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Delito de Opinião

Dias de Batávia (5)

Sérgio de Almeida Correia, 09.05.25

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Quando se viaja é difícil poder ver tudo o que se quer. Ou o que se gosta. E há ocasiões em que se acaba a perder tempo vendo o que não se quer, não se gosta e é inútil para o nosso enriquecimento ou bem-estar.

Daí que desconfie de quase tudo o que me aparece em panfletos publicitários e em grandes promoções logo à saída dos aeroportos, nos hotéis e nas ruas mais movimentadas, coisas do tipo “não perca esta experiência única”, “a world of shopping”, “unforgettable moments”. Um pouco como aquelas cantinas que anunciam pizzas, sushi, caril e cozido à portuguesa e das quais fujo a sete pés.

Apesar disso acabei por embarcar numa "aventura". Ficando aquém das minhas expectativas, ainda assim fez-me passar umas horas diferentes.

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O último grande aquário onde estive, há anos, foi o Vasco da Gama, que visitei com um sobrinho, mais neto, quando ele começou a descobrir o mundo em que vivemos. Normalmente prefiro ver a fauna e flora marinhas no seu ambiente natural, o que há mais de quarenta anos me leva a sítios mágicos nos cinco continentes.

Desta vez, em virtude de ter algum tempo livre, resolvi visitar o Jakarta Aquarium Safari. A surpresa foi descobrir que ficava dentro de um dos modernos e gigantescos centros comerciais da cidade, o Neo Soho, numa zona de saída para a periferia e sem luz natural. A novidade foi perceber que na bilheteira, estranhamente, não se aceitava dinheiro físico.

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Quem gosta de animais nunca dará o seu tempo por perdido. O espaço oferece bastante informação sobre espécies autóctones e importadas. Raias sul-americanas, piranhas do Amazonas, relas minúsculas e sapos esquisitos, focas e lontras é que não estavam no meu programa. Valeu por poder demorar-me a ver exemplares normalmente inacessíveis em condições de segurança, como diferentes tipos de lagartos, escorpiões e de tarântulas.

Há também outros animais inofensivos, corais, peixes exóticos, dos mais amigáveis aos que não se pode chegar perto, vulgares em inúmeros recifes na Austrália, na Malásia, nas Maldivas, nos Açores, em Palau ou no Havai, de todos os tamanhos, mais umas quantas moreias de várias nações, peixes-dragão, palhaços, peixes-folha, diferentes tunídeos, tubarões; sem esquecer a passarada e até uma pitão que por ali “hiberna” e se deixa acariciar por quem nisso tiver interesse. Encontrei inúmeras crianças, interessadas, simpáticas, acompanhadas pelos professores, em visitas de estudo, o que se repetiu noutros locais.

Passei por alguns mercados. Na Ásia têm sempre um colorido especial. Andei sem destino por diversos locais, descobrindo ruas típicas, zonas residenciais, a azáfama das lojas tradicionais e feiras de rua, sempre sem me demorar. Nada de novo. Confusão e calor.

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Há muitos cursos de água francamente poluídos e pestilentos que atravessam partes da cidade. Muitos gatos em jardins, outros vadiando, perto de comedores de rua e templos, espreguiçando-se ao sol, embora no geral se veja um esforço grande para elevar os padrões de higiene e salubridade. O clima não ajuda, vislumbram-se contentores e depósitos de lixo, não se vendo cães vadios.

Nas proximidades, traseiras ou mesmo no lado oposto da mesma rua, ainda se vêem hotéis superlativos, condomínios de luxo e lojas das melhores marcas em centros comerciais que convivem com nichos degradados e de águas residuais que precisavam de mais atenção. Lá chegará o dia.

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Como em qualquer grande cidade de um país em crescimento acelerado, económico e demográfico – é o quarto país mais populoso do mundo – vi muitos contrastes. Os carros e motociclos são em geral novos. Gente muito abastada – a taxa de crescimento de milionários é das mais elevadas do mundo –, outros que me pareceram francamente pobres sem que parecessem miseráveis.

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Em termos gastronómicos a oferta é rica e variada. E para todas as bolsas. Nas cozinhas e restaurantes de rua há uma clara predominância dos fritos. A evitar. Vejo imensa fruta, como é usual por estas bandas, cheirosa e de óptima qualidade, sumos naturais de tudo, mercados e supermercados excelentemente abastecidos, miríades de produtos gourmet vindos de todo o lado. E nos centros comerciais há tudo. Estabelecimentos de conhecidas brasseries, cerveja artesanal, restaurantes italianos, belgas, indianos, japoneses. E do melhor.

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Se de comida se fala, deixo aqui duas indicações. No 46.º andar do The Plaza, uma torre de escritórios que tem alguns restaurantes nos andares superiores, está o Altitude.  Um grill exemplar. Três pisos acima existe um terraço com um bar e uma esplanada magnífica, que os modernaços chamam de rooftop, com cocktails de confiança, um whisky sour profissional e vistas de cortar a respiração, antes ou depois de jantar, quando a noite se estica, a humidade se reduz, sopra uma ligeira brisa e a temperatura se torna mais amena.

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O Seribu Rasa é um restaurante com comida típica indonésia e alguns pratos de origem tailandesa ou malaia. Encontra-se nas traseiras do Pulman Jakarta, num local cuidado, extremamente aprazível, sem barulho e de uma qualidade notável na frescura e confecção.

Ambos com preços muito acessíveis, vinhos bons e aceitáveis. Quem preferir cerveja terá sempre a fresquíssima Bintang, local, e marcas europeias. Serviço impecável. E, mais importante, sem gente a falar alto e crianças mal-educadas correndo entre mesas perante a indiferença dos pais que falam ao telemóvel. A ambos espero voltar.

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Restaurantes, bares, música ao vivo e locais de diversão nocturna para os apreciadores do género também não faltam. Há uma zona em desenvolvimento a cerca de 24 Km do centro da cidade, relativamente próxima do Aeroporto Internacional, conhecida como PIK, com campos de golfe, inúmeros bares, restaurantes, discotecas, karaokes. A perder de vista.

Enfim, fiquemos por aqui.

Estes dias já vão longos para quem ainda se dá ao trabalho de aqui me aturar. A noite chega. Está na hora de refazer a mala, tomar um duche e preparar-me para um último jantar.

Antes disso ainda haverá tempo para um charutinho. E uma Guinness. It’s always time for a Guinness.

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Dias de Batávia (4)

Sérgio de Almeida Correia, 08.05.25

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Quando há dias cheguei ao hotel que durante esta semana me acolheu, logo percebi que estava numa zona central e movimentada.

Torres com uma arquitectura inovadora, denotando a sua ocupação por empresas petrolíferas, instituições bancárias e financeiras internacionais, passeios amplos, vastas zonas arborizadas, prédios residenciais com jardins tratados e entradas imponentes, algumas moradias de luxo nas artérias adjacentes, muita segurança nos acessos às habitações, aos edifícios de escritórios, aos hotéis e vários centros comerciais. Muitos homens circulando com fatos de bom corte em passo estugado. Profissionais liberais, talvez, diplomatas, empresários ou quadros superiores de multinacionais. Mulheres bonitas, arranjadas e impecavelmente vestidas, as que não seguiam de hijab e chador. É impossível ser insensível à beleza, à graça, à classe. As que vi de burca pareceram-me todas ricas e de outras paragens do mundo árabe. Percebi estar numa zona nobre da grande metrópole.

Não escolhi o hotel, mas fiquei satisfeito por estar alojado num belíssimo quarto com todas as comodidades de uma das minhas cadeias preferidas e já conhecida de outras andanças. O preço do quarto era irrisório para a qualidade do hotel e por comparação com os 300 e 400 euros que já me pediram nalguns lugarejos lusos por quartos minúsculos, decorados com incrível mau gosto e camas péssimas.

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Viajar é para mim uma obrigação. Se aos dezoito anos o fiz de comboio ou à boleia pela Europa fora, com um saco-cama, amealhando em campos de trabalho o que gastaria na semana seguinte, coisa de que nunca me arrependi, a partir de determinada altura passei a poder fazê-lo com outras condições de conforto e segurança.

Viajar devia ser para todos, mesmos para aqueles que são mais sedentários ou possuem menos recursos. Devia dar abatimentos no IRS fazendo-se prova da viagem e da sua utilidade. Pelos horizontes que abre, por aquilo que é capaz de nos fazer reflectir, a viagem obriga-nos a comparar, instrui-nos, educa-nos.

Não é o mesmo que fazer turismo. Viajar é mais do que passar pelos lugares e tirar umas fotografias para memória futura. É aprender a conhecer os outros, e ter tempo para isso.

Tempo para melhor os compreendermos e respeitá-los na sua identidade, coisa que não se faz à lufa-lufa, entrando e saindo de autocarros repletos, comendo a toque de caixa e decorando a matéria previamente preparada por outros até todas as noites se morrer estafado numa cama de onde se tem de saltar à alvorada sem que nos tenhamos sequer apercebido da cor das paredes do quarto e da textura do lençol. Verdade que não será sempre assim. Uma ou outra vez, em tempos, também “excursionei”, por razões logísticas e económicas. Ainda há locais onde só se pode aceder como "turista". Hoje evito-o. E a esses locais também.

E viajar é sempre uma oportunidade para fugir da rotina, pensar em Portugal à distância, e nos nossos semelhantes. Viajar é dar sentido aos sentidos. Importa pela gente que se vai conhecendo, que nos vai ensinando coisas novas noutras línguas, que connosco vi partilhando experiências, olhares, lições de vida, e que assim nos vai aproximando de novos horizontes, de outras maneiras, dando-nos generosidade, mundo, civilização, alma.

É verdade que nunca pensei ser rico para viajar; convenhamos que dá sempre um certo jeito. E quando se pode fazer isso a vida toda sem depender do partido, da autarquia, do governo ou da empresa, tanto melhor.

MayDay1.jpgVem isto a propósito do Primeiro de Maio de 2025, vivido em Jacarta. Saindo logo pela manhã do hotel em direcção às imediações do Monas, encontrei gente de múltiplas organizações. Uns marchando, outros cantando, alguns petiscando à sombra das árvores. Muitos chegaram de fora, em autocarros, outros de mota e a pé, trajando a rigor. Algumas ruas estavam com o trânsito interrompido.

Palavras de ordem, cânticos de megafone, que me recordaram outros dias iguais no rectângulo lusíada. Polícias, militares, descontraídos apesar de atentos. Vendedores ambulantes procurando a sorte. Depois do discurso do Presidente muitos partiram para o longe de onde haviam chegado horas antes.

Os manifestantes desfilaram diante da Embaixada dos EUA. Houve quem passasse pelas representações da Alemanha, da França e do Japão no seu percurso. Não foi preciso impedir ninguém de se manifestar ou controlar palavras de ordem. Não se retiraram cartazes, nem a polícia mandou despir t-shirts ou retirar livros das bancas. Era um dia de festa. Foi uma festa.

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Em contrapartida, em Macau, viveu-se mais um ano sem manifestações. Foi o sexto ano consecutivo sem Primeiro de Maio. Morreu. Finou-se. É a herança a meio do período de transição. Aqui está o exemplar cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre o Futuro de Macau.

Quando regressei, o Ponto Final noticiava que advertências da polícia fizeram recuar a única associação que pretendia manifestar-se no Primeiro de Maio. A associação de trabalhadores que a promovera, “por advertências da polícia, acabou por desistir da intenção”. Dizia o jornal que “as autoridades avisaram que a manifestação poderia até violar a lei de segurança nacional”. "Até"! Bendita lei. Ainda assim um homem foi levado para a esquadra pela PSP por protestar sozinho em frente à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. Ao que parece (os critérios são muito fluídos) violou a lei do direito de reunião e manifestação. Um homem. No Primeiro de Maio. Adiante. Aos portugueses, a Portugal e ao seu governo nada disto interessa.

Pois em Jacarta houve Primeiro de Maio. Ninguém violou a Lei de Segurança Nacional. Ninguém andou à procura de pretensas violações da lei para impedir as pessoas de livremente se manifestarem. Ninguém teve medo da sua própria sombra, não obstante o sol intenso e o calor que se fazia sentir.

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Aproveitei o resto da tarde para visitar uma pequena feira do livro, em Cikini, no Taman Ismail Mazurki Park, anteriormente conhecido como Jakarta Arts Center, actualmente gerido pelo Jakarta Arts Council. Trata-se de um complexo cultural, cujo nome se deve a um compositor e músico indonésio. O centro foi renovado em 2021e inclui a biblioteca da cidade, um planetário, teatros, um centro de arte e documentação, salas de cinema e de exposições.

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No dia seguinte, o Jakarta Post, num texto de Shinta Kamdani e Elly Rosita, respectivamente, dirigentes da Indonesian Employers Association (Apindo) e da Confederation of Indonesia Prosperity Trade Union (KSBSI), apelava ao diálogo social em tempos de incerteza, recordando que as crises se ultrapassam quando são enfrentadas por uma nação unida e com um único objectivo, através de acordos mútuos, evitando-se exacerbar os conflitos internos e mostrando-se empenho na resolução dos problemas. Patrões e trabalhadores não são adversários, mas sim parceiros de um mesmo ecossistema. Palavras sábias e actuais.

Só os fracos, os medíocres e os imbecis temem a democracia e as suas instituições, desconfiam dos estrangeiros, receiam qualquer manifestação e controlam toda a informação.

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Dias de Batávia (3)

Sérgio de Almeida Correia, 07.05.25

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O Monumento Nacional (Monumen Nasional), conhecido pelo acrónimo Monas, é um símbolo da Indonésia e um orgulho da cidade de Jacarta. Situado na zona central, está no final da Avenida de Sudirman-Thamrin, centro nevrálgico da capital, conduzindo à Merdeka Square. Fica no centro de um extenso jardim, assente sobre uma base quadrangular, sendo ladeado por uma alameda alcatroada que separa o monumento dos canteiros e das demais zonas ajardinadas.

É um local pleno de significado e que ocupava o primeiro lugar dos locais a visitar do meu roteiro.

Países com uma história recente de independência e um passado colonial violento tendem a exacerbar o sentimento nacional, exaltando-o, e a procurar nele encontrar a força que conduz à unidade da nação e à sua perenidade. Nem sempre será assim, havendo casos em que em causa não está o aprofundamento desse sentimento, funcionando esse apelo patriótico à defesa do regime. Nos estados autoritários tende-se a confundir tal sentimento e o amor à pátria com o a mor ao regime e ao partido no poder. Nas democracias são coisas inconfundíveis, e o sentimento nacional indonésio de que me apercebi nalgumas conversas envolve um apego aos novos valores da jovem democracia e o orgulho pelas conquistas económicas e a solidariedade nacional que tem feito o país crescer, com excepção do período da Covid, de forma consistente e a taxas entre os 4,6 e os 5% nas últimas duas décadas.   

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O Monas foi construído no local que era no tempo colonial o centro do governo e do poder neerlandês, era conhecido como a Koningsplein, ou Praça do Rei. Fica no centro de um parque com 80 hectares, aí se realizando muitos eventos oficiais. Em 1 de Maio pp., o chamado May Day, ali discursou o Presidente Prabowo Subianto.

A norte do monumento está a antiga residência dos governadores coloniais, actualmente ocupada pelo presidente e o seu gabinete. A sul ficam as instalações do vice-Presidente, do Governador de Jacarta, as instalações do parlamento provincial e o “bunker” que alberga a Embaixada dos EUA. A oeste situam-se o Museu Nacional, o Tribunal Constitucional e algumas importantes empresas, ficando a leste diversos ministérios e a sede do Movimento Pramuka, mais conhecido como a organização nacional dos escuteiros indonésios, que de certo modo deu continuidade ao escutismo iniciado em 1912 nas então Índias Orientais Holandesas.

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Com uma altura de 132 metros, a construção oficial do Monas só se iniciou em 1961, fazendo parte do projecto do primeiro presidente, Sukarno, tendo sido na ocasião objecto de muita controvérsia. A sua imponência e custo, numa altura em que o país alcançara num passado ainda demasiado próximo a sua independência, e lutava por criar infra-estruturas que permitissem o seu desenvolvimento, num período de grandes carências para a maioria da população, dividiram opiniões. Acabaria por só ser inaugurado em 12 de Julho de 1975.

O formato do Monas representa a união de um falo (liinga) e de uma vagina (yoni), símbolos de prosperidade e fertilidade, havendo também quem o compare com um pilão e um almofariz usados para triturar o arroz. O monumento é todo ele simbólico visto que foi inaugurado em 17 de Agosto, possuindo da base ao topo do graal exactamente 17 metros. A altura do interior do Museu de História é de 8 metros, número que corresponde ao mês da inauguração, e o comprimento de cada lado do graal quadrangular é de 45 metros, uma vez que o ano da independência foi 1945.

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A chama que está no topo, significando o espírito de luta contra o colonialismo, foi toda revestida com 28 Kg de ouro, doados por um homem de negócios de Aceh, ou Achém, em português, na ponta setentrional de Sumatra. Àqueles juntar-se-iam mais 35 Kg de ouro, que passariam a 50 Kg quando foi celebrado o cinquentenário da independência. Até 1991 era ali que também se realizava a Feira de Jacarta.

O museu que está no interior é local de peregrinação e romaria de turistas e de muitos estudantes, com vitrines cheias de reproduções de cenas históricas, batalhas, da ocupação, da libertação e da independência, mostrando-se os diversos períodos históricos e recriações da proclamação da independência, da aprovação da Constituição e de muitos outros acontecimentos de interesse nacional. Tem um local de culto numa das suas esquinas. Num dos lados da estrutura existe um elevador que leva os visitantes ao topo do monumento, de onde em dias claros se pode avistar quase toda a cidade e os edifícios das redondezas.

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No meio existe ainda uma sala, se bem me recordo o chamado Hall of Independence, onde se pode ver o brasão de armas do país, o mapa da Indonésia gravado a ouro no mármore, uma porta que simboliza a entrada de uma mesquita e um excerto da declaração de independência.

Nas proximidades do Monas ficam a Mesquita de Istiqlal e a Catedral de Santa Maria da Assunção, de aqui deixei anteriormente menção.

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Quanto à primeira importa referir que pode albergar até 120 mil fiéis. É a maior mesquita do sudeste asiático e a terceira do mundo. Inaugurada por Sukarno em 22 de Fevereiro de 1978, é um templo recente, curiosamente projectado por um arquitecto cristão, em 1954, Frederich Silaban, do norte de Sumatra. A mesquita levou mais de década e meia a ser construída e foi directamente supervisionada pelo presidente indonésio. Ocupa nove hectares e tem cinco pisos. A cúpula tem quarenta e cinco metros de diâmetro, assente sobre um rectângulo com doze colunas. Possui sete portas, cada uma delas simbolizando a entrada para um dos paraísos do Islão.

Catedral e mesquita são dois grandes símbolos da tolerância religiosa do país e a prova disso é que durante as celebrações e épocas festivas, num e no outro templo, os cristãos que se dirigem à Catedral podem estacionar no parque da Mesquita, e vice-versa, coisa que há umas décadas em Bruxelas seria impensável no parque de estacionamento da Televisão da Bélgica, onde valões não estacionavam os seus veículos nos locais habitualmente ocupados pelos flamengos.

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Se depois de passar por aqui ainda não tiver derretido com a canícula e a humidade, e tiver vontade de continuar a descobrir a cidade, o melhor é apanhar um táxi, aproveitar para se refrescar, e percorrer os cerca de 10 Km que separam a esquina da Jalan Lapangan Banteng da zona de Kota Tua, onde se encontra o Museu da Cidade de Jacarta, o Museu do Banco da Indonésia, o Museu de Cerâmica e a célebre Praça de Fatahillah, outrora conhecida como a Praça de Batávia. Se tiver tempo disponível e quiser poupar as 75.000 rupias que me custou a viagem pode sempre apanhar o autocarro da TransJakarta e seguir até ao fim da linha.

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Os locais das redondezas de Kota Tua, onde também existe uma Chinatown, a que por razões certamente compreensíveis não fui, estão bastante degradados. Como aliás sucede com o Museu da Cidade, a precisar de obras de restauro e de condições que ajudem a preservar o seu interior, em especial as pinturas, fotografias e as magníficas peças de porcelana da Companhia das Índias Orientais Holandesas e o mobiliário que ali precariamente se conserva. Não fosse a madeira do melhor que há no mundo e há muito que teriam ido para o lixo. Vale a pena a visita para se perceber como nasceu a cidade e a razão para muitos dos problemas de natureza ambiental que hoje enfrenta.

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Há alguns edifícios e armazéns de estilo colonial, que mereciam ser recuperados e onde se poderiam fazer coisas bastante interessantes. De restaurantes a bares, hotéis de charme e galerias de arte, mas o braço do rio que por ali se passeia tem demasiado lixo, o cheiro é não raro pestilento, e a rede de esgotos, digo eu que sou um leigo na matéria, precisa de ser totalmente renovada, o que não deve atrair muitos empresários.

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Cafés, alguns restaurantes de qualidade duvidosa, pequenas lojas de souvenirs e artistas de rua, a que se juntam centenas de crianças das escolas, utilizam o espaço da praça para se divertirem e andarem de bicicleta ou de skate, assim dando cor, luz e animação ao local, em particular ao final da tarde, quando aproveitam para tirar fotografias, se divertirem, meterem conversa com um viajante mais demorado que por ali ande, sempre rindo muito e mostrando as suas impecáveis dentaduras, enquanto se vão pendurando à vez nos canhões da praça.

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Dias de Batávia (2)

Sérgio de Almeida Correia, 06.05.25

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Um dos aspectos mais interessantes da Indonésia é a sua multiplicidade étnica, cultural e religiosa. As ilhas, a dispersão entre estas, as barreiras montanhosas e as distâncias entre comunidades do litoral e do interior terão contribuído para que cada uma daquelas mantivesse as suas características.

A extensão do território faz com que tenha fronteiras terrestres com três países – Timor-Leste, Papua-Nova Guiné e Malásia, na ilha de Bornéu, onde está a ser construída a nova capital, Nusantara. Ocupará uma área de 256.000 hectares, na região de Kalimantan Oriental, no estreito de Macáçar (ou, para alguns, Makassar), no lado oposto das ilhas Celebes, fazendo a ligação entre o mar de Java e o mar das Celebes.

Cinco das maiores ilhas do mundo – Nova Guiné, Bornéo, Sumatra, Sulawesi e Java — ficam na Indonésia. As suas fronteiras marítimas fazem a ligação entre o Índico e o Pacífico, e são com as Filipinas, com Singapura, no estreito de Malaca, com a Malásia, com as ilhas indianas de Andamão e Nicobar, com a Austrália e com Palau. Percorrer o país de lés-a-lés significa atravessar três fusos horários e mais de 5.000 Km. A distância entre Jakarta e Jayapura, na província de Papua, são 3.753 Km, que representam mais de 5 horas de voo. É mais longe do que ir de Lisboa a Istambul.

Por aqui se vê a extensão do país e do seu mar. As dificuldades que comporta a administração de um território tão vasto será uma das explicações, creio, para a sua diversidade populacional e manutenção das identidades locais.

Esta dimensão e a referida multiplicidade reflecte-se na existência de sete principais grupos étnicos, sendo o maior o dos javaneses que grosso modo constituem 1/3 da população. Mas também temos malaios, sundaneses, madureses, indonésios de origem e com fortes laços à China, compondo cerca de 4% da população, e muitos outros grupos de menor dimensão, num total de mais de trezentas etnias e sete centenas de línguas e dialectos.

A língua indonésia deriva do malaio, apresentando inúmeros traços de ligações ao português, presentes em numerosas palavras (bendera de bandeira, gerja de igreja, sekolah de escola, minggu de domingo, etc.), ao holandês, ao inglês e ao árabe.

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Com a chegada de Vasco da Gama à Índia, os navegadores portugueses continuaram para leste, em busca da canela de Ceilão, da pimenta de Sumatra e de Java, da noz-moscada e do cravinho que encontraram em Ambon.

Em 1522 foi assinado o Tratado de Sunda (Sunda Kalapa) entre Portugal e o Reino de Sonda, visando a construção de um forte a sua instalação. De acordo com a versão do historiador belga David Van Reybrouck, que escreve e publica em holandês e inglês, por volta de 1525 os portugueses já tinham criado a sua rede comercial, com bases em Ormuz, em Goa, em Colombo e em Malaca, de onde chegaram às Molucas.

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Aqui ergueram um forte, o primeiro de características ocidentais no que viria a ser o solo indonésio (cfr. Revolusi – Indonesia and the birth of Modern World, p. 26).

O referido historiador assinala que o navegador Cornelius de Houtman, de Gouda, foi o primeiro holandês a seguir a rota de Vasco da Gama chegando à costa de Java em 1596, com mapas e informação furtados no porto de Lisboa, estabelecendo-se depois em Bali, durante dois anos, onde deixou, à semelhança dos portugueses noutros locais, um rasto de destruição.

Seguiram-se várias expedições, a partir de 1588, assinalando-se que os navegadores que vinham de Zealand e da Holanda não chegavam em nome de nenhum rei, visto que os Países Baixos foram o primeiro país da Europa a assumir forma republicana, não sob a forma tradicional do Estado moderno, mas numa espécie de confederação que englobava sete províncias ou estados autónomos.

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A presença portuguesa está, aliás, bem presente, no Museu de História de Jacarta, erigido na antiga cidade de Batávia, no velho palácio do Governador holandês, onde fui buscar o nome para estas breves crónicas.

Ali está o padrão, ou a sua réplica, não consegui esclarecer este ponto, que assinala a assinatura do Tratado de Sunda. E uma referência aos portugueses que vieram de Malaca.

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Entre 1600 e 1942, as ilhas estiveram sob ocupação holandesa, a que seguiram entre 1942 e 1945, três anos e meio de ocupação japonesa.

Estas diferentes vertentes encontram depois reflexo no panorama religioso que, nalguns casos, tem sido fonte de vários conflitos, alguns bastante graves e com contornos terroristas.

Muitos ainda estarão recordados dos atentados de Bali, em 2002, que fizeram mais de duas centenas de vítimas, na sua maioria ocidentais que ali viviam ou estavam de férias, e do atentado de 14 de Janeiro de 2016, na zona central da capital, por um grupo extremista muçulmano, nas proximidades de hotéis, de embaixadas e de um escritório das Nações Unidas, atingindo estabelecimentos das cadeias Burger King e Starbucks.

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Jacarta tem numerosas mesquitas, havendo a curiosidade da mais importante estar situada mesmo defronte da Catedral de Jacarta, do outro lado da rua, sinal da convivência e do respeito mútuo.

Foi ali que em Setembro do ano passado esteve o falecido Papa Francisco, que ao sair da Catedral percorreu o túnel que liga os dois templos para assinar com o Grão Imame Nazaruddin Umar uma declaração conjunta.

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A Catedral de Santa Maria da Assunção, em estilo neo-gótico, tem uma zona exterior que abrange um estabelecimento de comidas, um pequeno museu, no qual se conta a história da sua construção e da implantação do cristianismo, se recordam muitos misionários e se guardam diversos documentos, paramentos, alguns objectos de arte sacra, as cadeiras usadas por João Paulo II e Francisco, talvez em condições de conservação que não serão as ideiais.

No exterior, fazendo a ligação entre o museu e a igreja, um pequeno pátio com esculturas regionais, um jardim com boas sombras e rodeado de vegetação, uma constante na Indonésia, junto a uma rocha onde sobressai um nicho. Aí se encontra uma imagem de Nossa Senhora, sempre enfeitada com flores.

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Aproveitei para me sentar nesse espaço. Aí me refresquei, fiz contas à vida, planeei os passos seguintes.

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Dei graças a esse Deus que não conheço e que sempre se ausenta nas horas de violência e perdição humana, deixando as almas e os mais fracos entregues à sua sorte, mas que me tem proporcionado horas incontáveis de viagem, o gosto de encontrar outros como nós, e de ver com os meus olhos e todos os meus sentidos o que ainda resta de tão belo e que, felizmente, o homem ainda não foi capaz de destruir.

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Dias de Batávia (1)

Sérgio de Almeida Correia, 05.05.25

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Quando há uma dezena de anos passei um Natal na ilha de Bali, após uma atribulada viagem que me obrigou a parar em Surabaia, devido a uma chuvada tropical, fiquei com vontade de conhecer a Indonésia.

A ilha dos deuses é para muitos um local de férias paradisíaco, dependendo para onde se vai e se está, mas não serve de referência social, política, cultural, económica ou mesmo religiosa do país a que pertence. 

Quanto a este último aspecto basta pensar na forte componente hindu da população de Bali. Mais de 80% dos seus residentes professa o hinduísmo, apenas 14% seguem o Islão, e 2,5% afirmam-se cristãos, por contraposição ao resto do território, onde os muçulmanos representam mais de 87% da população e os protestantes e católicos ultrapassam 10%.

Recentemente pude concretizar esse sonho antigo, graças à lembrança de um amigo que não se esqueceu de me perguntar se estava disponível para o acompanhar numa viagem de trabalho, que para mim seria mais de turismo e de descoberta de novos lugares. 

A perspectiva de visitar, ainda que uma ínfima parte, do maior país muçulmano do mundo, que depois de libertado das amarras do colonialismo holandês e da ocupação japonesa, no final da II Guerra Mundial, sobreviveu aos tempos de Sukarno e às três décadas da ditadura de Suharto, até começar a trilhar, a partir de 21 de Maio de 1998, na sequência da resignação do último em razão das manifestações e rebeliões populares, a estrada da democracia, não era oportunidade que pudesse desperdiçar.  

E de democracia se pode efectivamente falar. Em Fevereiro de 2024 realizou-se a 5.ª eleição geral democrática num universo de quase 205 milhões de eleitores, distribuídos por mais de 824.000 secções de voto, com uma taxa de participação superior a 80%, para escolher o presidente, o vice-presidente e eleger a câmara baixa do seu parlamento, DPR, a mais importante de um sistema que se tornou bicameral em 2004. À DPR compete a adopção de legislação, a aprovação do orçamento e a ratificação dos acordos internacionais em que a república seja parte, não podendo ser suspensa ou dissolvida pelo Presidente, nos termos do art.º 7.º - C da sua Constituição", o que revela bem o seu peso num sistema de governo presidencial.

Como qualquer democracia, em especial jovem, tem enfrentado alguns problemas. Não será de estranhar quando até as democracias consolidadas do velho mundo são fustigadas pelos ventos iliberais, nacionalistas exacerbados e populistas. E este país, que possui mais de 280 milhões de habitantes, tem quase dois milhões de quilómetros quadrados, e mais de 17 mil ilhas, no que constitui o maior estado arquipelágico do globo, não é excepção.

Isso não impede, todavia, a Indonésia de ser hoje considerada uma democracia robusta no contexto asiático, logo a seguir ao Japão, e país classificado como o “mais democrático do Sudeste Asiático”. Para tal concorre uma democracia eleitoral estável há mais de duas décadas, com eleições livres, competitivas, multipartidárias e regulares, onde não falta uma comunicação social plural, apesar de se ter assistido nos últimos anos a uma deterioração do ambiente geral da sociedade civil e ao aumento de algumas restrições, a que não será alheia a existência de partidos relativamente frágeis e muito dependentes das elites político-empresariais, onde ainda se nota uma forte influência militar, sujeito a elevados níveis de clientelismo e “compra de votos”, apesar de não se terem verificado regressões graves, ao contrário do que nos últimos anos sucedeu na Tailândia e nas Filipinas (Hicken, 2020, Indonesia’s in Comparative Perspective).

Com este pano de fundo, e sabendo que ali iria passar o Primeiro de Maio, desembarquei no recente Terminal 3, estando já em desenvolvimento o Terminal 4, do Jakarta Soekarno-Hatta International Airport, na ilha de Java.

Inaugurado em 2016, com capacidade para movimentar mais de 25 milhões de passageiros por ano, este terminal é um hino à arquitectura, ao ambiente e ao arrojo da construção.

Na retina ficou-me a amplitude dos espaços, em especial a sua organização, destinada a facilitar a circulação e a vida aos passageiros. Também a informação adequada, a luz, a presença constante do verde das suas plantas, e, para quem fica enojado de cada vez que passa pelo Aeroporto Humberto Delgado, o asseio de tudo, a começar pelas casas de banho permanentemente limpas, funcionais e bem cheirosas, onde nada falta.

À chegada, a saída das bagagens é feita por tapetes rápidos, silenciosos e imaculadamente limpos, não se ouvindo as malas a caírem desamparadas e a baterem com força nas protecções laterais, pois há bagageiros atentos e de luvas, sempre prontos a ajeitarem os volumes para que nada se danifique. Menos de cinco minutos depois de ali chegar recolhi a minha mala. Os responsáveis da ANA, e quem vai tutelar a construção – um dia, que espero ainda ver chegar em vida – do futuro aeroporto de Lisboa, deviam colocar os olhos no que ali e noutros locais de bom se fez, aprendendo alguma coisa que pudesse ser útil aos portugueses e a quem nos visita, algo que nos honrasse em vez de permanentemente nos envergonhar.

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A aerogare está relativamente longe do centro da cidade, o que não é impeditivo que os 20 Km que nos levam até ao coração de Jacarta se façam bem, por uma óptima auto-estrada e vias rápidas e sem buracos, nem sucessivas tampas de electricidade, juntas ou desníveis no pavimento que dêem cabo das suspensões e dos amortecedores dos veículos.

Saí de limusina, é certo, ao princípio da noite, mas há transportes públicos rápidos e eficientes, uma linha de metro (MRT) que faz a ligação ao centro da cidade, mini-autocarros, e os táxis da Blue Bird, da Silver Bird, da Grab e de outras empresas, que são novos, baratos, silenciosos, asseados e fiáveis, funcionando com taxímetro. Os motoristas são atenciosos, simpáticos, a maioria falando um inglês muito aceitável, garantido uma viagem tranquila, sem sobressaltos, sem que o passageiro se sinta assaltado ou intimidado pela rudeza de modos do condutor.

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Educação e simpatia, salvo uma ou outra raríssima excepção, que aqui escuso de referir, costumam ser uma marca distintiva dos asiáticos. E nisso os indonésios voltaram a comprová-lo. Se à chegada havia uma viatura à minha espera, depois pude andar sozinho, durante vários dias, incógnito por toda a cidade, usando os seus táxis, tuk-tuk, e os autocarros eléctricos da TransJakarta e de um outro operador.

Fi-lo na maioria das vezes com um passe recarregável, adquirido na bilheteira do Monas (Monumento Nacional) logo no dia seguinte à minha chegada. O cartão é válido por 30 dias e permite aceder a diversos serviços, incluindo a entrada nalguns museus, para o que contei com a ajuda do pessoal em serviço nas diversas estações e dos múltiplos jovens, estudantes, homens e mulheres com quem me cruzei e a quem tive de recorrer algumas vezes para me orientar numa área metropolitana que é quatro vezes maior do que Londres e com 34 milhões de residentes.

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Deixo já aqui nesta breve introdução uma nota para o serviço de autocarros da TransJakarta. Numa cidade que me diziam, há anos, ter um ar irrespirável, encontrei uma atmosfera muito mais limpa e pude ver o azul do céu, coisa que muitas vezes não consigo fazer na cidade onde vivo devido à poluição permanente e à constante insalubridade do ar que nos envolve.

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As linhas da TransJakarta funcionam como se fossem de metro ligeiro. Têm corredores próprios na maioria dos percursos, onde não entram táxis nem motociclos. Deslocam-se em boa velocidade, sem constrangimentos, com ar condicionado e praticamente sem ruído, sabendo-se sempre de antemão quantos minutos, aproximadamente, levaremos a fazer um percurso, ou quanto tempo falta para a chegada do autocarro que aguardamos.

No seu interior não se ouvem telemóveis a toda a hora, nem gente a falar aos altos berros contando as agruras da vida para todos os outros. Ninguém fala em alta voz, e não é preciso andar aos encontrões, ainda que à hora de ponta sigam cheios. Há sempre alguém com um sorriso que nos quer dar prioridade, se apresenta e pergunta de onde somos e para onde vamos, predisposição reforçada quando se apercebem da nossa origem, logo invocando os nomes dos novos heróis do futebol lusíada.

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E se ali mais acima falava em estações é porque em muitos locais disso mesmo se trata, visto que não são vulgares paragens de autocarro.

Construídas, por vezes, no meio das vias, possuem cafés acolhedores e lojas, havendo algumas com boas vistas e em locais emblemáticos da cidade, onde muita gente vai tirar fotografias. As mais modernas, como na zona de Thamrin, onde estão concentradas várias embaixadas e modernos hotéis, foram elevadas, como se fossem estações de metropolitano, com várias portas de vidro, que se abrem à paragem dos veículos, estando as diversas linhas de autocarros, consoante os números, alocadas a determinados pontos do cais. Solução prática e funcional que faz dos autocarros da TransJakarta, nos períodos de maior intensidade do trânsito, que é em regra constante, a melhor opção para uma pessoa se deslocar na grande metrópole. 

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O tempo de todos os perigos

Pedro Correia, 28.03.25

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Passo por uma das livrarias que mais frequento e reparo nestes livros em destaque. Todos com um traço comum: falam-nos de um mundo cada vez mais perigoso. Um mundo onde voltou a banalizar-se a palavra guerra - até nesta Europa que alguns imaginávamos imune a novos conflitos armados, iludidos pela ordem internacional nascida dos armistícios de 1945 e embalados pela utopia da paz perpétua.

 

A verdade é que estamos no quarto ano consecutivo de guerra no continente europeu - por enquanto apenas na extremidade oriental, com a martirizada Ucrânia a sofrer sangrentas investidas diárias do inimigo moscovita. Mas acumulam-se outros sinais preocupantes. Aumento intensivo do orçamento nos Estados membros da União Europeia para despesas ligadas à segurança e à defesa. Rearmamento alemão, agora consagrado em revisão constitucional. Prestação de serviço militar obrigatório reponderada ou já reposta em países como Finlândia, Suécia, Polónia e Estados bálticosClivagem evidente entre os EUA e o pilar europeu da NATO, com ameaças directas da administração Trump a alguns dos seus parceiros na Aliança Atlântica, como o Canadá e a Dinamarca, enquanto o chefe da Casa Branca declara abertamente a intenção de anexar a Gronelândia.

Que mais?

Proposta de Emmanuel Macron para garantir a força nuclear francesa como elemento dissuasor face às crescentes ameaças da Federação Russa. Balcãs e Cáucaso sacudidos por ruidosas manifestações de rua em países tão diversos como Sérvia, Bósnia, Roménia, Bulgária e Geórgia. Turquia em convulsão enquanto Erdogan implanta uma ditadura sem disfarce algum. Expansionismo neo-imperial de Moscovo projectando sombras sinistras do Báltico ao Mar Negro, com Putin indiferente às centenas de milhares de vítimas que já causou. Pequim cada vez mais disposta ao assalto bélico a Taiwan, enquanto disputa águas territoriais com Vietname e Filipinas. O tirano da Coreia comunista multiplicando ameaças contra o vizinho do Sul, entre alusões contínuas ao holocausto atómico.

 

Não posso criticar. Também eu, se fosse editor, daria primazia absoluta a estes livros.

Uma nova (des)ordem mundial

João André, 17.02.25

Há menos de duas semanas escrevi um comentário a um post do Pedro onde expressava o meu pessimismo relativamente a Trump e às consequências para Portugal e a Europa. O Pedro respondia que analisava (naquele caso) na perspectiva de cidadão português e expressava optimismo na resiliência europeia. Não voltei à discussão mas talvez uma nova reflexão faça agora algum sentido.

A verdade é que na presente estratégia trumpista (e da Heritage Foundation, que escreveu a estratégia, passo a passo) duas semanas são uma eternidade. Após a visita de Hegseth e Vance e algumas declarações extra de Trump, está neste momento claro qual a visão que a Casa Branca tem para o futuro. E passa por um elemento simples: a NATO é letra morta.

Primeiro vieram as declarações de Hegseth (segundo algumas notícias, algo diluídas da brutalidade inicial), que a Europa não mais seria o foco dos EUA, assim explicando que a defesa da Europa estaria a cargo dos Europeus, caso isso não fosse claro. Depois chegou Vance, que se apresentou numa conferência sobre segurança, falou durante 18 minutos sem tocar no tema, atacou a democracia europeia, demonstrou menosprezo pelo continente, foi embora assim que terminou, recusou reunir-se com o chanceler alemão sob o pretexto de não ir ficar no cargo muito mais tempo, e reuniu-se com a extremista líder da AfD que não tem a menor hipótese de ser eleita chanceler. De permeio surgiu uma declaração de Trump himself em que dizia querer procurar um processo de desnuclearização juntamente com China e Rússia. Por fim, há o facto de Trump querer ir debater o futuro da Ucrânia com Putin sem levar os ucranianos ou europeus em conta.

Ignorando o modo e focando-nos no conteúdo das mensagens, vemos aqui um tema essencial: os EUA vão dar prioridade a um mundo onde "might is right" ou, se quisermos, da lei do mais forte. Trump, já o sabemos, vê a política como transacional. Se não existe um quid pro quo - um toma lá dá cá em bom português - ele não está interessado. Trump quer portanto negociar com Putin, terminar a guerra, recuperar os recursos que puder, e deixar os ucranianos e europeus entregues a si mesmos. Note-se que nesta negociação Trump já disse que os ucranianos não podem esperar entrar na NATO nem recuperar as fronteiras de 2014 o que, mesmo que seja realista, é uma posição bizarra para iniciar negociações.

Excepto quando olhamos para o interesse de Trump: que quer ele em troca? Recursos minerais. O futuro da Ucrânia não lhe interessa, já que ele quer apenas e só acesso aos recursos do país. Já disse a Zelenskií querer condicionar ajuda futura ao acesso aos depósitos minerais em terreno ucraniano (especialmente terras raras, lítio, urânio, etc.), os quais estão parcialmente em territórios controlados pela Rússia. Disse inclusivamente que quer "tomar posse" de 50% desses recursos, como se fosse um extorsionista mafioso a dar a volta por Manhattan no início do século XX a exigir dinheiro em troca de protecção. Desta forma a sua posição ideal será a de "oferecer" à Ucrânia protecção em troca de pagamento e oferecer à Rússia o levantamento de sanções (e reentrada nos palcos internacionais) em troca de acesso aos restantes minerais (que obviamente se manteriam em mãos russas). O resto - reconstrução do país, defesa das fronteiras, defesa europeia - fica nas mãos de quem lá vive. O próximo passo será certamente a remoção de bases do continente. Se as eleições alemãs não correrem de forma que lhe agrade, as bases no país poderão muito bem ser as priemiras.

E quanto à desnuclearização? Do ponto de vista de Trump não faz sentido ter tantas armas nucleares quando existe redundância. Sendo uma mente que não entende subtileza, não percebe que as armas não foram todas criadas iguais e que muitas delas existem não para criar destruição mas para garantirem a possibilidade de retaliação ou "priemiro ataque" (First Strike). Se puder reduzir o arsenal nuclear, certamente que o irá fazer removendo muitas das armas do território europeu, assim ainda mais abrindo o flanco no continente. Além disso, um acordo deste género seria uma aceitação tácita que EUA, Rússia e China seriam as única potências internacionais e que cada uma teria a sua esfera de influência, na qual os EUA não interefeririam desde que possam beneficiar economicamente. Num tal cenário de desnuclearização (e note-se que a China provavelmente não reduziria o seu arsenal, antes o aumentaria para um nível semelhante ao americano e russo) os riscos de um conflito nuclear não diminuiriam (talvez se abrisse a possibilidade de vitória, algo impossível actualmente) e os riscos de conflito convencional seriam talvez superiores. E as probabilidades de China invadir Taiwan, EUA invadir Panamá e Gronelândia (o Canadá já duvido), e Rússia continuar a sua expansão para Oeste seriam muito elevadas.

E no que ficamos na Europa? Bom, como o Pedro diz noutro comentário no post, abre a possibilidade para a Europa finalmente fazer aquilo que já deveria ter feito há décadas (e perdeu a oportunidade de fazer no período de Trump45) e criar um sistema de defesa europeu. Isto não significa simplesmente aumentar os gastos em defesa. Significa também criar todo um sistema para poder sustentar a defesa. Diz-se habitualmente que o Pentágono tem a maior burocracia do mundo mas, mesmo que seja excessiva, é indicativo daquilo que a Europa tem que construir. Tem que criar um conceito, um sistema de liderança, de harmonização entre as diferentes forças armadas europeias, uma burocracia, processos de investigação e desenvolvimento, fomentar a indústria de armamento europeia, criar processos de compras de equipamento (não só de armas mas também de material extra - tendas, rações, roupas, veículos, etc.) e implementar uma forma de treinos conjuntos e criação de doutrinas conjuntas. Tudo isto é uma oportunidade, mas também demora muito tempo, custa capital financeiro, político e humano. E é muito difícil de vendar a uma população a quem não se é sincero sobre os problemas reais.

E o capital financeiro traz-me a um ponto no qual discordo algo da posição do Pedro. Ele escreveu a certo ponto «a Europa resistiu a um milénio de guerras violentas, epidemias mortíferas, catástrofes de todo o género» no que dá a entender que a resiliência europeia pode resistir a tudo isto novamente. Nisto deixo as minhas reflexões: a "Europa" não sovreviveu a nada disso. A "Europa" não existia, era um aglomerado de reinos, impérios, terras vistas como bárbaras, múltiplas religiões (que mesmo quando cristãs não impediam o morticínio) e era, essencialmente, o território menos interessante do mundo conhecido. A Europa é uma zona geográfica com pouco interesse. Não é particularmente fértil, rica em minerais, recursos naturais de outros tipos (madeira, especiarias) e tem pouco espaço disponível. É por isso que não era tão invadida como o Norte de África ou a Ásia. Tudo mudou com o período de conquistas ultramarinas (aquilo a que se chama habitualmente de "Descobrimentos") e expoliação dos recursos locais. Com o fim da época colonial, sem o guarda-chuva americano, sem recursos naturais significativos, sobra apenas o avanço tecnológico que o continente ainda tem sobre a maioria do mundo e a sua população (que é provavelmente a mais educada).

Como avançar? Sinceramente, o facto de não termos muitos recursos naturais poderá ajudar, dado que Putin não terá interesse no território europeu. O seu interesse expansionista está em obter os territórios que ele reclama serem "historicamente russos" (na mesma lógica com que Portugal poderia reclamar Angola como "historicamente portuguesa") e em criar zonas tampão entre a Rússia e uma região que lhe seja hostil. Aqui, se Trump criar realmente um mundo de esferas de influência onde a Europa seja ignorada, Putin poderá de facto ter pouco interesse em invadir muito mais. Ainda assim, o melhor cenário talvez seja os Europeus regressarem a África, desta vez sem se darem a poses ou atitudes sobranceiras, e criar parcerias reais e honestas. A Europa poderia obter os recursos e a África apoio para o seu desenvolvimento económico, humano, e tecnológico. A tal oportunidade de que o Pedro falava.

O problema é o que acontece até lá. A união na Europa é ténue - para ser diplomático - e será difícil ver Orbán, Meloni, Wilders, potencialmente Le Pen, Fico, e outros a apoiar tais acções. Por outro lado, imaginando que de facto a Europa decidiria colocar tropas na Ucrânia, que aconteceria quando Putin atacasse? Talvez nem atacasse as forças europeias, apenas as ignorasse e atacasse as ucranianas. Que fariam os europeus? Responderiam? Atacariam território russo? Fariam como as tropas neerlandesas em 1995 em Srebrenica? E se as forças europeias fossem atacadas directamente? Que fariam sem a ameaça do envolvimento americano? Alguém julga que Trump sancionaria uma resposta americana à invocação do famos artigo 5 do tratado da NATO?

Por isso me mantenho pessimista. Trump não quer saber e deixou-o claro. Talvez esteja a esperar um pouco antes de apertar ainda mais porque não tem o seu gabinete completamente formado, mas não irá tardar muito. Os EUA irão recuar dos palcos mundiais e concentrar-se-ão apenas no seu quintal (continente americano) e no que poderão obter economicamente. O resto do mundo que trate de si. Não discuto aqui se isso faz sentido para os EUA embora aminha opinião seja fácil de discernir, mas apenas nas consequências. Os EUA a controlar América do Norte e do Sul, China a controlar o sudeste asiático e parte de África, Rússia a controlar a Europa de leste, parte do Médio Oriente e algumas zonas de África, e restos para países/regiões como Índia, Europa e quem mais o conseguir.

A saída para isto estará nos EUA e na capacidade dos americanos de evitarem tal destino (que lhes seria adverso), mas da forma como as coisas avançam, não sei se Trump e o seu aparelho lhes dará essa escolha. Só que isso é assunto para outro post e este já vai longo demais.

O ideário de Musk

jpt, 04.02.25

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Quando Musk levantou o braço na festa da investidura de Trump, resmunguei que aquilo era mesmo um eco nazi. Muitos disseram que não (que seria apenas uma excitação, talvez fruto de um tal de "autismo" de que padece). Até um director de jornal veio opinar nesse sentido. Pois, a mim, com diferente biografia desses cosmopolitas, pareceu-me que esse cinquentão emigrante africânder regurgitou ali - talvez inconscientemente - a influência do ideário do velho Terre'Blanche, esse símbolo de alguma África do Sul afrikaans, viçoso na juventude do agora multibilionário...
 
Hoje, e a propósito das investidas de Trump e Musk contra a governação da África do Sul (sobre a qual também haverá muito a dizer, mas isso é outro assunto), apanho este recente artigo do "Guardian". Para quem quiser ver os elos d'Elon Musk ao nazi-fascismo boer bastará ler o bom artigo...
 
(E, já agora, se alguém tiver os contactos, envie, sff, a ligação do artigo às redacções dos nossos ilustrados jornais).

Trump 2.0, oligarquia, e um mundo à beira de um caos de mudança

João André, 22.01.25

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Imagem da The Economist.

Ainda a segunda presidência Trump vai no adro e já estou farto das histórias. É como ver um enorme acidente rodoviário em câmara lenta. Estou horrorizado mas não consigo deixar de olhar. E no final vai haver muita gente a sofrer. Por isso escrevo agora com o desejo de não abordar Trump durante muito tempo (senão en passant porque o tema não o pode evitar, como quando possa escrever sobre as alterações climáticas).

Escrevi acima "segunda presidência de Trump" mas há já quem fale em primeira presidência de Musk. É obviamente exagerado - Musk não quer gastar tempo em gerir o país, isso é chato e ele nem saberia o que fazer - mas aponta uma direcção para o país: a oligarquia. Isto foi óbvio com a presença dos tech bros na inauguração e na enorme presença de Musk. Contribuíram financeiramente mas mais ainda contribuirão com a sua colaboração futura. Bezos domou o Washington Post, a Meta já anunciou o fim das verificações de factualidade e outras empresas (tech ou não) também anunciaram que estariam dispostas a trabalhar com Trump. Assim mesmo, «dispostas a trabalhar com Trump», num tom que indicaria subserviência. Só que não o será, pelo menos não exactamente. As empresas estão interessadas, acima de tudo, nos lucros e para tal farão aquilo que precisam de fazer. Os lucros, especialmente para os seus donos e CEOs, vêm na forma de cotação bolsista e acções detidas. Quanto mais estas sobem, mais as empresas valem, mais dinheiro podem ter disponível, mais dinheiro podem pedir e a lucros mais baixos, e mais poder acumulam. Foi assim que Musk, com um investimento de 43 mil milhões no Twitter e uns 220 milhões na campanha, conseguiu já aumentar em alguns 170 mil milhões a sua fortuna após a vitória de Trump. Entretanto, Trump anunciou já que irá investir 500 mil milhões em Inteligência Artificial, tendo ao seu lado uma das pessoas mais ricas do mundo - Larry Ellison, o líder de um dos maiores fundos de investimento do mundo - Masayoshi Son, e o "guru" da IA e líder da OpenAI Empresa apoiada pela Microsoft) - Sam Altman (que entretanto é também já um bilionário). Se lá tivesse também Jensen Huang (presidente da Nvidia e outro centibilionário) faria bingo. Teria também o perfeito grupo de gestores que não precisam de dinheiro do estado. Mas vão recebê-lo, à ordem de 125 mil milhões por ano.

Estes são os primeiros exemplos. A promessa de enviar americanos a Marte, quando ao lado de Musk, deve ter aumentado em mais uns 50% a valorização da SpaceX. O drill, babz drill, deve deixar os mercados bolsistas de acções de empresas de petróleo mais descansados, mesmo que isso não tenha importância porque os EUA já são o maior produtor mundial de petróleo e gás (deste também o maior exportador) e não há muito espaço para aumentar esses valores. Os cortes de impostos irão provavelmente ser feitos permanentes e não serão os últimos. O ridículo departamento de eficiência governamental foi entregue aos magnatas para partir o estado aos bocadinhos e dividir a pequena rede social que existia. As estúpidas tarifas irão aumentar os preços de tudo, mas irão provavelmente também reduzir o volume de importações, o que provocará um aumento da produção interna. Quem pagará? O consumidor comum. Quem beneficiará? Os magnatas, como é habitual. E ainda veremos as mudanças de regulamentações para reduzir a necessidade de conformidade por parte das grandes empresas. Regulamentos ambientais? Fora. Água limpa? Para quê? Litigação contra as grandes empresas? Provavelmente será reduzida ao mínimo.

E nem entramos no encher o aparelo executivo de lealistas que farão tudo o que ele mandar e perseguirão quem ele quiser. Olhar para algumas escolhas é criar a pergunta: qual destes é o membro do governo mais incompetente de todos os tempos? Será Hegseth? Patel? Kennedy? Ao menos Bondi e McMahon têm experiência nas suas áreas e em gerir organizações maiores que uma banca de limonadas. Vale no entanto a pena falar naquilo que este gabinete trará: um declínio futuro do país. A educação está entregue a alguém que pouco fará por ela. A ciência está ausente, foi outsourced a Elon Musk (que também pouco percebe dela). O investimento no Green New Deal e que seria usado para actualizar a infraestrutura do país desaparecerá. Não só irá o dinheiro para os bilionários que dele não precisam (mas que o aceitarão e nem dirão muito obrigado) como não será investido em assegurar o futuro do país, assegurando que está preparado para a transição energética que é cada vez mais inevitável. Ao mesmo tempo, as emissões de CO2 irão provavelmente disparar (se isso não acontecer será apenas e só porque há empresas que não são míopes e percebem a importância de investir agora na transição energética) o que fará com que algumas das áreas de principal apoio para os republicanos sejam afectadas: Florida irá afundando, o sudeste do país sofrerá cada vez mais furacões, or tornados no centro do país aumentarão de frequência e intensidade, etc. Suponho que desde que a Califórnia continue a arder, isso não os incomode.

E finalmente chegamos aos custos humanos. Milhões irão sofrer. Pessoas, seres humanos, cujo único crime foi fazer o que os antepassados de milhões de americanos fizeram: fugir em busca de uma vida melhor. Também muitos outros que não poderão pagar os custos com a saúde. E depois todos os outros de quem os republicanos não gostarem e que perseguirão sem piedade.

E o aparelho judicial não ajudará. No Supremo Tribunal imagino que Thomas e Alito se retirem para dar lugar a juízes semelhantes mas mais jovens. Sottomayor talvez aguente a sua saúde mas daí talvez não. Pode ser que no final da sua segunda presidência Trump tenha 7 juízes. E há que depois encher os restantes lugares de juízes federais com mais uns quantos lealistas (como Aileen Cannon) que o ajudarão no que puderem. E provavelmente apioarão medidas para restringir o voto de (em) adversários políticos, para cumprimir a promessa a um grupo de cristãos na campanha que não precisariam de voltar a votar. Claro que tudo isto poderá levar a reacções de protesto, por isso ajuda ter alguém como Hegseth à frente do Pentágono e que não hesitará (entre garrafas de vodka) em despedir qualquer militar que não cumpra ordens, inclusivamente de disparar sobre protestantes.

Internacionalmente ele irá provavelmente tentar de facto acabar com a guerra na Ucrânia sem pressionar excessivamente Zelenski, mas como Putin não quer saber, não consigo imaginar um cenário em que Putin não tenha o essencial daquilo que quer. Verdade seja dita que isso não será particularmente por culpa de Putin: se Biden queria de facto ajudar a Ucrânia devia tê-lo feito a tempo e horas. Neste momento o país já só quer sobreviver. Só que o acordo final irá provavelmente reforçar Putin, que verá muitas sanções desaparecerem aos poucos e acabará numa posição de força. Do outro lado da Ásia, os sul-coreanos e japoneses verão provavelmente Trump dizer-lhes que terão que se desenrascar sozinhos, o que os levará a desenvolver capacidade nuclear. Taiwan poderá ser invadida antes do final da década, dependendo daquilo que Trump faça (isso é mais provável hoje que em qualquer momento nos últimos 30 anos). Netanyahu irá possivelmente arranjar mais uns conflitos para se manter no poder e justificar atacar mais uns vizinhos (como já está a fazer na Cisjordânia, agora que tem uma trégua com o Hamas) e manter a temperatura no Médio Oriente elevada. Só não sabemos se irá atacar o Irão ou o Irão irá decidir meter todos os ovos no cesto de uma ofensiva antes que fique mais fraco. Mas é um facto que, pelo menos neste aspecto, Trump na Casa Branca reduz a possibilidade de um conflito (embora aumente a possibilidade que seja nuclear).

E, claro, as ordens mundiais foram às urtigas. Neste mundo futuro, em que os EUA irão declinar, a China continuará a crescer porque conseguiu - pelo menos até ver - a quadratura do círculo: compensar o declínio e envelhecimento populacional (inevitáveis depois de decadas de políticas de restrição da natalidade) com o outsourcing (esta palavra outra vez) de muitos dos recursos e mão de obra a outras partes do mundo.

A Europa? Bom, antes de mais tem que se armar e aprender que precisa de um exército europeu. depois precisa de compreender que só a tecnologia a safará. E finalmente necessita de entender que o seu período de dominância foi apenas umcurto período na História Humana e consequênica de uma colonização que sugou os recursos às partes do mundo que os tinham. A Europa é uma região com poucos recursos naturais e se não souber utilizar os seus recursos humanos (e absorver alguns novos) não avançará. A única coisa que se pode dizer é que, pelo menos por agora, ainda sabe que o caminho para o futuro é verde, até pelas tecnologias que está a abrir. Mas terá que aceitar que no jogo da corda entre EUA e China, e ameaçado por potências nucleares essencialmente nazis como a Rússia, terá que se submeter a um papel de subordinado pelo menos por ums décadas.

Sou um pessimista, sei-o. Espero que este post ainda aqui esteja daqui a uns 20 anos para me mostrarem a parvoíce, para eu mostrar aos meus filhos que a idade não confere necessariamente sabedoria, antes confere maus fígados. Mas...

É uma imagem desoladora? Sim, é, mas é a imagem que Trump está a dar.

Facto internacional de 2024

Pedro Correia, 16.01.25

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QUEDA DA DINASTIA ASSAD NA SÍRIA

Uma das mais ferozes ditaduras do Médio Oriente, que oprimia a Síria desde 1971, ruiu como um castelo de cartas em poucas semanas. Pondo termo à dinastia do clã Assad, iniciada com o pai Hafez (até 2000) e prosseguida pelo filho Bachar (de então para cá). A derrocada foi tão grande que até a bandeira do país mudou.

Quando caiu o "carniceiro de Damasco", como muitos lhe chamavam, virou-se uma página trágica neste país, mergulhado desde 2011 numa violenta guerra civil. Recordo que foi este o facto além-fronteiras que em 2013 destacámos no DELITO. 

Onze anos depois, a Síria volta a estar aqui em foco. Como Acontecimento internacional de 2024: foi escolha de oito membros do DELITO.  Mas desta vez por bons motivos: a 8 de Dezembro o tirano pôs-se em fuga, já com parte da capital tomada pelas forças rebeldes, e procurou asilo em Moscovo, junto do seu protector Vladimir Putin. A Rússia registava assim uma evidente derrota estratégica na região, somada à óbvia perda de influência do seu aliado Irão, enquanto Israel e a Turquia marcavam pontos.

Nos dias imediatos o mundo foi tomando conhecimento detalhado de grande parte das atrocidades cometidas durante um quarto de século pelo agora fugitivo Assad, que transformou a Síria num Estado totalitário sempre pronto a perseguir e esmagar todas as vozes dissidentes. Com tortura e a eliminação de largos milhares de presos políticos, violação sistemática dos direitos humanos e um sangrento rasto de 580 mil mortos, incluindo mais de 300 mil civis, na esmagadora maioria vitimados pelas brigadas bélicas do regime. Que não hesitaram sequer em utilizar armas químicas contra a população, conforme foi denunciado pela ONU e pelo Observatório de Direitos Humanos, entre outras organizações de cariz humanitário.

 

Que mais?

Com dois votos:

- Conflito sem fim no Médio Oriente.

- Donald Trump eleito para novo mandato, quatro anos após deixar a Casa Branca.

Dramática degradação de Moçambique após fraude eleitoral. «Situação reveladora da incapacidade de Portugal em lidar com clareza e decididamente com os PALOPs», anotou um dos participantes nesta votação.

Cheias de Novembro em Valência, provocando mais de 220 mortos em poucas horas. Facto arrepiante. «A natureza indomável e os autarcas relapsos criaram a tragédia perfeita para centenas de pessoas.»

Expansão da inteligência artificial. Comentário a destacar: «Dentro de uns anos não nos lembraremos de como era viver sem ela, para o melhor e para o pior.»

 

Com apenas um voto:

- Visita de Joe Biden a Angola.

- Bombardeamento sistemático da população civil em Gaza, «uma vergonha da humanidade e um crime de que somos coniventes.»

E mais este:

- «A instabilidade que, de diversas formas, parece alastrar pelo mundo.»

 

Como sempre acontece, cada autor é livre de participar ou não na votação - este ano fomos 18. E temos também a liberdade de escolher mais de um tópico em cada bloco temático.

 

Figura internacional do ano

Pedro Correia, 13.01.25

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DONALD TRUMP

É um regresso a esta lista. Tal como ele se prepara para regressar, daqui a uma semana, à Casa Branca. Donald Trump foi eleito, por escassa margem, Figura Internacional do Ano pelos 18 autores do DELITO que participaram na votação. Repetindo-se o que já ocorrera em 2016 e 2017.

O sucessor (e antecessor) de Joe Biden, vencedor da corrida à Casa Branca desta vez não apenas entre os "grandes eleitores" mas também com maioria no voto popular, obteve em 5 de Novembro 77,3 milhões de votos (49,9%) enquanto a sua adversária do Partido Democrata, Kamala Harris, recolheu 75 milhões (48,4%). Desta vez não houve celeuma pós-eleitoral, ao contrário do que aconteceu em 2020. 

Os motivos para a escolha, aqui no blogue, foram vários. «O mais forte comeback da história dos EUA», anotou alguém. Eis outra justificação: «O iliberalismo woke foi derrotado pelo iliberal Trump e o mundo acelera na vertigem dos caprichos do seu inflamado ego.»

A estafada e famigerada expressão "figura incontornável" pode aplicar-se ao novo (velho) inquilino da Casa Branca. Muita coisa irá mudar com ele novamente em cena.

 

Em segundo lugar nesta votação - com cinco votos, só menos um do que Trump - ficou Gisèle Pelicot, que emergiu do anonimato ao assumir a sua identidade como vítima de um chocante caso de violação em massa cometido pelo ex-marido, que a drogava previamente e incentivou dezenas de outros indivíduos a fazerem o mesmo com ela. Hoje com 72 anos, esta francesa nascida na Alemanha renunciou ao direito a ter julgamento à porta fechada como forma de denúncia aberta das agressões sexuais de que foi vítima e do atentado à sua dignidade humana. 

«A vergonha deve mudar de lado», afirmou, justificando o que a levou a sujeitar-se à exposição mediática.

Tornou-se ícone da causa feminista: a BBC incluiu-a na lista das cem mulheres mais influentes do ano. O ex-marido recebeu a pena máxima em França: 20 anos de prisão.

 

No terceiro lugar, com dois votos, ficou o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, pela sua inquebrantável resistência ao invasor russo num ano em que o quotidiano do continente europeu continuou marcado pelos horrores da guerra. O líder ucraniano já tinha sido aqui destacado em 2022 e 2023.

Também com dois votos, a carismática dirigente da oposição na Venezuela, María Corina Machdo, impedida pelo autocrata Nicolás Maduro de concorrer à presidência da república. Edmundo González, o candidato alternativo, venceu por larga margem o escrutíno de 23 de Julho. Mas Maduro proclamou-se vencedor, sem nunca ter apresentado provas: bastou-lhe o poder das baionetas que ainda sustentam a tirania de Caracas enquanto as vozes dissidentes estão na cadeia ou no exílio. Maria Corina e Edmundo foram justamente distinguidos com o Prémio Sakharov 2024, do Parlamento Europeu.

 

Houve ainda três votos isolados nas seguintes figuras:

Elon Musk, o homem mais rico do mundo - Por se ter tornado líder de opinião no X, rede social que agora controla, continuar a expandir a frota milionária dos veículos eléctricos Tesla e ter promovido em Setembro o primeiro voo espacial comercial através da sua empresa espacial SpaceX. Foi ainda o mais notório apoiante da candidatura presidencial de Trump.

Keir Starmer, novo primeiro-ministro britânico, que nas legislativas de 4 de Julho levou o seu Partido Trabalhista a derrotar por larga margem o Partido Conservador, que estava no poder desde 2010. Com mais dez pontos percentuais (33,7% contra 23,7%).

Alexei Navalny, encontrado morto a 16 de Fevereiro num estabelecimento prisional no Círculo Polar Árctico. Corajoso resistente à ditadura russa, escapou a várias tentativas de assassínio e estava encarcerado desde 2 de Fevereiro de 2021, ano em que recebeu o Prémio Sakharov. Dele se dizia que era o homem que Putin mais temia. Pagou por isso.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura internacional de 2022: Volodimir Zelenski

Figura internacional de 2023: Volodimir Zelenski

Tempos que já não voltam

Pedro Correia, 29.08.24

O Estado Social é inseparável do crescimento económico: nos 30 anos subsequentes à II Guerra Mundial, estas duas realidades progrediram a par. Potenciadas por múltiplos factores entretanto desaparecidos: mercados coloniais, matérias-primas baratas, petróleo a bom preço, taxa de natalidade muito elevada, proteccionismo industrial, restrições à circulação de produtos, pessoas e bens. Tudo isso terminou. Fomos os últimos a fazer cair o pano com o fim do nosso império, em 1975.

As três décadas seguintes caracterizaram-se pela inversão dos dados anteriores. E, portanto, pela atrofia europeia enquanto as restantes regiões do globo registavam índices de prosperidade jamais alcançados. Alguns que tanto defenderam a globalização - a quebra de fronteiras e barreiras - sentem-se agora vítimas dela e pretendem regressar ao quadro anterior. Que é impossível. Não há colónias como mercado de escoamento de bens manufacturados e fonte de matérias-primas baratas. Nem petróleo a preços reduzidos. Nem restrições à circulação de pessoas e capitais. Nem filhos em número suficiente. Nem pode haver, por tudo isto, o Estado Social que houve em tempos anteriores.

Não se pode nunca ter o melhor de dois mundos.

Facto internacional de 2023

Pedro Correia, 17.01.24

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TERRORISMO DO HAMAS E VIOLENTA RÉPLICA DE ISRAEL

Este foi, por destacada maioria, eleito o Acontecimento internacional de 2023 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: o conflito bélico iniciado a 7 de Outubro com um sangrento ataque de centenas de milicianos do Hamas a civis no sul de Israel, incluindo velhos, crianças e até bebés - atrocidades nunca antes registadas neste país, independente desde 1948. Morreram cerca de 1200 pessoas e centenas de outras foram raptadas e sequestradas, permanecendo muitas em cativeiro nos túneis da Faixa de Gaza. «Foi o nosso 11 de Setembro», repetiu-se em Telavive.

A resposta do Governo de unidade nacional logo constituído em Israel, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, foi duríssima e também sangrenta, merecendo a condenação categórica do secretário-geral da ONU e de grande parte da comunidade internacional. Com a evacuação forçada de metade da população palestina residente em Gaza e a morte de milhares de civis a pretexto da perseguição aos membros do Hamas, armados e apoiados pela ditadura teocrática de Teerão.

O conflito, ainda sem solução à vista, tem vindo a ampliar-se, adquirindo dimensão regional. Já com repercussões no Líbano, na Síria (onde se mantém a guerra civil iniciada em 2011), no Iraque, no Irão e no Iémene (outro país em prolongada guerra civil), de onde partem brigadas terroristas que têm condicionado as rotas dos navios no Mar Vermelho, também transformado em palco bélico. Com graves repercussões no abastecimento de bens à Europa, via Canal do Suez.

Já lhe chamam uma nova guerra israelo-árabe - como aconteceu em 1948, 1967 e 1973. Mas esta parece ter contornos mais amplos, como comprovam os navios de guerra norte-americanos e britânicos que agora navegam no Mediterrâneo Oriental e pelas zonas mais tensas do Mar Vermelho. 

 

Eis duas opiniões dos participantes na votação, resumindo esta tragédia em cascata que volta a enlutar a velha Palestina dilacerada por lutas milenares:

«O terrorismo do Hamas provocou uma resposta também com contornos terroristas de Israel.»

«Mesmo quando as causas são justas, os fins nem sempre justificam os meios, muito menos quando os meios envolvem o terror e a morte de inocentes.»

 

Como sempre acontece no DELITO DE OPINIÃO, é possível votar em mais do que um tema. O segundo mais mencionado foi esteeclosão da Inteligência Artificial. Assinalando o lançamento do ChatGPT e tecnologias similares. «Ainda está por compreender - ou sequer imaginar - o alcance do impacto que as nossas vidas vão sofrer», observou um dos participantes na votação.

Registaram-se ainda votos isolados na Cimeira do Clima no Dubai, na resistência ucraniana ao invasor russo, pelo segundo ano consecutivo, e na rebelião do grupo Wagner e morte de Prigójin que sobressaltou durante alguns dias o regime ditatorial de Vladimir Putin.

 

Figura internacional de 2023

Pedro Correia, 08.01.24

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VOLODIMIR ZELENSKI

Segunda vitória consecutiva do Presidente da Ucrânia como Figura Internacional do Ano aqui no DELITO. Do quase anonimato, Volodimir Zelenski. tornou-se celebridade à escala mundial. Pelo pior motivo possível, certamente, na opinião dele. Por ser um herói involuntário que soube manter-se de pé e liderar o seu povo agredido por Moscovo. É fácil presumir que nada disto estava nos seus planos quando se candidatou à presidência, em 2019.

Zelenski, que em 2022 teve um triunfo esmagador na votação do blogue, desta vez venceu por maioria simples.

Eis algumas das justificações apresentadas por quem votou nele:

«Essencialmente, pela capacidade de resistência.»

«Apesar de outros conflitos graves [em 2023], não pode ser esquecido.»

«Quem sabe o que sucederá, caso a Rússia ganhe a guerra.»

Enfim, um conflito gravissimo iniciado com a invasão decretada por Vladimir Putin, em 24 de Fevereiro de 2022, e que se mantém neste início de 2024. Sabe-se lá até quando.

 

E quem mais?

O segundo lugar coube à presidente da Comissão Europeia. Ursula von Der Leyen, que já tinha sido eleita Figura do Ano em 2020, esteve perto de revalidar esta distinção. «Interventiva, sem dúvida», houve quem dissesse, justificando ter votado nela.

A tal frase - provavelmente apócrifa - atribuída a Henry Kissinger sobre a impossibilidade de pegar no telefone e contactar alguém que «liderasse a Europa» talvez deixe enfim de fazer sentido com esta ex-ministra alemã da Defesa que tem assumido inegável protagonismo como porta-voz do espaço comunitário. E que parece estar muito longe da aposentação. 

 

O terceiro posto do pódio coube ao recém-eleito Presidente da Argentina, Javier Milei. Um assumido ultraliberal que venceu as eleições de Novembro para a Casa Rosada, com 56%, destronando o rival peronista Sergio Massa num dos países mais proteccionistas do mundo - e também um dos mais depauperados por décadas de péssima gestão económica e financeira.

Seguiram-se votos isolados no Papa Francisco (vencedor em 2013 e 2014), no Presidente norte-americano Joe Biden (Figura do Ano em 2022), na primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e no secretário-geral da ONU, o nosso compatriota António Guterres

 

Faltam mais três.

Ismail Haniya, líder do Hamas - «Pelas piores razões», diz quem votou nele.

Sam Altman, big boss da OpenAI. Motivo? «Abriu a porta para um futuro potencialmente tão assombroso quanto tenebroso – porque, quer queiramos quer não, o futuro já chegou e está em movimento uniformemente acelerado.»

Finalmente, um voto com dimensão colectiva. No povo palestiniano. «Vítima do Hamas, de Netanyahu e da inércia/impotência internacional. Não teve voz nem voto na matéria, limita-se a esperar a morte», assim foi justificado.

Para o ano há mais, fica prometido.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura internacional de 2022: Volodimir Zelenski

O apoio homossexual à Palestina

jpt, 04.11.23

 
 
Via Whatsapp um amigo envia-me este curto filme, que decerto por aí anda rodopiando. Não percebo o conteúdo, que sinto grotesco, e pergunto-lhe "O que é isto, pá?!". Diz-me "é uma coisa chamada Fado Bicha a apoiar a Palestina!". E vem implícito o remoque, que também está generalizado, aos homossexuais que se afadigam em declarações públicas deste teor - sabendo-se bem que face ao mundo islâmico, ainda que esse bastante diverso, a liberalidade legislativa e de costumes israelita é um oásis para as sexualidades, hetero e homo (e as outras que agora andam a ser indexadas com afã).
 
Sorrio. Já o disse, aos ademanes em palco sinto-os como grotescos. Sinto-os ainda mais assim - que quereis?, sou um homem nascido nos anos 1960s, justifico-me, glosando o abissal sábio de Coimbra -, do que quando diante daquelas dançarinas dos play-back pimbas nos programas televisivos da tarde, elas bojudas "como deve ser", pulando e gingando, seus refegos, lascas de celulite e proto-varizes ressaltando sob as minissaias. E destes Fado Bicha apenas tomara conhecimento ao sabê-los apoiantes - ou mesmo inspiradores - daquele prostituto brasileiro que invadiu um teatro municipal lisboeta. Apresentando-se apenas em cuecas e com os implantes mamários desnudados, algo que considerava suficiente para ali exigir um emprego - para desvelo de alguma "comunidade artística" -, ainda que, como se soube depois, considere o teatro uma chatice e prefira ir ao futebol com o namorado.
 
Não seja por isso. Esta rapaziada (ou raparigada, como preferirem, que não quero parecer preconceituoso) não inova grande coisa. De facto, sabendo-o ou não, seguem o Papa Foucault, esse "grande educador da classe genderária", o que se desunhou em apoios e viagens solidárias para com o fascismo teocrático de Teerão enquanto gozava a liberdade existencial americana. "They love Teheran but they fuck in Frisco", resumi eu em postal de blog, aludindo literalmente à foucauldiana deriva.
 
Mas o que se pode criticar a esta malta histriónica do "género" (ou lá o que é) é o facto de sempre se calarem com as maldades (e que maldades) "alheias" enquanto sempre anunciam hiperbólicos horrores nas sociedades "ocidentais". "Nós" demónios, os "outros" húmus multiculturais, por assim dizer. É uma pantomina, travestida de pensamento, e por vezes - como neste caso - mesmo por trajes. Um patético "anti-capitalismo", de facto nada mais do que um esparvoado "anti-americanismo". Dará prestígio, entre a "comunidade" que lhes é "público" e entre "instituições" e "câmaras" que contratam e financiam. É uma incongruência, de hipocrisias e dislates feita.
 
Mas tudo isso não impede uma outra faceta. É perfeitamente legítimo - até honroso - que alguém defenda outrem que dele não gosta ou até persegue. Se se reconhece a esse outrem pertinência nas reclamações como evitar expressar solidariedade? Especialmente em momentos dramaticos? "Faz o bem sem olhar a quem"... está escrito num qualquer texto judaico, julgo. Ou seja, é errado criticar os homossexuais por defenderem causas ou posições oriundas de países islâmicos. Pode-se discordar. Mas é perfeitamente legítimo - insisto, até honroso. Mas o que é inadmissível é que tantos desses movimentos, e seus locutores, demonizem as sociedades liberais. Porque essa atitude, verdadeira contradição - que é tão generalizada, tão constante -, não passa de um pobre e ordinário travesti de cidadania.
 
Quanto a estes Fado Bicha que me atiraram ao telefone só tenho uma coisa a dizer, pois sou muito reaccionário. Há algo fundamental, nisso obrigatório, quando se ergue a bandeira de alguém, em especial se a nacional, para se lhe demonstrar apoio. Não se arrasta essa bandeira pelo chão.
 
(Um pequeno detalhe, alguns dirão. Sim, é um pequeno detalhe. Mas bem demonstra a abjecta pantomina que é tanto "disto", quase tudo disto "genderístico".)

Israel e Palestina, as causas de um conflito

jpt, 02.11.23

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Já aqui deixei nota que - com a minha vetusta idade, a qual me permite lembrar de Moshe Dayan, Golda Meir e Yasser Arafat -, não tenho qualquer disponibilidade para escutar/ler os doutos que  na imprensa se afadigam a explicar o que se passa lá no longínquo Mediterrâneo.
 
Mas tenho solidariedade e piedade. Solidariedade com as vítimas dos estrategas do fascismo palestino. E, concomitantemente (que bela articulação retórica me sai aqui), com as dos "falcões" israelitas - esses que desta não se safarão durante as próximas décadas. E julgo que após ter exarado esta profunda opinião, arguto diagnóstico da situação, o mundo melhorará.
 
E tenho piedade - cristã, a do cristianismo ateu - por tantos dos meus compatriotas (ou de países aliados) que têm enchido o meu Facebook com as suas aceradas opiniões, quase sempre comprovadas com indiscutíveis fontes bibliográficas ou filmográficas.
 
Entre estes há os mais arqueológicos, que se desdobram na partilha de "mapas étnicos" dos tempos bíblicos - comprovando que os "judeus" já então eram os "donos da terra", assim julgando resolver as coisas de hoje. E há os mais sociológicos, incansáveis na proclamação da justeza das reclamações históricas da também imorredoira "nação palestiniana". Gentes futebolistas, estas minhas ligações-FB, sempre adeptos fervorosos sobre tudo o que mexa, seja qual for o campeonato em causa, fiéis ao mandamento do grande holigão René Descartes, fundador da claque do Paris-St. Germain, e autor do lendário lema "Torço, logo existo!".
 
Entretanto, sobre o continuado confronto entre israelitas e palestinianos, no canal Sic Notícias, no programa Toda a Verdade, está a ser transmitido este esplêndido documento "A Origem de um Conflito". Tem três episódios, são transmitidos a cada domingo (dá para recuar e ir ver). Já passou o segundo. É muito recomendável.
 
Mas será, também, um desperdício de tempo para judeófilos e para palestinianófilos. Para esses recomendo o canal Onze - que está porreiro. Em especial o aprazível programa "Sagrado Balneário", charlas sobre velhas histórias dos jogadores e treinadores de futebol,

Êxodos, massacres, genocídios e omissões

Pedro Correia, 26.10.23

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Crianças arménias refugiadas em 1915: o primeiro genocídio documentado do século XX

 

Também em matéria de "catástrofes humanitárias" (como agora tantos dizem, numa tradução imbecil do 'amaricano') há umas mais iguais do que outras.

A Arménia, lá nos confins do Cáucaso, sem jornalismo nem "activismo" nas redondezas, pode ser chutada para o rodapé pelo supremo responsável da segurança global (atenção: as cinco anteriores palavras são em registo irónico).

 

Convém nunca esquecer que os arménios sofreram o primeiro genocídio documentado dos tempos modernos. Há pouco mais de cem anos, cerca de milhão e meio foram massacrados pelo já decadente Império Otomano, avô da Turquia actual - incluindo deportações e assassínios em massa.

Seguiu-se o tenebroso Holodomor - a condenação de um povo inteiro à morte pela fome. Neste caso ucranianos, submetidos à mais cruel pena capital colectiva pela URSS de Estaline em 1932/1933.

 

Massacres étnicos originaram também grandes êxodos - de dezenas de milhões de pessoas. É outro dramático legado do século XX.

Entre 1944 e 1949, 1,7 milhões foram expulsos da Polónia para a Ucrânia - e vice-versa.

Após 1945, cerca de 8 milhões de alemães foram evacuados dos chamados "territórios de Leste" para o perímetro da actual fronteira alemã - e, depois, muitos fugiram da RDA para Ocidente.

O desmembramento do Hindustão britânico originou entre 1947 e 1951 o êxodo cruzado de 15 milhões de pessoas da União Indiana para o Paquistão - e vice-versa. Nessa traumática jornada entre fronteiras recém-estabelecidas, terão morrido cerca de dois milhões de pessoas.

O genocídio ocorrido no Camboja submetido ao domínio totalitário comunista de Pol Pot, entre 1975 e 1979, custou pelo menos dois milhões de vidas humanas.

A disputa pelo enclave que acaba agora de mudar de mãos no Cáucaso originou em 1994 a deslocação forçada de cerca de 400 mil arménios e de mais de um milhão de azeris.

Menos expressivo, mas não menos doloroso, foi o êxodo ocorrido em Chipre na sequência do golpe ilegal ali protagonizado pela Turquia em 1974 que dividiu a ilha até hoje: 200 mil gregos e 60 mil turcos desalojados.

Viria a acontecer, em escala maior, nas guerras dos Balcãs da década de 90 - ainda cheia de chagas por cicatrizar.

E no Ruanda, na sanguinária guerra civil de 1994: cerca de um milhão de mortos em apenas três meses apenas por pertencerem à "etnia errada" (tútsis, sobretudo).

Sem esquecer a guerra no Sudão, culminada na "limpeza" étnica no Darfur, em 2003: pelo menos 2 milhões de mortos e 6 milhões de refugiados nos vinte anos seguintes. Primeiro genocídio documentado deste já tão triste século XXI.

 

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Guterres na fronteira entre Gaza e o Egipto (20 de Outubro)

 

Existirá, nos casos de grandes êxodos, uma figura da justiça internacional denominada "direito ao regresso" dos desalojados, apenas invocada no caso da Palestina?

Fica à consideração dos especialistas.

Ao secretário-geral da ONU nem é preciso perguntar: dirá logo que sim. Num reflexo condicionado semelhante ao que no passado dia 20 o levou a mostrar-se aos repórteres do lado da fronteira egípcia com Gaza numa arenga cheia de bonitas frases humanitárias que esqueceram os mais de 200 reféns israelitas e de outras nacionalidades levados à força pelo Hamas, em circunstâncias bárbaras.

Também se peca por omissão. Eis um destes casos.

Centenário

Pedro Correia, 27.05.23

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«As dificuldades são também um desafio. Não têm de ser sempre um obstáculo.»

Henry Kissinger, The Economist (Maio de 1923)

 

Viveu muito, leu muito, viajou muito, conheceu muito.

Ensinou muito - e continua a fazê-lo, com plena lucidez intelectual, neste dia em que celebra cem anos.

Henry Albert Kissinger, nascido a 27 de Maio de 1923 na Baviera, fugido com os pais do regime nazi, refugiado em Nova Iorque aos 15 anos. Em 1943, naturalizou-se cidadão americano. Serviu no exército dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. Escapou à morte, mas o sistema totalitário tocou-o de perto: 13 dos seus parentes sucumbiram no Holocausto.

Admirado, invejado e detestado em partes iguais, pontificou nas administrações Nixon e Ford entre 1969 e 1977. Primeiro como conselheiro da Segurança Interna, depois como secretário de Estado - terceiro posto na hierarquia governamental. No auge do caso Watergate, chegou a ser ele a segurar no leme. Enquanto rasgava horizontes na política externa norte-americana: liderou o degelo diplomático com a República Popular da China ao avistar-se com Mao Tsé-tung, levou Washington a substituir os soviéticos como força dominante no Médio Oriente ao assumir-se como interlocutor entre israelitas e árabes, negociou a limitação de armas estratégicas com Moscovo em plena Guerra Fria. 

 

Doutorou-se com uma tese sobre Metternich (1773-1859), príncipe da diplomacia no império austríaco, expoente máximo da doutrina realista contra os idealistas, responsáveis por tantos conflitos bélicos.

Nos anos 50 e 60 foi um dos mais famosos professores em Harvard, onde leccionou Ciência Política antes de rumar aos palcos mundiais como comandante norte-americano para os assuntos externos. Com várias sombras entre muitas luzes, incluindo o apoio activo às ditaduras de Pinochet no Chile e de Suharto na Indonésia (dando cobertura à invasão de Timor em 1975) e a sua falhada visão de um Portugal mergulhado no comunismo em 1975, útil como «vacina para a Europa». Ao contrário do que previa, os comunistas foram derrotados aqui. Enquanto ganhavam terreno em África e no Sueste Asiático: o Nobel da Paz que recebeu em 1973 pelos acordos de Paris anteriores à retirada norte-americana do Vietname ainda suscita polémica.

Facto inegável: foi um dos mais brilhantes intelectuais que trabalharam nos últimos 60 anos na Casa Branca. Após abandonar funções públicas, tornou-se consultor de monarcas, presidentes e primeiros-ministros. Já nonagenário, continuou a percorrer o mundo: só a pandemia, em 2020, o reteve na sua casa rural no Connecticut. Mas ainda frequenta regularmente o seu escritório, no 33.º andar de um edifício art déco em Manhattan. E continua a publicar livros. Tem dois muito recentes. Um sobre inteligência artificial (tema que o fascina e preocupa), outro sobre seis políticos que conheceu pessoalmente: Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Richard Nixon, Anwar Sadat, Lee Kuan Yew e Margaret Thatcher (Liderança, já com edição portuguesa da Dom Quixote).

Do antigo Presidente francês, cita com frequência uma frase emblemática sobre comando político: «Assumir riscos constantes numa perpétua luta interior.»

 

Em recente entrevista ao Sunday Times, pronunciou-se sobre a invasão russa da Ucrânia. Elogiando Zelenski: «Não há dúvida de que cumpriu uma missão histórica.» E criticando Vladimir Putin: «Chefia um país em declínio e perdeu o sentido das proporções nesta crise.»

Judeu, aos 9 anos o pequeno Heinz (só viria a chamar-se Henry na América) viu Hitler ascender ao poder no seu país natal, onde em menino adorava jogar futebol. Nem o exílio forçado nem o incêndio da Europa que testemunhou ao vivo diminuíram o proverbial optimismo que muitos lhe reconhecem. Mas vai advertindo contra os sinais de crescente desagregação da ordem mundial que imperou nas últimas três décadas: «A segunda Guerra Fria será ainda mais perigosa do que a primeira.»

Um aviso que deve ser levado a sério. Vem de quem sabe mais e viu muito mais do que qualquer de nós.

O passado não regressa

Pedro Correia, 12.04.23

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É impossível usufruirmos do melhor de dois mundos: não há benefícios sem sacrifícios.

Do qual estamos afinal, nós, europeus, dispostos a abdicar?

Não podemos fechar as fronteiras nem travar a torrente globalizadora.

Já não vivemos no tempo dos amplos mercados coloniais, nem das matérias-primas a desaguar na Europa a baixos preços, nem da natalidade elevadíssima, nem dos níveis de crescimento económico superiores a 5% que fizeram do nosso continente o que é, nas três décadas posteriores ao pós-guerra, e permitiram que o Estado-providência se tornasse no que se tornou.

Temos graves problemas estruturais numa zona euro que oscila entre a inflação e a recessão. Enquanto outras parte do globo crescem.

O Plano Marshall é irrepetível. E, se o não fosse, apontaria noutras direcções. Porque a guerra na Europa terminou há 78 anos.


De que parcela deste Estado-providência estamos dispostos a abdicar?

Que nível fiscal estamos dispostos a suportar?

Aceitaremos a redução das pensões de reforma para adequar os pagamentos ao nível de contribuições existente quebrando um pacto intergeracional devido às novas imposições da demografia? Ou, em alternativa, deverão cada vez menos cidadãos suportar contribuições cada vez maiores?

Estas perguntas não são retóricas. São cruciais. Iludi-las não nos conduzirá a lado nenhum. Ou antes: conduzirá ao progressivo definhamento da Europa, que vista de outras paragens parece uma senhora parada no tempo, alimentando-se da difusa nostalgia de um passado que não regressa.

Uma espécie de Gloria Swanson em Sunset Boulevard.

Facto internacional de 2022

Pedro Correia, 11.01.23

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AGRESSÃO RUSSA À UCRÂNIA

Este foi, por larguíssima maioria (quinze em vinte dos participantes), eleito o Acontecimento internacional de 2022 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: a invasão da Ucrânia pela Rússia, obedecendo à voz de comando do ditador de Moscovo, Vladimir Putin. 

Iniciada na madrugada de 24 de Fevereiro, esta agressão bélica faz lembrar tempos que há muito não víamos no Europa, tendo provocado um número impressionante de vítimas (fala-se em cerca de cem mil, entre baixas militares e civis dos dois lados), a destruição de grande parte do território da Ucrânia e uma onda de refugiados sem precedentes no continente desde a II Guerra Mundial: calcula-se que 15 milhões de pessoas - cerca de um terço da população do país agredido - tenha sido forçada a abandonar os seus lares. Muitos procuraram refúgio noutros países, incluindo Portugal. 

A guerra - que Putin desencadeou pensando que fosse concluída a curto prazo, com a ocupação de Kiev, a deposição das instituições do país invadido e a detenção ou assassínio do Presidente Volodimir Zelenski - tem-se prolongado, tendo os ucranianos já recuperado cerca de 55% do território inicialmente invadido. Cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol tornaram-se tristemente famosas em todo o mundo, pelos massacres que os esbirros armados do Kremlin lá cometeram. 

A agressão motivou uma unidade inquebrantável dos países ocidentais no apoio à Ucrânia - financeiro, humanitário e militar. Com Zelenski enaltecido como símbolo da resistência e países até há pouco neutrais, como a Finlândia e a Suécia, envolvidos na estratégia global de defesa face ao imperalismo russo - ao ponto de terem aderido à NATO, algo impensável há um ano.

 

Passo a citar algumas das opiniões emitidas pelos participantes nesta votação:

«A partir de 24 de Fevereiro o mundo mudou de forma abrupta.»

«A guerra na Ucrânia modificou mesmo as nossas vidas; esperemos que não modifique ainda mais.»

«A chocante invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI, fez soar todos os alarmes. Põe em risco a ordem mundial tal como a conhecemos, tem como alvo as sociedades democráticas liberais, e é afirmação da autocracia feita ruidosamente ao som dos tambores bélicos, a única e verdadeira força de Moscovo. Este conflito tem provocado alinhamentos e realinhamentos geostratégicos. Ironicamente, teve o condão de unir o Ocidente e de alargar a NATO até às fronteiras da Rússia. Quanto mais tempo a guerra durar mais perto estaremos de que se torne global, com consequências imprevisíveis para o planeta.»

 

Como todos os anos acontece, é possível cada um votar em mais do que um tema. Assim, eis dois acontecimentos do ano passado que também mereceram referência nesta eleição: planeta Terra ultrapassou os 8 mil milhões de habitantes (três votos) e revolta popular no Irão (dois votos).

Registaram-se ainda votos isolados na morte da Rainha Isabel II, na inflação como fenómeno global e no desrespeito pela vida no planeta («guerra, alterações climáticas, agravamento do fosso entre muito ricos e muito pobres»).