Gosto da noite.
O silêncio que traz consigo é um bálsamo para ouvidos transbordantes de barulhos, de vozes, de gritos.
Gosto da noite.
A noite faz-me leve e dissimulada, quase ubíqua, materializando-me aqui e ali como uma assombração por entre perplexas exclamações de susto.
Gosto da noite.
No xadrez da minha guerra, num tabuleiro sem Rei nem Rainha, à noite, eu sou o Bispo, sou o Cavalo, sou a Torre, sou também peão, porque afinal quem não é o peão do destino que traça, escravo do seu livre arbítrio, servo das suas vontades?
Gosto da noite.
Os rumores de arrulho dos pássaros nocturnos, os suaves bater de asas, os sussurros das folhas nos ramos das árvores, brandos, murmurantes, arrepiantes.
Gosto da noite
As cores que a cor da noite confere ao colorido, tão incolor, tão monocromático, tão cheio de promessas de descobertas, de dramas, de paixões.
Gosto da noite
A noite deixa-me ser eu, despida de regras e de juízos, em paz com a eterna luta que travo com o meu intimo na qual nenhum dos contendores sairá vitorioso.
Gosto da noite.
O negrume liberta o meu lado mais escuro e deixa a besta sair, sentir o cheiro do breu, sentir a frescura do chão e realizar que afinal é uma quimera urbana, dócil e gasta pelo tempo que passou.