Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Informação ou propaganda

Pedro Correia, 23.08.23

fogo.webp

 

Reparem nas notícias. 

Nunca há fogos nos países do terceiro mundo. Nunca arde nada na Índia. Nem na China. Nem na África do Sul. Nem no Irão. Muito menos na Rússia. Ainda menos no Brasil, agora que está lá Lula da Silva (com a ajuda do amigo José Sócrates) a estancar o desmatamento na Amazónia.

Incêndios florestais? Só no sinistro "Ocidente". Na Europa Ocidental, onde vivemos. E, claro, na tenebrosa América do Norte.

Isto não é informação. É ideologia.

Alguns vão atrás, convencidos de que é a verdade. Mas já questionava o velho Pilatos muitos antes de figurar no Credo cristão: «O que é a verdade?»

Como se a morte não existisse

Pedro Correia, 26.01.22

Lima Pereira.jpg

 

Eufemismos da linguagem corrente contaminam em força o jornalismo. Agora não se morre: parte-se. Como quem vai de férias para qualquer lado.

É cada vez mais patente a nossa dificuldade em lidar com a morte. Ao ponto de eliminarmos a palavra do vocabulário de todos os dias. Como se a morte não fizesse parte da vida. Como se ela jamais chegasse pelo simples facto de a banirmos do nosso convívio. Como se fôssemos eternos personagens de um filme fofinho dos estúdios Walt Disney, fatalmente condenados a um final feliz.

Há vida para além das notícias

Pedro Correia, 29.10.19

Todos os dias, ao ligar o computador, recebo um "agregador de notícias" que pretende resumir-me o que de mais importante aconteceu nas horas precedentes à escala global.

Vale o que vale como fonte noticiosa: nada. Mas justifica atenção enquanto reflexo do ar do tempo. Como sintoma da espuma de irrelevância que invade o nosso quotidiano.

Esta manhã, foi este o flash noticioso que me chegou: «As saias do assessor de Joacine continuam a dar que falar, a fotografia do cão que Trump publicou e outras notícias.»

Só o anedótico, o irrisório e o descartável parecem importar na ditadura do algoritmo que condiciona os critérios editoriais. E, no entanto, a vida real continua a pulsar, indiferente aos mecanismos mediáticos que a ignoram.

O grau zero do jornalismo.

Luís Menezes Leitão, 13.11.17

É precisamente fazer uma notícia a questionar se alguém cortou o cabelo e depois chegar à conclusão de que apenas tem um penteado diferente. Não haverá nada mais importante para noticiar do que os penteados das cabeças reais como, por exemplo, as vítimas dos fogos, da legionella, as negociações do Brexit, etc., etc? É por isso que eu sou convictamente republicano.

Só é óptimo se parecer péssimo

Pedro Correia, 24.04.16

20120926_ZubrinDDTNaples[1].jpgSoldado americano utiliza DDT para prevenir malária (Nápoles, Janeiro de 1944)

 

Vi há dias um interessante debate sobre o rumo e o destino da chamada "comunicação social" num programa televisivo da RTP3, O Último Apaga a Luz, dedicado à análise dos media contemporâneos. Sem clichês, sem chavões, sem o pensamento pronto-a-papaguear que é habitual escutarmos noutros programas. Com Joaquim Vieira, Raquel Varela, Rodrigo Moita de Deus e Virgílio Castelo.

A certa altura a Raquel Varela disse uma frase que não resisti a transcrever aqui: "A comunicação social está permanentemente a mostrar aquilo em que a Humanidade é incapaz e a ocultar aquilo de que a Humanidade é capaz."

 

Penso com muita frequência nisto: o discurso jornalístico reflecte hoje uma crescente tabloidização da realidade, descrevendo-a como um local infrequentável. O mundo retratado na generalidade dos órgãos de informação contemporâneos está povoado de calamidades e cadáveres, de fobias de todo o género, de anátemas lançados ao modo como vivemos e convivemos.

O sangue vende como nunca, o medo instala-se, o temor de sair à rua devido a um milhão de causas - desde os assaltos nos multibancos aos raios ultra-violetas potenciados pelo "aquecimento global" - induz cada um a entrincheirar-se nas quatro paredes domésticas, trocando o real pelo virtual.

"O inferno são os outros" - nunca a frase de Sartre pareceu tão actual como nos nossos dias.

 

E no entanto há outro mundo que pulsa e vibra além das manchetes da imprensa. Um mundo que "não sai no jornal", parafraseando o verso de Chico Buarque. Esta semana, ao fundo de uma página interior do El País, na secção de Tecnologia e Ciência, li este título: "Europa livre de malária".

A Organização Mundial de Saúde declarou este continente onde habitamos finalmente imune à doença, que matou 438 mil pessoas em todo o mundo só no ano passado e era endémica no sul da Europa - incluindo Portugal - até à geração dos meus pais. Vinte dois mil soldados norte-americanos adoeceram com malária na Sicília durante a campanha militar para a conquista da ilha, no Verão de 1943. Apenas no pós-guerra os mosquitos portadores da doença começaram a ser combatidos com eficácia, graças à generalização do DDT, o primeiro pesticida moderno.

Uma boa notícia, portanto. E daí ter sido varrida para a parte inferior da hierarquia informativa. Não é má, não transmite receio nem angústia - portanto, não vende. Logo me lembrei, perante este exemplo concreto, de uma reunião de editores no Diário de Notícias. Ousei sugerir que todos os anos - num dia apenas, coincidindo com o aniversário do jornal, a 29 de Dezembro - fizéssemos aquilo que me parecia, e parece ainda, um estimulante exercício intelectual: produzir uma edição em que todos os temas fossem escritos num ângulo positivo. Seguindo o princípio de vermos o copo meio-cheio, não meio-vazio.

Quase todos os meus colegas olharam para mim como se eu estivesse afectado por loucura momentânea. E logo a questão foi arrumada em duas palavras: "Não vende."

 

A mesma lógica que leva o fim da malária na Europa a merecer apenas uma nota de rodapé: de acordo com este raciocínio dominante, só as más notícias parecem verdadeiramente boas.

Se em vez de mau for péssimo, ainda melhor.

Mas - convicto ainda de ter apresentado uma sugestão que devia ter merecido luz verde nessa reunião de editores, há mais de uma década - interrogo-me: se só a tragédia e a catástrofe "vendem" por que motivo continuam a fechar tantos jornais?

Cenas da vida quotidiana

Helena Sacadura Cabral, 29.08.15

Na maioria dos países, a notícia está no anúncio de que vai ocorrer ou ocorreu alguma coisa. Em Portugal é diferente. Noticia-se algo que não ocorreu.

É assim que Pedro Santana Lopes anunciou hoje que não se candidatava a um lugar para o qual nunca se havia candidatado.

Tínhamos já uma série de candidatos a Presidentes da Republica. Inauguramos, agora, uma lista de não candidatos. Na qual a maioria dos portugueses se pode rever. É isto que eu gosto na política nacional!

Uma certa morbidez

Helena Sacadura Cabral, 20.08.14
Uma malfadada intoxicação alimentar - gosto de comer e julgo, sempre, que nada me faz mal - atirou-me para chá e torradas em frente a um telejornal que eu já deveria saber, por experiência, que só agrava ou mesmo provoca qualquer mal incipiente que possamos ter. Foi o caso.
Durante dois terços do jornal de um dos canais noticiosos, assisti a todo o tipo de desgraças: um jornalista americano degolado, um homem que queimara com água fervente a filha bébé porque ela não parava de chorar, um incêndio que matara pai e filho, que já se encontravam litigados em tribunal, a guerra na Crimeia e na Síria, os bombardeamentos na faixa de Gaza, a eventualidade do Papa Francisco abdicar, enfim, até a venda do Hospital da Luz a um grupo mexicano. 
Pergunto: teremos todos de saber, ao pormenor - com fotos dramáticas -, estas notícias? Não chegará, já, a carga dos problemas nacionais para acinzentarem a nossa vida? Não haverá um editor que saiba distinguir o trigo do joio, o essencial do acessório?
Todo este apelo à violência não gerará mais violência?! Não haverá estatutos editoriais que ponham um limite a esta exploração do miserabilismo?
Só posso dizer que estamos a caminhar para uma sociedade cada vez mais alucinada e mais mórbida e que uma certa comunicação social tem grande responsabilidade nisso!

Sempre mais do mesmo

Pedro Correia, 11.02.14

Pluralismo? Qual pluralismo? Os canais televisivos portugueses especializados em informação contínua vão-se plagiando mutuamente, concedendo cada vez mais espaço e cada vez mais tempo a um só tema. O desporto. Melhor dizendo, a uma só modalidade desportiva. O futebol. Melhor dizendo, apenas a três clubes de futebol. Benfica, Porto e Sporting.

Tudo gira em função disto. Nada sabemos do que se passa no mundo vendo estes canais. Mas sabemos tudo - mesmo tudo - do que decorre em redor de três estádios de futebol. Haja ou não haja jogo.

Não adianta mudar de canal. Porque todos mostram o mesmo. Mais do mesmo, sempre mais do mesmo, sempre mais do mesmo.

 

Publicado também aqui

Outono quente

Pedro Correia, 16.10.13

1. Já existe o canal Parlamento. Ainda não existe o canal Conselho de Ministros. Mas já faltou mais: as fugas de informação cirúrgicas tornam-se generalizadas e ganham a emoção de um relato de futebol. O sentido de Estado parece ter emigrado para parte incerta.

 

2. Difundir informações sem fundamento, causando um inconcebível alarme social, não penaliza só uns: penaliza todos.

 

3. Largar más notícias com abundância pelas manchetes da imprensa e pelos comentadores mais próximos enquanto se gere o silêncio: eis todo um programa de acção.

 

4. Bastam dez pessoas aos berros durante cinco minutos: as redes sociais transmutam a berraria em notícia, validada pelos chamados órgãos "de referência", muitos deles cheios de editoriais contra o "populismo". Meio século depois, nunca Marshall McLuhan esteve tão actual: o meio é a mensagem. Que, pelo efeito de banalização, logo se transforma em massagem.

 

5. Cento e cinquenta mil portugueses trabalham em Angola, nosso principal fornecedor de petróleo. Portugal é o maior parceiro comercial de Luanda. Há 8800 exportadoras portuguesas no mercado angolano, por mais que isso incomode certos aprendizes de feiticeiro. A parceria estratégica, que serve os interesses nacionais, devia ficar à margem da luta partidária. Para não desembocar nisto.

 

6. Taxa sobre produtores de electricidade, anunciada com espavento, vai repercutir-se na bolsa do consumidor. Eduardo Catroga, com notável despudor, já tinha avisado.

 

7. Bastam seis meses para a ambição partidária suplantar o espírito de serviço público? Se não é parece.

 

8. A extrema-esquerda em marcha. Abrindo caminho à extrema-direita: não acreditem que acontece só . Como alertava o PCP quando estava no Governo, em 17 de Junho de 1974, "as formas de luta devem ser cuidadosamente examinadas antes de decididas".

o dia às 9:36

Patrícia Reis, 21.10.11

Uma menina na China foi atropelada, ignorada por quem passava, e morreu. O ditador da Líbia deixou uma fortuna na Caixa Geral de Depósitos. Um satélite alemão vai cair na Terra, não se sabe onde, mas é pouco "provável" que possa atingir alguém. Manuela Ferreira Leite acha que a educação e a saúde deverão deixar de ser gratuitas (alguma vez foram totalmente? Devo viver num país qualquer estrangeiro). As minas de não sei onde, cá em Portugal, desculpem, mas dormi mal, deverão ser compradas por um consórcio sul com accionistas angolanos. E sei tudo isto sem ter ligado a televisão, sem ter ouvido rádio. Porra. Desculpem. É aborrecido, logo pela manhã, ter alguém a refilar e há contrapontos a estas notícias, de certeza. Talvez eu só veja estas porque os jornais só mostram estas e talvez o país precisa de seratonina. Ou eu. Bom fim de semana.

SS Gairsoppa, um naufrágio nas páginas dos jornais

Rui Rocha, 28.09.11
 

No Diário de Notícias- 270 toneladas de prata, no valor de 170 milhões de euros, num navio encontrado a 4700 metros de profundidade.

No Jornal de Notícias - 240 toneladas de prata, no valor de 150 milhões de euros, num navio encontrado a 4000 metros de profundidade.

No Diário Digital: 200 toneladas de prata, no valor de 170 milhões de euros, num navio encontrado a 4700 metros de profundidade.

No Sol - 240 toneladas de prata, no valor de 170 milhões de euros, num navio encontrado a quase 5000 metros de profundidade.

No Dinheiro Digital - 220 toneladas de prata, no valor de 160 milhões de euros, num navio encontrado a 4700 metros de profundidade.

No Público: 240 toneladas de prata, no valor de 170 milhões de euros, num navio encontrado a 4700 metros de profundidade.

 

E, last but not the least, a notícia choque no Correio da Manhã: Barco afundado poderá lucrar 34 milhões de euros. Bom proveito lhe faça, lá nas profundezas, que a mim dói-me muito a cabeça.