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Delito de Opinião

Duzentas e dezassete sondagens depois

Pedro Correia, 26.01.23

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Desde 2017, o PS não era destronado nas intenções de voto dos portugueses expressas em sucessivos barómetros e sondagens. Que há ventos de mudança no ar, fica evidente nestes números ontem divulgados na pesquisa da Pitagórica para a CNN Portugal e a TVI: o partido laranja lidera agora, com 30,6%, enquanto os socialistas baixam para 26,9% - uma queda abrupta de nove pontos percentuais desde o inquérito anterior. Sinal inequívoco de que a maioria absoluta obtida há um ano nas urnas por António Costa se esfumou sem remissão por efeito das incontáveis trapalhadas deste governo. Duzentas e dezassete sondagens depois.

Mais significativo ainda: segundo o mesmo estudo de opinião, 53% dos portugueses avaliam negativamente o desempenho do executivo Costa, que praticamente não precisa de oposição para naufragar em toda a linha. A cada passo vai cavando a própria sepultura. Tendo um prazo de validade já indicado por Marcelo Rebelo de Sousa: ou o partido ainda absoluto ganha juízo ou haverá eleições legislativas antecipadas em 2024.

Sinal inequívoco de decadência. Quando até o Presidente da República, que tem andado com o governo ao colo, já se confessa farto de assistir impávido a tão monumentais tiros no pé

Metamorfose

Maria Dulce Fernandes, 02.04.22

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Tu sabes mariposa que uma borboleta não nasce com a dádiva de Ícaro, o dom de poder voar, voar até sentir que tem as asas que deveriam ser as suas desde que veio ao mundo. Pode sentir-se borboleta, mas começa por ser um pequeno ovo que se desenvolve até ser lagarta, aquela que tece a crisálida que a abrigará até a metamorfose estar completa e poder finalmente ter asas, alongar o seu esplendor e fazê-las voar. É um processo moroso que requer paciência, resignação, grande autoestima e capacidade de perdoar a quem não entende a tua necessidade de ser alado.

Conheci-te eras pouco mais do que um ovo, um lagartote que só queria comer e jogar à bola. Passeavas os teus sobrinhos bebés, todo janota conduzias o teu táxi. Mostravas vaidoso as tuas conquistas. Prumo de elegância saías com a rapaziada, sempre com uma alegre palavra de despedida. Depois casaste e com que orgulho e ternura enlaçavas os teus filhos! Naquela altura ninguém entendeu porque é que o teu casamento chegou ao fim, mas tinhas o apoio do teu irmão. Estavas bem. Até não estares. Ninguém esperava que ele fenecesse assim, foi repentino e surreal, que não, que não acreditavas que fosse antes de ti, dizias a soluçar. Foi dos desígnios de Deus.

Ficaste estranha, mariposa. O luto nem sempre é fácil de fazer. A dor encapota-se na banalidade dos dias e o desgosto e a tristeza fazem pesar uma longa noite que por vezes leva anos a passar.

Mas contigo não. Abraçaste de imediato a radicalidade do amanhã, deixando a de ontem mal resolvida. 

Seguiste-te, aos teus sonhos e aos impulsos da carne. Passou um ano, passaram dois e a metamorfose ficou completa. Gritaste-a aos quatro ventos, mostraste-te ao mundo como és, quem és, os teus sonhos e ambições. É aqui, é agora, é real, é igual. O espelho, esse caprichoso, não te devolve quem tu querias ser, devolve-te quem tu eras. Não é preconceito,  só realidade.

E tu não entendes. Tanta luta, tanto sofrimento, mas a magia não aconteceu. Aínda não. Será que demora a chegar?

E eles? Os outros? Todos. Porque demoram a ver-te a ti? Não pode haver engano! Tu não és mais quem foste durante tantos anos! Queres bradar ao mundo, clamar que te vejam mas não entendes que não se apaga toda uma vida com uma assinatura num papel, no fumo de um fósforo gasto, no sopro do ar de um suspiro. Dá tempo ao tempo, mariposa, deixa-os ver que a amizade é igual, a diferença são apenas as asas, aquelas que escondias e agora abres para voar. 

Sabes, mariposa, a aceitação tem que começar por ti. Primeiro e sempre, tens que ser tu, sempre tu, a nova tu,  liberta de preconceitos, intolerâncias e hostilidades a dar o primeiro passo. 

A felicidade também pode fazer voar.

Sobre o fim do mundo

Paulo Sousa, 17.09.19

O terramoto de 1755 - Pintura de João Glama Strobërle que pertence ao espólio do Museu Nacional e Arte Antiga

 

Se a vida na terra tivesse 24 horas, o ser humano teria aparecido apenas nos últimos minutos. Isto significa que o conceito do "fim do mundo" é geologicamente recente pois só existe desde que o primeiro humano formulou esse pensamento. Antes disso existia apenas mudança permanente e que afinal nunca foi interrompida.

Os equilíbrios da natureza são importantes porque dependemos deles, mas não são estáticos nem são definitivos.

A extinção de espécies é algo que aconteceu regularmente ao longo do comprido dia da vida na terra. Uma imensidão delas nem sequer fósseis nos deixaram e isso coloca-as em pé de igualdade com os dragões que, esses sim, nunca existiram. É triste saber que os ursos polares, uns animais fantásticos, irão provavelmente desaparecer, mas isso aconteceu regularmente desde que existe vida na terra.

Sem o aquecimento global que se verificou há cerca de 10.000 anos o gelo cobriria toda a Europa. A civilização como a conhecemos não teria acontecido e não estaríamos aqui a trocar ideias através da blogosfera, algo cujo conceito seria difícil de explicar há 50 anos.

Alguns ambientalistas criticam a espécie humana por se comportar como se estivesse no centro de toda a vida na terra. No minuto seguinte usam o futuro das próximas gerações de humanos como argumento de defesa das suas convicções. Não fazia mais sentido defender a natureza pelo que ela tem de fantástica?

O ponto óptimo de poluição não é a ausência de poluição. É claro que vivemos muito acima desse ponto óptimo e devemos fazer um esforço para a reduzir. Estou convicto da necessidade de se fazer um esforço para minimizar o impacto na natureza, principalmente porque… esta é extremamente bela.

Na dinâmica do combate às alterações climáticas, que no fundo não é mais do que um combate contra a mudança, existe uma histeria e uma vertente de fé que faz lembrar períodos na história em que se verificaram grandes catástrofes, como o terramoto de 1755 ou a peste negra. Nesses períodos conturbados sempre surgiram os pregadores do fim do mundo. Estas figuras apresentam-se como explicadoras do inexplicável e fonte de conforto a todos quantos queiram ouvir a mensagem de uma entidade superior.

Surgem ora com um sino, ora com um grande crucifixo, ora com os dois e garantem que todos os que almejem salvar a respectiva alma imortal devem deixar de pecar, arrepender-se, devem orar e devem sacrificar-se.

Actualizando a mensagem recomendo que:

Onde se lê deixar de pecar pode ler-se comprar um carro eléctrico.

Onde se lê arrepender-se pode ler-se viver como os Amish.

Onde se lê orar pode ler-se votar no PAN.

Onde se lê sacrificar-se pode ler-se ir de avião semanalmente para Bruxelas mas descarregar a consciência pagando a taxa de compensação pelas emissões de CO2.

Esta é a postura do PAN, da menina Greta e da sua legião de globetrotters passageiros frequentes das companhias de low cost.

Profetas do apocalipse existiram em todos os tempos e em todas as latitudes e sempre tentaram mudar o comportamento dos outros.

Se a mudança é permanente e se de facto estivermos a viver um período especial, o mais ajuizado será estarmos alerta e para tentar ser capaz de, como nos ensinou Darwin, se adaptar. A confirmar-se o que nos garantem os profetas desta nova religião, alguns territórios que agora tem um clima ameno podem vir a tornar-se inóspitos assim como o contrário. A geografia sempre foi um factor determinante no equilíbrio dos povos e das nações e isso não se alterará.

Só falta mesmo esperar pela confirmação das profecias.

A chegada da mãe adoptiva

Sérgio de Almeida Correia, 13.03.16

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 (Estela Silva/Lusa)

Nos seus quarenta anos de existência, o CDS-PP, antes apenas CDS, talvez em breve de novo CDS, passou por diversas fases e conheceu vários presidentes (Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires, Adriano Moreira, Manuel Monteiro, Paulo Portas, Ribeiro e Castro, e de novo Paulo Portas). A partir de amanhã o CDS-PP terá um novo líder.

Assunção Cristas vai assumir os destinos de um partido histórico da democracia portuguesa numa altura particularmente difícil para o partido que vai dirigir e para o país. Não é normal que assim seja, mais a mais tratando-se de uma mulher. Menos ainda porque o país já foi, numa infelicidade manifesta mas que diz muito do país que somos, definido como uma “coutada do macho latino”, um país de forcados, chicos espertos e fala-barato.

O CDS-PP tem passado por momentos menos bons, outros melhores, mas conseguiu sempre resistir em fases difíceis da sua existência a acontecimentos nefastos e à pressão externa e interna (por exemplo: Palácio de Cristal, falecimento de Amaro da Costa, conflito Monteiro/Portas, lideranças de Adriano Moreira e Ribeiro e Castro), afirmando-se como um partido com indiscutível representação social, embora sujeito a um eleitorado demasiado volátil e à mercê das constantes oscilações, incertezas e ajustamentos de rota provocados pela navegação de cabotagem a que o PSD habituou os portugueses e o seu eleitorado de centro-esquerda.

Também por via disso, o CDS-PP tem oscilado entre o centrismo puro de inspiração democrata-cristã, o conservadorismo clássico, o liberalismo moderado (mais moderado do que o do seu congénere situado imediatamente à esquerda) e alguns desvarios neoliberais, com mais ou menos pozinhos populistas, numa acomodação q.b. ao regime e ao poder, através da qual procura transmitir a imagem de comprometimento enquanto está neste e as coisas correm bem, e de descomprometimento e distanciamento assim que se vê com um pé fora, estratégia em que Paulo Portas foi exímio. Os ciclos de ascensão e poder, aliás coincidentes com períodos de grande imoderação verbal e fortes apelos populistas, tensões e rivalidades, têm-se sucedido a momentos de grande incerteza, procura de afirmação da sua própria identidade e reencontro com o seu eleitorado, estes últimos servindo para manterem o partido à tona da água.

O actual momento não foge a esta incerteza. A saída de Paulo Portas marca o fim de um ciclo que foi também marcado por expulsões e defecções em massa de militantes, sublinhando o afastamento de um líder que teve tanto de eucaliptal como de carismático, para o pior e o melhor, e uma tentativa de descolagem dos últimos quatro anos, marcados pela menorização e subordinação do CDS-PP ao PSD e às contingências económicas e financeiras ditadas pela troika e a irresponsabilidade e a negligência que sublinharam o segundo mandato de José Sócrates, atirando o país — marcado pela cegueira da oligarquia dirigente e dos militantes do PS, a conivência oportunista do PSD, do então Presidente da República, dos partidos da esquerda dita radical e do próprio CDS-PP — para um crise gravíssima. O CDS-PP acabaria por ser um dos beneficiários dessa crise, mas em razão do seu tacticismo e falta de ousadia não soube tirar partido das circunstâncias ficando até ao fim agarrado ao poder, numa altura em que a sua manutenção na geringonça de Passos Coelho já não antevia nada de bom para o partido e para o país. A participação no falhado Governo dos dez dias foi o estertor do portismo (também do passismo que segue por aí moribundo de bandeirinha na lapela enquanto os seus apoios são investigados em Gaia).

A saída de Paulo Portas, colocando ponto final a um período de estagnação, centralismo e política de sacristia que envolvia a distribuição de hóstias a pedido de várias famílias e ao domicílio, abre um novo momento para o CDS-PP e a possibilidade da sua afirmação num campo eleitoral subitamente alargado pelo quase desaparecimento do PSD da cena política, cada vez mais agarrado aos seus fantasmas e às suas sombras (Pacheco Pereira tem sido exemplar na forma como tem analisado este período da vida do PSD).

Os primeiros sinais deixados por Assunção Cristas no XXVI Congresso indiciam a sua indiscutível vontade de mudar e de corrigir algumas das disfunções identificadas por Adolfo Mesquita Nunes (Visão, 7/1/2016) num texto recente e de que amiúde se queixou José Ribeiro e Castro (vd. "O “Napalm” como arte dirigente", Público, 02/01/2014; "O dia em que morreu o CDS", Público, 11/8/2015, "O “napalm” como arte dirigente 2", Público, 29/02/2016, mas em especial "Para que serve o CDS", in CDS - 40 anos ao serviço de Portugal, Prime Books, no prelo), creio que com inteira razão, designadamente quanto ao desprezo a que os militantes foram votados nos últimos anos (a este propósito leia-se também a carta de desfiliação do desencantado militante Luís Russo Pistola, publicada em 16/06/2014, na sua página do Facebook), havendo inclusivamente decisões sem qualquer suporte jurídico-estatutário tomadas pela direcção à revelia dos órgãos próprios do partido e dos seus militantes (“Comissão Política Nacional da Coligação Portugal à Frente”). Um outro sinal da vontade de imprimir uma mudança por parte de Assunção Cristas é a sua decisão de apoiar a criação de um órgão próprio de acolhimento e integração de novos militantes (decisão que vivamente saúdo e gostaria de ver replicada no meu próprio partido), imposta pela necessidade da renovação e relegitimação perante o seu eleitorado e de afirmação perante o potencial.

Também a chamada de mais mulheres aos órgãos nacionais – pese embora o anacronismo da inclusão de Cecília Meireles – e de novos dirigentes, reconduzindo os mais capazes, menos comprometidos com o passado e que mais garantias podem dar de consolidação de uma liderança (João Almeida e o ostracizado Filipe Anacoreta Correia, são exemplos) e de um projecto que necessita do apoio das suas normalmente desconfiadas bases para singrar, contribuem para essa ideia.

O CDS já tinha ficado órfão de pai (Freitas do Amaral) e de mãe (Adelino Amaro da Costa), sem nunca se ter depois verdadeiramente identificado com a liderança dos seus filhos biológicos (Lucas e Pires e Ribeiro e Castro). Ainda menos, com o afilhado (Manuel Monteiro) ou com o padrasto, um senhor respeitável e de dimensão intemporal ao qual o partido muito deve sem jamais o ter reconhecido em toda a sua dimensão (Adriano Moreira). Agora o CDS ficou órfão do pai adoptivo (Paulo Portas), pelo que em continuação do seu drama familiar vai agora entregar-se aos cuidados de uma mãe adoptiva. E esta poderá ser a chave do sucesso e da reafirmação e crescimento eleitoral do partido, porque uma mãe adoptiva gosta tanto dos seus filhos como uma mãe natural, com a vantagem de que tendo a noção das dificuldades e do drama pelo qual os filhos já passaram terá tendência a gerir com mais equilíbrio a distribuição de afectos, mantendo a disciplina, a participação de todos e o respeito dentro de portas para afirmação da sua própria autoridade no seio familiar, na gestão das questões escolares da rapaziada e nas actividades da sua paróquia.

Assunção Cristas tem um estilo próprio, ao mesmo tempo duro e caloroso, nada afectado e bastante prático, sendo pois de antever que funcionará assim como uma espécie de Nossa Senhora do partido, ungida pelo anterior líder, para manter a estabilidade interna enquanto afirma a sua liderança, e conduzir o CDS (aqui já sem PP), transformando-o numa espécie de CDU à portuguesa, mas mais à esquerda, com responsabilidade, preocupações sociais e cívicas, e onde um independente como Bagão Félix se poderá voltar a rever.

A chanceler Merkel veio do Leste, da ex-RDA. Assunção Cristas nasceu no pós-revolução, em dia de manifestação da infame e tenebrosa Maioria Silenciosa, e chegou de Angola com os seus pais nos conturbados tempos de 1975, integrando uma família numerosa, que passou pelas dificuldades próprias de quem sai da terra onde se formou e cresceu para sobreviver num meio politicamente crispado e hostil que vivia o PREC e os “tempos áureos” da reforma agrária. Ironia das ironias, o CDS-PP que tantas e tão repetidas vezes teve dificuldade, ao nível de algumas das suas bases mais reaccionárias e ignorantes, de conviver com a integração dos “retornados”, apesar de muitos destes com ele se identificarem, vai agora ser liderado por uma para todos os efeitos “retornada”, que felizmente para ela não viveu o desprezo e o estigma a que alguns foram outros votados e pelo qual foram perseguidos ao longo da sua adolescência e vida adulta no Portugal democrático. Cristas é senhora de um percurso académico, de uma frontalidade e uma transparência no discurso (por vezes enganadora quanto às suas reais intenções) que podem começar a fazer a diferença (também alguma mossa nos adversários) e a marcar um tão desejado tempo novo, não apenas para o CDS-PP como para todos os restantes partidos portugueses. Tempo novo, é justo referi-lo, já iniciado pela presença mais assídua e saudável de mulheres jovens e bem preparadas na direcção de um outro partido (Bloco de Esquerda) e a que o novo Presidente da República se vem diariamente associando.

Para já, a frase que Assunção Cristas proferiu no Congresso e que irá marcar os próximos tempos, porque proferida por uma dirigente de um partido tradicional e dos mais responsáveis pela situação actual do país (“porque ser política e estar na política deve-nos entusiasmar a todos e ser um motivo de orgulho para todos, não é uma actividade menor, não é uma actividade de má fama, apenas para aqueles que não conseguem fazer outra coisa na vida, tem de ser para os melhores de nós") deve ter deixado alguns dos militantes do seu partido em estado de choque. Pelo que traz de novidade ao tradicional cinzentismo, opacidade e oportunismo de alguns dos seus militantes mais poderosos, habituados a verem no partido, à semelhança do que acontece recorrentemente noutros partidos à sua esquerda e do chamado arco da governação, o subsídio de aleitamento da suas incapacidades.

Ainda que não se saiba por agora se será só uma líder transitória, embora não seja essa a minha leitura, mas pelo que pode representar de mudança e sangue novo na política, afronta ao passado recente, coragem e afirmação feminina na política, mudanças que no país do O'Neill, Sena e Cardoso Pires, que é também o meu, são sempre de saudar, estou convicto de que a assunção de Assunção vai gerar muita expectativa.

A motivação do combate político à esquerda do CDS passa por aí e pelo aparecimento à direita de lideranças fortes, preparadas e frontais, que a libertem do espírito proteiforme e moluscóide das suas lideranças das últimas décadas. Oxalá que à esquerda haja quem saiba ler os sinais, o que ficou expresso e as entrelinhas. Os comboios de alta velocidade não costumam parar em apeadeiros para apanharem os atrasados, os renitentes e os incautos.

__________________ 

P.S. (1) Vai daqui uma saudação ao Adolfo Mesquita Nunes, colega de tribuna no Delito de Opinião, desejando-lhe as maiores felicidades na vice-presidência do CDS-PP. E formulo votos de que o exercício desse cargo não seja pretexto para se afastar desse espaço. Os partidos têm de saber conviver com a liberdade de opinião dos seus dirigentes e militantes. E o debate também tem de ser feito fora de portas (literalmente) para se poder tornar mais rico e mais inclusivo.

P.S. (2) Este texto ignora a participação de Assunção Cristas nos anos de Governo de Passos Coelho. O balanço do que ali fez, com ou sem ar-condicionado, perfumado ou a cheirar a catinga, não constituía objectivo destas linhas.

(texto inicialmente publicado aqui)

A hora de Marcelo

Pedro Correia, 09.03.16

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De raros portugueses se poderá dizer - como dele é justo referir - que se prepararam desde sempre para a função presidencial, a partir de hoje exercida por Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.

O sucessor de Cavaco Silva fez quase tudo quanto queria, do modo muito peculiar que é o seu: não lhe conhecemos ressabiamentos nem frustrações. É um homem bem resolvido em diversos planos, tanto quanto alguém o pode ser.

Acaba de cumprir a menos dispendiosa e mais bem sucedida campanha eleitoral de que há memória entre nós. Nenhum político actual consegue competir com ele em popularidade. Nem chega ao Palácio de Belém para ajustar contas com terceiros. Define-se pela positiva e este é um precioso atributo num país de gente deprimida - característica que não vem expressa em nenhuma alínea da Constituição da República mas que ele imprimirá ao seu mandato com a urgência necessária. Estou certo disso.

O que mais nos falta é aquilo que mais devia abundar nesta nação que, como dizia o poeta, durante séculos soube "navegar além da dor": alguém que olhe para um copo e o veja meio cheio.

Tão simples como isto.

Marcelo, que acaba de prestar juramento solene e pronunciar um  notável discurso inaugural como Presidente da República, é esse homem. E esta é a sua hora. Chega no momento certo.

Alguma coisa tem de mudar

Tiago Mota Saraiva, 22.12.15
Em 2012, a troika obrigou o Estado português a criar um fundo de resolução a que todos os bancos podiam recorrer, com uma parte significativa do valor que ia emprestar. Como era previsível, este valor serviu ao BANIF para mais uns poucos anos de regabofe e, sobretudo, para conseguir que os principais accionistas fossem conseguindo diluir as suas responsabilidades no banco.
O Orçamento Rectificativo que a Assembleia da República votará amanhã, transforma a dívida do BANIF num custo para o erário público, sem responsabilização da troika (que obrigou o Estado a criá-lo) ou dos responsáveis do banco - administradores e accionistas. Mais, abre um precedente ao qual todos os bancos poderão recorrer.
O PCP faz muito bem em não aprovar este orçamento rectificativo. Espero, sinceramente, que BE e PEV também o façam.
 
 

Um castelo na areia

Pedro Correia, 27.11.15

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Detesto a atitude daquelas pessoas que se entretêm a fazer os mais negros vaticínios seja sobre o que for para um dia poderem gabar-se, levantando o queixo, com uma espécie de superioridade moral: "Eu bem avisei..."

Em Portugal, no espaço mediático, há gente em excesso a proceder assim.

 

Vem isto a propósito do XXI Governo Constitucional, que ontem tomou posse.

É o segundo maior, em 40 anos de democracia, desde o infausto executivo de Pedro Santana Lopes - o que talvez baste para sobressaltar alguns supersticiosos. Dezassete ministros e quarenta e um secretários de Estado, além do primeiro-ministro: quase seis dezenas de figuras,  o que satisfaz certamente aqueles que equiparam quantidade a qualidade.

 

Não é o meu caso.

Olho para o novo Governo e em vez de observar uma construção sólida vejo um castelo de areia. Erguido pela negativa, com o propósito de "travar a direita". Sem uma base parlamentar consistente, sem um só membro à esquerda do PS - mera emanação de 32% do eleitorado.

Bloco de Esquerda e Partido Comunista, que reivindicavam pertencer ao "arco governativo", optaram afinal por ficar de fora, na posição sempre cómoda de tentar ditar a táctica no conforto da bancada. E o secretário-geral do PCP nem se dignou comparecer na cerimónia de posse do Executivo, o que não deixa de ser sintomático sobre a frouxidão dos elos entre as diversas esquerdas. Em política, estes gestos contam muito.

Na sessão parlamentar de hoje já ficou patente como será difícil alcançar consensos em temas tão diversos como a supressão da sobretaxa do IRS, o descongelamento das pensões, a  reposição integral dos cortes salariais na função pública, a legalização das barrigas de aluguer e a  anulação das subconcessões nos transportes públicos urbanos em Lisboa e Porto.

Todas baixaram às comissões para debate suplementar. Questões adiadas, sem votação.

 

Auguro pouco de bom a este Governo, embora reconheça que integra personalidades com prestígio profissional, de perfil centrista e dotadas de inegável competência técnica.

Conheço vários dos novos ministros e secretários de Estado há anos suficientes para saber que farão o seu melhor e tenho estima pessoal por alguns. Mas os desafios que enfrentarão são imensos. Em várias frentes. E devem acautelar-se desde logo com o "fogo amigo".

 

Espero sinceramente estar enganado.

Desde logo porque qualquer governo deve sempre merecer uma expectativa benevolente dos cidadãos, tenham ou não votado nele. E também por sentir pouca vocação para engrossar o coro das cassandras. Jamais me congratularei com fracassos de um executivo, na medida em que isso também representa um fracasso do País.

Não desejo, de todo, ser mais um a proferir a fatídica frase "eu bem dizia..."

 

Mas olho para lá e só continuo a ver o tal castelo.

Um pequeno passo

Tiago Mota Saraiva, 20.11.15

- Revogação das alterações à lei da IVG aprovadas pela maioria de direita na legislatura passada;
(aprovado com os votos do PS, BE, PCP, PEV, PAN e 1 PSD)

 

- Aprovação a adopção por casais do mesmo sexo;
(aprovado com os votos do PS, BE, PCP, PEV, PAN e 19 PSD)

 

- Aprovação de alteração ao Código do Registo Civil, tendo em conta a adopção, a Procriação Medicamente Assistida e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo.
(aprovado com os votos do PS, BE, PCP, PEV, PAN e 15 PSD)

Mudança de hora.

Luís Menezes Leitão, 30.03.14

 

Se há algo que eu detesto é esta disparatada mudança de hora, que não tem qualquer utilidade e é altamente prejudicial à saúde das pessoas, como esta notícia demonstra. Felizes os países que não alinham neste disparate de inventar uma hora de Verão no início da Primavera para depois voltar à hora de Inverno em pleno Outono. Até quando continuaremos a insistir numa coisa tão absurda?

A novela.

Luís M. Jorge, 24.08.11

Em dois meses de Governo muita coisa mudou em Portugal. Os impostos aumentaram, mas só para quem trabalha. O projecto do TGV foi recuperado, mas só para mercadorias. Um ministro tentou intervir na televisão pública, mas só informalmente. A RTP vai ser privatizada, mas só no Canal 2. A Caixa Geral de Depósitos tem mais administradores, mas só por causa do mérito. Um comunista foi trabalhar para a direita, mas só para ganhar dinheiro. Os órfãos de José Sócrates chamaram filhos da puta e nojentos aos adversários políticos, mas só estavam a brincar.

 

É uma nova pátria, um novo desígnio, enfim, uma coisa nunca vista.

Conseguirá Portugal mudar?

Sérgio de Almeida Correia, 11.08.11

Todavia, é com verdadeira alegria que me acho neste canto que a política me deixa. Faço deste canto de boa vontade o lugar do espectáculo para assistir às últimas agonias do pensamento em Portugal. Trata-se de cair bem, meus amigos, como os antigos gladiadores: ‘Oh, egoísmo mundano, os que vão morrer saúdam-te’.

 

E depois, meus caros amigos, eu acho admirável a sociedade moderna, a sua política perfeita, a sua indústria magnífica, a sua agiotagem providencial, o seu luxo simpático, a sua retórica florida, a sua arte económica, os seus sonhos de ouro, mas persisto em invejar aqueles como o antigo Daniel podem contemplar as estrelas, enquanto os bichos sociais se devoram na sombra” – Eça de Queirós, O Milhafre

 

 

Durante pouco mais de duas semanas dediquei-me a um exercício que foi o de apresentar recortes, frases soltas, citações, colhidas aqui e ali, sobre temas de actualidade relacionados com Portugal, com a governação, com os portugueses. Houve quem visse aí uma afronta a um poder legítimo e democrático saído de eleições há pouco mais de dois meses. Muitos ficaram incomodados porque não identificaram nesses recortes, nessa transparência, uma "nova forma de fazer política" e de "falar verdade" aos portugueses. Reconheceram, contra o que desejavam, frases que não gostariam de ter lido, algumas de companheiros de partido e de gente que levou os últimos anos a suspirar pela saída de José Sócrates. Viram reflectidas as atitudes e os comportamentos de quem tendo alcançado o poder e anunciado a mudança acabou por, inexplicavelmente, para quem não o esperava, assumir modelos herdados do passado que contrariavam o discurso pré-eleitoral. Nalguns casos, o discurso já era pós-eleitoral e pós-tomada de posse e ainda assim surgia inquinado sem que a Oposição, ainda carecida de liderança e em convalescença, tivesse de fazer alguma coisa para demonstrá-lo.

 

Não cometerei, não obstante, a deselegância - esse não é o modelo que sigo – de chamar aos actuais responsáveis, como outros fizeram, nesta mesma blogosfera e quantas vezes protegidos pelo anonimato, os nomes que todos recordam terem sido apontados a quem saiu e às suas políticas.

 

O exercício que tive a “ousadia” de fazer foi recebido por alguns incontrolados e indefectíveis cristãos-novos do “passismo” – assim se deverá chamar a "nova forma de fazer política" inaugurada em 5 de Junho – como um “ressabiamento socratista”, quando qualquer pessoa interessada e diligente que tivesse lido o que escrevi nos últimos anos, a começar por esta tribuna, dificilmente poderia concluir, com seriedade e de boa fé, que eu alguma vez tivesse sido um “socratista” ou moleque de alguém, e que ressabiado é coisa que não sou (nem tolero, pois continua a haver muita coisa em que, interpretem como quiserem, me afasto do politicamente correcto). A incompreensão faz parte da natureza humana.

 

Se agora fizermos um outro exercício, verificaremos que muitas das (poucas) medidas já tomadas por este Governo faziam parte do pacote da troika, não se revestindo de qualquer inteligência ou originalidade (à semelhança das citações que fiz); algumas outras não foram mais do que um empurrar lá mais à frente a resolução dos problemas, entregando a grupos de trabalho ou comissões de circunstância a produção de documentos de apoio à decisão que já deviam ter sido preparados – o caso da RTP é de todos o mais flagrante – ou decisões mitigadas e que aparentemente se destinavam a revelar uma "nova forma de fazer política" e "falar verdade" aos portugueses, que, salvo uma ou outra excepção, não passaram de gestos inconsequentes, populistas e em relação aos quais se dirá, não tendo que citar o "detestado" Miguel Sousa Tavares, que até gente tão insuspeita quanto Manuela Ferreira Leite alertou para o perigo da demagogia.

 

De quem disse aos portugueses que estava preparado para governar, que tinha uma equipa capaz e competente e que se impunha tomar o poder numa situação de verdadeira emergência nacional (também penso que era), esperava-se que fosse capaz de fazer as coisas de outra forma, não dando o flanco à crítica tão depressa e de forma tão atabalhoada.

 

Neste curtíssimo espaço de tempo que leva na primeira linha da acção política, Passos Coelho e a sua equipa já se envolveram num número nada desprezível de trapalhadas, começando logo pelo duplo chumbo de Fernando Nobre, passando pelas confusões desencadeadas pelo “caso Bairrão”, as nomeações dos seus acólitos para a CGD (com uma poupança de € 6000!), os inquéritos (parece que é mais do que um) aos serviços "secretos", a forma como o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal foi criado ou os transportes foram aumentados; sem esquecer a forma como se continuaram a “meter” motoristas e especialistas (de quê, pergunta-se, como tão bem recordava Manuela Ferreira Leite) nos gabinetes ministeriais ou se ocupou o espaço público com “fait-divers”, tomando de assalto as redes sociais, inundando a comunicação social de “meias-notícias” e de meias-verdades, de que constitui exemplo mais recente o afastamento de Pedro Rosa Mendes da delegação da Lusa em Paris e as inacreditáveis explicações dadas pelo seu principal responsável, sem que se descortine qualquer outra intenção que não seja o afastamento de alguém incómodo, a coberto da redução da despesa, e intoxicar a opinião pública, como ainda hoje a revista Visão tão bem desmonta.

 

Mas se a isto acrescentarmos a frivolidade de algumas atitudes, a maneira como se confunde aquilo que é informação de interesse público com puros e simples actos de propaganda por parte de quem, sublinhe-se de novo, ainda não leva dois meses completos de governação (veja-se o que Ricardo Araújo Pereira escreve no mesmo número da Visão), ou o episódio das “férias” do Governo, em especial as do primeiro-ministro, naquela que é mais uma rocambolesca situação em que se deu o dito por não dito, começamos a ter uma ideia da estratégia seguida. Ou da falta dela quanto aos assuntos importantes.

 

E não se queira, como parece ser o caso da aposta feita por algumas pessoas próximas do Governo, colocar essa questão num patamar menosprezável, visto que esses gestos têm tanta ou tão pouca importância como o sinal dado aos portugueses pelas viagens em económica. Não está em causa, na minha modesta perspectiva, dizer que o primeiro-ministro não tem ou não deverá ter direito a férias como as goza qualquer outro “trabalhador”, ou que não deva tirá-las para assim se colocar no patamar dos “desgraçados” que não têm férias, nivelando por baixo. Para mim, isso é o que menos interessa e não vale a pena iludir os factos. Mas não deixa de ser sintomático que iguais atitudes no seu antecessor – como o ter ido de férias para o estrangeiro em alturas em que a crise não era sequer parecida com a que atravessamos (e não quero com isto dizer que estivesse de acordo com os destinos ou a oportunidade em que o anterior primeiro-ministro escolheu gozá-las) – fossem ao tempo encaradas como de lesa-pátria e de ofensa aos portugueses que atravessavam dificuldades.

 

Que diabo, deixemo-nos de querer fazer dos outros idiotas, sejamos justos e rigorosos: o primeiro-ministro não leva ainda dois meses de exercício de funções no seu "novo emprego" e já necessita de descansar? Descansar de quê? Em “tempo de guerra”? Estou seguro que qualquer trabalhador que entrasse para uma das empresas que foram geridas por Passos Coelho, Miguel Relvas ou administradas pelo Dr. Ricardo Salgado, que em tão pouco tempo está tão satisfeito com a acção do Governo que até, logo ele que é sempre tão prudente e comedido, já o elogia publicamente - fosse à luz da legislação laboral vigente ou do estatuto do funcionalismo -, não poderia tirar uma semana de férias para "descansar" ao fim de quarenta e cinco (45) dias de trabalho, a não ser que metesse uma "cunha" ao chefe e este soberanamente autorizasse o gozo antecipado à margem das regras aplicáveis ao comum dos trabalhadores, ficando o beneficiado eternamente grato ao patrão e a dever-lhe mais um “favor”. "Favor" que, estou certo, os portugueses, que em matéria de férias e pontes são bastante compreensivos, não irão cobrar a Passos Coelho e ao seu Governo se este dentro de quatro anos lhes apresentar resultados.

 

Percebo que muitos leitores não tivessem gostado de ler algumas das citações e comentários que foram feitos, mas isso faz parte das regras e estas nem sempre são as que nós queremos e na forma que gostaríamos que elas assumissem. As minhas declarações de interesses são conhecidas de todos. Nunca iludi ninguém ou escondi a minha condição, ou estados de alma, a começar pelos leitores deste blogue.

 

Compreender-se-á, por isso mesmo, que alguns se amofinem quando verificam ser a Passos Coelho um pouco mais difícil iludir Marcelo Rebelo de Sousa, Manuela Ferreira Leite, António Capucho, Rui Moreira, Miguel Sousa Tavares ou o vilipendiado Pacheco Pereira do que convencer Miguel Relvas, Marques Mendes ou o presidente da Lusa da excelência das suas decisões.

 

O rol de contratações de alguns que se especializaram em dizer mal dos que estavam e que agora convivem com as decisões das “alforrecas” e dos “torquemadas” que antes criticavam, e em relação aos quais só reconheciam defeitos, enaltecendo agora os méritos e as virtudes das irrelevâncias que por aí saltitam de canal em canal e de revista em revista, fazendo de conta que não ouvem os lugares-comuns e as banalidades debitadas sobre coisas como a “criminalidade gratuita” (sic), ante o olhar condescendente dos apresentadores pensantes de serviço, ou, ainda, enfatizando as novas atitudes (concordo, mais desempoeirada de alguns ministros), revela bem como em tão curto espaço de tempo os critérios de julgamento dos comportamentos do poder mudaram e aquela que era a bitola para julgar José Sócrates se transmutou.

 

Onde antes se via um mentiroso, um desavergonhado, um líder de seita do piorio, um "abrantes", vê-se agora uma alma impoluta, cheia de qualidades e virtudes, quase que diria um santo que aguarda a consagração da auréola, alguém que só nomeia em função do “critério da competência”, em relação ao qual estamos (estão, digo eu) sempre dispostos a dar o benefício da dúvida. Mas que, curiosamente, ao mesmo tempo é incapaz de dizer uma palavra, simples que seja, descomprometida, para condenar os insultos, as inanidades e as obscenidades regularmente proferidas e exibidas, de dedo espetado, com copo e sem copo, nos horários mais nobres, por um conselheiro de Estado do seu partido que se especializou na agressão, esta sim gratuita, a todas as instituições que não controla e a todos os que não pensando como ele além de serem ofendidos ainda têm, com os seus impostos, de sustentar a sua tropa de serventuários e avençados.

 

Aos meus críticos direi que não sou modelo de coisa alguma, que não pretendo afirmar-me como tal, que não concorro para primeiro-ministro, que tenho mais de sibarita do que de asceta, de homem livre - que sempre fui no pensamento e na acção - do que de funcionário, e que por essa razão não sou candidato, como nunca fui, a nenhum prato de lentilhas. Não me reconheço as qualidades, os talentos "inatos" e as vocações, que outros em si próprios vêem. E sei bem que é mais fácil criticar do que fazer. Aquela é infinitamente mais cómoda e prazenteira, mas não será por isso, se Deus quiser, que perderei o discernimento, a liberdade ou a independência, ainda que algumas vezes tenha de assumir atitudes de simpatia ou de proximidade em relação a realidades que me estão distantes e que ontologicamente repudio. Não fazendo favores, admito tais atitudes de forma limitada e não encapotada, como um exercício que me auxiliará a ver melhor, de uma forma mais crua, sem medo de me expor e de percorrer caminhos que não são os que defendo para melhor poder sublinhar o que entendo ser pertinente. E, em especial, decisivo quando se trata de pensar (mesmo mal e incompletamente) e de exercer direitos de cidadania.

 

Sei que alguns dos que entraram não vão tirar “férias”, uma semana que seja, porque aquilo que têm para fazer é mais premente e não se compadece com as acções de marketing político que estão sendo preparadas. Também sei que o que é apregoado pelo primeiro-ministro ou pelos seus colaboradores mais próximos não servirá de bitola ou de desculpa para os que falharem na concretização ou deixarem de realizar o que se lhes impõe. Como, de igual modo, de nada lhes servirá quando a opinião pública iniciar a accountability da sua acção e, exasperada e farta de esperar pelas febras,  começar a pedir responsabilidades aos que tributam o trabalho isentando o capital e "protegendo" os gangues que arruinaram este País à sombra da tolerância com as offshores, com o tráfico de influências, com a corrupção mal disfarçada, a ineficiência, a obscuridade e a morosidade da justiça e a persistente fuga ao fisco.

 

E também não ignoro que a acção governativa não pode ser julgada pelas mensagens do Facebook, a temperatura do ar-condicionado nos ministérios, as viagens em classe económica ou o louvável exemplo da dádiva de sangue do ministro da Saúde (sou dador, por isso aprecio duplamente o gesto).

 

Estas são constatações que dispensam contraditório. Contraditório que, porém, deverá começar a ser exercido logo após as “férias” do primeiro-ministro. Para já, que o texto já vai longo, desejo que depois do que aconteceu o ano passado, este ano, na festa do Pontal, o líder do PSD/Algarve tenha o bom senso de não vir enaltecer a qualidade das salsichas e da entremeada servida pelo primeiro-ministro aos seus convivas. Já chega de espectáculos deprimentes. Uma situação como a que o País e a Europa atravessam dispensa a atenção que seja dada pelos media a números de circo, rodízios e chanatas.

 

Quando o Verão terminar acabará a folga. Com ele deverá finar-se o “estado de graça”. Ou, se se quiser, de “desgraça”. E também o passado recente, o qual terá de ser enterrado contra a vontade de todos aqueles que não se cansam de embalsamá-lo, por entre meias-palavras, a propósito e a despropósito, como se estivéssemos todos condenados a ser perseguidos pelo passado.

 

Saber olhar o futuro, mostrando estofo e coragem, também passa por aí. E isso aplica-se a todos, aos que estão no Governo ou na Oposição. Para que, recuperando uma ideia de Malraux que sempre me persegue, os portugueses não tenham de julgá-los pelo que não fizeram, como aconteceu com outros antes deles, mas pelo que ainda poderão vir a fazer.

Finalmente, um pouco de lúcida sensatez

Sérgio de Almeida Correia, 16.06.11

1 - "A saída voluntária de Sócrates foi um ato de bom senso e abriu a porta a dois candidatos a líder que têm a vantagem de ser pessoas inteligentes, experientes e honestas". Sublinho, em especial, a utilização por Mário Soares do substantivo. Para bom entendedor estará tudo dito, por isso eu apenas pergunto se era necessário termos chegado até aqui da forma por que chegámos?

 

2 - A situação foi manifestamente grave, visto que a democracia e o estado de direito são acima de tudo o cumprimento das regras (coisa que pelos lados do CEJ parece haver alguma dificuldade em entender sem que, todavia, se saiba se o expediente agora utilizado não teria já sido antes usado noutras ocasiões pelos mesmos figurões do "dez"). Assim, convirá referir que qualquer outra atitude, contrária ao que Francisco Assis já disse e António José Seguro reafirmou, seria mais um acto imbecil e inútil. Eu sei que nos últimos anos faltou muita lucidez, bom senso, inteligência e seriedade. E também sei que sobrou esperteza. Muita, como continua a ver-se. Mas esses votos não interessam neste momento para nada e agora há que seguir em frente. A não ser que se queira dar mais corda a alguns corvídeos que têm primado pela miopia e pela estupidez. Há, também e muito naturalmente, que  não deixar de tomar as iniciativas, legislativas e políticas, que impeçam a repetição da "tourada" com os votos e os partidos do arco da governação deverão ser os primeiros interessados nisso. Mesmo que isso tenha custos para o Presidente da República. Cada coisa tem o seu tempo e a sua oportunidade.