Notas sobre os processos revolucionários em curso (3)
Os ecos das revoluções tunisina e egípcia não chegam apenas aos países vizinhos. Na China, a elite que detém o poder também os escuta. E quer abafá-los. A ideia de que os chineses comuns possam sentir-se inspirados pelos ventos da liberdade aterroriza os seus dirigentes. Por isso, a palavra Egipto foi banida nos motores de busca utilizados em território chinês. Sempre presente, está o fantasma de Tiananmen. À partida, a situação da China não é comparável à de qualquer dos países em que o processo revolucionário está em curso. A China atravessa um período de fortíssima expansão económica. E, apesar de alguns desequilíbrios evidentes, é previsível que a economia chinesa possa continuar a crescer a um ritmo acelerado. À primeira vista, o contexto parece favorável ao aproveitamento pelos dirigentes da expansão económica para melhorar o nível de vida, assim se perpetuando o poder. Todavia, o gráfico infra, roubado no blog de Paul Krugman, poderá ter parte da explicação para o nervosismo das autoridades chinesas. O Egipto, apesar de tudo, tem um perfil bem diferente daqueles que, por exemplo, as Filipinas e a Indonésia apresentavam antes de sofrerem graves convulsões. No fundo, a pista que o gráfico deixa no ar é a de que a razão fundamental do descontentamento não está sempre indexada aos indicadores de crescimento económico. Em certas circunstâncias, será ainda mais relevante a capacidade de promover a redistribuição da riqueza criada. E poderá bem acontecer que seja isso que os dirigentes chineses não querem ou não sabem fazer. Sendo esta uma pista de análise, resta uma outra justificação para a inquietude dos líderes chineses. O estômago vazio é um bom detonador do sentimento da revolta. Mas, a liberdade é um valor em si mesmo. O seu aroma é inebriante e a sua ausência agride igualmente o mais básico sentido da dignidade humana. E é particularmente preocupante para o regime que esta aragem chegue através do Google às imediações da cidade proibida. Até porque pode bem acontecer que numa futura revolta, tal como aconteceu na Tunísia, o exército se recuse a tomar partido contra o povo.