Não há coincidências (20)
Supunha eu que a prática do plágio é recurso de quem não tem talento próprio. Estava redondamente enganada, como têm provado à exaustão as pesquisas que vou fazendo para documentar esta série. Nomes de talentos consagradíssimos, tanto na música erudita como na ligeira, deixaram-se tentar pelo facilitismo ou pela preguiça de copiar melodias de outros, mesmo tendo capacidade de sobra para produzir os seus próprios êxitos. Em alguns casos, é muito possível que estejamos em presença de uma influência insconsciente, uma traição dos sentidos. Noutros, por maior que seja a nossa boa vontade, é impossível aceitar tanta coincidência sem acreditarmos em malévolos poderes ocultos...
O caso de hoje pertence claramente à última categoria. Quem mo deu a conhecer foi precisamente um leitor do Delito, na caixa de comentários do post anterior desta série. Gostaria sinceramente de acreditar tratar-se de uma dessas traições do subconsciente, até porque envolve uma parceria com Rui Veloso, por quem tenho grande, enorme consideração. É um dos meus músicos portugueses preferidos de sempre e autor de dezenas de canções de qualidade indiscutível, que fazem parte do património mais valioso da nossa música ligeira. Se ele foi apenas um convidado dos Per7ume para fazer este dueto no seu álbum de estreia, em 2007, a responsabilidade não pode ser-lhe atribuída. Por mais que procurasse, não consegui apurar se é ele ou os Per7ume quem reclama para si a autoria da música. Mas, mesmo não sendo Rui Veloso... será que ele não deu pelo gato? Até hoje, nunca ouvi ou li qualquer comentário seu sobre o assunto. Nem dos maiores beneficiados desta canção batoteira, que guindou o grupo para a fama em tempo record a ponto de ter sido eleita como "tema do ano" no Top de Rádios Europeu, feito nunca antes alcançado por um artista português. Os Per7ume foram ainda nomeados para os Globos de Ouro em 2009 como "Banda Revelação do Ano" e para os prémios EMA, da MTV, na categoria "Best Portuguese Band de 2010". Com tanto e tão meteórico sucesso, nunca mais pararam. Bem podem agradecer a Alanis Morissette.
Não, neste caso não há desculpas. Qualquer ouvido sem acuidade especial detecta a semelhança melódica, que é óbvia e longa. Nem sequer o ritmo foi alterado. Em causa estão as canções Your House, o original; e Intervalo, a cópia. É inegável que a casa é de Alanis, já que foi "construída" em 1995 (a canção pertence ao ábum Jagged little Pill, o segundo álbum mais vendido na década de 90, só ultrapassado por Baby One More Time, de Britney Spears). Mais de dez anos depois, o intruso foi o grupo Per7ume, aproveitando um Intervalo e entrando na casa à socapa. "Went through your drawers / And I found your cologne", diz a letra de Alanis. Pois aí está a confissão do crime: este perfume é roubado.
Ficam ambas as canções à vossa apreciação. Por mim, "não tenho dúvidas e raramente me engano", como diria um reformado bem conhecido da nossa praça.