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Delito de Opinião

Vitórias e derrotas simbólicas no Mundial

João Pedro Pimenta, 17.07.18

Acabou o Mundial da Rússia. Vai deixar saudades, até porque o próximo vai decorrer no Qatar, sabe-se lá em que condições. Aparentemente o Mundial correu bem aos país anfitrião. Houve transportes terrestres de graça para os adeptos, tal como prometido quando a Rússia ganhou a organização do evento, grandes festas e animação, e hooligans e pancadaria nem vê-los, como também já se previa. O país ficou mais bem visto e até a equipa russa, envelhecida e sem novos grandes talentos, progrediu para além do que se esperava, tendo deixado a candidata Espanha pelo caminho. O presidente da FIFA disse mesmo que tinham sido "o melhor Mundial de sempre", mas pode ser uma daquelas frases feitas que se usam sempre nestas ocasiões (na altura também disseram que Portugal tinha organizado "o melhor Euro de sempre"). De qualquer das maneiras, Vladimir Putin tem razões para sorrir, mas os fundos gastos por vezes com grande derrapagem orçamental haviam de produzir frutos. Os únicos espinhos foram os mais simbólicos: as quatro selecções semifinalistas foram de países cujos regimes - os de Londres, Paris, Bruxelas e Zagreb - não se dão particularmente bem com o de Moscovo, seja por razões conjunturais, políticas ou históricas. Assim, fico a pensar por quem é que os russos terão torcido, ou querido mais que perdesse. Mas talvez se tivesse havido um Rússia-Inglaterra, tendo em conta o momento presente, essa dúvida seria provavelmente desfeita.

 

Mas nisto do simbolismo houve um país que ficou mesmo a ganhar - além de reconquistar o troféu principal e voltar a vencer finais: a França. É que depois de tantas piadas à Alemanha pela sua eliminação prematura na fase de grupos (das quais a mais corriqueira era "Pela segunda vez na história, a Alemanha volta a ir mal preparada para a Rússia"), havia que relembrar o óbvio: que a França triunfou enfim em Moscovo, sem precisar de bater em retirada, e fogo, se o houve, foi só o de artifício - aparentemente houve mais chuva. Tinha de ser no Verão, claro. Lá do seu enorme túmulo, Napoleão pode repousar em paz.

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Pequena ode a um mundial que não deveria ter existido

João André, 12.07.18

Um guarda redes com cãibras a aguentar um prolongamento e a defender dois penalties. Um médio a perder a bola por lhe dar um torque e não ter pernas para a ir buscar mas depois a recuperar a bola e a virá-la de flanco. Um avançado a mal poder correr excepto quando cheirou uma bola e lhe acertou de forma perfeita para acabar com o sonho inglês. Um jogador a marcar dois penalties em jogos decisivos depois de correr 120 minutos em cada e nós a sabermos que estaria pronto para repetir a dose no terceiro jogo consecutivo. Um desempenho de sonho a negar a equipa do melhor jogador do mundo e outro funcional, da equipa secundária, quando não precisaria de o fazer. Três jogos consecutivos a recuperar de desvantagens para se apurar para a final com o equivalente de um jogo a mais e um dia menos. E isto é só o mundial da Croácia.

 

(Hrvatska! Hrvatska! - ouve-se da minha janela, gritado a 950 km de distância)

 

A Inglaterra sonhou como não o fazia há 28 anos e conseguiu ser parada sem que o cortejo de juízes surgisse no horizonte. A Rússia sacudiu a etiqueta de segunda pior equipa do mundial para estar a um passe (ou remate) das meias-finais. A Bélgica recuperou de uma desvantagem de dois golos contra o Japão e depois venceu o Brasil, em desempenhos que deixaram os adeptos do mundo inteiro (excepto japoneses e brasileiros, à vez) a torcer por eles. Lukaku especialmente deixou água na boca contra os japoneses ao não tocar a bola antes do último remate do jogo e a fazer verdadeiro bullying artístico a quem lhe apareceu pela frente - ou pelo ombro - frente aos brasileiros. Meunier, no seu jeito de gigante desengonçado e trapalhão tem sido calmamente o melhor lateral direito do mundial - a sua ausência foi excessivamente notada. Outros dois laterais direitos deram-nos aqueles que poderão ter sido os melhores ou mais belos golos do mundial.

 

(pausa para respirar)

 

Ronaldo teve um jogo a falar da melhor cabra de todos os tempos** e foi abafado por dois golos excepcionais, um deles resultante de uma tabelinha de 100 metros. O VAR apareceu na fase de grupos e deve ter bebido tanta vodka que desapareceu nas eliminatórias. Mbappé apanhou uma multa por excesso de velocidade num jogo e decidiu atormentar as polícias de trânsito nas defesas adversárias apenas em trajectos curtos. Lilian Thuram foi descoberto na Rússia, 24 anos mais novo e com outra cor de pele, mas não engana ninguém. De Bruyne foi dando lições de geometria euclidiana com os seus passes saídos directamente do Elementos. O cliché inglês da fila às espera do comboio em forma de bola nos livres indirectos e cantos.

 

(Neymar rebola... e rebola... e rebola...)

 

Os remates de Coutinho. Godín a defender toda a área, duro quando necessário, com souplesse quando possível. Varane a varrer a sua defesa no ar e no chão, mais rápido que Hazard a correr, que Fellaini a saltar e mais forte que Lukaku, mas sempre com classe. Kanté a varrer a direita e a esquerda de Pogba - ao mesmo tempo. A trivela de Quaresma. Os 3 metros e meio de altura de Yerri Mina. A trivela de Quaresma. Aliou Cissé a destilar coolness. A trivela de Quaresma. O Japão a jogar para perder o último jogo na fase grupos e ser apurado por serem bons rapazes. Neuer a ala esquerdo. Kroos a fazer de Bom, Mau e Vilão num único jogo. Quase duas vezes. Honda a entrar em campo para marcar um golo do empate ao fim de 6 minutos. A Inglaterra a vencer um desempate por penalties.

 

(esperemos: o Panamá está ainda a celebrar os golos)

 

El-Hadary a não ser substituído depois de ser o mais velho jogador a jogar um mundial e a defender um penalty. Tal memória deveria ter sido gravada para sempre sem necessidade de o ver a conceder golos. Marrocos a dominar 3 jogos e não vencer nenhum. Dinamarca e França a oferecerem uma cura para o stress. Já disse que a Islândia se qualificou para um mundial com uma população de 300 mil? O cineasta vindo do frio a defender um penalty ao melhor jogador do mundo*. Rojo a mostrar aos seus avançados como se marca um golo. Os dois suíços que provocaram os sérvios por causa do Kosovo depois de serem provocados pelos russos. O guarda redes iraniano que dormiu no chão mas que defendia quase tudo, inclusivamente um penalty do mais valioso trintão do mundo***. Lozano. Kompany porque simplesmente gosto do tipo. Fellaini porque é daqueles tipos que é impossível de não se gostar quando estamos longe dos seus cotovelos. Kane porque vai ser o melhor marcador com 3 penalties, 2 sobras e 1 bola tabelada na canela. Auto-golos porque vão ultrapassar Kane. Brasil a ser eliminado mais cedo que há 4 anos mas com melhor sabor na boca.

 

(preparar o fim)

 

Um mundial de sol, festa, jogos abertos como não há muito, jogadores a lutar até ao limite das forças e ainda mais além, selecções a celebrar mesmo depois de serem goleadas, um anfitrião a abrir as janelas fechadas há muito para mostrar que sabe de hospitalidade mesmo quando volte a fechar a casa, de pena por as equipas africanas não passarem a fase de grupos depois de iluminarem os seus jogos no campo e nas bancada, equipas a serem eliminadas sem recriminação, cerveja a esgotar, a presidente croata, a ausência de Putin, alfabetos cirílico e latino, sol da meia-noite - ou perto disso.

 

E teremos sempre a quaresma de Trivela em Saransk.

 

* - escolha pessoal, discordem à vontade.

** - Referência à barbicha - goatee em inglês - e a GOAT, acrónimo para Greatest Of All Times.

*** - pelo menos no futebol.

Notas de meio do Mundial

João André, 01.07.18

Quis escrever mais vezes sobre o mundial no meu outro estaminé mas não tem sido possível. Agora que o mundial de Portugal temrinou, ficam uns apontamentos.

 

Portugal

O primeiro jogo, contra a Espanha, deu-me esperança que Ronaldo estivesse ao seu melhor nível e Portugal jogasse bem o suficiente para o apoiar. A Espanha tinha-me parecido estar a jogar bastante bem e só tendo sido batida por uma boa organização defensiva e uma actuação brilhante de Ronaldo. Os jogos subsequentes, de Portugal e Espanha, indicaram que talvez não fosse bem assim, nem para Portugal nem para a Espanha (à hora que escrevo está empatada a um golo com a Rússia).

 

Portugal tinha a desculpa contra a Espanha de saber que não veria muito a bola. Contra Marrocos e Irão isso não sucederia. Fernando Santos insistiu em esquemas e jogadores que pouco ou nada fizeram e com toda a gente à espera que Ronaldo resolvesse tudo. Contra Marrocos Portugal teve muita sorte em não perder (esta também é necessária) e contra o Irão o jogo foi sofrível e mesmo com o penalty mal assinalado em favor do Irão o resultado não foi incorrecto.

 

Contra o Uruguai Fernando Santos corrigiu alguns erros tácticos, mas algo tarde e de forma dubiosa. Com Bernardo Silva na ala direita, era necessário jogar com um lateral mais inclinado a procurar a linha final para permitir a Bernardo Silva mais liberdade. Infelizmente isto surgiu ao 4º jogo, sem verdadeiras rotinas, e Cédric não mereceria ser enviado para o banco. No ataque haveria alguma lógica em jogar com Gonçalo Guedes, mas apenas se fosse um avançado mais móvel. Encostado aos centrais, especialmente Godín e Gimenez, foi o equivalente a oferecer-lhes um chá mate. Mais tarde fez entrar Quaresma para alargar o jogo, mas infelizmente retirou Adrien em vez de João Mário (que, sendo apenas sofrível, fez o seu melhor jogo do mundial).

 

O azar foi também que o melhor jogador português do mundial, Pepe, cometeu um erro enorme que deu o segundo golo aos uruguaios. Há no entanto alturas em que temos que dar o mérito ao adversário. Fernando Santos foi emendando a mão e Portugal não jogou mal, mas os Uruguaios têm uma defesa quase impenetrável. O resto da equipa é disciplinada e com mais garra charrua por jogador que o resto das equipas mundiais em conjunto. E, no ataque, têm dois avançados de enorme qualidade, que jogam de olhos fechados, sacrificam-se pela equipa e não são egoístas. A comandar tudo, provavelmente o melhor seleccionador dos últimos 20 ou 30 anos: Tabarez. Os uruguaios marcaram primeiro em duas ocasiões. Depois de concederem um golo, só o fariam outra vez se Ronaldo descobrisse alguma coisa especial. Não o conseguiu e Portugal volta para casa.

 

Jogadores

Positivo: Patrício, Pepe, José Fonte, Cédric, Adrien, Quaresma (apesar de ter tentado ser expulso contra o Uruguai) e Ronaldo. Note-se que os considero positivos, não necessariamente muito bons.

Razoáveis: William, Guerreiro, Moutinho, Ricardo.

Negativos: João Mário, Bernardo (apesar de ter melhorado imenso no último jogo), Guedes.

 

Os únicos que foram muito bons, e ainda assim, apenas a espaços, foram Ronaldo, Patrício e Pepe. Os único que foi consistentemente muito mau foi João Mário. Guedes esteve perto, mas teve algum trabalho de equipa decente nos dois primeiros jogos (ao mesmo tmmepo que demonstrava cabalmente o erro de o colocar a ponta de lança). Destes grupos, não há queixas a Patrício porque nada podia fazer nos golos que sofreu (talvez o primeiro do Uruguai, mas seria difícil). Os outros despareceram de tempos a tempos e foi nesta inconsistência que Portugal teve uma passagem pouco notória no mundial.

 

Outras notas

Deutschland... Auf Widersehen... Nao é preciso alemão para compreender a sua eliminação. Uma velhinha grega basta: hubris.

 

Equipas que impressionaram até agora: Uruguai, Croácia, Bélgica, Inglaterra (estas duas tiveram pouca oposição), Senegal, Nigéria (sim, sei que estas foram eliminadas), Colômbia.

 

Equipas que desiludiram: Argentina, Egipto, Polónia.

 

Equipas que vão avançando à custa do talento: França e Espanha.

 

Equipa neste momento mais capaz de vencer: Brasil. Tiveram um início semi-impressionante, dando a ideia que faltava sempre alguma coisa. Contra a Sérvia pareceu ter aparecido essa coisa extra. Se a mantiverem, terão a melhor equipa para vencer.

Portugal no Mundial (fim).

Luís Menezes Leitão, 30.06.18

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Resultado óbvio. A defesa de Portugal era um buraco e o meio-campo não existia. No primeiro jogo Cristiano Ronaldo levou a equipa às costas, mas nos jogos restantes os adversários garantiram que isso não voltaria a acontecer. No Mundial, mais do que os valores individuais, são as equipas que fazem a diferença. E o Uruguai já tinha demonstrado que possui uma equipa a sério. Hoje limitou-se a confirmá-lo.

Podia ser pior

João Pedro Pimenta, 28.06.18
Claro que com a surpreendente eliminação da Alemanha na Rússia sobreveio a esperada vaga de piadas com referências à 2ª Guerra. Mas não é catastrófico: apesar de tudo caiu em Kazan, muito a leste de Moscovo. Já é um progresso.

E podia ser ainda pior: olhem se tivesse perdido em Volgogrado/Estalinegrado ou em Kaliningrado/Koenisgberg, berço da Prússia. As piadas tinham logo o dobro do sentido. Citando uma dessas piadas correntes, já é não é a primeira vez que a Alemanha vai à Rússia mal preparada.

Futebol e política.

Luís Menezes Leitão, 23.06.18

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Ainda para aí uma enorme polémica com o facto de, no interessantíssimo jogo Sérvia-Suíça, que os suíços venceram por 2-1, dois jogadores suíços de origem kosovar terem festejado os golos da Suíça fazendo com as mãos o símbolo da águia das duas cabeças, no intuito de insultar a Sérvia. A intenção pode ser essa, mas o acto parece falhado. O símbolo da águia das duas cabeças é extremamente comum e não exclusivo da Albânia. Tendo sido o antigo brazão do Império Bizantino, foi depois adoptado pelo Sacro Império Romano Germânico e pelo Império Russo, constando hoje das bandeiras da Rússia e da própria Sérvia. Por outro lado, os dois jogadores são de origem kosovar, que não tem qualquer águia bicéfala na sua bandeira, embora a esmagadora maioria da população seja albanesa. Se a intenção do gesto era insultar a Sérvia, acho que podia ter sido escolhido um gesto mais elucidativo.

 

Em qualquer caso, acho que o gesto demonstra duas coisas. A primeira é que o conflito dos Balcãs continua bem vivo, como aliás sempre esteve e sempre continuará a estar. Quando lhe sugeriram que a Alemanha interviesse nos Balcãs, Bismarck limitou-se a responder que os Balcãs eram uma terra horrível que não valia o sangue de um único soldado alemão. Imagine-se por isso o que será a União Europeia com a entrada da Sérvia, do estado artificial do Kosovo (onde a população se sente albanesa), da própria Albânia e da Macedónia, agora "do Norte" para não ofender a Grécia. A União Europeia vai passar a ter como membros uma série de países muito amigos. Não admira por isso que o Reino Unido se tenha querido pôr a milhas.

 

A segunda é que a actual configuração dos países europeus como "melting pots" é perturbadora para as suas selecções nacionais. Não consigo conceber que um jogador da Suíça queira festejar com o símbolo da Albânia (ou do Kosovo, ou do que quer que seja), países que nem sequer foram apurados para o Mundial, em lugar de utilizar o símbolo da cruz helvética, que é o país a que pertence e cujas cores é suposto defender. Acho que mais do que um insulto à Sérvia, isto foi um insulto à Suíça. E deveria ser a própria Suíça a punir exemplarmente os seus jogadores por esta triste figura. Se querem reproduzir no futebol o conflito nos Balcãs, vão jogar para os Balcãs.

A beleza de um Mundial fora dos seus relvados

João Pedro Pimenta, 22.06.18

 

Os Mundiais de Futebol são uma coisa admirável. Podemos nem ligar muito até ao seu início, mas uma vez começados ficamos ligados a eles durante um mês inteiro. Os melhores jogadores do Mundo (salvo as habituais ausências por falharem a classificação ou por lesão), jogos memoráveis, golos inesquecíveis, surpresas e desilusões, o confronto entre nações, as apostas nos vencedores, etc.

Mas para além do jogo em si há outro espectáculo que não se fica pelos estádios: a acorrência dos adeptos aos países organizadores. E alguns contrastes são dignos de nota.

A minha única experiência num Mundial de Futebol aconteceu no Alemanha 2006, onde assisti ao jogo que se vai repetir agora, o Portugal-Irão, em Frankfurt, que acabou 2-0 para a selecção das Quinas (e bom seria que o resultado na próxima segunda-feira fosse o mesmo, porque estes persas de 2018 comandados por Carlos Queirós parecem bem mais sólidos do que os de 2006). Os iranianos eram então mais numerosos que os portugueses - um dado que se vai tornando comum, já que parece que os lusos estão sempre em minoria nestes jogos - e apoiavam a sua equipa com imensa animação, onde não faltavam mulheres, nenhuma, creio eu, coberta com véu, desobedecendo a duas regras internas do seu país. Mas no Commerzbank Arena viam-se também adeptos de outros países. Japoneses, por exemplo, identificados pelas camisolas azuis da sua selecção e por fotografarem incessantemente; ou um mexicano (certamente um espião, porque o México era do mesmo grupo de Portugal e ainda se iam defrontar) com algo vagamente parecido com um chapéu azteca na sua cabeça e que tinha pelo menos o dobro da sua altura.

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E nos outros jogos era a mesma coisa. As "fanzones" de Frankfurt estavam situadas nas margens do rio Meno, no meio do qual instalaram os ecrãs gigantes que passavam os jogos, assentes em barcaças imóveis, que eram visionáveis de um lado e do outro, nos parques que bordejam o rio. Lembro-me de um Gana-República Checa, que decorria em Colónia, mas que tinha vários adeptos dos seus países ali ao nosso lado, com maioria para os checos, evidentemente, que por sinal perderam, para alegria dos ganeses, vestidos com berrantes plumagens africanas. Ou dos poucos angolanos em Frankfurt, a festejar um empate com o México, o seu primeiro ponto em mundiais, aos quais se juntaram os portugueses. E logo à chegada, no aeroporto, estava tudo colado aos ecrãs distribuídos por todo aquele enorme recinto, a ver a Argentina a esmagar a Sérvia (bons tempos, devem pensar hoje os argentinos), e que provocou ruidosos festejos por parte dos croatas, em frenéticas buzinadelas pelas ruas alemãs fora.

 

A globalização, a tão vilipendiada globalização, é também isto, e não apenas negócios financeiros obscuros ou o "capital sem pátria". É ver uma caravana de bósnios em cidades do Mato Grosso, nigerianos em Brasília, as imensas falanges inglesas em Manaus, no coração da Amazónia (desta não se lembrou Fitzcarraldo) ou os espanhóis a ser copiosamente derrotados pelos holandeses em Salvador, lembrando confrontos mais antigos do século XVII - tudo isto no Mundial do Brasil.

 

Ou agora, na Rússia, onde podemos ver os senegaleses a comemorar o triunfo tocando djambé nas ruas de Moscovo, os argentinos e seus cânticos em Ninjni Novgorod, dezenas de milhares de marroquinos também na capital russa desgostosos com o golo de Ronaldo, outros tantos peruanos apoiando em vão a sua equipa na renomeada Ecaterimburgo, destino final dos czares ali no meio dos Urais, portugueses e espanhóis a apanhar sol nas margens do Mar Negro, em duelo ibérico mesmo ao lado da antiga região conhecida como Iberia, australianos divertindo-se em Kazan, a capital dos tártaros, os aguerridos adeptos do histórico Uruguai, duas vezes campeão mundial, que apoiarão a sua equipa contra o anfitrião Rússia, nas margens do Volga, em Samara, as "Águias de Cartago", como é apelidada a equipa tunisina, derrotada pelos ingleses não em Zama mas em Volgogrado, a antiga Estalinegrado, onde também se defrontarão os semi-aliados egípcios e sauditas, e lá jogarão também o Japão e a Polónia, o maior aliado da Alemanha nazi e a sua principal vítima, que saíram tão arrasados da II Guerra como a cidade onde se vão defrontar, por incrível coincidência. 

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Sim, os jogos atraem, mas não me digam que os adeptos à sua volta são um espectáculo menor. São eles que dão vida, cor e música a estes eventos. Que proporcionam momentos de festa e de convívio, desde que não haja hooligans, de que não há ecos neste certame. E talvez até tragam algum cosmopolitismo e tolerância a algumas populações russas, pouco habituadas a lidar com quem vem de fora. Também isto é globalização, na sua face mais positiva. E por tudo isso o Mundial vale ainda mais a pena.

Coisas a resolver até ao Mundial

João André, 13.10.17

Felizmente que me enganei e que Portugal se qualificou sem engulhos para o Mundial. A Suíça ajudou, apresentando-se como uma equipa muito fraquinha que só não perdeu por bastante mais porque não calhou. Quem os apanhar nos play-off não se deverá preocupar por aí além.

 

Agora que Portugal está apurado, está na hora de começar a preparar o trabalho para uma competição de um mês onde haverá potencialmente 7 jogos (média de um jogo a cada 4 dias). Há certas áreas que Fernando Santos terá que definir depressa.

 

 

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