Os Mundiais de Futebol são uma coisa admirável. Podemos nem ligar muito até ao seu início, mas uma vez começados ficamos ligados a eles durante um mês inteiro. Os melhores jogadores do Mundo (salvo as habituais ausências por falharem a classificação ou por lesão), jogos memoráveis, golos inesquecíveis, surpresas e desilusões, o confronto entre nações, as apostas nos vencedores, etc.
Mas para além do jogo em si há outro espectáculo que não se fica pelos estádios: a acorrência dos adeptos aos países organizadores. E alguns contrastes são dignos de nota.
A minha única experiência num Mundial de Futebol aconteceu no Alemanha 2006, onde assisti ao jogo que se vai repetir agora, o Portugal-Irão, em Frankfurt, que acabou 2-0 para a selecção das Quinas (e bom seria que o resultado na próxima segunda-feira fosse o mesmo, porque estes persas de 2018 comandados por Carlos Queirós parecem bem mais sólidos do que os de 2006). Os iranianos eram então mais numerosos que os portugueses - um dado que se vai tornando comum, já que parece que os lusos estão sempre em minoria nestes jogos - e apoiavam a sua equipa com imensa animação, onde não faltavam mulheres, nenhuma, creio eu, coberta com véu, desobedecendo a duas regras internas do seu país. Mas no Commerzbank Arena viam-se também adeptos de outros países. Japoneses, por exemplo, identificados pelas camisolas azuis da sua selecção e por fotografarem incessantemente; ou um mexicano (certamente um espião, porque o México era do mesmo grupo de Portugal e ainda se iam defrontar) com algo vagamente parecido com um chapéu azteca na sua cabeça e que tinha pelo menos o dobro da sua altura.
E nos outros jogos era a mesma coisa. As "fanzones" de Frankfurt estavam situadas nas margens do rio Meno, no meio do qual instalaram os ecrãs gigantes que passavam os jogos, assentes em barcaças imóveis, que eram visionáveis de um lado e do outro, nos parques que bordejam o rio. Lembro-me de um Gana-República Checa, que decorria em Colónia, mas que tinha vários adeptos dos seus países ali ao nosso lado, com maioria para os checos, evidentemente, que por sinal perderam, para alegria dos ganeses, vestidos com berrantes plumagens africanas. Ou dos poucos angolanos em Frankfurt, a festejar um empate com o México, o seu primeiro ponto em mundiais, aos quais se juntaram os portugueses. E logo à chegada, no aeroporto, estava tudo colado aos ecrãs distribuídos por todo aquele enorme recinto, a ver a Argentina a esmagar a Sérvia (bons tempos, devem pensar hoje os argentinos), e que provocou ruidosos festejos por parte dos croatas, em frenéticas buzinadelas pelas ruas alemãs fora.
A globalização, a tão vilipendiada globalização, é também isto, e não apenas negócios financeiros obscuros ou o "capital sem pátria". É ver uma caravana de bósnios em cidades do Mato Grosso, nigerianos em Brasília, as imensas falanges inglesas em Manaus, no coração da Amazónia (desta não se lembrou Fitzcarraldo) ou os espanhóis a ser copiosamente derrotados pelos holandeses em Salvador, lembrando confrontos mais antigos do século XVII - tudo isto no Mundial do Brasil.
Ou agora, na Rússia, onde podemos ver os senegaleses a comemorar o triunfo tocando djambé nas ruas de Moscovo, os argentinos e seus cânticos em Ninjni Novgorod, dezenas de milhares de marroquinos também na capital russa desgostosos com o golo de Ronaldo, outros tantos peruanos apoiando em vão a sua equipa na renomeada Ecaterimburgo, destino final dos czares ali no meio dos Urais, portugueses e espanhóis a apanhar sol nas margens do Mar Negro, em duelo ibérico mesmo ao lado da antiga região conhecida como Iberia, australianos divertindo-se em Kazan, a capital dos tártaros, os aguerridos adeptos do histórico Uruguai, duas vezes campeão mundial, que apoiarão a sua equipa contra o anfitrião Rússia, nas margens do Volga, em Samara, as "Águias de Cartago", como é apelidada a equipa tunisina, derrotada pelos ingleses não em Zama mas em Volgogrado, a antiga Estalinegrado, onde também se defrontarão os semi-aliados egípcios e sauditas, e lá jogarão também o Japão e a Polónia, o maior aliado da Alemanha nazi e a sua principal vítima, que saíram tão arrasados da II Guerra como a cidade onde se vão defrontar, por incrível coincidência.
Sim, os jogos atraem, mas não me digam que os adeptos à sua volta são um espectáculo menor. São eles que dão vida, cor e música a estes eventos. Que proporcionam momentos de festa e de convívio, desde que não haja hooligans, de que não há ecos neste certame. E talvez até tragam algum cosmopolitismo e tolerância a algumas populações russas, pouco habituadas a lidar com quem vem de fora. Também isto é globalização, na sua face mais positiva. E por tudo isso o Mundial vale ainda mais a pena.