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AUTOCRACIA, INC., de Anne Applebaum (Bertrand). Lúcida, apaixonada e vibrante defesa da democracia liberal num mundo em que a ameaça dos regimes autocráticos se vai tornando cada vez mais preocupante em diversas latitudes - da Rússia oprimida pela ditadura de Vladimir Putin à Venezuela chavista hoje transformada em narco-Estado sob a força dos fuzis, sem esquecer a anquilosada teocracia iraniana, especializada em enforcar jovens que se atrevem a contestar os dogmas islâmicos e em torturar mulheres por ousarem sair à rua de cabelo descoberto. Sem achismos, com muitos dados factuais, o que torna este ensaio político ainda mais aliciante.
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O FIM DAS POLÍTICAS DE RAÇA, de Coleman Hughes (Guerra & Paz). Oportuno e desassombrado ensaio de um jovem colunista e comentador norte-americano que critica com dureza os movimentos racialistas prontos a atribuir todos os males do mundo à "culpa do homem branco", num infindável cortejo de atrocidades. Filho de pai norte-americano com origem africana e de mãe natural de Porto Rico, Coleman Hughes insurge-se contra o espírito de seita dos activistas ultra-radicais que acusam todos os brancos do pecado mortal da escravatura, merecendo penitência perpétua. Defende o "daltonismo" racial como proposta revolucionária. Para ele importam as ideias, não a cor da pele.
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A MULHER DO MEIO, de Ivone Mendes da Silva (Língua Morta). Há livros inclassificáveis. Este é um deles. Diário sem datas? Crónicas? Microcontos? Fragmentos de romance em construção? Paira aqui um ambiente de novela campestre inglesa do século XIX. Longe da multidão, Ivone Mendes da Silva descreve um quotidiano circular e sincopado, mas onde não faltam notas dissonantes. Observa com minúcia o que a rodeia - pessoas, animais, flores, cores, luzes, sombras. Este é o seu reino - só com pontos, sem uma vírgula. "Tenho às vezes insensatos desejos de viagem que nunca concretizo." Acima de tudo, a qualidade de escrita impera nesta obra de 2019 agora reeditada. Resgatando palavras bonitas, com sabor antigo: esparso, esgarçado, aprumo, afinco, afadigar.
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DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE DIREITA, de Jaime Nogueira Pinto (Bertrand). Estimulante ensaio com intuito pedagógico de um dos raros intelectuais portugueses que se intitulam de direita sem sentirem necessidade de se chegar cada vez mais ao centro. Mas existem várias direitas, não apenas uma, ao contrário do que alguns mais apressados ou superficiais supõem, reproduzindo catalogações esquemáticas. De meados do século XIX aos nossos dias, Jaime Nogueira Pinto conduz-nos em visita minuciosa a esse hemisfério, tantas vezes desconhecido e estigmatizado. Com escrita ágil, elegante e esclarecida.
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A NOITE MAIS SANGRENTA, de João Miguel Almeida (Manuscrito). Relato algo sumário, mas com sugestiva atmosfera daquela noite de terror do 19 de Outubro de 1921, quando uma alegada "camioneta fantasma" carregada de militares e civis com vocação para o homicídio conduziu à morte, por execução sumária, o presidente do Governo cessante, António Granjo, um liberal moderado, suprimindo também a tiro dois heróis da revolução republicana desencantados com aquela demencial república: Machado Santos e Carlos da Maia. Foi a página mais sinistra do regime implantado em 1910 e viria a apressar o seu fim, traçando-lhe um epitáfio nada lisonjeiro.
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JOHNNY MAN, de João Van Zeller (Afrontamento). Livro de memórias com mais de 500 páginas, um tanto desequilibrado e demasiado exaustivo em aspectos secundários, mas com um segmento fundamental, centrado no fim da presença portuguesa em Angola. Van Zeller viveu alguns anos em Luanda, acompanhou tudo de perto em 1974 e 1975, assistiu à rápida derrocada, teve de sair à pressa para nunca mais voltar - como aconteceu com centenas de milhares de compatriotas. Testemunho importante sobretudo para historiadores futuros. Meio século depois, urge pôr fim ao tabu sobre a desastrosa descolonização portuguesa e os regimes de pendor totalitário que deixámos instalados em Bissau, Praia, São Tomé, Luanda e Lourenço Marques.
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A TRADUÇÃO DO MUNDO, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara). Este volume resulta de um ciclo de conferências do consagrado escritor colombiano a convite da Universidade de Oxford. Juan Gabriel Vásquez faz aqui uma fascinante digressão por obras-primas da literatura mundial: Em Busca do Tempo Perdido, Guerra e Paz, Memórias de Adriano, Cem Anos de Solidão, Conversa na Catedral, O Coração das Trevas, Lord Jim, O Bom Soldado, Beloved. Partilhando com os leitores algumas das suas paixões literárias. «Tornamo-nos homens (ou mulheres) enquanto lemos - em busca de algo similar, temos, pois, recorrido à ficção ao longo dos séculos», conclui. Impossível não nos sentirmos contagiados por ele.
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O HOMEM MORTO, de Luís Naves (Astrolábio). Romance quase policial que durante cerca de dois terços parece integrar-se num género literário popularizado por Patricia Highsmith sobre homens solitários que vivem cercados de ameaças imaginárias e num quadro mental que oscila entre a neurose mais delirante e a amoralidade mais completa. Obviamente ambientado em Portugal, numa vila de província, mas em época imprecisa, que tanto pode ser um futuro próximo ou um passado nada distante. Pondo em paralelo a corrupção moral dos indivíduos com a degeneração da sociedade e a corrupção no país. No terço final ocorre uma incursão talvez demasiado rudimentar pela sátira política que desgradua o eixo ficcional. Mas merece elogio pela escrita ágil que prende o leitor do princípio ao fim.
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CONVERSAS SOBRE A FÉ, de Martin Scorsese e Antonio Spadaro (Casa das Letras). Livrinho que resulta do diálogo entre o cineasta norte-americano e um sacerdote italiano seu amigo sobre a relação entre crença religiosa e sensibilidade artística. Scorsese - nascido em Nova Iorque numa família de imigrantes italianos - confessa com notável franqueza a sua relação muito próxima com o Deus do catecismo. É católico, acredita na graça divina e a sua obra cinematográfica está impregnada desta crença. Confidencia que alimentou o sonho de filmar o Evangelho Segundo São Mateus até perceber que Pasolini se tinha antecipado. Declarações que constituem nova chave para compreender filmes como Os Cavaleiros do Asfalto, Taxi Driver, O Touro Enraivecido, Tudo Bons Rapazes e Casino.
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COMO ESCREVER, de Miguel Esteves Cardoso (Bertrand). Nos dias que correm, abundam os livros de "escrita criativa", muitos dos quais assinados por gente com reduzida aptidão tanto para escrever como para ensinar. Um dos mais influentes e experientes cronistas portugueses, com suave intenção irónica, desmonta nas entrelinhas esses manuais que enxameiam as prateleiras. E diz-nos, muito a sério, como tudo deve começar. Terá sido assim com ele ao vencer pela primeira vez o fantasma da folha em branco. Passo a passo, sem ter medo. Consciente de que «escrever não é um passatempo, ou uma arte, ou uma competição de talentos: escrever é o nosso melhor meio de expressão.» Um dos mais recomendáveis livros de 2024 em Portugal.
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O OUVIDOR DO BRASIL, de Ruy Castro (Tinta da China). Conjunto de 99 crónicas originalmente publicadas na imprensa tendo como denominador comum um nome maior da música popular do século XX: Antônio Carlos Jobim (1927-1994), que o autor conheceu bem no exercício da profissão de jornalista em que atingiu o patamar supremo de talento e fama. Aqui mergulhamos na paisagem artística e boémia do Rio de Janeiro e no inigualável mundo da bossa nova, precioso contributo do Brasil para o mundo. Ruy Castro desvenda segredos de Jobim com uma leveza de escrita que nunca deixa de ser profunda.
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VERMELHO DELICADO, de Teresa Veiga (Tinta da China). Ficção de pequeno formato com inegável qualidade. Confirma-se a capacidade de efabulação de Teresa Veiga, com uma escrita expurgada de adornos verbais: sente-se que mantém o gosto de narrar uma boa história. Num estilo muito próprio, mesclando simplicidade e complexidade em doses sábias, com insólitos desfechos que surpreendem e seduzem o leitor. Destaque para três contos dignos de figurar em qualquer antologia do género: "A Estalagem de Aldebarã" (o primeiro e maior), "Equinócio da Primavera" e o que dá nome ao livro.