 38% equivale aos votos que o PSD sozinho conseguiu em 2011, o que significa que os 11% que CDS-PP tinha obtido na mesma eleição se evaporaram, sobrando só os votos do PSD. Será isto para os ilusionistas da coligação PSD/CDS-PP, agora que concorrem juntos, um bom resultado?
- Em contrapartida, por comparação com 2011, quando obteve 28,05%, o PS, que volta a apresentar-se sozinho a votos, tem sondagens a darem-lhe entre 32 e 34% das intenções de voto. É uma melhoria, sem deixar de ser um mau resultado. E é muitíssimo pouco face a 2005 (45,03%) e 2009 (36,56%). Se o PS nestas eleições obtiver menos de 36,56%, esse será um resultado muito mau para um partido que está na oposição e que teve todas as condições para voltar a obter uma maioria absoluta. Pior se levarmos também em consideração que em 1995 o PS conseguiu 43,76%, em 1999 obteve 44,06% e em 2002 atingiu 37,79%. Sobre isto não preciso de dizer mais nada.
- Acontece que as sondagens não votam, os números da abstenção só serão conhecidos no dia da votação e que o número de indecisos que as sondagens revelam é suficientemente elevado para poder dar uma maioria absoluta a qualquer uma das forças políticas com possibilidade de vencer as eleições.
- Considerando o que há dias escrevi no Aventar, seria bom que neste momento os portugueses, cidadãos eleitores, maiores e responsáveis, pensassem no seguinte: “o resultado de uma eleição e a construção de um projecto de futuro nunca dependeram tanto de uma cruz. No silêncio da cabine vai ser necessário escolher entre colocar uma cruz num boletim de voto ou continuar a carregar a cruz que relançou a pobreza, ingrata e sem sentido, e exportou mais de duzentos mil portugueses jovens, activos e qualificados, só nos últimos dois ano para poder ir mais além da troika. Os abstencionistas são os únicos que têm de antemão a certeza de que não escolhendo, continuarão sempre a carregar a cruz.”
- E agora três notas finais que não gozam do benefício da isenção: a primeira vai para a coligação entre vermelhos e vermelhos-esverdeados. Jerónimo de Sousa continua equivocado. Ontem dizia que se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta isso ficará a dever-se à luta travada pelos comunistas e pelos trabalhadores portugueses. Eu pensava que o objectivo da CDU era afastar a coligação do governo do país, mas pelos vistos, para Jerónimo e os patuscos da sua tribo o objectivo era só retirar a maioria absoluta à direita. Concluo, assim, quanto a esse ponto que a CDU ficará satisfeita e dirá que obteve uma “grande vitória” se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta continuando a ser governo. Se os trabalhadores portugueses forem nesta conversa e votarem na CDU é sinal de que estão satisfeitos com a actual situação, querendo que Passos Coelho continue como primeiro-ministro.
- Uma segunda nota vai para a revelação/confissão de Passos Coelho à comunicação social que acompanha a campanha da coligação PSD/CDS-PP de que faz campanha com um crucifixo no bolso. Não tenho nada contra a fé do primeiro-ministro. Cada um tem a sua e a dele não é diferente da dos outros. Mas o recurso à revelação pública desse facto, como fez em relação a alguns factos da sua vida pessoal e familiar que não estão, nem deviam estar, sujeitos a escrutínio público, são do domínio da abjecção e indignos de um candidato a primeiro-ministro numa república democrática, laica e soberana.
- A última nota vai para o Presidente da República. Qualquer que seja o resultado das eleições é desde já o maior perdedor. Será o maior perdedor porque durante toda a legislatura nunca soube estar à altura dos acontecimentos e das exigências do cargo, não raro mostrando-se parcial nas escolhas e comprometido com os seus preconceitos, complexos e atavismos. Da não antecipação das eleições para Junho, atirando o país para a incerteza e a instabilidade em Outubro, à marcação das eleições para um domingo – no que até poderia ter dado um sinal de modernidade e inovação para combater a abstenção se as tivesse marcado para um dia útil –, sem esquecer as infelizes intervenções que tem tido a propósito de nada e ignorando o essencial, ficará na história como o mais anti-republicano dos presidentes portugueses. As declarações que proferiu em Nova Iorque, ao referir que já tinha pensadas as soluções para o pós-4 de Outubro e que sabe muito bem o que fazer, são incompatíveis com a sua ausência às celebrações do 5 de Outubro. Se já tem a solução pensada não havia razão para anunciar que vai faltar, porque nesse dia já os portugueses também terão feito as suas escolhas. Vejo, por isso, mais essa ausência como um sinal do seu desconforto por aquele que poderá vir a ser o resultado eleitoral de 4 de Outubro. Com esta sua atitude de ausência às celebrações do 5 de Outubro de 2015, Cavaco Silva deu a machadada final no seu mandato, sinal da sua hipocrisia, das meias-tintas dos seus mandatos, da sua falta de solidez, de estatura e de coragem política em momentos decisivos. Se não fosse a república, Cavaco Silva nunca teria saído das paredes da sua universidade ou do Banco de Portugal, nunca teria tido as condições para poder obter o estatuto público que conseguiu. Mas até na hora da partida foi incapaz de ter um gesto de elevação e de gratidão e de se assumir como o presidente de todos os portugueses. Com uma coligação PSD/CDS-PP vencedora e sem maioria absoluta, ou com um PS vencedor, Cavaco Silva será sempre um presidente derrotado. E ele é o único que irá ter aquilo que merece por tudo aquilo que fez. A república, nestas ocasiões, também não costuma perdoar aos timoratos que, devendo-lhe tudo, gratuitamente a ofendem.