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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 09.11.22

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Hoje assinala-se O Dia Internacional Contra o Fascismo e o Anti-semitismo

"Neste 9 de Novembro, Dia Internacional Contra o Fascismo e o Anti-semitismo, o Presidente da República evoca a necessidade urgente de substituirmos o ódio e o antagonismo pela linguagem do diálogo e da abertura ao outro, seja próximo ou distante.

A história do nosso continente destinou a esta data um momento de contrição e reflexão, mas também de projecção no futuro da nossa capacidade de nos renovarmos como sociedade.

Hoje, como nunca, esta aspiração enfrenta obstáculos de todos os lados. Em vez de muros e fronteiras, demos as mãos, escutemo-nos uns aos outros, unamo-nos.

Às trincheiras respondamos com pontes. À divisão respondamos com a racionalidade do diálogo e da conciliação — em memória das chagas da nossa história comum, em memória do exemplo, recentemente homenageado, de Aristides de Sousa Mendes, e em nome de um futuro melhor, mais aberto, mais inclusivo, mais próspero, mais humano, para todos. À divisão respondamos com a racionalidade do diálogo e da conciliação.»

 

As lutas que se entabulam com a noção de que estão perdidas à partida são as mais difíceis de travar. Para lutar contra uma máquina de guerra assassina, sem rede, num total desconhecimento a cada hora do minuto seguinte, é preciso ser feito daquela fibra que os antigos cantavam nas suas epopeias. Num cenário como o presente na Ucrânia nascem heróis e humanitários, todos os dias, sempre numa luta incessante e desigual para travar o poder da besta. Alguns serão bem sucedidos, outros terão pugnado em vão, mas lutaram pelo que crêem e defendem. Esse tipo de coragem, nós, os que habitamos tranquilamente apascentados neste rectângulo à beira-mar plantado, nunca conseguiremos entender na realidade, apenas nas produções de Hollywood.

 

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A 9 de Novembro celebra-se A Queda do Muro de Berlim 

«A queda do Muro de Berlim foi um dos acontecimentos mais marcantes do final do século XX. Aconteceu de 9 para 10 de Novembro de 1989. Foi um dos capítulos essenciais na derrocada do bloco comunista que existia no Leste europeu e deu início a um processo político que culminou na reunificação da Alemanha, em 1990.

O Muro de Berlim, erguido em Agosto de 1961, foi um produto da Guerra Fria na antiga capital do Reich, ocupada desde 1945 por forças norte-americanas, britânicas, francesas e soviéticas. A cidade viria a permanecer com forte presença militar estrangeira durante mais de quatro décadas. Tal como a própria Alemanha. A metade ocidental, onde desde 1949 passou a vigorar uma democracia liberal, chamou-se República Federal da Alemanha. A metade oriental, sob tutela da União Soviética, denominou-se República Democrática Alemã.

Cedo se tornou evidente que a Alemanha Ocidental oferecia muito mais liberdade e prosperidade às pessoas. Como não existiam barreiras entre as duas Alemanhas, os habitantes da Alemanha Oriental começaram a mudar-se para Oeste em vagas cada vez maiores. Entre 1948 e 1961, cerca de três milhões de pessoas fugiram da RDA para a RFA.

A solução encontrada em Moscovo, que vigiava de perto os dirigentes da Alemanha Oriental, foi mandar construir um muro de betão para isolar Berlim Ocidental. Ficou a ser conhecido por "Muro da Vergonha".

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Com o passar dos anos, a ditadura tornou-se mais feroz. Erich Honecker, o dirigente pró-soviético instalado em Berlim Leste, reforçou a repressão e contribuiu para reduzir ainda mais o nível de vida dos alemães residentes na metade oriental. A insatisfação popular originou diversas manifestações que contribuíram para a queda do regime comunista nas principais cidades: Belim, Leipzig e Dresden.

Em 8 de Novembro, vários ministros da RDA demitiram-se. Os acontecimentos precipitaram-se: no dia seguinte, o porta-voz do Governo anunciou - por alegado lapso - que as fronteiras com a Alemanha Ocidental iriam ser abertas de imediato, o que precipitou a deslocação de largos milhares de pessoas para a fronteira. Assim caiu o Muro, derrubado por uma população reprimida que ansiava por liberdade.»

A queda do Muro de Berlim iniciou o processo político de reunificação da Alemanha.[1]

 

E ficámos estáticos e expectantes a ver. Com todo o objecto contundente que tinham à mão, martelaram e furaram, de lá para cá e de cá para lá, até se encontrarem, naquele ponto em que caiu o muro que os torturava e que lhes sugava a liberdade. As lágrimas corriam, os carros enfileiravam-se por quilómetros nos postos fronteiriços anteriormente inexpugnáveis, as pessoas cantavam odes à liberdade, porque, assim que a placa de betão caiu, ela estava ali, de peito aberto para todos os que a quisessem respirar.

(Imagens Google)

Dois assassínios a sangue-frio

Pedro Correia, 10.11.19

 

O número de pessoas mortas pelos guardas fronteiriços de Berlim-Leste, quando pretendiam fugir para o Ocidente, não é totalmente conhecido. Há quem fale em 125, há quem garanta que foram 290 ou ainda mais. Mas sabe-se quem foi o primeiro e quem foi o último da longa lista de vítimas da ditadura comunista que ergueu o Muro de Berlim com 45 mil blocos de cimento armado e 302 torres de controlo numa extensão de 155 quilómetros.

É justo recordar-lhes os nomes neste 30.º aniversário do fim do mais sinistro símbolo da Guerra Fria.

O primeiro chamava-se Peter Fechter. Era um operário de 18 anos que ao princípio da tarde de 17 de Agosto de 1962 decidiu subir o Muro, perto do Checkpoint Charlie, na companhia de um amigo chamado Helmut. Não chegou ao cimo: foi alvejado com vários tiros que o fizeram cair. Gravemente ferido, gritou por socorro. Diversos transeuntes quiseram ajudá-lo, tendo sido dissuadidos pelos guardas fronteiriços que deixaram o jovem sangrar até à morte. Morreu cerca de uma hora depois, perante a dolorosa impotência de centenas de pessoas que testemunharam o episódio de ambos os lados da fronteira. Dos três guardas que alvejaram a sangue-frio este jovem desarmado, nenhum deles passou um só dia na prisão.

O último chamava-se Chris Gueffroy. Era um estudante de 20 anos que também na companhia de um amigo, chamado Christian, a 6 de Fevereiro de 1989 escalou a rede de arame farpado que fazia de fronteira entre Berlim Leste e Ocidental na zona do canal de Britz. Na véspera, um guarda fronteiriço assegurara-lhe que poderia passar para o Ocidente sem grande transtorno, pois havia novas instruções expressas, por parte do regime comunista, para não atirar a matar contra ninguém. A informação era falsa e Chris foi vítima dessa mentira: recebeu dez tiros, quando se encontrava já no topo do arame farpado, e ficou ali, agonizando até à morte. Cada um dos quatro guardas que o alvejaram recebeu um louvor e um prémio pecuniário de 150 marcos leste-alemães. Mais tarde, já após a reunificação da Alemanha, um deles viria a ser condenado a três anos e meio de prisão, sentença alterada para dois anos de prisão com pena suspensa.

Peter e Chris: dois jovens que pagaram com a vida por quererem rumar à liberdade.

 

Imagem de cima: Peter Fechter sangrando até à morte (17 de Agosto de 1962)

As duas Alemanhas

Paulo Sousa, 10.11.19

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Não sei se está publicado em português mas este The shortest history of Germany é um livro especialmete interessante para quem não se satisfaz com os chavões ditos e repetidos sempre que se fala da Alemanha e dos alemães.

Ao contrário do que se possa pensar, e especialmente nesta data em que se celebra a queda do Muro de Berlim, as duas Alemanhas não são um conceito do pós-guerra.

Os limites do império romano (limes germanicus), que correspondem às margens do Reno e do Danúbio, serviram no sec IX para demarcar a partilha de territórios entre os netos de Carlos Magno. Depois disso coincidiram com a divisão entre católicos e protestantes e mais tarde separaram os industriais dos junkers militaristas prussianos ávidos pelos impostos cobrados nos estados ocidentais. Apenas 17% dos residentes a oeste dessa linha votaram no partido Nazi em 1933, mas foram que eles suportaram o grosso do esforço financeiro da guerra. A fronteira entre a RDA e a RFA era mais próxima das margens do Elba, um pouco mais para leste desta linha histórica, mas no fundo a divisão entre wessi e ossi só acentuou a que existia muito antes do inicio da cortina de ferro.

Tal como no início da industrialização, actualmente as diferenças de produtividade são abissais entre este e oeste. A capital da reunifcação, Berlim, é prussiana e com 4,5 milhões de habitantes recebe mais fundos públicos que a Baviera com 12,5 milhões. As previsões de evolução demográfica até 2030 apontam para uma quebra igual ou superior a 10% da população nos estado a leste. O alemães ocidentais fazem piadas sobre isso. Qual a diferença entre um emigrante turco e um ossi? O turco fala alemão e trabalha. Porque é que os chineses andam contentes? Porque ainda têm o muro. Se a Europa pode ter um brexit porque é que a Alemanha não pode ter um Säxit (relativo à Saxónia)?

O autor ainda relaciona os mais recentes resultados eleitorais com estas duas partes da Alemanha e mais uma vez é no leste que os partidos radicais como o Die Linke, o AfD  e o NPD têm maior expressão. Simplificando algo complexo, na maior democracia liberal da Europa os partidos moderados são apoiados principalmente pelos estados da ex-RFA, maioritariamente católicos e é na região da ex-RDA que os extremistas têm mais expressão.

O muro caiu há 30 anos mas a divisão das duas Alemanhas tem mais de 1000.

RDA, 1949-1989

Pedro Correia, 09.11.19

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Tanques soviéticos esmagando a rebelião operária em Berlim-Leste, capital da República "Democrática" Alemã (17 de Junho de 1953)

 

O fim da ditadura. O fim da repressão. O fim do partido único. O fim das manifestações orquestradas a favor dos ditadores Ulbricht e Honecker. O fim do vergonhoso servilismo perante a União Soviética. O fim dos "crimes" de natureza política. O fim da sociedade de delatores, tão bem retratada nessa obra-prima do cinema contemporâneo que é A Vida dos Outros. O fim da proibição do direito à greve. O fim da proibição do direito à manifestação. O fim da imprensa amordaçada, submetida ao pensamento único do Partido. O fim da polícia política. O fim dos delitos de opinião. O fim da Stasi - a PIDE leste-alemã. O fim dos tiros disparados, na calada da noite, contra quem ousasse transpor a fronteira. O fim da perversão da palavra democracia, usada como emblema de um Estado que sempre a espezinhou.

Além do derrube do Muro, é também isto que hoje festejamos. O fim de um pesadelo que durou 40 anos.

O Muro não caiu: foi derrubado

Pedro Correia, 09.11.19

É frequente ouvirmos dizer que o Muro de Berlim "caiu", como se isso tivesse acontecido graças à lei da gravidade. Mas não "caiu": foi derrubado faz hoje 30 anos por largos milhares de pessoas sedentas de liberdade, que queriam viver numa sociedade democrática e entre 13 de Agosto de 1961 e 9 de Novembro de 1989 estiveram impedidas de circular livremente na própria cidade onde viviam.

É só um pormenor. Mas que faz toda a diferença.

Notas políticas (4)

Pedro Correia, 11.11.15

António Costa garantiu que iria integrar pela primeira vez o BE e o PCP no "arco da governação" como se derrubasse o Muro de Berlim. Esquecendo-se de que o PCP foi partido do governo durante mais de dois anos, no período pré-constitucional, entre 1974 e 1976. Omitindo também outros factos, que vale a pena lembrar aqui. Os comunistas não regressaram ao Executivo na era constitucional por vontade própria, preferindo ser um partido de protesto do que de soluções governativas. E também por vontade do eleitorado, que nestas quatro décadas nunca escolheu o PCP para governar. Além disso, um quarto de século depois, os comunistas portugueses ainda choram a queda do Muro de Berlim em vez de celebrarem a sua queda.

Os saudosistas do muro

Pedro Correia, 10.11.14

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O Muro da Vergonha caiu, mas o PCP continua a defendê-lo sem vergonha nem um pingo de pudor um quarto de século depois. Contra todas as evidências mais gritantes, contra a vontade dos povos, contra o próprio "sentido da História" (mostrando assim ignorar a vulgata marxista sobre materialismo dialéctico).

Se os jornalistas parlamentares não andassem tão ocupados a registar diariamente as mesmas imagens e os mesmos sons, na contínua febre dos "directos" que na maioria das vezes não têm relevância noticiosa alguma, talvez um deles, fazendo algo diferente, se lembrasse de questionar os deputados do PCP sobre a nota oficial do partido reproduzida na última edição do Avante! e à qual o Rui Rocha já fez referência aqui.

Teria seguramente interesse jornalístico saber, por exemplo, se à renovação etária da bancada comunista, agora integralmente composta por deputados muito jovens, corresponde também um arejamento de ideias ou - pelo contrário - persiste o anquilosamento em dogmas há muito remetidos para o caixote do lixo da História (se me permitem usar o jargão marxista).

Nada melhor, para isso, do que exercer o elementar direito à pergunta. Questionando os jovens deputados do PCP - começando pelo simpático líder parlamentar - se subscrevem as palavras oficiais de doce nostalgia pela desaparecida República "Democrática" Alemã, único estado do mundo contemporâneo que mandou erguer uma muralha destinada a impedir a saída dos cidadãos, confinados à condição de prisioneiros no seu próprio país.

Subscreverão eles a entusiástica defesa póstuma da RDA, consubstanciada no elogio rasgado às "realizações económicas, sociais e culturais de mais de quarenta anos de poder dos trabalhadores" e do próprio muro, que segundo a saudosista nota inserida no Avante!, contrariando todas as evidências históricas, tinha simples "carácter defensivo" e constituiu um "incontestável acto de segurança e soberania"?

Eis uma questão interessante que eu bem gostaria de ver respondida por João Oliveira, Jorge Machado, Miguel Tiago, Bruno Dias, Paula Santos, Carla Cruz, João Ramos, Diana Ferreira, Paulo Sá, David Costa e Rita Rato.

Comunismo nunca mais

Rui Rocha, 09.11.14

Vera Lengsfeld nasceu na RDA. Até determinada altura cumpriu as regras. Inscrita na Partido Comunista, fiel à nomenklatura, leal ao pai que era agente da STASI desde o final da guerra. Depois converteu-se ao cristianismo. Uniu-se a um grupo pacifista, ligado à Igreja Luterana, que protestava contra a presença de mísseis nucleares na Europa, incluindo a de mísseis soviéticos na RDA. Foi expulsa do Partido Comunista. Foi constantemente vigiada. Foi presa por curtos períodos várias vezes. Foi afastada das suas funções de professora da Academia de Ciências Socias em Berlim. Em meados da década de oitenta, existia na RDA um agente da STASI por cada sessenta habitantes. Portugal tem hoje, vinte e cinco anos depois, quatro médicos por mil habitantes. Em meados da década de oitenta, cinco por cento do orçamento da RDA era consumido pela STASI. Vera Lengsfeld era vigiada, nessa altura, por sessenta agentes da STASI. Apesar das dificuldades, a vida de Vera continuava. Casou com o matemático Knud Wollenberger. Tiveram dois filhos. Em mil novecentos e oitenta e oito o pai de Vera foi afastado pela STASI. Para se manter na polícia secreta teria de cortar qualquer tipo de relação com a filha. O pai de Vera recusou. Em mil novecentos e noventa e dois Vera e Knud divorciaram-se. Knud tinha sido um dos sessenta membros da STASI encarregado de a vigiar. O primeiro encontro, a relação, o casamento, tinham sido um embuste. Uma forma de a manter sob observação muito próxima. Tão próxima que Knud informava o seu agente de contacto na STASI de cada detalhe da sua vida em comum, dos seus momentos íntimos, das conversas na cama, das chamadas telefónicas, das variações de humor, das alegrias, angústias e tristezas. Mais tarde, quando Knud se encontrava em estado terminal, Vera perdoou-lhe.O muro de Berlim caiu há vinte e cinco anos. Na altura, o Partido Comunista Português, cego a todas as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários comunistas, condenou o acontecimento. Vinte e cinco anos depois, o Partido Comunista Português mantém-se do lado errado da história. Depois de tanto tempo, os veados vermelhos das florestas situadas na fronteira entre a então RFA e a Checoslováquia continuam a não atravessar a linha que era dividida por uma vedação eléctrica. O Partido Comunista Português, por seu lado, continua preso à sua cegueira histórica, incapaz de dar um passo no sentido dos princípios da democracia. Perante visões do mundo desta natureza, impõe-se agora, como há vinte e cinco anos, um grito inquestionável pela liberdade: comunismo nunca mais!

Dois assassínios a sangue-frio

Pedro Correia, 09.11.09

 

O número de pessoas mortas pelos guardas fronteiriços de Berlim-Leste, quando pretendiam fugir para o Ocidente, não é totalmente conhecido. Há quem fale em 125, há quem garanta que foram 290 ou ainda mais. Mas sabe-se quem foi o primeiro e quem foi o último da longa lista de vítimas da ditadura comunista que ergueu o Muro de Berlim com 45 mil blocos de cimento armado e 302 torres de controlo numa extensão de 155 quilómetros.

É justo recordar-lhes os nomes neste 20º aniversário do fim do mais sinistro símbolo da Guerra Fria.

O primeiro chamava-se Peter Fechter. Era um operário de 18 anos que ao princípio da tarde de 17 de Agosto de 1962 decidiu subir o Muro, perto do Checkpoint Charlie, na companhia de um amigo chamado Helmut. Não chegou ao cimo: foi alvejado com vários tiros que o fizeram cair. Gravemente ferido, gritou por socorro. Diversos transeuntes quiseram ajudá-lo, tendo sido dissuadidos pelos guardas fronteiriços que deixaram o jovem sangrar até à morte. Morreu cerca de uma hora depois, perante a dolorosa impotência de centenas de pessoas que testemunharam o episódio de ambos os lados da fronteira. Dos três guardas que alvejaram a sangue-frio este jovem desarmado, nenhum deles passou um só dia na prisão.

O último chamava-se Chris Gueffroy. Era um estudante de 20 anos que também na companhia de um amigo, chamado Christian, a 6 de Fevereiro de 1989 escalou a rede de arame farpado que fazia de fronteira entre Berlim Leste e Ocidental na zona do canal de Britz. Na véspera, um guarda fronteiriço assegurara-lhe que poderia passar para o Ocidente sem grande transtorno, pois havia novas instruções expressas, por parte do regime comunista, para não atirar a matar contra ninguém. A informação era falsa e Chris foi vítima dessa mentira: recebeu dez tiros, quando se encontrava já no topo do arame farpado, e ficou ali, agonizando até à morte. Cada um dos quatro guardas que o alvejaram recebeu um louvor e um prémio pecuniário de 150 marcos leste-alemães. Mais tarde, já após a reunificação da Alemanha, um deles viria a ser condenado a três anos e meio de prisão, sentença alterada para dois anos de prisão com pena suspensa.

Peter e Chris: dois jovens que pagaram com a vida por quererem rumar à liberdade.

 

Imagem de cima: Peter Fechter sangrando até à morte (17 de Agosto de 1962)

Os muros e os símbolos

João Carvalho, 09.11.09

Fico confuso. Paro para reflectir. O Pedro Correia destaca os vinte anos de liberdade a Leste com uma mão-cheia de verdades terríveis no interior da cortina-de-ferro que o Muro de Berlim tentava ocultar e cai, certeiro, em cima das lágrimas do Avante!, que chora saudosamente a queda do socialismo soviético. O Carlos Barbosa de Oliveira diz que o champagne ainda está no congelador por ainda haver muitos muros, outros muros que se ergueram após a queda do Muro de Berlim, o que impede a celebração.

Afinal, o que é que eu celebro? É difícil. Celebro a resistência contra o extermínio de homens por outros homens, o assassínio de opositores pacíficos pelo poder político, as novas escravaturas, as deslocações tolhidas, as leituras proibidas, os pensamentos julgados, os sonhos desfeitos, as famílias destruídas, os amigos traídos, as expectativas goradas, os desejos pisados. Não quero muros, não. Há 20 anos, ficou menos um. Outros há, outros haverá, mas um deles já caiu.

O que é que eu celebro? Celebro esse símbolo da vitória sobre um "muro da vergonha". Afinal, a opinião não deve ser delito. É isso que eu celebro: o sinal de que os muros caem sem sujarmos as mãos de sangue. Sujas de sangue estão, não raro, as mãos que os erguem.

Os saudosistas do Muro

Pedro Correia, 04.11.09

 

Por estes dias, o mundo assinala o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, um dos mais tenebrosos símbolos da Guerra Fria e do 'socialismo real' que vigorou durante quase meio século no Leste da Europa. Uma data que devia ser festiva para todos. Mas há sempre alguém que diz não: o PCP recusa associar-se às celebrações de júbilo pelo derrube do sinistro bloco de betão que dividiu a capital alemã durante 28 anos, chamando uma manobra da "contra-revolução" a essa incomparável explosão de liberdade ocorrida a 9 de Novembro de 1989.

Em comunicado hoje distribuído à imprensa, os comunistas portugueses exprimem a sua dolorosa nostalgia pelo caduco sistema soviético que implodiu há duas décadas. Celebrar para quê? Na óptica do PCP, "o mundo está hoje mais injusto, mais desigual, mais perigoso e menos democrático". De então para cá, conclui o partido liderado por Jerónimo de Sousa, aumentou a "opressão e exploração dos povos - a começar por muitos dos ex-países socialistas, com a regressão de direitos laborais, a privatização de funções do Estado, com a ofensiva contra direitos e liberdades historicamente alcançados". Como se vigorasse alguma liberdade na Europa de Leste anterior a 1989, mantida sob a tutela pura e dura dos blindados soviéticos.

O cenário actual é todo negro: "Em Portugal e no mundo, se há coisa que estes 20 anos confirmam é que o capitalismo não só é incapaz de resolver os grandes problemas da humanidade e do planeta, como é o principal factor do seu agravamento". Antigamente é que era bom.

O que mais impressiona, neste comunicado, é a defesa - cega e surda às evidências da História - de um sistema que acorrentou milhões de pessoas, impedindo-as até de circular dentro do seu próprio país. O PCP de hoje, nesta matéria, é mais fechado e mais sectário do que o de Maio de 1990, reunido no congresso extraordinário de Loures, onde Álvaro Cunhal deixou bem claro: "O nosso partido rejeita e condena situações, orientações e práticas negativas que conduziram países socialistas a crises e a derrotas."

Gostaria de saber se comunistas lúcidos e moderados - como António Filipe, Honório Novo, Rui Sá, Octávio Teixeira, Ruben Carvalho e Manuel Gusmão, só para mencionar alguns - se revêem no lamentável comunicado difundido hoje pelo gabinete de imprensa do PCP.

 

ADENDA

O último líder do Partido Comunista da Alemanha de Leste, Egon Krenz, disse ao correspondente da Lusa em Berlim, Francisco Assunção, que "cada morto foi um morto a mais", referindo-se aos 140 alemães de leste abatidos por guardas fronteiriços quando tentavam fugir para Berlim-Oeste entre 1961 e 1989. Mortos que o PCP esquece enquanto chora pelo muro que caiu.