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Delito de Opinião

Setúbal, pós-Natal 2024

Pedro Correia, 29.12.24

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«Aparentes senhores de um barco abandonado, / nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... / Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado, / se justifica, enflora, a secreta viagem!»

(David Mourão-Ferreira)

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«Lá vão os cercos plo Sado abaixo, / Ao mar vizinho, à sua lida. / "Voltem pesados, co’a borda em baixo!" / Gritam gaivotas em despedida

(Luís Cabral Adão)

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«O rio abre um largo e irregular estuário, as águas entram profundamente pela terra dentro.»

(José Saramago)

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«Ah seja como for, seja por onde for, partir! / Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo,  pelo mar.»

(Álvaro de Campos)

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«Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado, / Mansa corrente deleitos, amena, / Em cuja praia o nome de Filena / Mil vezes tenho escrito e mil beijado.»

(Bocage)

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«Todo eu me alevanto e todo eu ardo. / Chego a julgar a Arrábida por Mãe, / quando não serei mais que seu bastardo.»

(Sebastião da Gama)

Fotos minhas

Reflexão do dia

Pedro Correia, 25.12.24

«Quando se apaga, o calor que resta não domina, mas insiste. Um resíduo quase silencioso, mas irreprimível. Talvez seja aqui que o Natal encontra a sua natureza: não no esplendor de uma luz plena, mas no intervalo entre claridade e penumbra. Um momento onde o tempo pausa e a escuta se torna possível.

Não há conclusões no fogo, como não há no mistério. Apenas um convite para habitar a incerteza. Para olhar, para esperar. Talvez seja aí, na hesitação, que se encontra aquilo que julgávamos perdido: a diferença, o Outro, o mundo.

A dúvida que nos humaniza.»

 

Maria Castello Branco, no Expresso

Santarém, Natal 2024

Pedro Correia, 25.12.24

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«Scabelicastro, cujo campo ameno / Tu, claro Tejo, regas tão sereno...»

(Camões)

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«O Ribatejo deve ser visto das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia.»

(Miguel Torga)

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«Mira-te no Tejo Santarém, princesa que foste e rainha que és…»

(Alexandre Herculano)

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«Um comboio que partisse / Sem sair da estação / No lado esquerdo da linha / Transporte dum coração.»

(José do Carmo Francisco)

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«Santarém, nobre Santarém, a Liberdade não é inimiga da religião do céu nem da religião da terra. Sem ambas não vive, degenera, corrompe-se, e em seus próprios desvarios se suicida.»

(Almeida Garrett) 

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«Na minha juventude antes de ter saído / da casa de meus pais disposto a viajar /eu conhecia já o rebentar do mar / das páginas dos livros que já tinha lido.»

(Ruy Belo) 

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«Livre, liberta em pedra. / Até onde couber / tudo o que é dor maior, / por dentro da harmonia jacente, / aguda, fria, atroz, / de cada dia

(Natércia Freire)

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«Tenho um pátio andaluz no meio de mim. / Todo água, espelhos e pedras preciosas.»

(Rita Tormenta)

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«Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.»

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

 

Fotos minhas

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 25.12.24

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Hoje lemos: Vasco Graça Moura, "Gloria In Excelsis - As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal".

Passagem a L-Azular: "Na obra de Aquilino, para além das páginas que, em Terras do Demo, dedica à quadra natalícia, avultam o conto "D. Quixote contra Herodes", (Estrada de Santiago, 1922), aqui seleccionado pela sua bem-humorada paródia pós-cervantina de D. Quixote aceitar não acometer os gigantes, para ficar de guarda ao Menino Jesus do presépio contra as anunciadas malfeitorias do rei Herodes, e toda uma série de esplêndidas sequências. De "O Livro do Menino Deus" (1945), de que seleccionei, por afinal se tratar de um pequeno conto, "A Missa do Galo", com a sua saborosa discussão, teológica e não só, entre um velho fidalgo céptico e o abade da freguesia."

Podia ter sido outra passagem qualquer. O livro é como um peru natalino, criteriosamente escolhido, finamente preparado, cuidadosamente cozinhado e magistralmente recheado do melhor que a literatura portuguesa produziu. Bom proveito e Feliz Natal.

Todos os que ouviram se admiraram do que lhes disseram

Pedro Correia, 24.12.24

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«Os pastores disseram uns aos outros: "Vamos, então, até Belém e vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer." Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino, deitado na manjedoira. E, quando os viram, começaram a espalhar o que lhes tinham dito a respeito daquele Menino. Todos os que ouviram se admiraram do que lhes disseram os pastores.»
 
Lucas II, 15-18

Livros: doze sugestões de Natal

Pedro Correia, 21.12.24

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AUTOCRACIA, INC., de Anne Applebaum (Bertrand). Lúcida, apaixonada e vibrante defesa da democracia liberal num mundo em que a ameaça dos regimes autocráticos se vai tornando cada vez mais preocupante em diversas latitudes - da Rússia oprimida pela ditadura de Vladimir Putin à Venezuela chavista hoje transformada em narco-Estado sob a força dos fuzis, sem esquecer a anquilosada teocracia iraniana, especializada em enforcar jovens que se atrevem a contestar os dogmas islâmicos e em torturar mulheres por ousarem sair à rua de cabelo descoberto. Sem achismos, com muitos dados factuais, o que torna este ensaio político ainda mais aliciante.

 

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O FIM DAS POLÍTICAS DE RAÇA, de Coleman Hughes (Guerra & Paz). Oportuno e desassombrado ensaio de um jovem colunista e comentador norte-americano que critica com dureza os movimentos racialistas prontos a atribuir todos os males do mundo à "culpa do homem branco", num infindável cortejo de atrocidades. Filho de pai norte-americano com origem africana e de mãe natural de Porto Rico, Coleman Hughes insurge-se contra o espírito de seita dos activistas ultra-radicais que acusam todos os brancos do pecado mortal da escravatura, merecendo penitência perpétua. Defende o "daltonismo" racial como proposta revolucionária. Para ele importam as ideias, não a cor da pele.

 

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A MULHER DO MEIO, de Ivone Mendes da Silva (Língua Morta). Há livros inclassificáveis. Este é um deles. Diário sem datas? Crónicas? Microcontos? Fragmentos de romance em construção? Paira aqui um ambiente de novela campestre inglesa do século XIX. Longe da multidão, Ivone Mendes da Silva descreve um quotidiano circular e sincopado, mas onde não faltam notas dissonantes. Observa com minúcia o que a rodeia - pessoas, animais, flores, cores, luzes, sombras. Este é o seu reino - só com pontos, sem uma vírgula. "Tenho às vezes insensatos desejos de viagem que nunca concretizo." Acima de tudo, a qualidade de escrita impera nesta obra de 2019 agora reeditada. Resgatando palavras bonitas, com sabor antigo: esparso, esgarçado, aprumo, afinco, afadigar.

 

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DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE DIREITA, de Jaime Nogueira Pinto (Bertrand). Estimulante ensaio com intuito pedagógico de um dos raros intelectuais portugueses que se intitulam de direita sem sentirem necessidade de se chegar cada vez mais ao centro. Mas existem várias direitas, não apenas uma, ao contrário do que alguns mais apressados ou superficiais supõem, reproduzindo catalogações esquemáticas. De meados do século XIX aos nossos dias, Jaime Nogueira Pinto conduz-nos em visita minuciosa a esse hemisfério, tantas vezes desconhecido e estigmatizado. Com escrita ágil, elegante e esclarecida.

 

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A NOITE MAIS SANGRENTA, de João Miguel Almeida (Manuscrito). Relato algo sumário, mas com sugestiva atmosfera daquela noite de terror do 19 de Outubro de 1921, quando uma alegada "camioneta fantasma" carregada de militares e civis com vocação para o homicídio conduziu à morte, por execução sumária, o presidente do Governo cessante, António Granjo, um liberal moderado, suprimindo também a tiro dois heróis da revolução republicana desencantados com aquela demencial república: Machado Santos e Carlos da Maia. Foi a página mais sinistra do regime implantado em 1910 e viria a apressar o seu fim, traçando-lhe um epitáfio nada lisonjeiro.

 

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JOHNNY MAN, de João Van Zeller (Afrontamento). Livro de memórias com mais de 500 páginas, um tanto desequilibrado e demasiado exaustivo em aspectos secundários, mas com um segmento fundamental, centrado no fim da presença portuguesa em Angola. Van Zeller viveu alguns anos em Luanda, acompanhou tudo de perto em 1974 e 1975, assistiu à rápida derrocada, teve de sair à pressa para nunca mais voltar - como aconteceu com centenas de milhares de compatriotas. Testemunho importante sobretudo para historiadores futuros. Meio século depois, urge pôr fim ao tabu sobre a desastrosa descolonização portuguesa e os regimes de pendor totalitário que deixámos instalados em Bissau, Praia, São Tomé, Luanda e Lourenço Marques.

 

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A TRADUÇÃO DO MUNDO, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara). Este volume resulta de um ciclo de conferências do consagrado escritor colombiano a convite da Universidade de Oxford. Juan Gabriel Vásquez faz aqui uma fascinante digressão por obras-primas da literatura mundial: Em Busca do Tempo PerdidoGuerra e PazMemórias de AdrianoCem Anos de SolidãoConversa na CatedralO Coração das TrevasLord JimO Bom Soldado, Beloved. Partilhando com os leitores algumas das suas paixões literárias. «Tornamo-nos homens (ou mulheres) enquanto lemos - em busca de algo similar, temos, pois, recorrido à ficção ao longo dos séculos», conclui. Impossível não nos sentirmos contagiados por ele.

 

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O HOMEM MORTO, de Luís Naves (Astrolábio). Romance quase policial que durante cerca de dois terços parece integrar-se num género literário popularizado por Patricia Highsmith sobre homens solitários que vivem cercados de ameaças imaginárias e num quadro mental que oscila entre a neurose mais delirante e a amoralidade mais completa. Obviamente ambientado em Portugal, numa vila de província, mas em época imprecisa, que tanto pode ser um futuro próximo ou um passado nada distante. Pondo em paralelo a corrupção moral dos indivíduos com a degeneração da sociedade e a corrupção no país. No terço final ocorre uma incursão talvez demasiado rudimentar pela sátira política que desgradua o eixo ficcional. Mas merece elogio pela escrita ágil que prende o leitor do princípio ao fim.

 

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CONVERSAS SOBRE A FÉ, de Martin Scorsese e Antonio Spadaro (Casa das Letras). Livrinho que resulta do diálogo entre o cineasta norte-americano e um sacerdote italiano seu amigo sobre a relação entre crença religiosa e sensibilidade artística. Scorsese - nascido em Nova Iorque numa família de imigrantes italianos - confessa com notável franqueza a sua relação muito próxima com o Deus do catecismo. É católico, acredita na graça divina e a sua obra cinematográfica está impregnada desta crença. Confidencia que alimentou o sonho de filmar o Evangelho Segundo São Mateus até perceber que Pasolini se tinha antecipado. Declarações que constituem nova chave para compreender filmes como Os Cavaleiros do Asfalto, Taxi DriverO Touro EnraivecidoTudo Bons Rapazes e Casino

 

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COMO ESCREVER, de Miguel Esteves Cardoso (Bertrand). Nos dias que correm, abundam os livros de "escrita criativa", muitos dos quais assinados por gente com reduzida aptidão tanto para escrever como para ensinar. Um dos mais influentes e experientes cronistas portugueses, com suave intenção irónica, desmonta nas entrelinhas esses manuais que enxameiam as prateleiras. E diz-nos, muito a sério, como tudo deve começar. Terá sido assim com ele ao vencer pela primeira vez o fantasma da folha em branco. Passo a passo, sem ter medo. Consciente de que «escrever não é um passatempo, ou uma arte, ou uma competição de talentos: escrever é o nosso melhor meio de expressão.» Um dos mais recomendáveis livros de 2024 em Portugal.

 

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O OUVIDOR DO BRASIL, de Ruy Castro (Tinta da China). Conjunto de 99 crónicas originalmente publicadas na imprensa tendo como denominador comum um nome maior da música popular do século XX: Antônio Carlos Jobim (1927-1994), que o autor conheceu bem no exercício da profissão de jornalista em que atingiu o patamar supremo de talento e fama. Aqui mergulhamos na paisagem artística e boémia do Rio de Janeiro e no inigualável mundo da bossa nova, precioso contributo do Brasil para o mundo. Ruy Castro desvenda segredos de Jobim com uma leveza de escrita que nunca deixa de ser profunda.

 

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VERMELHO DELICADO, de Teresa Veiga (Tinta da China). Ficção de pequeno formato com inegável qualidade. Confirma-se a capacidade de efabulação de Teresa Veiga, com uma escrita expurgada de adornos verbais: sente-se que mantém o gosto de narrar uma boa história. Num estilo muito próprio, mesclando simplicidade e complexidade em doses sábias, com insólitos desfechos que surpreendem e seduzem o leitor. Destaque para três contos dignos de figurar em qualquer antologia do género: "A Estalagem de Aldebarã" (o primeiro e maior), "Equinócio da Primavera" e o que dá nome ao livro.

A Pedir Boas Festas

jpt, 19.12.24

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Este é o "cabaz de Natal" que a Junta de Freguesia dos Olivais - essa agremiação do PS, que tanto brado vem dando devido às suas propaladas más práticas - doa a alguns dos fregueses. Desconheço os critérios de selecção, mas presumo que sejam etários - e serão independentes de hipotética escassez de recursos económicos dos ofertados, a ajuizar pela contemplada que me fez chegar esta imagem.

Simpatias partidárias à parte, isto de andar a dar bodo aos... velhinhos é uma peculiar (para não dizer pior) concepção do exercício do poder autárquico. Enfim, é a Lisboa que temos, as gentes que escolhemos...

E, já agora, aproveito o tópico e a benevolente fotografia para a todos vós pedir Boas Festas!.

Canto dos Torna-Viagem

jpt, 19.12.24

(José Mário Branco, Canto dos Torna-Viagem)

 "Então é Natal e estás a publicitar os livros dos outros? E o teu", Zé?, amigo alveja-me no Whatsapp, a propósito de eu (merecidamente) louvar/recordar o "Sair da Estrada" do Dentinho...

Ok, tem razão esse meu amigo. Assim aqui fica esta magnífica "Canto dos Torna-Viagem" do José Mário Branco, na qual ele - entre outras luzes - acendeu a "Cândida ignorância / Grande desimportância / Os frutos da errância / Já lá vão...". Que é também a minha.
 
E a qual procurei deixar no meu "Torna-Viagem". Livro que já aqui impingi várias vezes. Fica a insistência, para quem (ainda) se possa interessar durante esta quadra consumista.

Óbidos, pré-Natal 2024

Pedro Correia, 19.12.24

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«Em qualquer aventura, / O que importa é partir, não é chegar.»

(Miguel Torga)

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«E contudo perdendo-te encontraste. / E nem deuses nem monstros nem tiranos / te puderam deter. A mim os oceanos. / E foste. E aproximaste.»

(Manuel Alegre)

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«Imagem dos gestos que tracei, / irrompe puro e completo. / Por isso, rio foi o nome que lhe dei. / E nele o céu fica mais perto.»

(Eugénio de Andrade)

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«Há um nascer do sol no sítio exacto, / À hora que mais conta duma vida, / Um acordar dos olhos e do tacto, / Um ansiar de sede inextinguida.»

(José Saramago)

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«Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu, / eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia. / No céu podia tecer uma nuvem toda negra. / E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas, / e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.»

(Herberto Helder)

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«Este céu passará e então / teu riso descerá dos montes pelos rios / até desaguar no nosso coração.»

(Ruy Belo)

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«Como nuvens pelo céu / Passam os sonhos por mim. / Nenhum dos sonhos é meu / Embora eu os sonhe assim.»

(Fernando Pessoa)

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«Sinto a terra na força dos meus pulsos: / O mais é mar, que o remo indica, / E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.»

(Vitorino Nemésio)

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«Cada manhã o alvoroço da lua / Me acorda: a luz atravessa a paisagem e a casa! / - A dormir tinha esquecido não as coisas / Mas a sua meticulosa beleza / Múltipla.»

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Fotos minhas

Festas Felizes

Bom Natal e Feliz Ano Novo

Maria Dulce Fernandes, 03.12.24

Voto de Natal


Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.
.
E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!
.
Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida…
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.
.
Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.


 David Mourão-Ferreira

Todos os que ouviram se admiraram do que lhes disseram

Pedro Correia, 24.12.23

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«Os pastores disseram uns aos outros: "Vamos, então, até Belém e vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer." Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino, deitado na manjedoira. E, quando os viram, começaram a espalhar o que lhes tinham dito a respeito daquele Menino. Todos os que ouviram se admiraram do que lhes disseram os pastores.»
 
Lucas II, 15-18

Preparació per a la Nit de Nadal

Paulo Sousa, 23.12.23

Um dos meus sobrinhos já regressou à base e por isso fizemos um jantar de preparação para a Consoada. Está a trabalhar em Barcelona e de cada vez que regressa vem com a veia independentista mais inflamada, o que tem graça pois permite sempre que em cada regresso se pratique o saudável debate à volta de um tabuleiro de carne assada no forno e regada com um bom tinto. Ele, que anda ainda mais focado no desporto do que na visita anterior, depois de ter abandonado as colas, só bebe água. Não estive a controlar, mas acho que só bebeu água. No vinho sei bem que não tocou.

Diz que tem um amigo que lhe explicou que nos centros habitacionais à volta de Barcelona pouca gente fala castelhano e nas zonas rurais ainda menos. Depois de ter deixado de ser a língua materna no ensino oficial, as gerações mais novas deixaram mesmo cair o uso da língua de Cervantes. O castelhano é aliás a segunda língua do ensino oficial. Então, e inglês, perguntei-lhe. Respondeu-me com outra pergunta. Quem é que fala inglês em Espanha?

Acrescenta que as pessoas não se sentem espanholas e não se importam que a independência tenha custos económicos. Aceitam isso.

Perguntei-lhe qual a percentagem de catalães que não queria a independência. Disse-me que esses eram os pussy, estavam acomodados e preferiam o conforto à luta pela identidade.

Disse-lhe que a mudança do status quo ibérico tinha um enorme potencial de perturbação para o nosso país e que a União Europeia nunca iria aceitar como estado-membro algo que resultasse de uma secessão de um outro estado-membro. Insistiu em que os independentistas aceitam suportar essas perdas económicas. O custo das “futuras” forças armadas catalãs ainda foi assunto, mas já não teve seguimento.

Diz que já leu o “Homenagem à Catalunha” de Orwell, mas acabou por concluir que precisa de saber mais sobre a Guerra Civil de Espanha. Pois, disse-lhe, aí fala-se mais sobre os totalitarismos do que sobre a identidade catalã.

Combinamos pensar em mais alegações para continuarmos a conversa amanhã à noite. Já lhe tinha dito que, perante novos argumentos, adiar uma tomada de posição de modo a se poder pensar melhor no assunto, mostra, pelo menos, seriedade e mente aberta no debate.

Amanhã vou-lhe falar na “Ordem Mundial” e no “Diplomacia” de Kissinger, nas relações diplomáticas entre os estados e na norma da não aceitação de secessões como forma de manter a ordem, e ainda nos países e regimes que rejubilariam com uma Catalunha independente. Se, por entre o bacalhau e o peru, ainda tivermos tempo, vou recomendar-lhe ouvir a opinião de um catalão espanholista.

Aproveito a ocasião para desejar a todos os companheiros delituosos e a todos os leitores um Feliz Natal. Certamente, ainda voltaremos à conversa em 2023.

Livros: dez sugestões de Natal

Pedro Correia, 23.12.23

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A VIDA POR ESCRITO, de Ruy Castro (Tinta da China). Escreve com a elegante desenvoltura de muito poucos, utilizando a língua portuguesa com talento e requinte. O mineiro Ruy Castro, carioca do coração, ensina a escrever biografias. É algo que o leitor possa aprender? O irónico subtítulo "ciência e arte da biografia" basta para suscitar sérias dúvidas. Mas aqui o essencial é aquilo que o autor nos narra, a pretexto de revisitar os livros que foi publicando - com destaque para histórias ligadas às vidas de Carmen Miranda, Garrincha, Nelson Rodrigues, João Gilberto e outros gigantes da cultura, do espectáculo e do desporto brasileiro. Mundo de algum modo nosso também.

 

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ABRIL EM NOVEMBRO, de Rui Salvada (Lisbon Press). Quase meio século depois, a Revolução dos Cravos lembrada por quem a fez. Exemplo de história com fontes directas, que participaram nos acontecimentos e ainda cá estão para nos contar. Com factos, não com mitos. Homens que foram à guerra e depois lhe puseram fim. Como o coronel Luís Oliveira Pimentel, em 1974 capitão de Infantaria: «O 25 de Abril teve dois grandes motivos, o primeiro foi a ultrapassagem dos oficiais do quadro permanente que ficavam ali parados (...) e o segundo foi o reforço da convicção de que fazer a guerra não levava a lado nenhum.» Também se fala do 11 de Março e do 25 de Novembro de 1975.

 

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O DEVER DE DESLUMBRAR, de Fillipa Martins (Contraponto). Em ano de centenário, Natália Correia (1923-1993) foi lembrada até na Assembleia da República, onde esteve como deputada - primeiro do PSD, depois do efémero PRD. Esta extensa biografia desvenda-nos muito sobre a vulcânica escritora açoriana que a seu modo, bem peculiar, lutou pela liberdade antes e depois de 1974. Filipa Martins já tinha recordado a autora de Não Percas a Rosa ao escrever o argumento da excelente série Três Mulheres, exibida na RTP. Aqui vai mais longe, evidenciando muito do brilho da biografada sem ocultar várias sombras de quem escreveu «Ó subalimentados do sonho! / A poesia é para comer.»

 

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TODOS OS LUGARES SÃO DE FALA, de Paulo Nogueira (Guerra & Paz). Um dos melhores livros publicados sobre a dita "cultura do cancelamento" que vem anulando a liberdade de expressão em muitos países europeus. Vaga iniciada nos EUA a pretexto de justas causas, como a do feminismo com marca #MeToo ou do anti-racismo após o homicídio do negro George Floyd por um polícia branco em Minneapolis. «Uma das principais armas das guerras culturais do século XXI é precisamente o cancelamento: a obliteração do interlocutor, a mordaça digital. Na realidade virtual, o linchamento é electrónico», alerta Paulo Nogueira, escritor e cronista brasileiro que viveu 25 anos em Portugal.

 

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PARA QUE SERVE O PCP?, de Adelino Cunha (Saída de Emergência). Prestes a sofrer talvez o seu pior resultado eleitoral de sempre, o Partido Comunista Português é aqui analisado por um historiador que se especializou nesta área e já publicou obras marcantes, como a biografia do injustiçado Júlio Fogaça, destituído por Álvaro Cunhal no comando do partido durante o salazarismo. Aqui se fala dos anos de fundação do PCP, desde as raízes anarco-sindicalistas à imposição do marxismo-leninisto - "bolchevização", para usar um vocábulo muito em uso naquela época. Com o primeiro secretário-geral (Carlos Rates) acabando a defender Salazar na União Nacional. Tempos que já não voltam.

 

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ANTES QUE ME ESQUEÇA, de Francisco Seixas da Costa (D. Quixote). Memórias de um embaixador que serviu Portugal em Nova Iorque, Brasília e Paris já no topo da carreira. Memórias originais, com base na escrita algo anárquica do blogue Duas ou Três Coisas, que por cá sempre acompanhámos com atenção. É de política que aqui se fala, com vasta gama de protagonistas, portugueses e estrangeiros. Viajamos aos mais diversos locais do globo - da Líbia ao Turquemenistão, sem nunca esquecer Angola. Com múltiplas notas do quotidiano entre 2009 e 2022, além de constantes alusões a décadas mais recuadas. Quase um diário, quase um romance, verdadeiramente inclassificável. Dá gosto ler.

 

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A BIBLIOTECA DE ESTALINE, de Geoffrey Roberts (Zigurate). Homicida contumaz, um dos maiores tiranos que o mundo já conheceu, Estaline era também leitor compulsivo. Tinha uma vasta biblioteca, cheia de livros de história e filosofia. Com Marx e Lenine em lugar privilegiado, mas sem faltarem clássicos russos: romance, teatro e poesia destacavam-se igualmente nas suas estantes. Enquanto lia, fazia anotações nos livros. Durante longos anos, o historiador irlandês foi investigando e desvenda-nos aqui um ditador na intimidade - leitor até de Oscar Wilde e Walt Whitman, de quem ele citava este verso: «Estamos vivos. O nosso sangue escarlate ferve com o fogo da força por usar.»

 

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LIDERANÇA, de Henry Kissinger (D. Quixote). Falecido muito recentemente, já centenário, Henry Kissinger foi académico de prestígio antes de mergulhar a fundo na política, como secretário de Estado dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford na década de 70. Judeu nascido em 1923 na Alemanha, emigrado aos 15 anos nos EUA, nunca perdeu o cerrado sotaque germânico. Neste livro-testamento lega-nos seis ensaios sobre estadistas que conheceu pessoalmente: Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Nixon, Anwar Sadate, Lee Kuan Yew e Margaret Thatcher. Estudos de valor desigual, mas todos ajudam a reflectir sobre o exercício do poder. Só o fascinante retrato do general De Gaulle já valeria a obra.

 

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A RELIGIÃO WOKE, de Jean-François Braunstein (Guerra & Paz). Um dos melhores livros sobre os actuais ditames da correcção política, transformada em moda demencial. Impondo severas censuras um pouco por toda a parte deste mundo a que nos habituámos a considerar livre. A liberdade de outrora tornou-se vigiada. Os exemplos abundam, sobretudo nos meios universitários, aqui dissecados com minúcia e sarcasmo. "A Religião Woke", com o seu cortejo de dogmas, abala até os próprios fundamentos do conhecimento científico. Decreta novos comportamentos, nova linguagem e até novo pensamento. Resultado: sabedoria em regressão e um catálogo de tabus cada vez mais vasto.

 

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RÚSSIA - REVOLUÇÃO E GUERRA CIVIL 1917-1921, de Anthony Beevor (Bertrand). Um clássico instantâneo que nos faz viajar ao estertor da monarquia russa, à fugaz revolução democrática de Fevereiro de 1917 e à posterior insurreição vermelha liderada por Lenine que anunciava ventos de liberdade mas instaurou o mais longo despotismo do século XX. O "primeiro Estado proletário da história" viria a mergulhar os povos da emergente União Soviética num inverno totalitário que parecia não ter fim. Beever, prestigiado historiador britânico especializado em temas militares, guia-nos ao jeito de um thriller neste trilho que não desvenda só o passado: serve também de sério aviso para o futuro.

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Maria Dulce Fernandes, 23.12.23

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Hoje lemos: Dr. Seuss. "Como o Grinch Roubou o Natal".

Passagem a L-Azular: "E o Grinch, com seus grandes e gelados pés enterrados na neve, ficou confuso e perdido. Como poderia isso ser assim? O seu presente veio sem fitas, sem cartões. E se o Natal, pensou ele, não viesse de uma loja? E se o Natal talvez significasse algo a mais?"

O significado do Natal, mesmo sendo cada vez mais comercial e diluído no consumismo, será sempre aquele que o coração dos homens lhe quiser atribuir. Com todos os Grinch que nos roubam exploram e enganam durante um ano inteiro, seguramente que aquele que rouba o Natal é o menos importante, porque ninguém pode roubar o que nos vai na alma.

Desejo ao ínclito Delito de Opinião, a todos os autores, comentadores, leitores e visitantes um Santo Natal. 

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(Imagens Google)