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Delito de Opinião

Le Pen en Afrique

jpt, 14.12.22

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Há já mais de duas décadas, o fascista e racista (e até negacionista do Holocausto) Jean-Marie Le Pen clamava que não se revia numa selecção francesa então campeã do mundo de futebol, devido à abundante presença de jogadores de origem "ultramarina" - da África, sobre e subsaariana... "Africanos", não franceses, entenda-se.
 
O argumento foi absorvido pela "esquerda" americanófila, fiel à ideologia "comunitarista", essa do "identitarismo" por lá dito "Woke". E nesse eixo raci(ali)sta há alguns anos tornou-se "viral" (como se dizia antes do Covid-19) o vitupério do comediante sul-africano Trevor Noah - encarregue do Daily Show, espectáculo televisivo de militância do Partido Democrata americano -, também ele afirmando a primazia da excentricidade dos jogadores franceses de ascendência estrangeira que em 2018 se haviam sagrado campeões mundiais. Então contestado pela embaixada francesa em Washington, Noah viria a fazer um retórico ligeiro passo atrás quanto aos jogadores, mas embrulhando-o numa veemente crítica ao modelo social laico francês e elogio ao molde racialista americano (baseado no secularismo), seguindo exactamente as pisadas do miserável discurso do então presidente Obama após o atentado à Charlie Hebdo. As suas audiências, internas e estrangeiras, rejubilaram com essa sarcática negação da efectiva nacionalidade francesa dos praticantes de ascendência ultramarina (nem a Noah nem a Le Pen chocavam os Djorkaeffs ou Griezmanns, esses que de ascendências euroasiáticas).
 
E é interessante ver como agora em África, neste actual cume do entretenimento global que é o Mundial de futebol, se vai interpretando a equipa francesa. Principalmente hoje, quando ela se apresta a culminar a revalidação do título. Pois está amplamente disseminada esta visão raci(ali)sta: jogadores "negros"? São "africanos". Selecção com jogadores "negros"? Selecção "africana".
 
Enfim, o velho Le Pen (e decerto que também a sua filha, congénere e até conviva do nosso prof. Ventura) deve rir-se ao ver que se tornou global - e até com ajuda yankee -, num verdadeiro álbum "Le Pen en Afrique".

Catar - o rescaldo

jpt, 11.12.22

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(Postal no meu mural de Facebook)

1. O plano para ontem era assistir ao Portugal-Marrocos e ao França-Inglaterra. Logo adveio o infausto destino luso - algo imerecido, insisto, pois a equipa "das quinas" criou um punhado de hipóteses de golo ultrapassando o autocarro de Rabat, jogando muitíssimo melhor do que a vice-campeã mundial Croácia, a celebrada Bélgica e a mui convencida Espanha o haviam feito diante daquele antipático e infértil catenaccio berbere.

Acontecido o desastre pátrio foi patente o acabrunhamento da nossa pequena comunidade, sanguinolento neste vosso "amigo-FB" letrado e patente nos restantes presentes. Após o (longo) estupor inicial decidi ultrapassar a minha abissal vertigem suicidária através de trechos de uma bôla de carne (de Lamego) acompanhados de um tinto de Setúbal apresentado em vasilhame de cartão a 3 euros o litro, de marca esquecível e de sabor bem bebível. Fui nisso ombreado por uma das ali teleespectadoras, gentil o suficiente para aturar as algo engrandecidas memórias de vida aventurosa que fui então desfiando, nisso tentando esquecer o vazio existencial desde agora feito definitivo - o meu artificial "daqui a 4 anos há mais Mundial!" fora acolhido com evidente fastio, algo que li como uma ali generalizada descrença de que eu ainda por cá ande nessa época.

Nisso começou o conflito (de séculos) França-Inglaterra, o qual por todos foi ignorado, sem qualquer azedume pois apenas um desinteresse fruto do torpor desesperançado. "The Show Must Go On", pensámos - em réstias do recente apoio aos pupilos do cidadão Kane -, e refugiou-se o contingente num restaurante da planície vizinha, que tem os defeitos de parecer "Lisboa", em cardápio, confecção e ambiência "classe média" local. Lânguido, rebaixei-me a um hamburguer (com lâmina de queijo industrial) num pão - ao qual ali dão o patusco nome de caco, correspondente ao estado em que me sentia - acompanhado de mais um par de copos de vinho da região. E nesse longo entretanto, horas decorridas, fui ignorando a miríade de mensagens recebidas, algumas iradas (com o engenheiro Santos e avulsos jogadores), outras mesmo humorísticas. Para além das condolências recebidas de amigos moçambicanos, nas quais viria a detectar algum ligeiro e risonho sarcasmo, malévolo.

2. A alvorada de hoje recebeu-me nebulosa e chuvosa. Estou de viagem, cumpre-me percorrer cerca de 20 kms até à serra defronte ao mar, para almoço em casa amiga. Mas o pior já passou, percebo que encontrei em mim mesmo forças para enfrentar os anos vindouros mesmo sem a taça almejada no bojo. Será, é certo, uma vida triste. Mas é o fado, como antevi ontem.

3. Que retirei desta última experiência havida? Isto, o filho do jogador croata a percorrer o campo para saudar/animar o seu ídolo Neymar, este choroso após a derrota eliminadora. Em radical contraposição com o acontecido no mesmo dia, os energúmenos jogadores argentinos (encabeçados pelo benfiquista - tinha de ser - Otamendi) gozando os também devastados eliminados holandeses. E o ídolo Messi, insultando o derrotado adversário que esperava para o cumprimentar... Ocorre-me aquela piada que me contam há pouco: "o melhor negócio possível é comprar um argentino pelo preço que vale e vendê-lo pelo preço que ele julga valer!". Não, não é apenas a voluptuosa Miss que me faz torcer, com a diminuta energia que me restou, pela Croácia.

4. É geral - vê-se nos "memes", percebo-o no que leio entre os meus amigos austrais - a saudação aos bons "africanos" marroquinos, representantes dos "vencidos", de África, do "Mundo Árabe", reconquistadores do Al-Gharb, o pérfido "ocidente". Para além do meu incómodo com estas politiquices da bola, mas porque elas "fazem parte", respondo em dois fascículos: 1) "Poitiers" (ou "Tours") - sim, eu sei que a batalha é muito mitificada, e terá sido menos relevante militarmente do que diz a lenda, mas é um bom símbolo; 2) para os mais políticos pan-africanistas, com pitada de revanchismo até nisto da bola (e para os "decoloniais" que se comoveram com a bandeira palestiana nas mãos de um jogador marroquino após uma vitória), deixo apenas, e nisso com uma implícita citação do agora celebrizado José Milhazes, "Saara Ocidental". Ou seja, deixem-se de tretas...

5. Tenho as minhas ligações de FB apinhadas de postais de portugueses (e de partilhas de postais de jogadores internacionais) louvando o ídolo e grande campeão Cristiano Ronaldo. Ou seja, não exageremos, há muito ressabiamento por cá, entre doutores comentadores, jornalistas, painelistas e anónimos vis. Mas, de facto, nós-plebe adoramos o CR7!

Vou então ao almoço. Com uma garrafa de tinto de Palmela debaixo do braço.

Catar - a sociedade das ordens

jpt, 10.12.22

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[(Magnífico) Cartoon de Gargalo]

Tão falado tem sido o caso, verdadeiro drama nacional, que nem é necessário resumir os episódios que o vêm alimentando: é chegado o ocaso de Ronaldo, fenece irremediavelmente o maior atleta português, o mais célebre desportista mundial? Ou, de maneira mais chã e imediata, deve ele ser ainda titular nesta campanha do mundial de futebol? E, ainda mais, é ele ainda credor de algum apreço dos patrícios?

Grassa o azedume avesso ao CR7. O qual não nasceu agora - convém lembrar que ainda em 2013, já ia o homem basto titulado e na ombreira dos 30 anos, ainda era recebido por adeptos portugueses com provocações elogiando Messi. E quem ao longo aos tempos tenha lido jornais digitais bem terá visto constantes coros de invectivas patrícias contra ele (tal como contra Mourinho, um fenómeno similar). Saudando insucessos, anunciando-lhe a degenerescência, a queda iminente, apupando-lhe feitio pessoal e a família, jurando-lhe malfeitorias sexuais ou aventando práticas consideradas "desviantes". Muito disso terá tido uma origem linear, o clubismo: formado no Sporting ele foi mal-amado e, depois  - principalmente após um grandioso hat-trick na Suécia -, apenas pouco-amado por adeptos benfiquistas, monoteístas fanáticos sempre ciosos de garantirem o lugar supremo no panteão do King Eusébio, um pouco à imagem dos velhos (e já quase todos falecidos) sportinguistas irredentistas no clamor de que Peyroteo marcava mais golos do que Eusébio... Só que estes não tinham redes sociais nem jornais digitais para verter o fel.

Mas há uma outra razão, muito mais estrutural - cultural, se se quiser - para este azedume para com Cristiano Ronaldo, o qual agora irrompe de modo desbragado. É a sua personalidade, apupada como "egocêntrica". Nisso sendo considerada como desrespeitadora dos seus colegas de equipa e, por extensão, de todos nós, pois constitutivos da "equipa de todos nós", a sacralizada selecção nacional.  E tantos reclamam face à inexistência de "humildade" no atleta.

Isto é interessante, pois qualquer "campeão" tem de ser egocêntrico. Só se é campeão, mestre e sábio numa actividade, através de uma dedicação afectiva e intelectual extrema: o "nerd" da informática, o "grande-mestre" de xadrez, o enorme maestro clássico, o prolífico romancista, o pintor abrasivo, etc., são indivíduos que podem ser mais ou menos simpáticos mas são aquilo a que chamamos "aéreos", "distraídos", vão "na sua"... Seguem ensimesmados - o que não sinónimo de enclausurados -, egocentrados. Por maioria de razão segue isso num atleta de alta (altíssima) competição, não só uma vida dedicada a uma disciplina férrea como a uma rotina total. E em que o egocentramento não é apenas uma predisposição para o devaneio imaginativo (do excelso programador informático ou do poeta esconso) mas muito mais o desvelo pelo próprio corpo - nisso assim um Ego hipercorporizado, em que uma leve cárie, o simples quisto, o comichoso calo são prementes questões sobre si-mesmo e não ligeiros incómodos dos quais tantas vezes nós, vulgo, nos abstraímos imersos nos nossos afazeres e mundanidades, dadivosos até.

Ou seja, a "humildade" do (grande) atleta (e do grande artista, do grande criador) é para consigo mesmo, existe na fidelidade às rotinas que o potenciam e possibilitam, e a sua altivez é a descrença na necessidade dessa auto-disciplina. E o "egocentrismo" é a sua condição, sine qua non, de existência - essa existência que nós tanto ansiamos, louvamos e até cantamos, berramos e abraçamos nos momentos de gáudio.

Vejo agora constantes queixas sobre a tal arrogância desmedida do CR7, sempre comparada com a humildade (generosa) dos campeões anteriores, nossos ídolos. Mas isso é tudo falso, pois os anteriores grandes campeões tiveram processos similares, principalmente os surgidos no sempre difícil ocaso das carreiras: Luís Figo, também ele um dia eleito Melhor Futebolista do Mundo, também ele já super-estrela neste mundo globalizado, em pleno estádio português durante a orgia nacionalista do Euro-2004 zangou-se por ser substituído e fugiu para os balneários ("foi rezar à Virgem Maria", veio depois dizer o sabido Scolari, pondo àgua na fervura naquele ambiente...); Futre (eleito apenas o 2º melhor do Mundo) fez birras clamorosas no Atlético de Madrid; o agora falecido bi-bota, Fernando Gomes, protestava durante o Euro-84 estar a viver "o pior momento da carreira" por não ser titular e depois veio a entrar em conflito com o seu tão querido clube devido a ser considerado algo vetusto; António Oliveira (um génio do futebol) e Rui Jordão (outro) nem se falavam na mesma equipa, tamanho o choque de egos, para sofrimento dos sportinguistas. O Enorme Carlos Lopes, ainda que tendo sido uma criatura de Mário Moniz Pereira, teve com este profundos desaguisados após a vitória olímpica. Joaquim Agostinho, tão simbólico do povo, era uma personagem irada, e ficou célebre a birra que fez durante o Tour de France, parando durante uma etapa (dez minutos ou mais) deixando o pelotão ir embora, apenas porque não lhe deram uma Coca-Cola (o falecido Carlos Miranda contava essa e tantas outras histórias em magníficas crónicas no "A Bola"). Etc.

Enfim, os grandes campeões não podem ser "humildes" (no sentido vulgar do termo). Podem ser dadivosos, até filantropos (CR7 é-o), mas têm de ser egocentrados, extremamente ciosos de si mesmos e nisso absolutamente convictos. "Férreos" "como o aço"! E a todos custa envelhecer, pois acham que ainda têm dentro de si algo que os outros não vêem - como não viram ao longo de todos os seus trajectos. Caso contrário não são grandes campeões, serão atletas talentosos, até bem sucedidos. Mas não extra-ordinários (assim mesmo, com hífen, para sublinhar que não são pessoas normais).

Qual a razão de a tantos custar a aceitar estas características dos seus campeões - mesmo que tanto fruam dos seus sucessos, em particular os no "desporto-rei", actual paixão nacional? Porque esta gente, estes atletas, quase sempre "vem de baixo". Ou, alguns, agora, da "classe média remediada". E ascendem ao topo, o das disponibilidades económicas e ao topo das propriedades simbólicas (a visibilidade é a moeda desta vertente). Transcendem as "ordens" pré-estabelecidas, as da velha sociedade tradicional. Fazem-no com estrondo. E nisso descuram demonstrar o "respeitinho", aquele que "é muito bonito", face ao "que deve de ser", nesse entretanto retorcendo o chapéu entre mãos, servis diante do destino que os fez subir. Enquanto nós outros para aqui andamos, raisparta, nesta merda de vida...

Enfim, deve Cristiano Ronaldo jogar hoje? É evidente que a decisão compete ao seleccionador Fernando Santos. Sobre cujo trabalho já aqui opinei, sabiamente.

A recepção do Mundial

jpt, 07.12.22

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(Postal no meu mural de Facebook)
 
"Ensaio" blogo-facebuquesco sobre a recepção do Mundial
 
1) Quase todas as minhas 4000 ligações-FB são com moçambicanos ou portugueses.
 
2) Entre as com os portugueses - e por ter blogado de Moçambique durante anos - tenho muitas ligações com quem viveu lá (ou em África). Neste Mundial de futebol (tal como nos anteriores) neste "universo" imensos a ele aludem.
 
3) Entre os portugueses "africanistas" é recorrente a simpatia para com as equipas africanas. Como eu, agora a apoiar o Gana ou o Senegal - este mesmo com a equipa pejada de (também) franceses, o que é um (mais) um caso interessante de inversão da "apropriação", que escapa à atenção dos doutos "póscoloniais", pois não lhes cabe na esquemática cartilha denunciatória, pejada de referências bibliográficas ao Prof. Maniqueu.
 
 
 

Lamento de quem admira o génio

Sérgio de Almeida Correia, 07.12.22

thumbs.web.sapo.io-2.webp(créditos: SAPO/Fabricce Cofrini/AFP)

A cena não é nova. De vez em quando, o tipo amua, torna-se ordinário, e comporta-se como um vulgar badameco desmerecedor do seu talento, sucesso, honras e encómios.

Confesso que não percebo porquê.

Todos temos os nosos egos. De um modo ou de outro vivemos os nossos momentos, os bons e os menos bons. Mas há alturas em que se exige a todos e a cada um de nós a superação. Não tanto enquanto desportistas ou heróis; antes como simples e discretas peças de um todo muito maior, que em cada dia nos obriga a elevarmo-nos, a procurar fazer sempre mais, a dignificarmos a nossa herança e a preparar o futuro das gerações vindouras na base do trabalho, da preserverança e do exemplo.

Vê-lo sair assim do campo, como se a festa não fosse também dele, como se não tivesse contribuído para o êxito, torna-o pequenino e distante. Como se afinal não fosse mais um de nós, um dos poucos que conseguiu elevar-se da medriocridade institucionalizada pela força do trabalho e carácter.

Os portugueses, a Nação, dispensavam estes amuos em final de carreira.

Tudo perdoamos, tudo esquecemos, e muitas vezes ignoramos o que não pode passar despercebido. Porque não somos ingratos e continuamos a acreditar. 

Certamente que não deixaremos de fazê-lo, de enaltecer os seus méritos e virtudes, porque os possui, dando-lhe toda a gratidão pelo que de bom fez e tem feito, talvez elevando-nos, algumas vezes, muito acima daquilo de que efectivamente somos merecedores. Mas depois de tudo o que dias antes aconteceu, que de tão feio deverá ser rapidamente esquecido, ao ver a atitude dos seus companheiros, sempre, que nunca lhe regatearam estatuto, apoio e aplausos, exigia-se outra grandeza na hora da celebração, dispensando-se desculpas estafadas, respostas para cretinos.

E quando se olha para a forma como um Hajime Moriyasu se dirigiu aos adeptos que acompanharam a sua equipa na hora da derrota, e o modo como os outros o viram, não deixa de ser penoso e triste, para mim, ver o princípe abandonar o campo da maneira que o fez.

É nos momentos difíceis que se reconhecem os que são capazes de se elevar acima do mundo, os que pela criação se fizeram e aprenderam a perdurar para além do tempo, os que à sua dimensão e no seu lugar, com a sua humildade e génio, foram absolutamente excepcionais. Em quase tudo; sempre no que é essencial, estruturante e nos define.

Eusébio foi um deles. Pelé também, uma espécie de segundo nós quando não havia mais Eusébio.

Gostava que Cristiano também o tivesse sido. E gostava, ainda mais, que fosse capaz de ainda o ser. Para bem dele, dos seus filhos, e satisfação de todos nós quando um dia falarmos dos seus feitos aos nossos, aos que um dia hão-de vir para nos ajudarem a recordá-lo. De sorriso largo e reconfortante. Como tantas vezes o vimos.

Catar: Portugal-Suíça, o fim de uma era

jpt, 06.12.22

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O fim de uma era e o atavismo da imprensa prisioneira do entretenimento: enquanto tocava o hino, os fotógrafos cercavam o banco e Ronaldo.

Quanto ao jogo, e a esta campanha desta selecção no Mundial, já alcançados os quartos-de-final? Repito o que disse durante o último Europeu: "Como é óbvio contestei com vigor e sageza veterana o pendor conservador do nosso engenheiro seleccionador, antevendo uma deslustrada campanha sob tal "motorista". E elogiei a extrema capacidade do nosso engenheiro seleccionador - sempre avesso à fugaz embriaguês do espectáculo - montando uma equipa tacticamente irrepreensível, delineada para enfrentar os gigantes que se sucederão, e clarividente nas letais e oportunas alterações que decidiu, mostrando que iremos longe sob tal "motorista"."*

* Durante o Europeu-21 Fernando Santos definiu o seu papel como de "motorista" da selecção.

Catar 10 - o Cristão

jpt, 06.12.22

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Nesta época em que alguns constatam o choque das civilizações, em que outros se esforçam por o acicatar, e outros se esgadanham por o inventar e às putativas "identidades" que lhes travarão os combates com que têm sonhos até lúbricos, é muito interessante esta coisa do futebol no advento da terceira década do XXI, o tal milénio começado pela queda dos arranha-céus da Babel nova-iorquina. 

Pois no meio disto tudo, do satanismo "ocidental" e do furibundismo islâmico - para além da milenar malvadez do mandarinato e da lendária perfídia dos hindus, ainda que agora estes alheados no seu críquete -, o que surge é que foram todos jogar à bola para o Golfo Arábico, no tão estrito Catar. Onde - até hoje à noite, pelo menos, que aquilo não parece andar nada bem para o nosso lado - lá vai reinando o nosso ídolo, amado com furor pelas massas locais. E o qual, por isso mesmo, por essa imensa paixão que colhe, logo seguirá para a temível vizinha Saudita, pago a peso de imenso oiro, verdadeiro luxo asiático, tanto que serve para estupefacção global...

E nisto só atento, sob esse tal fundo de "choque de civilizações" e de questiúnculas de "identidades", que naquela radical Arábia amam e cobrem de riquezas um tipo chamado Cristão que se preparou para este Mundial com um novo brinco em forma de Cruz de Cristo. Noutros tempos - nem tão recuados assim - passaria ele por Cruzado, assim apupado (para não dizer pior).

É esta a força da bola, dos seus imponderáveis rumos até beijar as redes. Para o pulo e grito em uníssono.

Portugal-Coreia do Sul

jpt, 03.12.22

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Após a vitória de ontem da Coreia do Sul (equipa que jogou com muita... tranquilidade) fui ao cinema ver o "Bilhetes para o Paraíso", com o par romântico Clooney & Julia Roberts, devoto que sou desta diva. A historieta é muito fraquinha, o filme é um filminho. Mas o que mais me impressionou foi constatar que a actriz está um pouco... antiga. Óptima, resplandecente, lindíssima. Mas um pouco... antiga, repito. Algo que em nada apouca o meu culto, até pelo contrário, fidelíssimo vou até que o forno me consuma.
 
Pipocas terminadas apercebi-me da situação, tal e qual a da selecção e do CR7. Ele um pouco... antigo, e todo o filme mais dependente da historieta e da forma de a contar. Quanto ao público ocorre-me que muitos ainda clamam que a Sofia Loren é que era, que ninguém se compara com a Ava Gardner, e nisso invectivam, com sanha sarcástica, a bela Julia. E outros mais conspícuos falam, com lubricidade palpável, das Jennifer Lawrence d'agora.
 
Pobre gente..

Futebol surreal

Cristina Torrão, 02.12.22

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O Mundial do Catar tem sido um fiasco em questão de audiências televisivas, na Alemanha. E, agora que a Mannschaft já deixou as arábias, até me pergunto se os canais estatais ARD e ZDF continuarão a transmitir os jogos.

Algo se passa na selecção alemã. Um tipo de futebol que deixou de funcionar? Falta de adaptação dos seleccionadores (sempre alemães) ao novo estilo de jogadores com origem migrante, como Serge Gnabri, Leroy Sané e Jamal Musiala? Enfim, nem sequer sou treinadora de bancada, não me compete dar respostas, muito menos, encontrar soluções. Mas a maneira como a Alemanha foi eliminada, desta vez, foi muito deprimente. O jogo de ontem teve momentos surreais.

A Alemanha tinha de ganhar. Mas estava, ao mesmo tempo, dependente de uma vitória da Espanha. Os primeiros golos foram marcados quase ao mesmo tempo: a Alemanha aos 10 minutos, a Espanha aos 11 minutos. Estava tudo a correr bem. Mas, aos 48, o Japão empatou e aos 51 pôs-se em vantagem. Logo a seguir, aos 58 minutos, a Costa Rica empatou. Aqui, o meu marido e eu passámos a torcer por uma vitória da Costa Rica. E note-se que o meu marido é alemão! Porquê? Se a Alemanha já não tinha praticamente hipóteses, que fosse a Espanha também eliminada. E não é que a Costa Rica marca o segundo golo aos 70 minutos?

Alegria efémera. Três minutos depois, Havertz empatou o jogo. Maldito Havertz! Ficámos numa situação muito ingrata, não me lembrava de já ter vivido semelhante, a assistir a um jogo de futebol. Deveríamos torcer pelo terceiro golo da Costa Rica? Mas: e se a Espanha ainda conseguisse virar o resultado?

O que veio a seguir foi surreal. A Alemanha começou a marcar golos e a Costa Rica desesperava. Tudo em vão. O marcador do Japão-Espanha congelara naquele fatal 2:1. Foi penoso ver a Alemanha a aumentar a sua vantagem, sabendo que tal vitória beneficiava apenas a Espanha.

Só nos resta esperar que “Marruecos” trate da saúde a “nuestros hermanos”.

E, de resto, viva Portugal!

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Pequenos fantasmas nos nossos tempos

João Pedro Pimenta, 29.11.22

As semanas mais recentes trouxeram-me um ligeiro travo aos anos trinta e quarenta.

As imagens da libertação de Kherson, das ruidosas manifestações de alegria dos seus habitantes e da visita de Zelensky trouxeram-me de imediato à memória as da libertação da França, em 1944, e da chegada de De Gaulle a Paris, recriada na tela e com alguns testemunhos fotográficos. O presidente da Ucrânia tem sido comparado a Chrchill, mas naqueles momentos transfigurava-se mais como a voz da liberdade e da libertação dos ucranianos, aquele que parecia perdido na início da invasão mas cujas palavras soam a esperança diante do temível Inverno que está a chegar. E tal como a libertação de Paris não significou o fim da guerra, a de Kherson está longe do termo do conflito.

 

Entretanto decorre o criticado Mundial do Qatar (embora seja exagero chamar-lhe "o Mundial mais controverso de sempre", se recordarmos o que decorreu na Argentina em 1978, sob o infame regime militar que despejava corpos para o mar a partir de aviões, e que até levou à história, apesar de falsa, de que Cruyff não comparecera em sinal de protesto). Os estádios no meio do deserto tiveram a autoria, entre outros, como Zara Hadid, de Albert Speer. Sim, o filho com o mesmo nome do célebre arquitecto de Hitler e co-autor do estádio Olímpico de Berlim. O descendente não seguiu definitivamente as preferência políticas do pai, apesar de algumas controvérsias, explanadas neste artigo da New Yorker. Mas não deixa de causar algum frisson que um evento tão criticado pelo tratamento local dos Direitos Humanos tenha tido o dedo do filho, com o mesmíssimo nome, de um dos autores dos Jogos Olímpicos de Berlim e do projecto da demencial Germania.

Doze mil quilómetros já em pré-campanha

Pedro Correia, 29.11.22

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A próxima eleição presidencial será só em 2026. Mas há um candidato já em pré-campanha que não perde uma oportunidade para se exibir nas pantalhas em busca da notoriedade que ainda lhe falta junto de muitos portugueses.

De cachecol ao pescoço, como se houvesse frio nos quase 30 graus de ontem no Catar, o presidente da Assembleia da República não perdeu a oportunidade de perorar sobre a selecção nacional de futebol, dando a entender que a evental ausência dele em Doha seria um delito de lesa-pátria. Por isso decidiu voar cerca de 12 mil quilómetros, ida e volta, fomentando as emissões de dióxido de carbono: segundo os activistas do ambiente, as viagens aéreas contribuem para 5% do aquecimento global.

 

Seria interessante saber quantos presidentes de parlamentos europeus já lá foram em romagem por estes dias. Muito poucos, sou capaz de apostar. Também teria interesse indagar se Augusto Santos Silva aproveitou a ocasião para conferenciar com o seu homólogo catariano - se é que podemos chamar parlamento à denominada Assembleia Consultiva do Catar, com 45 membros mas apenas 30 eleitos por sufrágio popular. Os restantes são escolhidos pelo Emir. Nenhum deles pode questionar o primeiro-ministro excepto com aprovação prévia de dois terços dos supostos deputados, o que raras vezes - ou nunca - ocorre.

Sobre os direitos humanos que ali são violados de diversas formas, o presidente da AR chutou para canto: nem ousou um sopro de indignação. E até nos equiparou ao Catar numa frase capciosa em que compara o incomparável: «Todos temos de avançar muito nessa e noutras matérias [direitos], temos muito de melhorar. Isso aplica-se a todos os países, incluindo a Portugal.» 

Vai longe o tempo em que Santos Silva gostava de «malhar na direita». A não ser que o Emirado do Catar agora seja de esquerda, hipótese a considerar.

 

ADENDA. Espantosa ironia: o putativo candidato presidencial do PS faz-se fotografar e filmar defronte dos logótipos da Coca-Cola, do Visa e da corrupta FIFA. Nem sei que legenda hei-de pôr nesta foto.

Catar 6 - Portugal - Uruguai, o hat-trick conseguido

jpt, 28.11.22

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Lá no Catar anda endiabrado o nosso Bruno Fernandes, até agora sempre tão contestado pelo seu rendimento na "equipa de todos nós". Se no jogo anterior oferecera dois golos agora ainda mais se aprimorou e não só bisou como esteve prestes a alcançar o tricórnio, o famoso hat-trick, que teria conseguido não fora o esforço final do guarda-redes adversário e ainda a férrea oposição do poste alheio.

Mas um verdadeiro hat-trick, glorioso, conseguiu-o este atleta popular, irrompendo campo afora, com codícia surpreendendo a defesa de betão da equipa FIFA, numa magnífica investida box-to-box, tão escorreita que escapou ao escrutínio televisivo do VAR. Jogada enleante e letal e num ápice 1-0, pela Ucrânia, 2-0 pelo povo iraniano, 3-0 por isto de vivermos e amarmos como queremos sem sermos perseguidos por isso.

Sem qualquer dúvida foi o melhor jogador em campo...

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Catar 5 - Viva Carlos Queiroz!

jpt, 27.11.22

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O desporto serve de propaganda dos países - e daí todas as manipulações estatais desse património, desde a simples associação dos políticos aos ídolos aos apoios cirúrgicos a actividades que possam fazer resplandecer os Estados e seus próceres. Até, de forma ainda mais perversa, às indústrias de aplicação de drogas - o sempre dito "doping" - centrifugadas pelos Estados, principalmente, mas não só, os ditatoriais. Mas ao mesmo tempo - numa confluência avessa a leituras lineares, encomiásticas ou denunciatórias -, o desporto é o espelho das sociedades, assim não só matéria através da qual se descortinam características fundamentais mas também dinâmicas transformativas emergentes ou existentes.

Em Portugal tal complexidade foi patente durante as guerras coloniais, com as espantosas epopeias do Benfica europeu - e, em menor escala, do Sporting - e, ainda mais, dos "Magriços", essas amálgamas de filhos de operários e agricultores miserabilizados pejadas, estreladas e até capitaneadas por mulatos "filhos do Império" (estes assim elevados a "brancos", como lembrou o Monstro Sagrado Mário Coluna na sua biografia), equipas que se poderiam dizer epítomes do então propagandeado "luso-tropicalismo", quase como se o seu seleccionador fosse, afinal, o brasileiro Gilberto Freyre.*

 

 

Catar 4 - a sexta-feira dos saldos

jpt, 26.11.22

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D'além-Tejo chegam-me ecos do frenesim comercial acontecido ontem, a tão propagandeada sexta-feira de saldos, uma recente iniciativa a que a rotina lusófona atribui um inescrutável nome em língua estrangeira. Constato que os consumidores acorreram em massa às hipotéticas pechinchas, um saudável sintoma de que a crise já lá vai indo, porventura potenciado pelo verdadeiro placebo que foi a entusiasmante vitória da equipa de todos nós, acontecida na véspera. Mas o fenómeno decerto que implicou o reverso da medalha, a redução da atenção à rica oferta televisiva do dia: o anfitrião Catar enfrentando os poderosos "leões" do Senegal, campeões de África; os étnicos galeses face aos martirizados iranianos do rabugento Prof. Queiroz; os sempre-malvados paísesbaixenses contra os cardeais equatorianos; e, finalmente, o tão póscolonial Inglaterra-EUA.

Mas quero crer que esta redução das audiências ao mundial-22, qual implícito "boicote", não se prendeu apenas com o furor consumista e muito dependerá da crescente consciência cívica, na defesa dos "direitos humanos", principalmente os laborais, tão violentados estes foram na preparação catariana desta competição. Algo que vem grassando na opinião pública, e agora decerto que por influência da recente e enérgica intervenção do ministro da Cultura Adão e Silva, apartando-se veementemente de outros dignitários nacionais que acorrem ao Catar, abrilhantando-se com a selecção, clamando a sua ausência nesse cortejo e reclamando ser o seu lugar no estádio da Luz, algo que o "povo benfiquista" - ainda que feliz com a prestação do seu ídolo João Félix - recebeu com júbilo, ainda que este não seja tão compartilhado pela "nação portista" e pelo "universo Sporting". 

Mas esta consciencialização não advém apenas de algum poder político, provém mesmo de uma corrente presente na sociedade civil. Como já o o demonstrara a sageza académica da direcção da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (presumo que seja esse o verdadeiro nome daquela que leva o "petit nom" algo arrivista de Nova School of Business and Economics [SBE]), ao suspender a instalação de um ecrã gigante para que nela se assistisse aos jogos por razões de oposição política ao regime catariano - ainda que eu presuma que alguns dos jovens alunos, dos não tão jovens funcionários e, quiçá, até mesmo alguns lentes irredentistas, se estejam a acotovelar diante das pequenas televisões disponíveis e, mesmo mais, face aos computadores sintonizados nas emissões piratas. Mas isso, o real, lamentavelmente independe das autoridades académicas...

Dito isto, na minha "neutralidade axiológica", espero que os jogos de hoje encontrem os sofás e as mesas de cafés bem compostas, na cuidadosa observação dos nossos potenciais adversários, trabalho colectivo necessário aos desígnios pátrios. Entretanto, no intervalo do Arábia Saudita-Polónia - após sistematizar as minhas notas, com particular enfoque nas sempre letais movimentações do ariete Lewandowski - espreitei no telefone a minha conta de Facebook. E nela encontro um breve postal de Filinto Pereira de Melo (que julgo ser um antigo bloguista - mas confesso que tantos anos foram passados desde a era blogal que já não tenho a certeza). No qual o seu autor transpira... clarividência: "Indignados finalmente com o trabalho escravo no Catar, os portugueses decidem boicotar os jogos do Mundial nesta Black Friday e optam por ir às compras na Shein, Zara, Primark e Apple. Top!"...

Sorrio. E nisso lembro-me de uma actuação do tão célebre Ricky Gervais, constantemente replicada nas "redes sociais" - é certo que a Gervais prefiro o velho Don Rickles, versão original deste tão dúbio tom cómico, ele verdadeiramente desbragado. Mas Gervais serve para os tempos actuais. E para esta questão - e até porque é fim-de-semana - aqui deixo (para ser visto durante os intervalos entre os jogos) o filme dessa sua actuação numa dessas galas de premiação cinematográfica, em 2020. Aos que se possam interessar peço que avancem até aos 7 minutos e 10 segundos e acompanhem até aos 8 minutos: é uma boa resposta a estas "tomadas de posição". Está em inglês não legendado. Mas isso não é, decerto, problema para os compatriotas da instituição estatal Nova School of Business and Economics...

Catar 3 - o CR7

jpt, 25.11.22

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Ao longo dos anos a minha "costela" (aliás, a mão visível) bloguística já escreveu o suficiente sobre o Cristiano Ronaldo - e mesmo sendo eu um messiano, que não messiânico. Não me repetirei. Apenas (me) comento: valha o que valer esta selecção "gerida" pelo resultadista Engenheiro Fernando Santos, chegue até onde chegar nesta sua forma engasgada, nem que seja por isto o jogo de ontem com o Gana valeu imenso. Não só pelo CR7 - herói enfrentando as leis dos corpos. Mas também por todos nós, aqueles dos mais-velhos que enfrentam a arrogância dos petizes - e nisso até o azedume colaboracionista dos já senilizados.
 
Viva o CR7! Pois abaixo a discriminação: Os (Mais-)Velhos Também Saltam!!!