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Delito de Opinião

Aquilo aconteceu mesmo?

João André, 09.08.14

 

Um mês mais tarde, volto ao momento do último mundial de futebol que mais perdurará na memória colectiva. Daqui por 4 anos estaremos a perguntar se alguém repetirá aquele resultado. Daqui por 8 anos perguntar-nos-emos se a dor terá diminuído. Daqui por 16 anos falaremos no jogo que trará a vingança. Daqui por 32 escrever-se-à, no momento da final, que é o momento de exorcisar a memória, a dor e a humilhação.

 

Não será possível. Aquilo não sucedeu senão num momento de alucinação colectiva. Um,... dois, três-quatro-cinco; ...; seis, ..., sete; ... um? Foi certamente um exercício de virtuosismo técnico durante a transmissão. Dentro de meses seremos informados que George Lucas e James Cameron testaram um novo sistema de realidade virtual em directo e que o verdadeiro jogo foi decidido apenas no prolongamento. Ou que a Glaxo-Smith-Kline fez o melhor product placement na história da publicidade demonstrando os efeitos secundários do seu medicamento que cura o cancro. O que saberemos é que não existiu aquele resultado. Não importa quantas pessoas o jurem a pés juntos.

 

Vi o jogo - ou o embuste - num bar na Alemanha. Eu tinha escolhido o meu lado. Ou melhor, o lado a que me opunha, com o seu vilão de pantomina. Deveria ter sido o meu primeiro sinal de alarme. No final do jogo escolheu-se o sósia de Sideshow Bob como o principal responsável, mas nos primeiros 20 minutos de jogo o lado esquerdo da defesa aparentava ser território de outro personagem de cartoons: Will E. Coyote. E os atacantes, fossem eles quem fossem, eram o nosso Roadrunner preferido, aprintando com gusto em direcção ao infinito, com todo o espaço do deserto à sua disposição. Avançando, rindo e tendo tempo para despachar uns bip-bip irónicos. Ou seriam, se não falássemos de gente profissional, que não queria humilhar tanto.

 

A minha escolha do bar foi simples: tinha wlan grátis e eu precisava dela para fazer uma chamada por skype. Comecei-a por volta dos 5 minutos de jogo e foi interropida aos 11 pelos primeiros festejos. No pasa nada, é só barulho, continuemos, mesmo que com um olho na chamada e outro no ecrã gigante. Aos 23 minutos nova interrupção e aos 24 outra. Decidi parar a chamada porque havia algo de estranho a suceder. Aos 26 minutos volta ao mesmo. Ou seria de facto o mesmo? Era igual ao anterior. Repetição? Não pode ser, a informação não deixa dúvidas. Mais uns minutos e os festejos acontecem pela quinta vez. Mas não são verdadeiramente festejos porque os alemães ainda não tinham parado os anteriores e, como nos filmes em que os gags se sucedem, a certa altura pouco mais que um sorriso há, devido à exaustão.

 

A meio havia uma certa sensação de estranheza. Havia quem quisesse ir para casa. Não havia forma de dar a volta e certamente que o resto nunca corresponderia às expectativas do que se tinha visto. Outros apostavam num colapso ainda mais prolongado e falta de piedade: a coisa iria para dois dígitos. O Facebook e o Twitter estavam cheios de piadas. Algumas eram obviamente recicladas, outras eram simplesmente óbvias ("muda aos cinco e acaba aos dez"...). Claro que ninguém arredou pé. Havia uma necessidade de confirmação colectiva do milagre. Era como um milagre do sol testemunhado por muitos mas ao contrário. Aqui tinha mesmo sucedido mas ninguém parecia acreditar nele.

 

A segunda parte começou com uma tentativa de mudar as coisas. Não sei, ninguém sabia, se eles acreditavam na reviravolta ou queriam somente salvar o orgulho (creio que eles próprios o saberiam, seria apenas instinto). Insistia-se no flanco esquerdo que tinha sido a razão da destruição na primeira parte e desta vez as cavalgadas suicidas eram melhor ancoradas. Ia resultando, mas era também um pouco fogo de vista. Os alemães estavam tranquilos (talvez de mais) e o triplo jogador mais recuado chegava para as falhas de concentração.

 

No bar crescia a frustração e a irritação. Queriam mais. Via-se que apesar de estar melhor, se estava a um erro de novo desmoronar. Havia uma certa passividade no ataque. Já se estavam a poupar para a final, indicavam alguns, mas sempre sem esconder uma irritação. Todos queriam o título, mas aquele era o momento de fazer algo mais, de deixar uma marca que fugisse ao estereótipo da eficácia dos títulos anteriores, que acabara ofuscada pelo brilhantismo de duas gerações e pelo péssimo mês de Junho de 1990.

 

A certa altura há um que se liberta, fica livre e, isolado, atira ao lado. Enorme "ooohhhh" colectivo e frustração absoluta. É como se tivesse perdido a oportunidade de decidir o torneio. Há irritação, fúria mesmo. Coloco a mão no ombro de um alemão numa mesa vizinha e faço-lhe ver a realidade do resultado (sê-lo-ia mesmo?, real?). Sorriu embaraçado, como se tomasse consciência do ridículo.

 

O último festejo proporciona uma espécie de libertação. Os anteriores tinham resultado de simplicidade e eficácia (ai os clichés), de qualidade geral mais que de brilhantismo individual. O final proporcionou o momento que outros podem relembrar no jogo. Um momento de beleza. Já mesmo no fim, quando a concentração falha no último momento, a sensação é curiosa, quase de alívio. Há um ou outro que arrisca dizer a palavra "consolação", mas engole-a rapidamente. Não é uma consolação, é essencialmente uma certa patina de realidade na alucinação. O hiper-competitivo triplo jogador está furioso mas é quase o único. Para todos os outros é necessário ver tal golo para que a realidade assente. É o momento de pausa antes do fim que torna o apito final inútil.

 

No fim do jogo há sorrisos no bar, mas são quase redundantes. Havia medo de ver um jogo ir a prolongamento. A diferença horária é grande e isso obrigaria a ir para a cama depois da meia-noite, uma hora mais tardia na Alemanha que em Portugal. Nas ruas há uns carros a apitar, mas respeitosamente e sem enorme entusiasmo. O resultado não assentou bem, não é verdadeiramente real. Há quem comente que no dia seguinte irão ser informados que se tratava de um grupo de sósias e que é necessário repetir tudo. Toda a gente sabe que é piada, mas ninguém se ri verdadeiramente. É como se fosse possível. Se sete-a-um-ao-Brasil-no-Brasil-nas-meias-finais-do-mundial é possível, então o conceito de realidade modifica-se. Num país onde os filósofos nacionais são venerados, a noção de realidade é mais que uma definição, é uma necessidade.

 

Estou para sair quando alguém comenta que se bateu o recorde de golos em mundiais. Toda a gente se olha entre si e sorri embraçada. Quando surgiu o golo decisivo toda a gente festejou duplamente: a vantagem alargada e o marco histórico. Com a avalanche que se seguiu o momento ficou esquecido. A realidade desse momento ficou diluída naquele momento de embaraço. No país onde a culpa do Holocausto é ensinada e cultivada até à exaustão, este massacre assumiu outros contornos. Se Nélson Rodrigues chamou ao Maracanazo o momento Hiroxima do Brasil, este terá sido o Holocausto. Tal como no anterior, os alemães comuns tiveram dificuldades em acreditar nele.

 

Aquilo aconteceu mesmo?

 

PS - este texto foi inspirado por este. Incentivo a sua leitura, tal como outros textos do mesmo autor. É sempre mais que apenas futebol.

Penso rápido (26)

Pedro Correia, 16.07.14

Certos espíritos cartesianos, que fazem gala em tingir de verniz racionalista todos os segmentos da existência, mostram imenso enfado perante as paixões dos estádios. Apetece apontar-lhes o caso do alemão Mario Götze: talvez descubram nele o puro sortilégio do futebol. 

Relegado para o banco de suplentes num torneio que na sua perspectiva parecia para esquecer, a meia hora do apito final Götze entrou em campo e tornou-se inesperado protagonista de um Mundial que para sempre recordará. Ao marcar o golo decisivo -- o da vitória, que muitos alemães já não esperavam -- cruzou o seu destino pessoal com o de largos milhões de adeptos.

Foi, sem dúvida, um dos melhores golos marcados em finais de campeonatos do mundo. Memorável não só pela circunstância mas também pela oportunidade, pelo recorte técnico, pelo instinto vencedor. A fotografia que corre mundo mostrando Götze no final, olhando o céu ainda incrédulo no rescaldo do lance que o tornara campeão, ficará como uma das imagens icónicas deste torneio de boa memória para quem aprecia futebol.

Por muito que isso custe aos tais cartesianos, incapazes de ver nos desafios dos estádios uma metáfora perfeita dos desafios da vida.

 

Mundial no sofá (17) - edição final

João André, 16.07.14

E agora para terminar a minha série, um balanço final feito em jeito de notas diversas.

 

A Alemanha foi uma justa vencedora. A melhor equipa, com a maior variedade e a maior concentração de talento. Não foi no entanto excepcional. A Espanha de 2010 teria vencido também este torneio.

 

A FIFA não mereceu o torneio. Deu indicações ridículas aos árbitros (terá pedido para se absterem de dar amarelos na primeira parte dos jogos); marcou jogos para a 1 da tarde em regiões quentes (e húmidas); andou com o Brasil ao colo enquanto pôde; escolhe os troféus individuais antes da final (num processo pouco transparente) e entregou-os imediatamente após a final. Temo o que vamos ver na Rússia e no Qatar.

 

Messi jogou, como li algures, em regime de time sharing pela Argentina. Apareceu neste jogo para marcar um golo, naquele para oferecer uma assistência e no outro para distrair a equipa adversária. Foram cameos engraçados, mas mais perto de Maradona 90 do que de Maradona 86.

 

Individualidades a destacar. Criativos: Alexis Sánchez, Arjen Robben e James Rodríguez (menção honrosa para Toni Kroos). Defensivos: Javier Mascherano, Giancarlo González, Ezequiel Garay (menção honrosa para Ron Vlaar). Funcionais: Philip Lahm, Arturo Vidal, Dirk Kuyt (menção honrosa para Paul Pogba). Casos estranhos: Tim Howard, Guillermo Ochoa e Keylor Navas (menção honrosa para Andrea Pirlo e David Villa).

 

Momentos para recordar: o voo de van Persie, os quilómetros de Sanpaoli, os saltos de Miguel Herrera, a falta de Matuidi sobre Onazi, a falta de Zuñiga sobre Neymar, as faltas brasileiras, os cartões amarelos de Fernandinho, o golo de Götze (e o primeiro também), John Boye, Akinfeev, o sprint de Robben, o sprint de Robben, o sprint de Robben, James, Rodríguez, sim, com, vírgula, o sete-a-um-nas-meias-finais que ainda custa a escrever, o calor, a húmidade, a caderneta de cromos de Balotelli, a testa de Pepe, os dentes de Suárez, o transporte do dinheiro ganês, a tatuagem de Pinilla, o jogo de "onde está o Fred?", Pirlo a jogar um jogo diferente dos outros, o fisioterapeuta inglês lesionado, os suplentes belgas, as defesas de Howard, o recorde de Klose, Neuer a jogar quatro posições ao mesmo tempo, o cabeleireiro da equipa portuguesa, os sonoríferos Irão-Nigéria e Argentina-Holanda, Krul a entrar para defender penáltis, Ochoa a fazer de homem-polvo, os números de ilusionismo de Müller, o meio-campo croata, o laser argelino, o segundo golo suíço contra o Equador, Enner Valencia, o espírito grego, o cinco-a-um-a-um-campeão-do-mundo-em-título, o golo de Tim Cahill, o cotovelo de Song, a cabeçada de Assou-Ekotto, as trocas tácticas de van Gaal.

 

A organização correu bem. Ninguém morreu decapitado, a malária não foi inevitável para toda a gente que esteve em Manaus, as manifestações não foram brutais nem obrigaram a cargas da polícia anti-motim, os jogos começaram à hora certa, ninguém se parece ter perdido, os visitantes foram bem recebidos (mesmo os argentinos) e as pessoas parecem ter-se divertido. Os jogos da fase de grupos foram saudavelmente malucos, os oitavos-de-final abertos e os outros jogos mais fechados como seria esperável. Houve dois jogos memoráveis (Holanda-Espanha e Brasil- Alemanha) embora não tenha havido nenhum jogo clássico.

 

Equipa do torneio (escolhida agora, amanhã poderia ser outra): Neuer, Lahm, Boateng, Garay, Blind, Mascherano, Kroos, Rodriguez, Sánchez, Müller e Robben. Suplentes: Navas, Armero, González, Pogba, Vidal, de Bruyne, Messi.

Equipa alternativa (um único jogador por selecção): Navas, Aurier, Thiago Silva, José Gimenez, Lahm, Mascherano, Inler, Rodriguez, de Bruyne, Sánchez, Robben.

 

Portugal foi uma sombra do que poderia ter sido, devido a más escolhas de jogadores, má selecção de onzes iniciais, lesões previstas, lesões imprevistas, má preparação e decisões parvas em momentos cruciais. A única coisa boa é que terá de obrigar a uma renovação da selecção. O mau é que a geração que chega é menos talentosa do que a que sai de cena. Vá lá que o próximo europeu é de 24 equipas e só Andorra é que não se qualificará.

 

A nível pessoal, uma falta de televisão em casa e uma quebra (ainda não resolvida por causa de burocracias) no serviço de internet garantiram que não visse tantos jogos como seria normal. Isso não foi mau de todo, impediu a saturação. Só me faltou ver alguns jogos mais na companhia de amigos e no café para poder insultar jogadores e árbitro com todo o à vontade. Esta gente do centro e norte da Europa é muito calminha...

Mundial no sofá (16)

João André, 15.07.14

Brasil 0 - 3 Holanda

 

Que dizer? Eu estava completamente errado. Não alinharam com suplentes e a Holanda acabou por estar mais motivada que o Brasil. O golo sofrido logo no início (em que o árbitro voltou a ser amigo) voltou a destruir os brasileiros. Depois disso foi uma questão de a Holanda ir gerindo os ataques desastrados, aproveitar as benesses brasileiras e ter paciência com o jeitinho do árbitro que seguiu a recomendação FIFA de não expulsar nenhum brasileiro. Imenso mérito para van Gaal que promoveu a renovação holandesa, apaziguou o grupo e aproveitou aquilo de melhor que os mais velhos tinham para dar. Tudo isto apesar de não poder contar com o jogador que teria sido o mais importante no seu esquema: Kevin Strootman.

 

Notas:

- Neymar nem sentia as pernas mas uns diazitos depois já por ali andava. Pois.

- Robben beneficia agora do descanso proporcionado pelas suas lesões no passado. Está mais rápido que nunca.

- Van Gaal sai no momento certo. Dentro de dois anos Robben, Sneijder e van Persie estarão provavelmente piores. Não há substitutos.

- As equipas de Scolari têm muito mau perder. Os brasileiros nas bancadas foram mais simpáticos.

 

Alemanha 1 - 0 Argentina

 

E enfim, finalmente Löw venceu um troféu com aquela que é considerada a melhor geração de sempre do futebol alemão. Foi justo que o golo tivesse saído dos pés do principal emblema da renovação alemã: Mario Götze.

 

O início foi complicado para os alemães. Sem Khedira, lesionado no aquecimento, fizeram entrar Kramer. Ao fim de meia hora este teve de sair com um traumatismo e entrou Schürrle. Volto a notar que a Alemanha chegou sem três médios que provavelmente teriam lugar no onze de quase qualquer outra equipa do mundial: Ilkay Gündogan, Lars Bender e Sven Bender. A mudança ajudou a Alemanha do ponto de vista táctico, uma vez que refreou um pouco as subidas de Zabaleta (sem opositor directo andava a cavalgar no flanco direito para se juntar ao ataque). Ainda assim ambas as equipas carrilaram o jogo pelos respectivos flancos direitos para aproveitar as forças próprias e a falta de rotinas adversárias.

 

Falar-se-á obviamente do falhanço de Higuaín, mas é nisto que se vêem os vencedores: quando a oportunidade se apresenta aproveitam-na. Ainda assim os alemães foram muitas vezes culpados de querer passar a bola entre si até entrar pela baliza adentro. Já os argentinos tentaram esperar pelas acções de Messi, mas viu-se que pouco mais tinham de plano do que defender e rezar por um momento de sorte ou génio.

 

Apesar de tudo, crédito aos argentinos. Chegaram com uma equipa a ser vista como ridiculamente talentosa no ataque e completamente fraca na defesa. Demonstrou o oposto no mundial, mais uma vez provando o adágio da manta.

 

Os alemães foram vencedores justos de um jogo que, não sendo um clássico, foi mais interessante que muitas outras finais (teve melhor futebol que 2010 e 2006). Também foram a melhor equipa do mundial e mereceram o troféu. Nesta final eu teria preferido ver uma Colômbia que, sem a vergonha do jogo contra o Brasil, bem lá poderia ter chegado. no fim foi a equipa mais sólida a que venceu.

 

Notas:

- Mascherano foi mais uma vez enorme. Garay e Demichelis estiveram também muito bem. E não percebo porque se queixam os sportinguistas de ter Rojo a lateral.

- Thomas "Raumdeuter" Müller deve ter roubado o manto da invisibilidade a Harry Potter. Isso explicaria muita coisa.

- Götze teve um mundial para esquecer. À excepção do último toque. Também foi engraçado ver a expressão de incredulidade dele, sem perceber muito bem o que tinha acabado de fazer.

- Acho que há avançados que vão passar a ter medo de Neuer: "se não comes a sopa toda chamo o Neuer".

- Entregar prémios individuais no final do jogo é uma palhaçada. Sem considerações sobre a justeza do prémio de melhor jogador, arriscamo-nos a figuras como a de Messi, que merece crédito por não ter dito a Blatter que metesse o troféu onde o sol não brilha.

Dá vontade de vomitar

Pedro Correia, 14.07.14

Foi caricato o troféu entregue pela FIFA a Lionel Messi, como melhor jogador de campo do Mundial de 2014. Logo ele, que na final contra a Alemanha se revelou um dos mais apagados intervenientes.

Em termos individuais, não tenho a menor dúvida: o holandês Robben foi o melhor jogador deste Campeonato do Mundo (acabou por ficar em terceiro na escolha da FIFA, após Messi e Müller). Mas na própria Argentina não era nada difícil encontrar quem mais merecesse ser distinguido do que o capitão alvicesleste. O excelente médio defensivo Javier Mascherano, por exemplo.

Decisões destas só desvalorizam futuros prémios e desacreditam ainda mais o organismo presidido pelo senhor Blatter. Por uma vez Maradona acertou em cheio ao protestar: "Querem que Messi ganhe algo que não ganhou."

No decisivo confronto contra a selecção germânica, Messi voltou a vomitar. Como se já previsse que lhe dariam o mais imerecido troféu da sua carreira. Apetece seguir-lhe o exemplo.

Incentivos ao visionamento do Mundial, #4

Ana Cláudia Vicente, 13.07.14

Apesar de os resultados que se sucederam aos incentivos aqui declarados fazerem desta iniciativa um tremendo "pé-frio", opto por seguir adiante, deixando uma última chamada de atenção estética. Desta feita a escolha recai num argentino (que não o popular "Pocho" Lavezzi), de novo um médio: Fernando Gago, correntemente ao serviço do Boca Juniors.

 

 

[Gago numa perpectiva monoscópica]

 

[Gago numa perpectiva estereoscópica]

 

A final dos dois candidatos socialistas

Rui Rocha, 13.07.14

Com tanto alarido sobre a final dos dois Papas, esquecemos que a de hoje é também a final dos dois candidatos socialistas. E, ao contrário de Bergoglio e Ratzinger que adoptam uma certa neutralidade, aquele porque não quer utilizar o canal de comunicação privilegiado que terá com Deus para inclinar o relvado a favor da Argentina e este por só encontrar estremecimento de fé se o ludopédio se jogasse de cilício, é claro que os dois Antónios têm posição clara sobre a partida. Para Tó Zé, o cenário ideal seria aquele em que a Alemanha prescindisse da sua vitória egoísta e austeritária para deixar ganhar a Argentina das bancarrotas. Já para Tó Costa, se lhe perguntássemos, ganhariam as duas selecções. Porque só vamos lá com crescimento. E com riqueza. E com desenvolvimento. E com livros do Paulo Coelho. Para tudo e para todos. Como é óbvio, os dois Antónios estão completamente alheados da realidade. 

Mundial no sofá (15)

João André, 11.07.14

O jogo para atribuição dos 3º e 4º lugares (JATEQL) é um aspecto curioso dos mundiais. Existirá provavelmente apenas para "encher chouriços", vender mais uns bilhetes e aumentar o custo dos direitos televisivos. Nalguns países chamam-lhe "jogo de consolação", noutros "pequena final". Regra geral as equipas que o jogam têm muito pouca vontade de o fazer. Depois de perderem 7-1 (Brasil) ou nos penaltis (Holanda), acredito que haja pouca vontade de adiar as férias.

 

Por outro lado é muitas vezes dos jogos mais interessantes que se podem ver num mundial. Depois das fases de grupos, as equipas tendem a fechar-se mais (um golo significa muitas vezes a eliminação) e os jogos tornam-se menos interessantes. No JATEQL as selecções não têm nada de especial a perder, pelo que decidem jogar com suplentes não utilizados. Estes, podendo finalmente jogar pela primeira vez no mundial, esforçam-se mais que os titulares e dentro de uma certa liberdade táctica que acaba por lhes ser concedida pelos treinadores. O resultado acaba por ser normalmente um jogo interessante.

 

Claro que o elemento de motivação continuará a ser importante. A equipa mais motivada ganha quase sempre. Quando ambas estão igualmente motivadas então ganha aquela que, no papel, é melhor. Entre o jogo do Brasil e Holanda ficará por saber se Scolari deixará os suplentes jogar e em que estado anímico estes estarão. Dos holandeses não espero muito entusiasmo. Estarão já a pensar nas férias e na final que não atingiram. Os brasileiros poderão muito bem ter um apoio completo do público e embarcar para uma vitória.

 

Não creio que as tácticas venham a ser muito importantes, especialmente se jogadores menos utilizados jogarem de início. Terão obviamente importância, mas apenas relativa. A motivação decidirá mais. E aqui, repito, vejo o Brasil a ter vantagem. Afinal de contas, ainda estão em casa.

A angústia do guarda-redes antes do penalty.

Luís Menezes Leitão, 10.07.14

 

"A angústia do guarda-redes antes do penalty" (Die Angst des Tormanns beim Elfmeter) constitui um magnífico livro de Peter Handke, que serviu de guião a um filme de Wim Wenders. O livro retrata o drama de um canalizador, antigo guarda-redes, que fica desempregado, sendo que o desespero causado pela situação o leva a cometer um crime. Neste âmbito a descrição da sua habitual angústia antes do penalty corresponde a uma metáfora da vida. O guarda-redes não sabe para onde vai ser dirigido o remate mas, pelo que conhece do jogador, atira-se para onde espera que ele remate. Mas fica-lhe sempre a angústia: e se ele desta vez remata para outro lado? Da mesma forma, a vida faz-nos muitas vezes surgir situações que não esperamos, e com as quais por vezes não conseguimos lidar.

 

Quando li este livro há muitos anos sempre pensei que havia um erro de perspectiva: o guarda-redes não tem qualquer angústia antes do penalty, pois ninguém está à espera que ele defenda. Por isso, se não defender, ninguém o acusa de nada. Se defender, é um herói para todos. A angústia é toda do marcador, uma vez que é ele que sabe que todos o crucificarão se não conseguir marcar o penalty. Por isso, o marcador tem uma tarefa dificílima de marcar com precisão e ao mesmo tempo enganar o guarda-redes, dissimulando o sítio para onde vai rematar.

 

As circunstâncias fizeram, no entanto, com que ontem no Argentina-Holanda existisse uma verdadeira angústia do guarda-redes antes do penalty. É que, no jogo anterior com a Costa Rica, o treinador holandês, Van Gaal, decidiu substituir no último minuto de jogo o guarda-redes habitual, Jasper Cillessen, pelo seu suplente, Tim Krull, um especialista na defesa de penalties. Tim Krull desempenhou a tarefa na perfeição, ocupando totalmente a baliza e enervando os marcadores, o que apurou a Holanda perante uma Costa Rica que me pareceu mais forte. Mas, ao que consta, Jasper Cillessen ficou furioso, pois não tinha sido previamente avisado dessa estratégia.

 

Talvez por esse motivo, num jogo que me pareceu que estava fadado para ser decidido por penalties desde o primeiro minuto, Van Gaal deixou esgotar as substituições, pelo que acabou por ser Cillessen a defender os penalties. É verdade que o mesmo tinha feito uma extraordinária exibição durante o jogo, mas notou-se claramente que acusou o peso de ter que defender os penalties, uma área em que manifestamente não é especialista. Duas vezes se atirou para o lugar certo e das duas não conseguiu segurar a bola, sendo então o útimo remate um frango monumental.

 

Daqui fica demonstrado como Van Gaal errou ao não substituir outra vez o seu guarda-redes, que sabia perfeitamente não estar vocacionado para defender penalties. Em A Arte da Guerra, Sun-Tzu escreveu: "Se conheces o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, se tiveres cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, as tuas chances de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo o teu inimigo e a ti mesmo, só contarás os teus combates por derrotas".

Os castelos da Baviera

José Navarro de Andrade, 09.07.14

A melhor equipa deste mundial é incontestavelmente o Bayern de Munique. Nas meias-finais alinharam jogadores do Bayern pela Alemanha (Neuer, Boateng, Lahm, Shweinsteiger, Kroos, Müller e Klose, que já não é mas é como se fosse, e no banco ficou Götze), pelo Brasil (Dante desceu aos Infernos - trocadilho óbvio - porque habituado a vê-los de costas, apanhou com eles de frente) e pela Holanda (o escanfandrista Robben). Mas o Bayern ainda deu para fornecer as principais estrelas da França (Ribery, apesar de ausente), Suiça (Shaqiri), EUA (Julian Green), Croácia (Mandzukic).

Pode-se assim inferir que vencerá aquela equipa que apresentar o número suficiente de jogadores do Bayern para aplicar em campo o seu famoso modelo de jogo, mesmo que por cortesia com os anfitriões, se disfarce com a camisola do Flamengo. Ora esse modelo, já adivinharam os especialistas (um especialista em futebol é alguém que tem oportunidade de se enganar mais vezes que um amador) é, digamos assim, o tüken-täken. Para os leigos seja explicado que se trata de um tiki-taka com mais centímetros de altura e nutrido por uma dieta de salsichas e cerveja em vez de tapas.

Quanto à única equipa das meias-finais que não tem jogadores do Bayern, essa tal de Argentina, a questão estará em saber se Mascherano e Messi já se esqueceram do modo como jogavam há dois anos. Mas o Sabella já provou ser um grande macaco e tem-se recusado a treinar ou a dar a táctica à Argentina, para não estragar nada – talvez resulte.

Desconfio que o Bayern era capaz mesmo de ganhar à Alemanha.

A ver a bola passar

Teresa Ribeiro, 09.07.14

Um homem não chora, mas ontem vi montes deles em lágrimas num estádio. A bola, redonda como o mundo, é o país que inventaram para se poderem permitir fazer tudo, até ter chiliques devido à emoção, coisa que noutras circunstâncias só consentem às meninas.

Apesar de haver tanta mulher a vibrar com os jogos, este espaço continua a ser, na essência, de exclusividade masculina e por isso é que paradoxalmente invade tudo, ocupando tempos de antena infinitos nas televisões, monopolizando as manchetes dos jornais, varrendo para páginas interiores temas realmente sérios. 

Fosse um campeonato mundial de futebol feminino e não haveria bandeiras nas janelas, nem acessos histéricos e avulsos de patriotismo, nem "países inteiros" em depressão ou euforia por causa dos resultados da bola. É no auge destes torneios que se percebe até que ponto o mundo pula e avança ainda e só segundo as idiossincrasias deles e à sua exacta medida.