Converso com um amigo sobre as vantagens de viver no campo, em comparação com o frenético quotidiano citadino. Há uma enorme árvore bem perto de nós. Pergunto-lhe: “Sabes que árvore é esta?”
Não faz a menor ideia. É um choupo negro, alto e esguio, de folha em forma do símbolo de espadas nas cartas de jogar – uma das espécies vegetais mais frequentes em Lisboa por se adaptar muito bem à atmosfera poluída
Este episódio banal confirma-me a profunda iliteracia da esmagadora maioria dos habitantes das cidades em relação ao nosso vasto património botânico. A recente tragédia dos incêndios pareceu ter feito de cada compatriota um inesperado especialista em espécies vegetais – ao ponto de todos terem passado a emitir sentenças categóricas sobre o que deve ou não ser plantado nas quintas e aldeias do interior do País. Invocavam a necessidade imperiosa de acolhermos mais “espécies autóctones” e rejeitarmos “espécies invasoras”, sem fazerem a menor ideia do que significa uma coisa e outra.
Essa pretensa sabedoria teve um brevíssimo prazo de validade, próprio dos actuais surtos de indignação nas redes sociais. A verdade é que poucos conhecem as árvores, muito poucos as respeitam e quase todos são incapazes de nomeá-las.
Tive a sorte de os meus pais me haverem ensinado desde menino a conhecer o mundo vegetal e a tratar as árvores pelos nomes próprios. Aprendi muito cedo que algumas estão mesmo associadas a características de certas regiões. Na região de onde sou originário, a Cova da Beira, a cerejeira é uma árvore icónica e muito admirada tanto na magnífica fase da floração como na incomparável explosão dos frutos, que conferem tonalidades muito próprias aos extensos pomares das encostas serranas.
Outra árvore a que prestamos tributo por ser uma histórica aliada no combate à fome e pela sua relevância presente no tecido económico da região é o castanheiro, que aliás se destaca no brasão da Câmara Municipal do Fundão, com as castanhas a figurarem como pepitas de ouro.
Estas e outras árvores acompanharam o meu percurso biográfico.
Os pinhais do Alto Minho e da Fonte da Telha, os coqueiros e tamarindeiros na casa de Timor. Os gondoeiros da praça Engenheiro Canto Resende, no Bairro do Farol. As Madres del Cacau na Ermera. As casuarinas na praia de Hac-Sá, na ilha de Coloane. A grevílea robusta da vivenda da Charneca. Encontrei uma há dias, no jardim do Campo Grande, e saudei-a como se revisse uma velha amiga.
Falta-nos este espírito de confraternização com as nossas irmãs árvores, como diria São Francisco de Assis. Nas reuniões de condóminos urbanos um dos temas recorrentes é o do abate de árvores – porque sujam, porque roubam a luz do sol, porque atraem pássaros e insectos, porque “desfiguram a paisagem”, porque sim. E as próprias autoridades municipais se apressam tantas vezes a retirá-las do espaço público. Ainda hoje não perdoo ao vereador Sá Fernandes ter ordenado a remoção das laranjeiras que ornavam a Praça de Alvalade, substituindo-as por placas de cimento.
Há dias pus-me a pensar nas árvores que sou capaz de identificar – tanto árvores de floresta, de cultivo ou espontâneas, como de jardim. A lista foi-se tornando cada vez mais extensa. Da figueira ao pinheiro bravo, da tília ao carvalho, do eucalipto ao freixo, do lódão à olaia, do marmeleiro à oliveira, da acácia ao salgueiro, do choupo branco à macieira, do pessegueiro à romanzeira, da pereira ao cipreste, da palmeira-de-leque à alfarrobeira, do sobreiro ao jacarandá, da ginkgo à araucária, do zambujeiro à tipuana, do plátano ao limoeiro, da bananeira à nespereira, da laranjeira à magnólia, do pinheiro manso à palmeira das Canárias. Sem esquecer árvores-arbustos, como os dragoeiros ou os medronheiros.
Várias delas, felizmente, integram já a lista oficial do nosso património. Incluindo o inigualável cedro do Buçaco no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, ou a deslumbrante figueira da Austrália em destaque no Parque Marechal Carmona, em Cascais.
Sempre que posso, fotografo-as: são minhas todas as fotos que ilustram este texto, captadas ao longo deste terrível ano que parece de perpétua Primavera, em que as folhas caducas permanecem verdes e muitas espécies estão a florescer em Novembro como se fosse Abril ou Maio enquanto pelo menos 5% da superfície do País ficou reduzida a cinzas. Muitos dos nossos velhos não voltarão a ver paisagem verde em seu redor.
Há três meses, a jornalista Maria Henrique Espada, editora da revista Sábado, reuniu António Bagão Félix e José Sá Fernandes numa interesssantíssima conversa sobre árvores em que os dois interlocutores exibiam extensos conhecimentos na matéria.
Gostei muito de ler o que diziam. Só lamento que Sá Fernandes, enquanto vereador responsável pelos espaços verdes da capital, teime em não partilhar essa sabedoria com os habitantes de Lisboa.
Bastaria colocar tabuletas nos jardins a indicar os nomes das espécies vegetais, como fazem várias câmaras por esse País fora, claramente amigas do ambiente.
Isso contribuiria para aproximar das árvores os lisboetas que hoje julgam que elas só servem para receber urina de cães e dar sombra aos carros nos meses de Verão.
Legendas (de cima para baixo):
1. Romanzeiras
2. Palmeira-de-leque
3. Folhas de olaia
4. Medronheiros
5. Choupos brancos
6. Limoeiros